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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

George Kennan era um contrarianista? Provavelmente! Eu tambem... - Paulo Roberto de Almeida


uma reflexão a partir da experiência de George Kennan

Paulo Roberto de Almeida


Lendo a biografia de John Lewis Gaddis, sobre o grande diplomata e historiador americano, que dominou a segunda metade do século XX, George F. Kennan: An American Life (New York: The Penguin Press, 2011), deparo-me com um trecho, relativo ao ano de 1943, quando Kennan era encarregado de negócios na legação dos Estados Unidos em Lisboa; negociações eram conduzidas na capital portuguesa para assegurar o uso, por forças americanas, dos Açores, como plataforma absolutamente indispensável para conduzir as operações europeias da Segunda Guerra Mundial em sua vertente norte-atlântica:
“[George Kennan] began to develop... a new sense of responsibility within the duties assigned to him: at several points over the next few years Kennan took risks that jeopardized his own Foreign Service career because he thought that the national interest demanded that he do so. Obliged to operate for the first time at the level of grand strategy, he found the rules oh his profession falling short. He chose, successfully but dangerously, to violate them.” [Loc 3387 of 18204 Kindle edition, Ó Amazon].
Gaddis informa ainda, na sequência dessa passagem, as circunstâncias em que Kennan decidiu assumir vários riscos em sua carreira, violando deliberadamente várias regras do jogo, tal como definidas por instituições excessivamente burocráticas ou muito conservadoras, quanto o Departamento de Estado ou o comando das Forças Armadas, como se pode depreender desta transcrição adicional:
During the Azores base negotiations [com o próprio Primeiro-Ministro português Antonio de Oliveira Salazar], Kennan violated at least four rules, any one of which could have him sacked from the Foreign Service. He exceeded his instructions in a conversation with a foreign head of government. He refused to carry out a presidential order. He lied, to another government, about the position of his own. And he went over the heads of his superiors in the State Department – as well as the secretary of war and the Joint Chiefs of Staff – to make direct appeal to the White House.” (Loc 3436 of 18204 Kindle edition, Ó Amazon).

