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segunda-feira, 15 de junho de 2020

Max Weber, por Carlos Eduardo Sell

O Legado Max Weber 100 Anos Depois – Entrevista com o Professor Dr. Carlos Eduardo Sell (UFSC)
Blog do Sociófilo, UFSC, 15/06/2020

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Por Bruna dos Santos Bolda e Marieli Machiavelli

O ano de 1920 anunciou o precoce falecimento de Max Weber (1864-1920), vítima de pneumonia. Durante seus 56 anos de vida, Weber produziu uma vasta obra na qual discutiu os mais diversos temas: economia, dominação e política, direito, religião, classes e estamentos, arte, cultura, erotismo e ciência (para citar alguns). In memorian, essa entrevista discutirá o legado de Max Weber no Brasil e no mundo, atentando especialmente para a atualidade de suas ideias no contexto de republicação crítica de sua obra completa (a Max Weber-Gesamtausgabe).
Carlos Eduardo Sell,  professor do Departamento de Sociologia e Ciência Política na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), é um profundo conhecedor da obra de Max Weber, sendo destacado pelo livro Max Weber e a racionalização da vida – obra que recebeu o prêmio por melhor obra científica em Ciências Sociais em 2013 pela ANPOCS. Além da racionalização, ao longo de sua carreira Sell discutiu temas como: a interpretação do pensamento weberiano no Brasil, a atualidade da sociologia weberiana, a Sociologia da Religião e a Sociologia Política de Max Weber, entre outros.
Max Weber no Brasil e no mundo
  1. Max Weber-Gesamtausgabe é um grande empreendimento de publicação da obra completa de Max Weber, pensado por especialistas (como Horst Baier, Gangolf Hübinger, M. Rainer Lepsius, Wolfgang J. Mommsen, Wolfgang Schluchter, Johannes Winckelmann) e publicado pela Editora Mohr Siebeck (que sempre teve uma relação próxima com Weber). São mais de 40 anos de esforços para trazer ao público um trabalho minucioso. Por conceder um panorama geral da obra de Weber, o professor concorda com o prognóstico de que a MWG pode alterar a forma de ler e interpretar seus escritos?
Junto com o projeto MEGA (obras completas de Karl Marx), a MWG  (Max Weber-Gesamtausgabe) é um dos maiores projetos editorias da sociologia alemã e mostra a força e influência destes dois clássicos da sociologia. Dado o seu aparato técnico que, além dos textos originais, inclui índices analíticos e onomásticos, notas explicativas e uma série de outros suportes, como introduções de alto nível, trata-se de um trabalho de envergadura científica notável. As obras completas de Georg Simmel, por exemplo, por se limitar apenas aos textos em si mesmos, ficou bem aquém dos resultados da MWG. Trata-se de uma grande iniciativa que, através de 50 volumes (divididos em três partes: (i) Obras, (ii) Cartas e (iii) Anotações e notas de aula), chegou ao seu fim exatamente no Jubileu de falecimento de Max Weber.
Do ponto de vista sócio-político, Edith Hanke (membra do Arquivo Max Weber, de Munique) foi uma das poucas estudiosas que, até agora, dedicou-se a analisar o histórico e a rede de pesquisadores que estão por trás desta iniciativa. Além da competição com o marxismo (que a motivou), a MWGconsagra uma série de estudiosos e peritos de Weber e deixa de lado outros nomes, em particular aqueles autores que buscam vinculá-lo geneticamente a Nietzsche (como Wilhelm Hennis e Dirk Käsler, que ficaram de fora do projeto). Também deveríamos considerar as tensões internas do grupo, que não são poucas. De toda forma, seria um erro ver a MWG como a imposição unilateral de certa interpretação de Weber, pois mesmo uma leitura estritamente nietzscheana deste pensador – independente do peso e do lugar de Nietzsche em sua obra -, já está descartada pelo melhor da exegese contemporânea. Existe muita pluralidade interpretativa que atravessa os diferentes volumes da MWG, tema que futuramente, assim acredito, ainda será aprofundado. Não obstante, ainda nos falta distanciamento para uma análise da MWG sob a ótica de uma sociologia dos intelectuais.
Do ponto de vista epistemológico, contudo, os reflexos da MWG me parecem decisivos para questionar certa doxa que se cristalizou em torno do pensamento de Max Weber. Não é nada fácil livrar-se das pré-noções, como já mostrava Husserl. No fundo a MWG nos oferece a chance para uma epoché, ou seja, para voltar a visitar Weber sem ideia pré-concebidas à respeito dele. Não nego, é claro, o círculo hermenêutico (que valoriza nossas pré-noções), mas creio que com a MWG é possível voltar a Weber mesmo e deixar que ele se nos revele a partir de suas fontes, quer dizer, de seus textos.
Na perspectiva histórica, por exemplo, os 13 volumes de cartas, com as milhares de missivas de Weber, são um tesouro para exaurir nossa compreensão não apenas do mundo interior deste autor (como certo viés psico-analítico que muitas das biografias atuais fazem, já que se fixam nos problemas psíquicos e nas relações amorosas de Weber), mas acima de tudo para reconstruir suas redes no mundo econômico, político, acadêmico-científico e cultural. Com estas cartas podemos, na prática, reconstruir toda uma época. E está tudo a espera para ser analisado. O mesmo vale para os 07 volumes de lições e notas de aula de Weber que se concentram nos seus anos de docência em Berlim, Freiburg e Heidelberg. Nestes volumes encontramos o esforço de Weber (que era jurista de formação) em mergulhar no pensamento econômico (que se tornou sua área de ensino), o que é fundamental para entender sua futura sociologia econômica, por exemplo.
No plano teórico-analítico strictu-sensu, a MWG também nos dá uma visão mais clara da evolução de suas posições políticas. A Alemanha ainda não se recuperou totalmente do trabalho de Wolfgang Mommsen que, em 1959, apresentou Weber como um teórico do realismo nacional-imperialista, descuidando de seus fundamentos liberais. Estou plenamente convencido de que uma leitura diacrônica, que não coloque todo peso na Conferência de 1895 (O Estado Nacional e a política econômica), mostraria como Weber está muito mais próximo de um liberalismo social do que de um nacional-liberalismo, como a interpretação consagrada, inclusive no Brasil, ainda insiste em reproduzir. Do mesmo modo há muito ainda que entender no engajamento de Weber na construção da República de Weimar e no que representava, concretamente, sua defesa da democracia plebiscitaria do líder.
No entanto, não resta dúvida de que a maior contribuição da MWG está na desmontagem de duas ficções históricas que, mesmo que exegeticamente superadas, tiveram e ainda têm um papel muito positivo na difusão e recepção de Weber.
A primeira delas é o fim dos Ensaios de teoria da ciência – a célebre Wissenschaftslehre – que no Brasil é conhecida como Metodologia das ciências sociais que, por sinal, necessita urgentemente de uma nova tradução que supere os inúmeros problemas existentes nesta versão em português. Ao separar e re-ordenar os escritos epistemológicos de Weber em dois volumes separados, a MWG colocou em evidência o fato de que a filosofia das ciências sociais de Weber move-se em duas fases.  Enquanto a primeira, mais genérica, trata das ciências da cultura em conjunto, a fase posterior tem uma ênfase mais disciplinar (sociológica). Até hoje os estudiosos debatem em que medida a ênfase individualizante do Weber da primeira fase não transitou para uma ênfase mais generalizante no Weber maduro, já que ele dizia que “A sociologia constrói (…) conceitos de tipos e procura as regras gerais dos acontecimentos”.
