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segunda-feira, 8 de outubro de 2012

UFSC: Semana Academica de RI - Perguntas nao respondidas - Paulo Roberto de Almeida

No último dia 5 de outubro de 2012, estive na Universidade Federal de Santa Catarina, convidado que fui pelos alunos para proferir a palestra de encerramento desta terceira semana de RI (a primeira turma de graduação está recém se formando agora).
Agradeci muito o convite e até fiz um esforço para comparecer, pois passei a semana em Maceió, onde tinha ido para as comemorações dos cem anos de nascimento de meu colega diplomata (que não conheci, pois ele se aposentou no ano em que eu ingressava no Itamaraty) Renato Firmino Maia de Mendonça. Acordei as 5hs da manhã, para viajar direto a Florianópolis e proferir a palestra no final do dia. Fui muito bem recebido, aliás, pelos alunos encarregados da excelente organização do evento, e não tenho nenhuma reclamação a fazer, a não ser duas:
1) Não me lembrei de pedir, antes da palestra, que eles escrevessem os nomes e e-mails nas perguntas escritas que encaminharam à mesa para que eu respondesse, ao final de minha exposição; falha minha, portanto, pois sempre peço, em circunstâncias similares, que os perguntadores formulem suas perguntas, com as devidas coordenadas, para que eu possa, justamente, encaminhar depois respostas mais estruturadas caso falte tempo para abordar todas as questões;
2) Não houve tempo hábil para responder a todas as questões, e isso eu imputo aos organizadores. Não me avisaram antecipadamente que tínhamos de encerrar as 20h30 (sendo que sempre se começa mais tarde do que a hora marcada), e eu me alonguei, seja na palestra, seja nas respostas às primeiras perguntas e depois fui "confrontado"  com a falta de tempo, e não pude satisfazer aos demais. Ainda assim, terminei pedindo que me contatassem ao final da palestra, para passar os e-mails ou continuar a conversa, mas poucos o fizeram (enfim, preferiram comer os canapés e tomar os sucos, o que talvez tenha sido melhor: as causas alimentares sempre passam antes do intelecto).
Vou portanto, transcrever as perguntas feitas e tentar dar algumas indicações sobre elas, não sem antes informar aos navegantes, curiosos e interessados sobre a disponibilidade de alguns dos meus textos mais recentes que possam apresentar algum mérito para pesquisadores ou estudantes:

As relações Sul-Sul: um novo determinismo geográfico?
Renato Mendonça: um intelectual na diplomacia
Intervenção governamental: Von Mises e prática brasileira
A diplomacia da era Lula: balanço e avaliação
Falácias acadêmicas: ensaios sobre alguns mitos correntes

A Economia Política da Integração Latino-Americana 
Uma história do Mercosul: evolução e situação atual

Vejamos agora o que eu poderia ter respondido e não respondi: 

1) O Sr. acredita que o crescimento econômico dos países depende de fatores endógenos, como o fortalecimento das suas instituições, ou que tal situação dependa fundamentalmente dos cenários e interesses internacionais?
PRA: Em primeiro lugar, eu costumo não "acreditar" em fatores econômicos e sim consultar e constatar os dados empíricos, a pura materialidade das coisas. Claro, somos todos influenciados por uma ou outra teoria, inclusive na seleção e interpretação dos dados, mas o economista verdadeiro tenta ser o mais objetivo possível, sabedor, no entanto, que os homens atuam conscientemente (nem todos) e assim modificam sempre os dados do problema, já que reagem, racionalmente ou instintivamente, aos estímulos existentes, mudando, portanto, o comportamento dos agentes e consequentemente dos processos sociais, subjetiva ou objetivamente. 
Dito isto, nas economias modernas, globalizadas, fatores externos sempre influenciam a conjuntura interna, e portanto o crescimento, que pode ser sustentado ou não, dependendo de um número muito grande de variáveis para podermos traçar uma lei da predominância de uns (externos, digamos) sobre outros (domésticos, por exemplo) fatores de crescimento. Normalmente, as economias mais abertas são mais suscetíveis a choques externos, mas também, por se abastecerem e venderem a um número maior de parceiros, podem diluir o caráter errático de conjunturas adversas, tanto internas, quanto externas, e aí depende da diversidade e da complexidade desses impactos. 
Em qualquer hipótese, instituições sólidas, com normas claras, transparentes e estáveis são sempre melhores, MUITO melhores, do que alterações arbitrárias das regras que presidem ao jogo econômico. 
A despeito que se diga que os capitais financeiros externos produzem volatilidade, o que pode ser verdade, acredito que a volatilidade maior está embutida nas políticas econômicas nacionais. 