Estas passagens chamaram-me obviamente a atenção, ou “struck a cord on me”, como diria o próprio Gaddis, provavelmente o maior historiador vivo da Guerra Fria e o único biógrafo autorizado de George Kennan. Explico por que, já que isso tem a ver com a mesma sensação de barreiras burocráticas e conservadoras, em assuntos que demandariam uma visão mais larga dos processos diplomáticos, que eu já enfrentei na carreira. Não querendo me comparar a George Kennan, possivelmente o maior especialista diplomático americano em assuntos russos que jamais existiu nos anais daquele serviço diplomático, mas eu também adquiri, ainda antes de ingressar no serviço diplomático, uma percepção histórica e estrutural de muitos dos temas que compõem, burocraticamente, a agenda diplomática corrente.
Tendo começado a estudar os assuntos brasileiros desde muito cedo – compulsando uma bibliografia de nível universitário, ou de pesquisa especializada, ainda quando estava em meio aos estudos do ciclo médio – desenvolvi provavelmente de maneira muito precoce um cuidado com a análise do contexto, dos precedentes históricos, e dos impactos estruturais ou implicações políticas de cada um dos problemas com que me deparava em minhas leituras ou pela leitura dos jornais de maior qualidade em suas edições dominicais (invariavelmente o velho jornal conservador O Estado de São Paulo, ainda quando discordasse profundamente de seus editoriais, que julgava representativos das opiniões da “classe dominante”). Foram anos, em meados da década de 1960, em que eu lia os grandes mestres da teoria social brasileira, entre eles os representantes da “escola paulista de Sociologia” – que pouco depois se tornaria minha alma mater, ao ter ingressado no curso de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP – e através dos quais eu filtrava minhas reações aos editoriais “reacionários” do Estadão, combinando todas essas leituras para refletir sobre os caminhos do desenvolvimento econômico e político brasileiro, no quadro das crises contínuas que agitavam o período que se tinha iniciado com o golpe de 1964, e que eu imaginava combater pela via do socialismo e de um governo comprometido com a “ditadura do proletariado”.
Independentemente dessas ilusões e descaminhos ideológicos – que foram sendo corrigidos tão pronto eu deixei o país, no final de 1970, para conhecer o triste cenário do socialismo real do leste europeu e as nuances dos capitalismos realmente existentes na Europa, durante quase sete anos – eu adquiri, a partir desses hábitos juvenis de leitura, um sentido de abrangência analítica e de inserção contextual que me acompanharia pelo resto da vida, sobretudo no domínio profissional, quando ingressei na carreira diplomática, poucos meses depois de voltar da Europa em 1977. Mas o que isso quer dizer, no quadro desta seleção de trechos da biografia de Kennan por Lewis Gaddis? Explico-me agora mais detalhadamente.
Ingressei no Itamaraty ainda na era militar, quando ainda pensava em derrubar o regime, embora não mais pela via das armas e sim pela via da pressão democrática. Tampouco pretendia converter o Brasil em uma nova Cuba ou uma nova China, como talvez fosse a intenção em meados dos anos 1960; mas o modelo ainda seria algo bem próximo do socialismo democrático europeu, que eu julgava bem mais propenso a empreender a correção das tremendas injustiças sociais em vigor no Brasil, desde sempre, do que, alternativamente, a visão mais pró-mercado que não tenho hesitação em defender atualmente. Nessa época, eu ainda era obrigado a escrever artigos com algum nom de plume, já que minhas “convicções radicais” provavelmente chocariam meus colegas e superiores diplomáticos – que eu considerava todos alinhados ao regime – e chamariam a atenção dos órgãos de segurança, especialmente ativos naquela conjuntura, quando a repressão física tinha amainado, mas o controle de inteligência continuava atento a todas as manobras da oposição ao governo militar.
Tendo iniciado minha carreira no Itamaraty por uma divisão secundária, a do Leste Europeu (então todo ele dominado pela União Soviética), pude distinguir-me rapidamente em alguns trabalhos analíticos, inclusive porque, ademais dos boletins da Radio Free Europe e da Radio Liberty – ambas financiadas pela CIA, obviamente – que líamos na DE-II, eu possuía um conhecimento interno, se ouso dizer, sobre o funcionamento desses regimes autoritários, já que tinha militado na esquerda marxista durante tempo suficiente para aprender – e apreender – todos os trejeitos vocabulares e as muitas peculiaridades políticas do mundo comunista. Recordo-me, em todo caso, de uma informação que preparei sobre o quadro político no leste europeu, em especial sobre a situação da Polônia, no imediato seguimento, em 1978, da surpreendente eleição do cardeal Karol Wojtila como o novo papa, de nome João Paulo II. Ao que parece, minha análise abrangente das implicações dessa escolha para todo o leste europeu e para o poder comunista foi devidamente apreciada pelos meus superiores, para ascender ao conhecimento do Gabinete do ministro, o que constitui, no Itamaraty, uma marca de distinção a dividir os assuntos que permanecem na “senzala”—como sempre foram depreciativamente chamados os serviços setoriais das divisões, no Anexo – e os que ascendem ao conhecimento da Casa Grande, como se designavam, respeitosamente, os dois gabinetes do Palácio.