A segunda delas envolveu um esforço de desmonte de Economia e Sociedadeque Marianne Weber separou em dois volumes, julgando tratar-se o primeiro da parte teórica o segundo da parte aplicada. A MWG realizou um esforço gigantesco para apresentar os textos de Weber em ordem cronológica, mas nem todas as dúvidas puderam ser sanadas. Assim, os escritos mais antigos de Weber, redigidos ainda antes da primeira guerra mundial (desde 1909 até 1914), foram publicados em 05 volumes sequenciais que tratam das 1) Comunidades, 2) Comunidades Religiosas, 3) Direito, 4) Dominação e 5) Cidades. A versão final de Economia e Sociedade só começou a ser produzida por volta de 1910, mas Weber só conseguiu redigir ou modificar versões antigas de quatro capítulos: 1) Conceitos sociológicos fundamentais, 2) Categorias fundamentais da ação econômica, 3) Os tipos de dominação e 4) Estamentos e classes (que restou inacabado).
Existem muitas polêmicas envolvem esta sequencialização, pois ela levanta a dúvida se não existe uma evolução ou mesmo rupturas no modo como Weber entendia a sociologia ao longo do tempo. Há, por exemplo, estudiosos, como Orishori Ohara que sustentou enfaticamente que Economia e Sociedade deveria ter sido publicado junto ao escritor Sobre algumas categorias da sociologia compreensiva, tornando transparente sua ligação interna. Na visão deste crítico, os textos de Wirtschaft und Gesellschaft escritos antes da guerra são suficientemente coerentes a ponto de consistir em um todo integrado, em cuja cabeça deveria constar o artigo das Categorias. Klaus Lichtblau, de outro lado, é da opinião de que é somente na segunda fase das Categorias de 1913 (mas não na primeira) que podemos encontrar, realmente, uma concepção especificamente “individualista” de sociologia, retomada e desenvolvida por Weber em 1920. Estas perguntas são decisivas não apenas em função da história pregressa da teoria sociológica de Weber, mas também de seu presente e futuro. Embora eu não compartilhe destas opiniões, a pergunta não deixa de ser estimulante: afinal, quantas sociologias existem em Weber e qual delas possui validade frente ao cenário contemporâneo?
Existe, portanto, uma vasta agenda de questões que a MWG levanta e que deve estimular tanto o aprofundamento quanto a contínua renovação da sociologia weberiana.  Em que medida deste processo de amadurecimento vai resultar um “novo Weber” ainda não sabemos exatamente.
  1. No período pós Segunda Guerra Mundial, sob marcada influência de Talcott Parsons, Hans Gerth e Wright Mills, o centro das discussões sobre a obra de Max Weber era os Estados Unidos. Na década de 1950, por outro lado, o cenário parece mudar. Os estudos de Dieter Henrich, Johannes Winckelmann e Wolfgang Mommsen e o 15º Congresso de Sociologia de Heidelberg (re)inseriram a Alemanha no centro debate – algo que posteriormente, somado aos esforços de Bendix e Roth, juntamente com Tenbruck, Habermas e Schluchter, culminou na primeira fase da Weber-Renaissance. Atualmente o cenário de discussão é deveras plural. Embora a Alemanha e os Estados Unidos continuem desempenhando papel proeminente na discussão sobre Weber, é possível verificar inúmeros países nos quais o autor vem ganhando ampla notoriedade (especialmente no campo da pesquisa aplicada). Como você avalia a influência da obra de Weber em países fora do eixo Alemanha-Estados Unidos (como os países da América Latina, o Japão, a Polônia e a Bulgária, por exemplo)?
A discussão especializada sobre Max Weber no mundo acompanha a geografia global do conhecimento e está concentrada, no que diz respeito ao seu poder de difusão, basicamente, em dois países: Alemanha e Estados Unidos. Talvez apenas a França, com Raymond Aron e Julien Freund, e, atualmente, com Catherine Colliot-Thélene e Jean Pierre Grossein, entre outros, ou mesmo a Itália (Pietro Rossi), possuem um alcance que vá além de suas fronteiras. O Japão é um caso curioso, pois embora não tenha consigo “exportar” sua exegese, digamos assim, é o país extra-ocidental em que está concentrada a maior parte das traduções dos escritos de Weber. No México Gill Villegas vem fazendo um trabalho extraordinário com uma nova tradução de Economia e Sociedade e um estudo completo de toda polêmica existente em torno da Ética Protestante de Weber até o presente. Lamento que o espanhol seja uma barreira que impede sua difusão em outros contextos internacionais.
A difusão do pensamento de Weber começa em Heidelberg com sua esposa, Marianne Weber, que foi a principal responsável pela edição dos escritos weberianos. Outro autor importante foi Talcott Parsons – o teórico incurável – que dominou a sociologia americana durante décadas. Embora a influente coletânea de Whrigt e Mills (Ensaios de Sociologia, de 1946) e diversos emigrados alemães do pós-guerra, como Reinhard Bendix e Guenter Roth, tenham oferecido uma visão diferente, o “Weber de Parsons” continuou sendo muito influente. 
Na paisagem intelectual alemã, os anos 60-70 foram o auge da chamada Escola de Frankfurt e contra o espírito de sua obra, Weber acabou enquadrado na etiqueta do positivismo, confusão que ainda perdura, em muitos círculos, até hoje. Por outro lado, inspirando-se em Georg Lukács, algumas teses weberianas foram incorporadas na teoria crítica, como ilustra o trabalho de Jürgen Habermas, que identificou na sociologia de Weber o diagnóstico de importantes patologias da modernidade: a perda de sentido e a perda de liberdade. Contrapondo-se ao Weber funcionalista de Parsons, surgia assim o “Weber crítico” da Escola de Frankfurt.
Apesar dessas dificuldades, ao longo da década de 70, um vigoroso debate teórico sobre a interpretação do sentido da obra de Max Weber ressurgiu na Alemanha, envolvendo nomes hoje consagrados como Johannes Winckelmann, Friedrich Tennbruck, M. Rainer Lepsius e Wolfgang Schluchter, entre outros. Esses autores resgataram as teses centrais da sociologia de Weber, como sua tese do desencantamento do mundo e sua caracterização do racionalismo ocidental. Dessa forma, ele voltaram a produzir uma leitura genuinamente weberiana, sem submetê-la ao funcionalismo de Parsons ou ao marxismo da Escola de Frankfurt. Em suma: eles voltaram ao “Weber de Weber” mesmo.
Atualmente, passar da exegese histórico-crítica da obra de Weber para a elaboração de uma teoria sociológica de fundo weberiano que seja capaz de captar e definir a situação do mundo presente é o desafio que os pesquisadores de uma nova geração, como Thomas Schwinn, Gert Albert, Jens Greve, Markus Pohlmann e outros, vêm enfrentando, e é a partir dele que vai se desenhando o que eles denominam de “Paradigma Weber” ou Programa de pesquisa weberiano. Trata-se de uma inovação fundamental que ainda não foi devidamente percebida e acompanhada no Brasil e em outros países. Mais que pensar sobre Weber, o que eles propõe, hoje, é pensar com Weber. Este também deveria ser nosso desafio, pois o Paradigma Weber não tem futuro se não levar em consideração o cenário global e a contribuição de profissionais de outras partes do planeta.