2) Por que se, durante décadas o Brasil fez alianças/parcerias muitas vezes quase exclusivas com o Norte, não somos mais avançados, tecnologicamente, por exemplo?
PRA: Muito simples, e talvez mais complicado. Não se deve confundir relações de compra e venda, ou de participação nos mercados internacionais, com "parcerias" e muito menos com "alianças".
Uma colônia de exportação atua sob o chamado "pacto exclusivo", ou seja, totalmente dominada pela métropole. Mas mesmo um país independente, que só exporta matérias primas -- que podem ser absolutamente estratégicas para "parceiros"  avançados, como o petróleo, por exemplo, inclusive com a "ajuda tecnológica"  de empresas desses "parceiro" -- pode continuar durante séculos um mero exportador de produtos não processados, não absorvendo em nada essas tecnologias. Um país pode -- e muitos o fazem obviamente -- continuar durante 5 séculos a colher cana no machete, ou café e algodão manualmente, já que dispõe de uma mão de obra abundante e barata, o que não obriga à capitalização. O mesmo ocorre na extração, mineral ou outra. 
Engano seu, portanto, achar que pelo fato de o Brasil ser um exportador de commodities a "parceiros"  mais avançados durante os últimos 5 séculos, ele tenha de se qualificar tecnologicamente. O desempenho nessa área, ou seja, a transformação produtiva depende de que os agentes primários em cada setor se convençam de que é melhor exportar produtos processados do que commodities, cujos preços não são fixados pelo produtor (mas isso, mais uma vez, depende dos mercados, pois os fatores abundantes podem estar nos recursos naturais e na mão de obra, não havendo estímulo para a capitalização). 
De toda forma, qualquer que seja a situação, isso não tem absolutamente nada a ver com Norte ou Sul, pois não é a relação Sul-Sul que vai mudar qualquer coisa no avanço tecnológico, e geralmente não o faz, pois de fato e historicamente o Sul é mais defasado tecnologicamente do que o Norte.
Elementar, não meu caro Watson?