Não exatamente por esse episódio específico, mas talvez mais pelo meu jeito histórico-intelectual de interpretar cada iniciativa ou resposta do serviço diplomático brasileiro, em função de um contexto mais vasto, no tratamento dos assuntos da agenda corrente, fui sendo considerado um diplomata especial, ou diferente, talvez bizarro, em todo caso colocado num clube à parte, não necessariamente melhor, dessa tribo de elite dos servidores do Estado. De um lado, nunca tive que mendigar postos ou posições no curso da carreira, já que em geral recebia convites para servir em tal posto ou tal unidade da Secretaria de Estado; de outro lado, jamais me dediquei a “pescar” votos de colegas ou implorar apoio de chefes para ser promovido na escala funcional, o que ofenderia meus princípios pessoais, ou minha maneira de ser, mas que pode ter irritado muita gente da corporação.
Tampouco pedia permissão para escrever à minha maneira – e não naquele burocratês diplomático que tanto desprezo – ou sequer me desculpava por pensar de forma muito diferente da maior parte dos colegas ou mesmo dos superiores, e mais de uma vez ousei contestar opiniões de chefes em reuniões de coordenação, quando os fundamentos de minha posição me pareciam suficientemente sólidos para levantar o dedo e exclamar – algumas vezes na estupefação dos colegas e alguns superiores – uma frase do tipo: “Não é bem assim [Fulano]!” Acho que isso talvez não tenha ajudado no curso ulterior, ou superior, da carreira. Já ao ingressar na carreira, revoltei-me contra a exigência, que sempre julguei absurda – e anticonstitucional, em todo caso violadora dos direitos individuais, que invariavelmente coloco acima dos interesses do Estado –, de ter de pedir permissão às autoridades pertinentes para contrair matrimônio com minha esposa: um abuso e uma indignidade, a que meu espírito anarquista jamais consentiu por princípio. Numa etapa intermediária, cansado do ritual de ter de pedir permissão para publicar que fosse uma simples resenha de livro sobre temas da diplomacia, deixei de submeter textos à apreciação superior, e passei a publicar o que julgava apropriado e conveniente (ainda que exercendo algum grau de autocensura no que era cabível dizer de público sobre tão augusta Casa e tão distinguido Serviço Exterior).
De fato, se ouso julgar, agora, as características do serviço em prol do qual exerci meus talentos nas últimas três décadas e meia, eu diria que o Itamaraty tem uma cultura muito especial, em todo caso diferente das demais corporações a serviço do Estado. Confessadamente, eu nunca fui muito adepto das manias e trejeitos dos meus colegas diplomatas: trata-se de uma carreira ultra competitiva, com altas doses de autocontenção, marcada por dogmas de disciplina e hierarquia que nunca se encaixaram bem ao meu natural libertário, exigindo ainda certo enquadramento nos rituais internos para que essa competição seja bem sucedida no plano individual, ou seja, para que ela se reflita na progressão funcional, na atribuição de postos e outras distinções. Visivelmente, eu nunca pretendi me enquadrar no estilo de rigor. Sempre mantive meus hábitos de trabalho, em parte isolado, estudando e escrevendo, de outra parte falando com sinceridade aquilo que me parecia negativo do ponto de vista da pura racionalidade instrumental dos objetivos diplomáticos. Ainda que tal tipo de atitude possa suscitar admiração em certas áreas, acredito que essas não são as qualidades requeridas para se triunfar numa Casa que faz da obediência estrita aos superiores a pedra de toque para a inserção no inner circle dos premiados oficiais.
Tomando como base o que acima vai descrito, não tenho qualquer restrição mental em confessar que, em diversas ocasiões, dissenti das opiniões oficiais da Casa – ou seja, aprovadas em alguma instância superior – no tratamento de temas específicos ou na condução de algumas negociações para as quais eu me julgava especialmente preparado, em função, justamente, dos estudos que eu conduzia paralelamente à carreira, para aprofundar-me nos assuntos que me eram atribuídos. Uma atitude desse tipo não é fácil de ser assumida, quando se trata, não das preliminares para a formulação de uma posição negociadora, mas de instruções formais, consubstanciadas em telegrama da série, com base na qual a resposta invariável do diplomata obediente deve ser: “Cumpri instruções”, e o chefe do posto passa a relatar como ele se ateve fielmente às ordens emanadas da Santa Casa.