  1. Na década seguinte àquela do falecimento de Weber, exatamente em 1936, Sérgio Buarque de Holanda torna pública a obra Raízes do Brasil: um estudo sobre as causas do “atraso” da sociedade brasileira à luz da teoria weberiana. Esse foi o primeiro grande impulso para os estudos sobre Max Weber em nosso país, publicado em um momento que a universidade ainda se institucionalizava no Brasil (a USP, por exemplo, havia sido fundada em 1934). Você poderia nos falar sobre como a recepção da obra de Weber no Brasil se transformou ao longo desses 84 anos?
Em estudo amplo e sistemático sobre a recepção e interpretação de Weber no Brasil, seja no campo da história das ideias, seja enquanto sociologia da sociologia, ainda está por ser feito. Neste ponto, o historiador Sérgio da Mata possui contribuições fundamentais, pois ele investiga as referências mais antigas feitas a Weber no Brasil. Mas a tarefa é vasta, pois uma pesquisa abrangente precisa contemplar não apenas a produção teórico-interpretativa feita no Brasil sobre Weber como pensador, mas também a reflexão da realidade brasileira feita a partir de Weber. Por um lado temos que considerar “Weber a partir do Brasil” e de outro “o Brasil a partir de Weber”.
De todo modo, está claro que a recepção de Weber no Brasil ganha forte impulso com a institucionalização das ciências sociais no espaço da Universidade e a concomitante formação de um campo de produção cultural de massas (livros, editoras, traduções, etc.) no início dos anos 70. A partir daí a tradução das obras de Weber vai se multiplicando, como mostra o estudo de meu orientando Márcio de Carvalho, que está finalizando sua tese aqui na UFSC. Neste processo, a teoria social de Weber aparece segundo dois registros fundamentais: por um lado, nos ensaios de interpretação de Brasil e, por outro, na reflexão teórico-sistemática sobre a obra e a teoria de Max Weber.
Existem diversos pensadores que buscaram realizar uma interpretação de inspiração weberiana do Brasil, ainda que Sérgio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro  (autor de Os donos do poder, de 1958) costumem ser apontados como os dois mais importantes. Existem também diferenças essenciais entre eles pois enquanto Holanda é, de fato, mais eclético em suas referências teóricas, em Faoro a orientação a partir de Weber e sua sociologia da dominação é central e determinante: neste sentido ele é mais genuinamente weberiano que Holanda. No entanto, a exegese sobre a obra de Holanda que, na verdade, escreveu duas versões de Raízes do Brasil, com orientações ideológicas bem distintas, está mais avançada que os estudos especializados sobre Faoro.
No que tange ao conteúdo de suas ideias, chama a atenção o fato de que os grandes intérpretes weberianos do Brasil buscaram pensar a realidade nacional a partir da dimensão política e não tanto a partir do capitalismo. Na medida em que o marxismo hegemoniza a pesquisa sobre o capitalismo dependente, parece que a sociologia brasileira de orientação weberiana se concentrou cada vez mais no tema do Estado e do patrimonialismo. De qualquer forma, repetindo o feito da sociologia clássica europeia, eles produziram uma notável narrativa sócio-histórica da transição do Brasil tradicional para o Brasil moderno. Uma das melhores sociologia históricas de que dispomos.
Como explicar, então, que Jessé Souza, um sociólogo formado em Heidelberg – justamente a Meca dos estudos especializados em Weber – tenha desprezado tão radicalmente aquela que é a mais importante leitura weberiana de que dispomos para pensar o Brasil? Com efeito, na leitura crítica-negativa que Souza faz de nossos clássicos weberianos, no subsolo profundo de nossa herança ibérica estaria nossa verdadeira face anti-moderna: o patrimonialismo. Dados os pressupostos liberais desta visão, Souza simplesmente dispensa tal diagnóstico. No nível histórico-explicativo, reduzir a teoria do Brasil de Faoro e Holanda a tese da inautencidade ou do atraso deixa escapar justamente o que constitui o seu maior valor, a saber, o seu potencial crítico para explicar as graves distorções políticas que, sim, afetam o Estado brasileiro. Temática que, recentemente, apenas Fernando Haddad[1], devo dizer, soube reconhecer com a ênfase que o tema merece.
Remando contra a maré dominante, defendo que a hermenêutica negativa que hoje pesa sobre estes autores – como se eles fossem algum tipo de aplicação simplesmente mecânica e distorcida de Weber ao Brasil – precisa ser superada por uma hermenêutica positiva que demonstre como eles representam um desenvolvimento rico e criativo da sociologia da dominação de Weber e, como tal, diversificam e enriquecem a sociologia política de orientação weberiana em escala global. Eles antecipam e concretizam sociologicamente a tese da “dependência da trajetória” e contém os elementos de uma teoria da variação latino-americana do moderno que o sociólogo chileno Aldo Mascareno denomina de diferenciação concêntrica, posto que centrada no primado do Estado. É preciso, pois, além da perspectiva crítica, explorar também o potencial pós-colonial latente que estes pensadores brasileiros – que mereceriam ser reconhecidos como patrimônios globais da sociologia weberiana –  nos legaram.
No campo teórico-interpretativo cabe dar destaque ao trabalho de Florestan Fernandes que em Fundamentos empíricos da explicação sociológica (de 1959) apresentou Durkheim, Weber e Marx como referências determinantes do aporte sociológico. Mas não sou da opinião de que Fernandes pratica um “ecletismo bem-temperado” – como sustenta Gabriel Cohn – , pois neste livro já fica claro que sua leitura dos clássicos pende para Marx. Refletindo as orientações de sua época, Fernandes acabou reproduzido uma leitura parsoniana, quer dizer, estática e anti-histórica, da sociologia weberiana. Apesar disso, ajudou a fixar Weber como marco indispensável da teoria sociológica.                    
Por este norte, Villas-Bôas mostrou muito bem que o escrito dedicado por Gabriel Cohn à epistemologia weberiana (Crítica e Resignação, que é de 1979), pode ser lido com um diálogo crítico com Fernandes, ainda que Cohn, no fundo, sempre tenha permanecido mais fiel a Adorno do que a Weber. Paradoxalmente, o Brasil ainda se encontra preso, em parte, a leitura comparada entre Weber e Marx, temática que já foi dominante nos anos 70.  Sinal disso é a ampla repercussão que encontrou no Brasil a ideia de um “marxismo weberiano” que deixa em segundo plano o liberalismo e o iluminismo (Aufklärung) de Weber para jogá-lo nos braços de uma suposta crítica romântica ao capitalismo.
Esta tendência sempre anda de braços dados com o exagero dos vínculos que ligam Weber a Nietzsche, como se o fundador da sociologia compreensiva fosse algum tipo de nihilista resignado. O fato é que o “enxerto” (para falar como Norberto Bobbio) de elementos weberianos no marxismo não pode nos levar ao equívoco de ignorar as tensões irreconciliáveis entre os dois pensadores ou mesmo a contrabandear Weber para um horizonte ideológico que não era o seu. Se pode existir um “marxismo weberiano” eu não sei (penso que não), mas o fato é que “weberianismo marxista” é um contra-senso. Weber é da direita liberal. Neste ponto, aliás, José Guilherme Merquior comete um grande equívoco ao interpretar Weber como um “semi-liberal”. Basta ler o trabalho de um marxista perspicaz como Maurício Tragtenberg (Burocracia e ideologia) para evitar tais confusões.
