A bonança dos anos 2000 e o início da crise econômica em 2008
A economia brasileira atravessou uma situação relativamente confortável a partir de 2004, depois que foram feitos os ajustes pós-crise-de 2002, justamente suscitados pelo ambiente de temor despertado pela vitória do Partido dos Trabalhadores nas eleições presidenciais daquele ano. Graças a uns poucos “neoliberais” do partido, mas também devido à gravidade da ameaça cambial e ao recrudescimento da inflação, as políticas econômicas foram mantidas – e até reforçadas – na exata linha do governo precedente, o de Fernando Henrique Cardoso.
Os efeitos positivos das reformas conduzidas na década anterior e dos ajustes feitos depois da crise cambial de 1999 permitiram ao Brasil aproveitar ao máximo a fase de maior crescimento da economia mundial desde os choques do petróleo dos anos 1970 e da crise da dívida externa dos países latino-americanos na década seguinte. Turbinado pela excepcional demanda chinesa por seus produtos primários, o Brasil voltou a conhecer taxas de crescimento que não via desde aquela época.
Até o momento da crise imobiliária, e logo em seguida financeira, nos Estados Unidos, a maior parte das commodities tinha alcançado o seu mais alto nível histórico, com picos jamais vistos antes: 600 dólares a tonelada de soja, por exemplo, ou 180 dólares a tonelada de minério de ferro, e também outros recordes para as demais matérias primas. O Brasil surfou na demanda chinesa, com uma média de crescimento de 4% ao ano aproximadamente. Em 2009, é verdade, a taxa de crescimento despencou, para menos de 1%, apenas para dar um salto quase “chinês” no ano seguinte: mais de 7% em 2010, o que permitiu a Lula, entre outras façanhas, eleger sua desconhecida candidata nas eleições presidenciais de outubro daquele ano.
Desde então, infelizmente, o desempenho da economia brasileira entrou numa fase medíocre, com crescimento de menos de 2% ao ano. Entre os fatores está, mas apenas em parte, a moderação nos preços dos produtos primários de exportação, convertidos novamente, depois de várias décadas, na principal fonte de divisas no comércio exterior. Concorre também a perda de competitividade industrial, uma vez que o Brasil se tornou um país muito caro – e não apenas devido ao câmbio valorizado – em vista da carga fiscal extremamente elevada sobre os processos produtivos: a palavra da conjuntura passou a ser desindustrialização. Na verdade, os problemas mais importantes derivam dos erros de política econômica cometidos pelo governo desde 2008, pelo menos, com um crescimento contínuo da extração tributária, das despesas do governo e de uma taxa de inflação constantemente acima da meta fixada pelo próprio governo.
Cabe com efeito recordar que, dentre os países em desenvolvimento, o Brasil possui uma carga fiscal típica de país rico, perto de 38% do PIB, para uma renda per capita cinco ou seis vezes inferior à dos países da OCDE. Pode-se mencionar igualmente um ambiente de negócios muito difícil para investidores e empresários em geral, dados os instintos intervencionistas e dirigistas tradicionais no Brasil mas exacerbados no Partido dos Trabalhadores. O fator principal, obviamente, se deve a que o Estado gasta sempre mais do que o crescimento do PIB e da inflação, et gasta mal, muito pouco em investimentos produtivos, e muito em despesas correntes, em especial subsídios a setores já privilegiados.
Em lugar de empreender reformas, os responsáveis políticos continuam distribuindo favores setoriais ou recorrendo a medidas protecionistas que apenas agravam a situação, já que elas provocam mais inflação e um grau ainda menor de competitividade externa para a indústria. Esta foi praticamente confinada ao Mercosul, tampouco protegido da competição externa, sobretudo da China; o bloco é também afetado pelas medidas ainda mais protecionistas da Argentina, que era o terceiro parceiro mais importante do Brasil, depois da União Europeia e dos Estados Unidos, todos eles suplantados desde 2009 pela China. Com o país asiático, o Brasil passou a manter uma relação comercial quase colonial, feita de 95% de matérias primas para lá, e de 95% de manufaturados para cá.