Pessoalmente, já passei por esse tipo de situação, envolvendo uma negociação internacional de um tratado multilateral. Tendo me ocupado do tema durante meses e meses, eu literalmente dominava o assunto, técnica e diplomaticamente, e as instruções formuladas em Brasília, de nítido corte tradicional, eram claramente inadequadas. Os argumentos que poderiam ser mobilizados em favor de teses diferentes ou alternativas, por mais racionais ou “probatórios” que sejam (com base numa análise histórica, nos dados da economia, numa visão de longo prazo), nem sempre são convincentes ou suficientes para “dobrar” o burocrata na outra ponta do processo ou até fazer com que a instituição como um todo se mova em outra direção. Esse tipo de situação pode ser terrível, pois aparentemente (ou concretamente) o diplomata em causa pode estar se colocando contra as instruções da sua instituição.
Não tive medo de fazê-lo, naquele momento preciso, assim como em outras circunstâncias posteriores. De certa forma, esse tipo de atitude me prejudicou, pois fiquei com fama de rebelde, de dissidente, de arrogante, de pretencioso “sabe-tudo” e outros qualificativos mais, que nem são do meu conhecimento. Se insisto em certas teses é, contudo, com base num estudo profundo das problemáticas das quais me é dado ocupar. Sou por excelência um estudioso compulsivo, e não costumo me dobrar a nenhum argumento de autoridade, e sim à autoridade do argumento. Numa casa “feudal”, como é o Itamaraty, isso é quase um crime de lesa-majestade.
Mas o assunto supera as atitudes individuais de um diplomata, para adentrar no terreno mais complicado das questões macro-políticas, ou se quisermos, no eterno debate sobre como interpretar o chamado “interesse nacional”, um conceito altamente difuso para permitir qualquer tipo de argumento não fundamentado ou especioso. Não vou tratar das bases epistemológicas do que, exatamente, constituiria o interesse nacional nos limites desta reflexão, mas vou tratar da questão no contexto da própria formação e educação dos diplomatas. Acredito, com base numa avaliação puramente subjetiva, que poucos diplomatas têm uma cultura econômica verdadeira, ou seja, o instrumental analítico de cunho histórico e econômico que poderia levá-los a analisar uma questão qualquer de política externa do ponto de vista daquilo que os economistas chamam de custo-oportunidade do capital, ou seja, a eficiência paretiana dos meios e fins, que não se restringe ao melhor emprego dos recursos, ou a um cálculo sobre o retorno dos investimentos, mas envolve todos os “fatores de produção” de um determinado assunto diplomático. Tudo, ou quase tudo, na diplomacia, é feito de forma muito politizada e, por vezes, de forma irracional, já que levando em conta circunstâncias imediatas e as preferências políticas de quem manda, não necessariamente os interesses de mais longo prazo da nação.
Teríamos inúmeros exemplos de decisões claramente absurdas, no contexto mais vasto das tradições diplomáticas brasileiras, tomadas em certo período, e que no entanto foram tomadas, ao arrepio de qualquer racionalidade administrativa ou mesmo política; eximo-me, por razões diversas, mas claramente compreensivas, de discorrer sobre elas neste momento. O fato é que, em momentos como esses, o ator em questão tem várias escolhas, todas elas difíceis: submeter-se passivamente a instruções que ele pode julgar prejudiciais ao país ou ao serviço, no contexto dos interesses de mais longo prazo; negar cumprimento e argumentar alternativamente ao que julga contrário a suas convicções ou avaliação do tema em apreço; afastar-se do processo, com prejuízo pessoal ou fricção funcional.
Minhas próprias atitudes sempre foram pautadas em função de minha trajetória habitual de estudos e de busca de coerência lógica no processo decisório, esforçando-me por manter minha indispensável integridade intelectual, em face de eventuais adversidades momentâneas, que sempre julgo devam ser afrontadas com serenidade e com a dignidade funcional que devem guiar o comportamento de membros de uma corporação como esta à qual pertenço. Em tempos difíceis de submissão a vocações autoritárias essas atitudes cobram um preço por vezes difícil em termos pessoais, mas a coerência e a honestidade na defesa de certos princípios, que reputamos mais elevados do que a acomodação servil, e a consciência de se estar defendendo causas mais altas do que as escolhas sectárias do momento constituem os prêmios mais gratificantes que se possa ter num itinerário de vida.
Vale persistir, como aliás demonstrou o próprio George Kennan, ao abandonar a carreira diplomática, para ingressar numa categoria à parte da história intelectual de seu país, como um grande pensador das relações internacionais dos Estados Unidos. Sem aspirar a tanto, e sem renunciar a uma carreira que me trouxe tantos benefícios intelectuais e pessoais, vou persistir na defesa da coerência com o livre pensamento mesmo nos tempos sombrios e tristes de um outro regime autoritário. 
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 2409: 14 de julho de 2012.