O trabalho de Cohn marcou época e continua sendo referência para um série de teses e dissertações que discutem o vínculo entre Weber e Heinrich Rickert, além de aprofundar a noção de tipo ideal. No entanto, esta direção de pesquisa está bastante rotinizada e deveríamos investir mais na atualização da epistemologia weberiana, como faz Gert Albert, em Heidelberg, quando aproxima Weber da filosofia da ciência contemporânea. Em termos de avanço nessa discussões, apenas Marcos Seneda, recentemente, produziu uma trabalho muito competente ao discutir o problema da evidência e da validade na metododologia de Weber.
No decorrer dos anos 90, a pesquisa brasileira sobre Weber desloca seu eixo no na direção da Alemanha e das discussões sobre a sociologia comparada das religiões que foram impulsionadas por Mario Rainer Lepsius e Wolfgang Schluchter, em Heidleberg. Foi seguindo esta tendência que Antônio Flávio Pierucci produziu seu competente trabalho exegético sobre a categoria do desencantamento do mundo em Weber, na esteira do qual busquei avançar no entendimento da categoria da racionalização (Max Weber e racionalização da vida, de 2013). Até hoje o principal escrito da sociologia das religiões de Weber, A ética protestante e o espírito do capitalismo, desperta muito interesse no Brasil, como ilustram os trabalhos recentes de Renan Springer de Freitas e da tese defendida na USP por Carlos Pissardo, por exemplo, com os quais tenho divergências, mas que aprecio pela sua qualidade e rigor. Nesta mesma direção vejo que Weber vem sendo redescoberto pelos historiadores, como evidenciam as pesquisas de Sérgio da Matta, mas também de Ulisses do Vale. Pena que na área do direito, disciplina na qual Weber já teve algum eco, ele esteja quase desaparecido.
Weber também sempre teve uma presença marcante na ciência política, ainda que a etiqueta “eltismo democrático”, que ainda hoje se reproduz mecanicamente na área, represente uma visão redutora de sua perspectiva de democracia. Neste ponto o Brasil ainda é devedor da tradição anglo-saxã e do influente livro de David Held (Modelos de democracia) que interpreta Weber pelas lentes de Joseph Schumpeter. Tal visão toma como ponto de partida uma leitura isolada do escrito Parlamento e governo na Alemanha reordenada (de 1917) e ignora praticamente toda discussão que Weber fez depois disso, quando ocorre a queda da Monarquia e ele se insere na discussão sobre os rumos da República de Weimar, tal com na Conferência Política como profissão(de 1919). Nos últimos anos fiz um esforço para aprofundar a ideia de “democracia plebiscitária” de Weber, destacando a correlação deste conceito com a dominação carismática. Trata-se de um conceito que ajudaria a iluminar muitos aspectos de nosso modelo presidencialista e da crise política que se instalou atualmente no Brasil
Apesar da boa qualidade da discussão técnica existente sobre o pensamento de Weber no Brasil faz-se urgente reconectá-la com as discussões sobre o tema dos rumos da sociedade brasileira. Neste ponto o trabalho de Antônio Flávi Pierucci pode ser uma inspiração, desde que ele seja lido para além das fronteiras da sociologia da religião. Com efeito, a reflexão de Pierucci, ainda que deva algo a certo evolucionismo que herdou de Procópio Camargo, mostrou que a mudança religiosa, quer dizer, o declínio do catolicismo e a ascenção do pentecostalismo, representa uma transformação cultural que modifica as bases do Brasil contemporâneo. No fundo, o que que eles nos apresenta é uma teoria da modernidade no Brasil. Se pudéssemos conectar a reflexão sociológica brasileira que se inspira em Weber com as discussões que existem hoje na Alemanha sobre o Paradigma weberiano, creio que o Brasil poderia ter um impacto decisivo no aprofundamento  e reconstrução da sociologia explicativo-compreensiva.
A atualidade de Max Weber
  1. Max Weber é comumente atribuído o posto de autor clássico da Sociologia. De fato, ele discutiu questões fundamentais tanto para a institucionalização acadêmica da Sociologia quanto para a compreensão das transformações socioeconómicas dos séculos XIX e XX. Embora na situação de “clássico”, como a leitura dos escritos deste autor podem nos ajudar a compreender a sociedade “atual” ?
 A sociologia contemporânea está confrontada com um enorme desafio teórico: ir além de seu contexto sócio-histórico de origem para pensar a realidades social em perspectiva global. Diante dessas preocupações, Max Weber praticamente não tem rivais na sociologia clássica pois ele evitou analisar a modernidade européia apenas a partir de si mesma e de suas raízes internas, seja como sucessão de modos de produção (como fez Marx, para quem toda a realidade extra-européia é nivelada na categoria modo de produção asiático – um ressaibo claro de orientalismo), seja como evolução para formas mais complexas e diferenciadas de vínculo social (como fez Durkheim). Diferente deles, Weber procurou descentrar sua análise determinando a especificidade do racionalismo ocidental de modo comparativo. Racionalizações, diz ele, existiram em todas as culturas civilizações, mas o que ele queria entender é como ela se desenvolveu na modernidade ocidental.
Em seus Ensaios Reunidos de Sociologia da Religião, Max Weber nos faz mergulhar em civilizações que se aproximam e ao mesmo diferem da experiência ocidental-européia em pontos bastante específicos. Nessa gigantesca empreitada teórica, ele comparou a realidade européia com dois complexos culturais diferentes (China e Índia), ao mesmo tempo em que foi buscar as raízes últimas do Ocidente no judaísmo antigo. Essa análise, ainda que centrada na religião, nunca deixou de equilibrar, sem qualquer determinismo, fatores materiais e ideias, não recaindo nem no materialismo economicista (marxismo ortodoxo), nem no idealismo culturalista (como fazem hoje as teorias do discurso).
O elemento mais impressionante da análise weberiana, portanto, é que ele nunca afirmou que o racionalismo ou a racionalidade são exclusividades ocidentais, reservando para os demais modos de ser-no-mundo o título de experiências inferiores ou deficitárias. Mas, isso também não significa que ele deixou de reconhecer o ímpeto universalista e, principalmente, ativo, do modo de agir que está na base da cultura ocidental. É o racionalismo da dominação do mundo e o modo de agir que  lhe é afim – a racionalidade de meios e fins – que está na base do modo próprio de ser do Ocidente moderno, incluindo o capitalismo racional, a burocracia estatal, a contabilidade, a técnica moderna, o direito formal, a música acordeônica, o protestantismo ascético, a moral abstrata do dever, a arte como valor formal e assim por diante. Cada um destes fenômenos acima materializa, socialmente, o racionalismo da dominação do mundo, modo pelo qual nós, como indivíduos ocidentais, nos situamos diante da vida e conferimos sentido à realidade.
  1. Em Max Weber e racionalização da vida o professor defende a tese de que o tema da racionalização perpassa a obra desse autor. Qual é importância desse conceito para compreensão da teoria de Max Weber?