3) Em seu blog, você mantém uma categoria de escritos chamada "falácias acadêmicas", onde se refere às distorções ideológicas que em sua opinião pululam pelas academias brasileiras. Um dos seus estudos lá presentes versa sobre o neoliberalismo, que você argumenta nunca ter existido em várias partes do mundo, inclusive no Brasil.
Tendo em vista que esta casa (UFSC) orienta-se, em sua predominância, à esquerda, o que faz com que a palavra neoliberalismo seja sempre acompanhada dos piores adjetivos, você poderia falar um pouco sobre a sua visão da política "neoliberal" no Brasil, especificamente de temas como a privatização, abertura comercial e o governo FHC (grande vilão neoliberal segundo alguns)? Obrigado [O autor identificou-se depois, mas eu preservo seu nome para evitar dele ser crucificado pelos mais fanáticos anti-liberais, depois.]
PRA: Meu caro: Eu creio NUNCA ter falado que o neoliberalismo NUNCA existiu, no Brasil ou alhures. O "neoliberalismo" não existe, ou existe apenas como renascimento do velho liberalismo clássico. Não conheço economistas (ou outros) liberais que se classifiquem a si mesmos de "neoliberais". Um liberal consequente, e corajoso, diria, simplesmente: "Eu sou liberal!" (ponto, sem adjetivos).
O que eu disse foi que o liberalismo NUNCA existiu no Brasil, e isso é muito fácil de provar. Dou um doce, ou melhor, dou metade da minha biblioteca, para algum desses fanáticos "anti-neoliberais" (eles mesmos se vêem assim, e podem ser professores ou não) se qualquer um deles conseguir me provar que em algum momento da história do Brasil, desde Cabral, algum governante, qualquer um, tenha pautado sua administração, e mais concretamente sua política econômica, pelos seguintes princípios: de agora em diante, o governo não interfere mais na economia, não impede a criação de nenhuma empresa, todos são livres para empreender e começar a trabalhar, sem qualquer permissão prévia do governo (salvo nos setores de defesa, justiça e policiamento), que o comércio é totalmente livre, com zero tarifas e zero proibições, que os capitais e as pessoas podem entrar e sair livremente, que todo mundo pode ser exercer em qualquer profissão (salvo naquelas que "matam" gente) sem qualquer tipo de regulamentação ou reserva de mercado, sem qualquer diploma, título ou certificado, que eu não preciso sequer de um diploma de alfabetização para prestar concurso público, bastando fazer concurso, com base no mérito, que nenhum governo jamais fixará taxa de juros ou taxa de câmbio, que eu posso usar a moeda que quiser nas minhas transações internas e externas, que eu posso ter contas em moedas estrangeiras no banco que eu escolher, que a carga fiscal que eu preciso pagar ao governo é a mais baixa possível, que a oferta de bens e serviços (salvo naqueles monopólios naturais, onde se atua por concessão regulada por agências públicas) é a mais livre e a mais competitiva possível, que eu tenho mil operadoras de telefonia e de televisão à minha disposição, que eu possa ler, assistir, ouvir qualquer livro, qualquer programa sem nenhum tipo de censura governamental, que nenhuma agência fascista de governo vai me dizer o que eu posso ou não consumir, enfim, que eu seja absolutamente livre de burocratas governamentais.
Isso é liberalismo, e se alguém conseguir me provar que alguma vez, algum governo, no Brasil, foi assim, eu entrego metade da minha biblioteca.
O que eu afirmo, com todas as letras, é que o tal de neoliberalismo é uma invenção de pessoas frustradas com a volta de uma economia não liberal, mas um pouco menos regulada, menos intervencionista do que a que existia até os aos 1970, e que essas pessoas têm saudados do socialismo (que na verdade elas nunca conheceram, para ver a miséria que era), que são na sua grande maioria preguiçosos que não gostam de competição, que gostam de empregos públicos bem remunerados (pelos capitalistas, claro), que eles adora redistribuição de renda a seu favor, que eles detestam os mercados e acham o capitalismo perverso.
O chamado "neoliberalismo" é o despeito dos ignorantes sobre as reais alavancas de funcionamento do jogo econômico, além de revelar, no plano daqueles que acham o governo FHC "neoliberal" uma desonestidade ideológica desprezível, pois o que ele fez foi simplesmente colocar em ordem uma economia absolutamente esquizofrênica e caótica por anos de estatismo e de intervencionismo governamental. Essas pessoas não mereciam dar aulas, pois estão simplesmente propagando mentiras.
Acho que está claro, não?
Mas se quiser saber mais, basta ir ao meu site e blogs, e clicar "neoliberalismo", ou suas derivações negativas e positivas, e haverá uma pletora de artigos meus sobre o assunto...


Existiram, também, perguntas que eu pude ler e responder, ainda que parcialmente e rapidamente. Quais eram?

4) Em 2006, você deu uma entrevista ao Estadão, que afirmava que os Brics eram uma mera construção intelectual...
PRA: Já respondi, mas também tenho, em meu site e blogs, muitos trabalhos e textos sobre essa questão, e portanto peço para ver lá.

5) A dinâmica da diplomacia brasileira desde a ascensão de Lula prioriza as relações Sul-Sul [como] resultado dos fracassos econômicos e políticos da década de 90... A política atual é soberana (...) e isso seria pragmatismo...
Bem, já remeti a um texto meu, acima, sobre a diplomacia de Lula, e tenho muitos outros disponíveis. Recomendo ler...

6) [Artigo] do Wall Street Journal sobre educação na China e na Índia, capaz de suplantar a norte-americano, e portanto seriam modelos a ponto de influenciar o Brasil...
PRA: Para mim, China e Índia não são modelos para absolutamente nada para o Brasil ou qualquer outro país, a não ser para o óbvio, quando ele existir: estudo de boa qualidade, abertura econômica, receptividade aos investimentos estrangeiros, estabilidade macroeconômica, competição microeconômica, boa governança, ou seja, puro bom senso, e apenas isto.

Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 8 de outubro de 2012