domingo, 3 de janeiro de 2016

Economist: a queda do Brasil




Briefing

Brazil’s crisis

Irredeemable?

A former star of the emerging world faces a lost decade

THE longest recession in a century; the biggest bribery scandal in history; the most unpopular leader in living memory. These are not the sort of records Brazil was hoping to set in 2016, the year in which Rio de Janeiro hosts South America’s first-ever Olympic games. When the games were awarded to Brazil in 2009 Luiz Inácio Lula da Silva, then president and in his pomp, pointed proudly to the ease with which a booming Brazil had weathered the global financial crisis. Now Lula’s handpicked successor, Dilma Rousseff, who began her second term in January 2015, presides over an unprecedented roster of calamities.

By the end of 2016 Brazil’s economy may be 8% smaller than it was in the first quarter of 2014, when it last saw growth; GDP per person could be down by a fifth since its peak in 2010, which is not as bad as the situation in Greece, but not far off. Two ratings agencies have demoted Brazilian debt to junk status. Joaquim Levy, who was appointed as finance minister last January with a mandate to cut the deficit, quit in December. Any country where it is hard to tell the difference between the inflation rate—which has edged into double digits—and the president’s approval rating—currently 12%, having dipped into single figures—has serious problems.

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Ms Rousseff’s political woes are as crippling as her economic ones. Thirty-two sitting members of Congress, mostly from the coalition led by her left-wing Workers’ Party (PT), are under investigation for accepting billions of dollars in bribes in exchange for padded contracts with the state-controlled oil-and-gas company, Petrobras. On December 15th the police raided several offices of the Party of the Brazilian Democratic Movement (PMDB), a partner in Ms Rousseff’s coalition led by the vice-president, Michel Temer.

Brazil’s electoral tribunal is investigating whether to annul Ms Rousseff’s re-election in 2014 over dodgy campaign donations. In December members of Congress began debating her impeachment. The proceedings were launched by the speaker of the lower house, Eduardo Cunha (who though part of the PMDB considers himself in opposition) on the grounds that Ms Rousseff tampered with public accounts to hide the true size of the budgetary hole. Some see the impeachment as a way to divert attention from Mr Cunha’s own problems; Brazil’s chief prosecutor wants him stripped of his privileged position so that his role in the Petrobras affair can be investigated more freely. Mr Cunha denies any wrongdoing.

Brazil is no stranger to crises. Following the end of two decades of military rule in 1985, the first directly elected president, Fernando Collor, was impeached in 1992. After a “lost decade” of stagnation and hyperinflation ended in the mid-1990s the economy was knocked sideways by the emerging-markets turmoil of 1997-98. In the mid-2000s politics was beset by the scandal of a bribes-for-votes scheme known as the mensalão(“big monthly”, for the size and schedule of the payments), which eventually saw Lula’s chief of staff jailed in 2013. 

Yet rarely, if ever, have shocks both external and domestic, political and economic, conspired as they do today. During the original lost decade global conditions were relatively benign; in the crisis of the late 1990s the tough measures to quell inflation and revive growth taken after Mr Collor’s departure stood Brazil in moderately good stead; when scandal rocked the 2000s commodity markets were booming.

A sad convergence

Now prices of Brazilian commodities such as oil, iron ore and soya have slumped: a Brazilian commodities index compiled by Credit Suisse, a bank, has fallen by 41% since its peak in 2011. The commodities bust has hit economies around the world, but Brazil has fared particularly badly, with its structural weaknesses—poor productivity and unaffordable, misdirected public spending—exacerbating the damage. Regardless of what she may or may not have done with respect to the impeachment charge, Ms Rousseff’s cardinal sin is her failure to have confronted these problems in her previous term, when she had some political room for manoeuvre. Instead, that term was marked by loose fiscal and monetary policies, incessant microeconomic meddling and fickle policymaking that bloated the budget, stoked inflation and sapped confidence.

Poor though her record has been, some of these problems have deeper roots in what is in some ways a great achievement: the federal constitution of 1988, which enshrined the transition from military to democratic rule. This 70,000-word doorstop of a document crams in as many social, political and economic rights as its drafters could dream up, some of them highly specific: a 44-hour working week; a retirement age of 65 for men and 60 for women. The “purchasing power” of benefits “shall be preserved”, it proclaims, creating a powerful ratchet on public spending.


Since the constitution’s enactment, federal outlays have nearly doubled to 18% of GDP; total public spending is over 40%. Some 90% of the federal budget is ring-fenced either by the constitution or by legislation. Constitutionally protected pensions alone now swallow 11.6% of GDP, a higher proportion than in Japan, whose citizens are a great deal older. By 2014 the government was running a primary deficit (ie, before interest payments) of 32.5 billion reais ($13.9 billion) (see chart).