Embora ele não tenha feito uso do termo modernidade – hoje tão central no discurso sociológico -, Max Weber apresentou uma das mais importantes e influentes interpretações de nosso tempo. Essa interpretação tem dois eixos. Por um lado, Weber apresenta uma análise cultural da modernidade ocidental, acentuando sua especificidade diante de outras culturas e civilizações. De outro ângulo, Weber procura rastrear também os fatores internos que moldaram o mundo no qual vivemos hoje e, nessa dimensão, temos uma teoria da racionalidade moderna. A teoria da modernidade de Weber é cultural-comparativa e histórico-genética e se preocupa em captar, de forma articulada, o processo de formação e, ao mesmo, tempo, as peculiaridades da modernidade ocidental moderna. É nesse contexto que Weber desenvolve sua original teoria da racionalidade e da racionalização.
Weber procurou observar se se as representações das religiões universais são mais ativas (racionalidade prática) ou contemplativas (racionalidade mística) e se elas possuem uma orientação mais positiva ou mais negativa no que tange a relação entre o divino e o humano. Emerge, assim, um complexo modelo comparativo, no qual podemos identificar três grandes modelos sócio-culturais, cada um deles marcado por tipos diferentes de racionalidade: o racionalismo da adaptação ao mundo (Confucionismo e Taoísmo), o racionalismo da fuga do mundo (Hinduísmo e Budismo) e o racionalismo da dominação do mundo que modelou a civilização ocidental.        
No que diz respeito à sua compreensão das sociedades euro-atlânticas, existe um escrito de Max Weber que sintetiza sua visão de forma magistral. Trata-se de um texto inserido no meio do primeiro volume dos Ensaios Reunidos de Sociologia da Religião e que recebe o título de Consideração Intermediária. O eixo principal de sua argumentação é a complexa e múltipla relação da religião com o mundo e, em particular, os diversos modos como ela se relaciona com a esfera econômica, política, e científica e com as ordens de vida do erotismo e da arte. Essa disposição já nos mostra que estamos diante de um escrito no qual encontramos os fundamentos de uma teoria da diferenciação social, tal como vemos, contemporaneamente, na teoria dos sistemas de Niklas Luhmann ou mesmo na teoria dos campos sociais de Pierre Bourdieu.          
  1. Max Weber dedicou uma parte de seus estudos às religiões. Ele apontava para o fato de que a secularização é um fenômeno característico do mundo moderno e tem como marca principal enfraquecimento da influência da esfera religiosa nas tomadas de decisões, o que não significaria necessariamente o desaparecimento da crença religiosa. Atualmente podemos observar novos arranjos religiosos, alguns até apontam uma “dessecularização”. Os escritos de Max Weber podem contribuir com alguma chave de leitura para os recentes fenômenos religiosos?
Embora a categoria secularização, enquanto tal, não seja um conceito de primeiro plano na sociologia de Weber, é claro que não se incorre em equívoco quando se localiza nele algo que podemos chamar, grosso modo, de “teoria da secularização”. Não obstante, em termos mais específicos e precisos, as categorias que organizam a compreensão sócio-histórica de Weber são seus tipos ideais de racionalização e desencantamento do mundo. Racionalizações, dos mais diversos tipos e nas mais diversas direções, como diz Weber, não são nenhuma singularidade ocidental, ainda que determinar qual era sua peculiaridade fosse exatamente o fulcro de sua pesquisa. Nasce daí o conceito síntese da modernidade: o racionalismo prático-ético de condução da vida e de dominação do mundo.
Sou da opinião de que a sociologia da religião, desde meados dos anos 60, optou uma visão algo unilateral da ideia de secularização ao defini-la apenas como declínio do religioso. Na filosofia. ao contrário, como ilustra o debate entre Hans Blumenberg, Karl Löwith e Carl Schmidt, secularização também pode ser entendida como continuidade ou como transferência. A genialidade de Weber me parece estar justamente no fato de ter compreendido que a modernidade nunca foi puramente e simplesmente ruptura com o passado, pois ela implica também um laço de permanência com suas origens. Nessa medida, o ethos do dever profissional do capitalista, ao mesmo tempo em rompe, também conserva, na forma, laços com a ética protestante. O ideal seria examinar a tese weberiana da secularização tendo sempre em mente esta dualidade intrínseca do conceito de secularização.
No plano global, há um enorme debate sobre o potencial explicativo da tese da secularização vista por alguns como uma ideia que diz respeito apenas ao contexto europeu. Certos autores, Jürgen Habermas entre eles, chegam a falar mesmo em “pós-secularização”, ideia que não deve ser confundida com a reversão deste processo, mas como uma forma de conhecer a legitimidade da presença das religiões no espação público das sociedades com consciência secular. De toda forma, mais do que abandonar o conceito, sou da opinião de que ele constitui o melhor instrumento para pensar as relações entre religião e modernidade ou, posto de outra forma, para pensar o lugar do religioso em condições modernas. A proposta de pensar as múltiplas formas de secularidade e secularismo talvez seja a saída mais promissora para evitar uma visão reducionista deste processo, como se todas as sociedades estivessem fadadas a seguir as mesmas trilhas da modernização. É também neste ponto que vejo o valor da formidável obra de Charles Taylor [Uma era secular, nota dos editores] que mostrou que secularização deve ser entendida como a possibilidade de crer e de não crer. Em seu fundamento, as sociedades modernas prescindem do religioso, mas isto não significa, necessariamente, que a maioria dos indivíduos abram mão de suas crenças ou que a religião não tenha um lugar estabelecido nas formas culturais de cada sociedade.
Isso também significa que, concordando com Pierucci, não deveríamos abrir mão da teoria da secularização para pensar o lugar da religião na sociedade brasileira. Neste ponto, lamento certo estreitamente da preocupação dos sociólogos com os neo-pentecostais e suas formas de articulação política, o que tem levado a uma forte politização da pesquisa. Creio que o sociólogo da USP, apesar de certo viés evolucionista explícito na sua obra, acertou ao argumentar que a pluralização da oferta religiosa e a mobilização política dos grupos religiosos não são sintomas de des-secularização. Ao contrário, a escolha religiosa autônoma  e plural é sintoma de um self moderno e reflexivo e o esforço político dos grupos religiosos na esfera pública demonstra que os valores culturais não estão dados de antemão, demandando um esforço para impor-se no cenário das lutas culturais.  Mas, desde então, o debate ficou estagnado. O desafio, hoje, consistem em integrar a o viés político no quadro mais amplo da teoria da secularização. Para essa tarefa Weber continua sendo uma fonte essencial.
Notas:       
[1] O artigo de Haddad foi publicado na Revista Piauí (n.129 de Junho de 2012) com o título de “Vivi na pele o que aprendi nos livros: um encontro com o patrimonialismo brasileiro”.
Para citar este post:
BOLDA, Bruna dos Santos; MACHIAVELLI, Marieli. O Legado de Max Weber 100 anos depois: Entrevista com o Professor Carlos Eduardo Sell (UFSC). Blog do Sociofilo, 2020. [publicado em 15 de junho de 2020]. Disponível em: https://blogdosociofilo.com/2020/06/15/o-legado-max-weber-100-anos-depois-entrevista-com-o-professor-dr-carlos-eduardo-sell-ufsc