A balança comercial começou a se deteriorar, ela que constitui o único recurso em face de um déficit crônico na balança de serviços; a continuar a tendência negativa, mesmo as enormes reservas financeiras do Brasil podem não ser suficientes, uma vez que estão quase todas aplicadas em Treasury bonds, que produzem um retorno insignificante comparativamente ao custo fiscal de sua manutenção. O fato é que a situação econômica se agravou sensivelmente, com ameaças reais ao processo de estabilização iniciado pelo Plano Real em 1994: depois de quatro anos de desacertos na política econômica, o que se tem é um crescimento medíocre e uma inflação crescente.
Fatores positivos e debilidades estruturais da economia brasileira
O Brasil dispões de enormes recursos naturais, que permitem, no agronegócio – empurrado por avanços tecnológicos impressionantes nas últimas décadas – uma posição mundial invejável como grande exportador de produtos agrícolas, tanto não processados quanto elaborados. Com as possibilidades de produção de energia renovável – sobretudo em etanol et biodiesel – estão dadas as condições para um processo sustentado de crescimento baseado em suas vantagens comparativas e competitivas. O agrobusiness brasileiro pode ser um vencedor absoluto nos mercados mundiais, se ele não fosse contido por uma infraestrutura lamentável além da porteira das fazendas; seria possível melhorar nos próximos anos com investimentos adequados, inclusive estrangeiros, com base num regime atrativo de concessões.
As políticas industriais “stalinistas” do Partido dos Trabalhadores estão mudando por força da realidade, muito embora o processo de privatização conhecido nos anos 1990 não tenha mais chance de ser implementado novamente. Tais políticas anacrônicas ainda foram colocadas em vigor no setor do petróleo, cuja regulação foi totalmente alterada desde a descoberta das jazidas do pré-sal, uma imensa província petrolífera que demanda, entretanto, investimentos enormes, muito acima da capacidade da empresa estatal de petróleo, de resto mal administrada durante toda a era do lulo-petismo. Com a Petrobras ocorreu um dos processos mais clamorosos de desmantelamento gerencial, não apenas devido a decisões de investimento totalmente equivocadas, mas também em função de corrupção na mais vasta escala conhecida na história econômica do Brasil. Se o Brasil escapar da maldição do petróleo – o que pode estar sendo facilitado pela baixa dos preços do produto nos mercados mundiais – ele teria chances de recompor esse setor num sentido bem mais “norueguês” do que nigeriano ou venezuelano, como foi infelizmente o caso nos últimos anos.
A demanda mundial de alimentos e de energia vai constituir um poderoso fator de indução do aumento da oferta agrícola e energética renovável, tanto em função da extensão ainda mobilizável das terras agricultáveis, quanto em razão de ganhos de produtividade que vão continuar a se manifestar no agronegócio. Este será, certamente, a principal fonte de crescimento no futuro previsível, estimulando tanto a ciência aplicada, quanto equipamentos industriais e investimentos em infraestrutura.
Do lado das fraquezas e debilidades estruturais, elas são numerosas, e têm a ver, em primeiro lugar, com o peso desmesurado do Estado na esfera econômica em geral, nas decisões dos empresários, em especial. Na vida diária, o cidadão é esmagado por uma burocracia bizantina, sem serviços correspondentes ao recolhimento de impostos diretos e indiretos. O mais paradoxal é que os brasileiros amam o Estado, estão sempre pedindo mais políticas públicas e também sonham em se converter em funcionários públicos – por uma razão muito simples: os salários do setor público são, na média, cinco a seis vezes mais elevados dos cargos correspondentes no setor privado. No limite, as atividades econômicas no Brasil são estranguladas por uma espécie de fascismo corporativo que torna difícil o exercício de atividades empresariais (para comprovar, basta consultar o Doing Business do Banco Mundial, para se ter dezenas de exemplos concretos desse cenário). O Estado brasileiro, que no passado já foi um poderoso indutor do crescimento econômico, tornou-se, ao longo dos anos, o principal obstrutor do crescimento, com sua carga fiscal monstruosa, suas regulações intrusivas, não esquecendo a corrupção generalizada que se disseminou nos últimos anos.