Mr Levy tried to live up to the nickname he had earned during an earlier stint as a treasury official—“Scissorhands”—with record-breaking cuts of 70 billion reais from discretionary spending. But Mansueto Almeida, a public-finance expert, points out that this work was more than countered by constitutionally mandated spending increases; government expenditure as a share of output rose in 2015. On top of that, a new scrupulousness in government accounting surely not unrelated to the impeachment proceedings has seen 57 billion reais in unpaid bills from years past newly recognised by the treasury.

Nor could Mr Levy easily fill the fiscal hole by raising taxes. Taxes already consume 36% of GDP, up from a quarter in 1991. And the recession has hit tax receipts hard. On December 18th, days after Fitch, a rating agency, followed the lead of Standard & Poor’s in downgrading Brazilian debt, Mr Levy threw in the towel. His job went to Nelson Barbosa, previously the planning minister, who insists he is committed to following the same policies. But before his elevation Mr Barbosa made no secret of favouring a more gradual fiscal adjustment—for example, a primary surplus of 0.5% of GDP in 2016, against Mr Levy’s preferred 0.7% (and an original promise of 2% a year ago). The real and the São Paulo stockmarket tumbled on news of his appointment.

Analysts at Barclays, a bank, expect debt to reach 93% of GDP by 2019; among big emerging markets only Ukraine and Hungary are more indebted. The figure may still seem on the safe side compared with 197% in Greece or 246% in Japan. But those are rich countries; Brazil is not. As a proportion of its wealth Brazil’s public debt is higher than that of Japan and nearly twice that of Greece.

Unable to increase taxes, Ms Rousseff’s government may prefer something even more troubling to investors and consumers alike: inflation. Faced with the inflationary pressure that has come with the devalued real, the Central Bank has held its nerve, increasing its benchmark rate by three percentage points since October 2014 and keeping it at 14.25% since July in the face of the recession. But despite this juicy rate the real continues to depreciate.

There is a worry that the bank may be unable to raise rates further for fear of making public debt unmanageable—what is known as “fiscal dominance”. This year the treasury spent around 7% of GDP servicing public debt. What is more, raising rates may have the perverse effect of stoking inflation rather than quenching it; an increasing risk of default as borrowing costs grow is likely to see investors dumping government bonds, provoking further currency depreciation.

A handful of economists, including Monica de Bolle of the Peterson Institute for International Economics, believe that Brazil is on the verge of fiscal dominance. And once interest rates no longer have a hold on inflation, she says, it can quickly spiral out of control. Forecasts by Credit Suisse warn that prices could be rising by 17% in 2017. Three-quarters of government spending remains linked to the price level, embedding past inflation in future prices. That said, the economy as a whole is much less indexed than it was in the hyperinflationary early 1990s. That leaves the government a bit more time, thinks Marcos Lisboa of Insper, a university in São Paulo. But not much more: perhaps a year or two.

Despite this pressing economic need for speed there seems to be no political capacity for it. Members of Congress are consumed by Ms Rousseff’s impeachment. By February they must decide whether to send her case to the Senate, which would require the votes of three-fifths of the 513 deputies in the lower house. To fend off such a decision Ms Rousseff is rallying her left-wing, anti-austerity base.

Gently doesn’t always do it

These efforts are meeting with some success: in December pro-government rallies drew more people than anti-government ones for the first time all year. It looks unlikely that the impeachment will indeed move to the Senate (which would trigger a further six months of turmoil). But this hardly provides a political climate conducive to belt-tightening, let alone to the amendment of the constitution which Mr Barbosa has said is needed to deal with the ratchet effect on benefits. Fiscal adjustment is anathema to the government workers and union members who are Ms Rousseff’s core supporters.