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Aos que acreditam na divisao centro-periferia e na perversidade do centro contra a periferia: coloquio economia-mundo...

Tem crenças para todos os os gostos. Tem gente, por exemplo, que acha que os movimentos de protesto na Europa, o Occupy Wall Street nos EUA e a tal de primavera árabe (que já fenesceu faz muito tempo) fazem parte de um grande processo de desconcentração mundial, capaz de abalar os alicerces da hegemonia dos países centrais na economia-mundo, assim designada por um fiat de Wallerstein e outros, que se encantam ao descobrir a pólvora do academismo ingênuo.
Enfim, sempre é uma oportunidade para gente inteligente oferecer suas contribuições idem...
Paulo Roberto de Almeida


CHAMADA DE TRABALHOS
VII COLÓQUIO BRASILEIRO EM ECONOMIA POLÍTICA DOS SISTEMAS-MUNDO
Florianópolis, 26 e 27 de Agosto de 2013
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil.
DESIGUALDADES INTERNACIONAIS NA ATUAL CRISE SISTÊMICA

A crise do capitalismo mundial deflagrada em 2008 intensificou o debate sobre as desigualdades (econômicas, políticas, científico-tecnológicas, etc.) entre os estados nacionais que formam o sistema interestatal. A persistência da recessão nos países do Norte e do crescimento nos países emergentes nos leva a vislumbrar um cenário de maior equidade entre países. A presente revolução mundial - representada na consolidação dos governos de centro-esquerda na América Latina, no movimento Occupy Wall Street, na Primavera Árabe, dentre outros eventos - reforça as possibilidades de um sistema-mundo socialmente mais inclusivo. Por outro lado, atores governamentais e empresariais de países centrais reagem no sentido de conservar as hierarquias globais de riqueza e poder prevalecentes até então. União Européia, Estados Unidos e Japão são acusados de alimentar uma “guerra cambial” em detrimento dos países emergentes, de bloquear reformas na governança das instituições multilaterais, e de promover novos tratados internacionais - como a Trans-Pacific Partnership - que privilegiam seus interesses.

Em sua sétima edição, o Colóquio Brasileiro em Economia Política dos Sistemas-Mundo (EPSM) convida pesquisadores que utilizam a EPSM a investigar e discutir as forças atualmente em operação que reproduzem ou desafiam a estratificação do sistema-mundo capitalista em centro-periferia.

Como sempre, também são bem-vindos trabalhos sobre outros temas e épocas do moderno sistema mundial, que utilizem a EPSM como principal orientação teórico-metodológica.
Sub-temas sugeridos:
- A obsolescência das organizações internacionais construídas sob a hegemonia norteamericana;
- As relações sul-sul: sua trajetória, possibilidades, limites e contradições;
- O neo-desenvolvimentismo latino-americano;
- Os movimentos anti-sistêmicos no pós-crise;
- BRICS;
- A ascensão da China e os países em desenvolvimento: competição ou cooperação?
- A relação entre as desigualdades intra-nacionais e as desigualdades internacionais.
Instruções para submissão de trabalhos:
Nesta edição do colóquio, apenas trabalhos completos poderão ser submetidos.
Especificação da formatação: arquivo MS Word ou PDF, máximo de 30 páginas, espaço 1,5 e
tipo Times New Roman 12
Data limite para envio: 16/06/2013
E-mail para submissão: hpgpepsm@cse.ufsc.br
Mais informações: Chamada de Trabalhos VII Coloquio EPSM.PDF
Divulgação dos trabalhos aceitos na página do GPEPSM (www.gpepsm.ufsc.br): até
01/07/2013.
Comissão científica:
Pedro Antonio Vieira
Felipe Amin Filomeno
Marcelo Arend
Antronio Brussi
Comissão organizadora:
Pedro Antonio Vieira (coordenador)
Felipe Amin Filomeno
Helton Ricardo Ouriques
Luiz Mateus da Silva Ferreira