Entretanto, o principal fator limitante – em relação ao qual existem razões para um pessimismo absoluto – se situa nos níveis de qualidade deploráveis da educação elementar e secundária: o Brasil ocupa, sistematicamente, os últimos lugares nos exames comparativos do PISA-OCDE, com resultados extremamente negativos mesmos nas escolas privadas, que deveriam ser, supostamente, bem melhores do que as escolas públicas. Até mesmo nas universidades existe um grau anormalmente elevado de analfabetos funcionais, o que repercute nos níveis medíocres de produtividade do trabalho. Como os resultados nessa área tardam a se materializar, desde que as políticas corretas sejam aplicadas, não existem nenhum risco de que essa situação venha a ser revertida no médio prazo, uma vez que políticas e medidas totalmente equivocadas são continuamente adotadas na esfera educacional.
Que chances teria o Brasil de superar sua condição de eterno emergente?
A solução parece residir num conjunto de reformas estruturais que teriam de ter sido iniciadas pelo menos depois da segunda estabilização do Plano Real, em 1999, quando se adotou um regime de metas de inflação, uma política de câmbio flutuante e a opção por uma política fiscal responsável. O fato é que esse tripé econômico foi desmantelado a partir de 2008, e precisa ser penosamente reconstruído em condições já não tão favoráveis quanto aquelas que vigoraram na maior parte dos anos 2000 justamente. Reformas econômicas são sempre possíveis de serem feitas sobre a base de uma autoridade política decidida e comprometida com políticas responsáveis, o que não parece ser o caso na atual conjuntura institucional.
As reformas mais importantes, contudo, se situam no plano administrativo – ou seja, do próprio Estado e do seu modo de funcionamento –, no terreno da legislação laboral e, sobretudo, no plano da educação, em todos os níveis, com destaque para os dois primeiros ciclos e o ensino técnico-profissional. Uma verdadeira revolução seria necessária em todos esses setores, o que não parece perto de acontecer por falta de consenso nacional em torno do caráter dramático da situação em todas essas áreas. Durante muitos anos, líderes políticos, dirigentes sindicais e membros da academia foram dominados por uma ideologia populista-distributivista antiquada, que se opõe ferozmente a conceitos como eficácia, produtividade ou cobrança de resultados.
No plano institucional, há o desafio de uma Constituição expressamente concebida para distribuir favores e benesses pela via estatal, o que implica necessariamente o crescimento das despesas públicas de maneira contínua e sistemática. No terreno da psicologia nacional, parece difícil vencer a mentalidade assistencialista que faz com que um quarto da população seja beneficiada com transferências diretas em moeda, que constituem bem mais um subsídio ao consumo do que propriamente uma indução à sua incorporação no mercado de trabalho. Outra deformação se manifesta nos gastos previdenciários, que já consomem uma parte considerável do PIB, sem que a fração idosa da população tenha crescido de maneira proporcional aos fluxos dirigidos para esse tipo de prestação estatal; em outros termos, o problema vai se agravar futuramente.
Por fim, um nacionalismo canhestro conduz o Brasil a uma introversão das mais negativas numa fase de integração produtiva requerida pela globalização capitalista. O Brasil, como nos tempos do stalinismo triunfante, pensa construir “um capitalismo num só país”, ou pelo menos assim pensam os atuais dirigentes políticos, ainda que os discursos sejam pela atração de investimentos e participação no comércio mundial. As exigências sempre presentes de conteúdo local e de preferência pela oferta nacional impõem um custo adicional ao setor produtivo brasileiro, de resto já isolado dos processos mais dinâmicos da interdependência global pela mentalidade canhestra da maior parte das elites políticas e econômicas. De fato, o Brasil não é um país tão atrasado no plano material quanto ele o é no plano mental de suas lideranças.
Se e quando o Brasil for capaz de superar os grilhões que o prendem a concepções econômicas anacrônicas, ele teria chances de começar uma lenta retomada de um processo sustentado de crescimento econômico. O principal fator impeditivo, cabe repetir, se situa num Estado extrator das riquezas alheias e predador das energias empresariais: enquanto o ogro famélico não for contido, o Brasil continuará um eterno emergente.
Paulo Roberto de Almeida é diplomata e professor do Centro Universitário de Brasília – Uniceub (@pauloalmeida53).