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

UFSC: Semana Academica de RI - Perguntas nao respondidas - Paulo Roberto de Almeida

No último dia 5 de outubro de 2012, estive na Universidade Federal de Santa Catarina, convidado que fui pelos alunos para proferir a palestra de encerramento desta terceira semana de RI (a primeira turma de graduação está recém se formando agora).
Agradeci muito o convite e até fiz um esforço para comparecer, pois passei a semana em Maceió, onde tinha ido para as comemorações dos cem anos de nascimento de meu colega diplomata (que não conheci, pois ele se aposentou no ano em que eu ingressava no Itamaraty) Renato Firmino Maia de Mendonça. Acordei as 5hs da manhã, para viajar direto a Florianópolis e proferir a palestra no final do dia. Fui muito bem recebido, aliás, pelos alunos encarregados da excelente organização do evento, e não tenho nenhuma reclamação a fazer, a não ser duas:
1) Não me lembrei de pedir, antes da palestra, que eles escrevessem os nomes e e-mails nas perguntas escritas que encaminharam à mesa para que eu respondesse, ao final de minha exposição; falha minha, portanto, pois sempre peço, em circunstâncias similares, que os perguntadores formulem suas perguntas, com as devidas coordenadas, para que eu possa, justamente, encaminhar depois respostas mais estruturadas caso falte tempo para abordar todas as questões;
2) Não houve tempo hábil para responder a todas as questões, e isso eu imputo aos organizadores. Não me avisaram antecipadamente que tínhamos de encerrar as 20h30 (sendo que sempre se começa mais tarde do que a hora marcada), e eu me alonguei, seja na palestra, seja nas respostas às primeiras perguntas e depois fui "confrontado"  com a falta de tempo, e não pude satisfazer aos demais. Ainda assim, terminei pedindo que me contatassem ao final da palestra, para passar os e-mails ou continuar a conversa, mas poucos o fizeram (enfim, preferiram comer os canapés e tomar os sucos, o que talvez tenha sido melhor: as causas alimentares sempre passam antes do intelecto).
Vou portanto, transcrever as perguntas feitas e tentar dar algumas indicações sobre elas, não sem antes informar aos navegantes, curiosos e interessados sobre a disponibilidade de alguns dos meus textos mais recentes que possam apresentar algum mérito para pesquisadores ou estudantes:

As relações Sul-Sul: um novo determinismo geográfico?
Renato Mendonça: um intelectual na diplomacia
Intervenção governamental: Von Mises e prática brasileira
A diplomacia da era Lula: balanço e avaliação
Falácias acadêmicas: ensaios sobre alguns mitos correntes

A Economia Política da Integração Latino-Americana 
Uma história do Mercosul: evolução e situação atual

Vejamos agora o que eu poderia ter respondido e não respondi: 

1) O Sr. acredita que o crescimento econômico dos países depende de fatores endógenos, como o fortalecimento das suas instituições, ou que tal situação dependa fundamentalmente dos cenários e interesses internacionais?
PRA: Em primeiro lugar, eu costumo não "acreditar" em fatores econômicos e sim consultar e constatar os dados empíricos, a pura materialidade das coisas. Claro, somos todos influenciados por uma ou outra teoria, inclusive na seleção e interpretação dos dados, mas o economista verdadeiro tenta ser o mais objetivo possível, sabedor, no entanto, que os homens atuam conscientemente (nem todos) e assim modificam sempre os dados do problema, já que reagem, racionalmente ou instintivamente, aos estímulos existentes, mudando, portanto, o comportamento dos agentes e consequentemente dos processos sociais, subjetiva ou objetivamente. 
Dito isto, nas economias modernas, globalizadas, fatores externos sempre influenciam a conjuntura interna, e portanto o crescimento, que pode ser sustentado ou não, dependendo de um número muito grande de variáveis para podermos traçar uma lei da predominância de uns (externos, digamos) sobre outros (domésticos, por exemplo) fatores de crescimento. Normalmente, as economias mais abertas são mais suscetíveis a choques externos, mas também, por se abastecerem e venderem a um número maior de parceiros, podem diluir o caráter errático de conjunturas adversas, tanto internas, quanto externas, e aí depende da diversidade e da complexidade desses impactos. 
Em qualquer hipótese, instituições sólidas, com normas claras, transparentes e estáveis são sempre melhores, MUITO melhores, do que alterações arbitrárias das regras que presidem ao jogo econômico. 
A despeito que se diga que os capitais financeiros externos produzem volatilidade, o que pode ser verdade, acredito que a volatilidade maior está embutida nas políticas econômicas nacionais. 

2) Por que se, durante décadas o Brasil fez alianças/parcerias muitas vezes quase exclusivas com o Norte, não somos mais avançados, tecnologicamente, por exemplo?
PRA: Muito simples, e talvez mais complicado. Não se deve confundir relações de compra e venda, ou de participação nos mercados internacionais, com "parcerias" e muito menos com "alianças".
Uma colônia de exportação atua sob o chamado "pacto exclusivo", ou seja, totalmente dominada pela métropole. Mas mesmo um país independente, que só exporta matérias primas -- que podem ser absolutamente estratégicas para "parceiros"  avançados, como o petróleo, por exemplo, inclusive com a "ajuda tecnológica"  de empresas desses "parceiro" -- pode continuar durante séculos um mero exportador de produtos não processados, não absorvendo em nada essas tecnologias. Um país pode -- e muitos o fazem obviamente -- continuar durante 5 séculos a colher cana no machete, ou café e algodão manualmente, já que dispõe de uma mão de obra abundante e barata, o que não obriga à capitalização. O mesmo ocorre na extração, mineral ou outra. 
Engano seu, portanto, achar que pelo fato de o Brasil ser um exportador de commodities a "parceiros"  mais avançados durante os últimos 5 séculos, ele tenha de se qualificar tecnologicamente. O desempenho nessa área, ou seja, a transformação produtiva depende de que os agentes primários em cada setor se convençam de que é melhor exportar produtos processados do que commodities, cujos preços não são fixados pelo produtor (mas isso, mais uma vez, depende dos mercados, pois os fatores abundantes podem estar nos recursos naturais e na mão de obra, não havendo estímulo para a capitalização). 
De toda forma, qualquer que seja a situação, isso não tem absolutamente nada a ver com Norte ou Sul, pois não é a relação Sul-Sul que vai mudar qualquer coisa no avanço tecnológico, e geralmente não o faz, pois de fato e historicamente o Sul é mais defasado tecnologicamente do que o Norte.
Elementar, não meu caro Watson?

3) Em seu blog, você mantém uma categoria de escritos chamada "falácias acadêmicas", onde se refere às distorções ideológicas que em sua opinião pululam pelas academias brasileiras. Um dos seus estudos lá presentes versa sobre o neoliberalismo, que você argumenta nunca ter existido em várias partes do mundo, inclusive no Brasil.
Tendo em vista que esta casa (UFSC) orienta-se, em sua predominância, à esquerda, o que faz com que a palavra neoliberalismo seja sempre acompanhada dos piores adjetivos, você poderia falar um pouco sobre a sua visão da política "neoliberal" no Brasil, especificamente de temas como a privatização, abertura comercial e o governo FHC (grande vilão neoliberal segundo alguns)? Obrigado [O autor identificou-se depois, mas eu preservo seu nome para evitar dele ser crucificado pelos mais fanáticos anti-liberais, depois.]
PRA: Meu caro: Eu creio NUNCA ter falado que o neoliberalismo NUNCA existiu, no Brasil ou alhures. O "neoliberalismo" não existe, ou existe apenas como renascimento do velho liberalismo clássico. Não conheço economistas (ou outros) liberais que se classifiquem a si mesmos de "neoliberais". Um liberal consequente, e corajoso, diria, simplesmente: "Eu sou liberal!" (ponto, sem adjetivos).
O que eu disse foi que o liberalismo NUNCA existiu no Brasil, e isso é muito fácil de provar. Dou um doce, ou melhor, dou metade da minha biblioteca, para algum desses fanáticos "anti-neoliberais" (eles mesmos se vêem assim, e podem ser professores ou não) se qualquer um deles conseguir me provar que em algum momento da história do Brasil, desde Cabral, algum governante, qualquer um, tenha pautado sua administração, e mais concretamente sua política econômica, pelos seguintes princípios: de agora em diante, o governo não interfere mais na economia, não impede a criação de nenhuma empresa, todos são livres para empreender e começar a trabalhar, sem qualquer permissão prévia do governo (salvo nos setores de defesa, justiça e policiamento), que o comércio é totalmente livre, com zero tarifas e zero proibições, que os capitais e as pessoas podem entrar e sair livremente, que todo mundo pode ser exercer em qualquer profissão (salvo naquelas que "matam" gente) sem qualquer tipo de regulamentação ou reserva de mercado, sem qualquer diploma, título ou certificado, que eu não preciso sequer de um diploma de alfabetização para prestar concurso público, bastando fazer concurso, com base no mérito, que nenhum governo jamais fixará taxa de juros ou taxa de câmbio, que eu posso usar a moeda que quiser nas minhas transações internas e externas, que eu posso ter contas em moedas estrangeiras no banco que eu escolher, que a carga fiscal que eu preciso pagar ao governo é a mais baixa possível, que a oferta de bens e serviços (salvo naqueles monopólios naturais, onde se atua por concessão regulada por agências públicas) é a mais livre e a mais competitiva possível, que eu tenho mil operadoras de telefonia e de televisão à minha disposição, que eu possa ler, assistir, ouvir qualquer livro, qualquer programa sem nenhum tipo de censura governamental, que nenhuma agência fascista de governo vai me dizer o que eu posso ou não consumir, enfim, que eu seja absolutamente livre de burocratas governamentais.
Isso é liberalismo, e se alguém conseguir me provar que alguma vez, algum governo, no Brasil, foi assim, eu entrego metade da minha biblioteca.
O que eu afirmo, com todas as letras, é que o tal de neoliberalismo é uma invenção de pessoas frustradas com a volta de uma economia não liberal, mas um pouco menos regulada, menos intervencionista do que a que existia até os aos 1970, e que essas pessoas têm saudados do socialismo (que na verdade elas nunca conheceram, para ver a miséria que era), que são na sua grande maioria preguiçosos que não gostam de competição, que gostam de empregos públicos bem remunerados (pelos capitalistas, claro), que eles adora redistribuição de renda a seu favor, que eles detestam os mercados e acham o capitalismo perverso.
O chamado "neoliberalismo" é o despeito dos ignorantes sobre as reais alavancas de funcionamento do jogo econômico, além de revelar, no plano daqueles que acham o governo FHC "neoliberal" uma desonestidade ideológica desprezível, pois o que ele fez foi simplesmente colocar em ordem uma economia absolutamente esquizofrênica e caótica por anos de estatismo e de intervencionismo governamental. Essas pessoas não mereciam dar aulas, pois estão simplesmente propagando mentiras.
Acho que está claro, não?
Mas se quiser saber mais, basta ir ao meu site e blogs, e clicar "neoliberalismo", ou suas derivações negativas e positivas, e haverá uma pletora de artigos meus sobre o assunto...


Existiram, também, perguntas que eu pude ler e responder, ainda que parcialmente e rapidamente. Quais eram?

4) Em 2006, você deu uma entrevista ao Estadão, que afirmava que os Brics eram uma mera construção intelectual...
PRA: Já respondi, mas também tenho, em meu site e blogs, muitos trabalhos e textos sobre essa questão, e portanto peço para ver lá.

5) A dinâmica da diplomacia brasileira desde a ascensão de Lula prioriza as relações Sul-Sul [como] resultado dos fracassos econômicos e políticos da década de 90... A política atual é soberana (...) e isso seria pragmatismo...
Bem, já remeti a um texto meu, acima, sobre a diplomacia de Lula, e tenho muitos outros disponíveis. Recomendo ler...

6) [Artigo] do Wall Street Journal sobre educação na China e na Índia, capaz de suplantar a norte-americano, e portanto seriam modelos a ponto de influenciar o Brasil...
PRA: Para mim, China e Índia não são modelos para absolutamente nada para o Brasil ou qualquer outro país, a não ser para o óbvio, quando ele existir: estudo de boa qualidade, abertura econômica, receptividade aos investimentos estrangeiros, estabilidade macroeconômica, competição microeconômica, boa governança, ou seja, puro bom senso, e apenas isto.

Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 8 de outubro de 2012

sábado, 15 de maio de 2010

Coloquio Sistema-Mundo - Florianopolis, 30 e 31 de agosto

Chamo a atenção para a realização do Colóquio de Economia Política dos Sistemas-Mundo, evento que acontecerá dias 30 e 31 de agosto na UFSC, e contará com a participação de conferencistas nacionais e internacionais, entre os quais Beverly Silver, esposa do falecido Giovanni Arrighi, autor da conhecida obra "O Longo Século XX", tema central do colóquio.