Like the country’s economic problems, its political ones, while specific to today’s particular scandals and manoeuvring, can be traced to the transition of the 1980s. History reveals a consistent tendency towards negotiated consensus at Brazil’s political watersheds; it can be seen in the war- and regicide-free independence declared in 1822, the military coup of 1964, which was mild compared with the blood-soaked affairs in Chile and Argentina, and the transition that created the new constitution. One aspect of this often admirable trait is a resistance to purging. The mid-1980s saw a lot of institutions—the federal police, the public prosecutor’s office, the judiciary, assorted regulators—overhauled or created afresh. But many of the old regime kept their jobs in the civil service and elsewhere. The transition was thus bound to be a generational affair.

So it is now proving, with a retiring old guard being replaced by fresh blood often educated abroad. In 2013 the average judge was 45 years old, meaning he entered university in a democratic Brazil. Civil servants are getting younger and better qualified, says Gleisson Rubin, who heads the National School of Public Administration. More than a quarter now boast a postgraduate degree, up from a tenth in 2002. Sérgio Moro, the crusading 43-year-old federal judge who oversees the Petrobras investigations, and Deltan Dallagnol, the case’s 35-year-old lead prosecutor, are the most famous faces of this new generation.

Unfortunately, this rejuvenation does not extend to the institution most in need of it: Congress. Its younger faces typically have family ties to the old guard. “Party politics is a market for lemons,” says Fernando Haddad, the fresh-faced PT mayor of São Paulo and a rare exception to the dynastic rule, nodding to George Akerlof’s classic analysis of adverse selection in the market for used cars: it attracts the venal and repels the honest. Consultants who have advised consecutive Congresses agree that each one is feebler than the last.

Brazilians have noticed the decline, and are transferring their hopes accordingly. “Judges and prosecutors are becoming more legitimate representatives of the Brazilian people than politicians,” says Norman Gall of the Braudel Institute, a think-tank in São Paulo. Everyone wants a selfie with Mr Moro and, disturbingly, nearly half of Brazilians think that military intervention is justified to combat corruption, according to a recent poll. Barely one in five trusts legislators; just 29% identify with a political party.

Monthly, oily, deeply

That last fact is perhaps particularly impressive given that they have so many parties to choose from. Keen to promote pluralism the constitution’s framers set no national cut-off below which a party’s votes would not count. It is possible to get into Congress with less than 1% of the vote: in principle, it could be done with 0.02%. As a result the number of parties has grown from a dozen in 1990 to 28 today. The three biggest—the PT, the PMDB and the opposition centre-right Party of Brazilian Social Democracy (PSDB)—together account for just 182 of 513 seats in the lower house and 42 out of 81 senators.

One of the causes of the mensalão scandal was corruption that provided Lula’s government with a way to get the votes it needed from the disparate small parties. The petrolão (“big oily”, as the Petrobras affair is widely known) apparently shared a similar aim. Such ruses may have helped PT governments pass some good laws, such as an extension of the successful Bolsa Família (family fund) cash-transfer programme. But the party was not able to do all that it had said it would; potentially helpful reforms in which it was less invested fell by the wayside. Raphael Di Cunto of Pinheiro Neto, a big law firm in São Paulo, points to many antiquated statutes in need of an update, such as the Mussolini-inspired labour code (from 1943) and laws governing foreign investments (1962) and capital markets (1974).

A Congress in which dysfunction feeds corruption which feeds further dysfunction is not one likely to take the hard decisions that the economy needs. But this is the Congress Brazil has: though there will be local elections in October 2016, congressional elections, like the next presidential poll, are not due until 2018. Can Brazil’s public finances hold out that long?

Many prominent economists think they just about can. They forecast a “muddling-through” in which Ms Rousseff holds on to her job, Congress passes a few modest spending cuts and tax rises, including a financial-transactions levy, the Central Bank continues to fight inflation, the cheap real boosts exports and investors don’t panic. After three years of this, the theory goes, an electorate fed up with stagnation and sleaze will give the PSDB a clear mandate for change. Ms Rousseff narrowly defeated the party’s candidate in 2014 by deriding his calls for prudence as heartless “neoliberalism”, only to propose a similar agenda (through gritted teeth) immediately after winning. If proposed by a PSDB in power that actually believed in them, such measures might receive cross-party support—though given the PSDB’s spiteful unwillingness to support Mr Levy’s measures in 2015 this would not be without irony.

Such a scenario is possible. Figures for the third quarter of 2015 show exports picking up. Price rises could slow down as steep increases in government-controlled prices for petrol and electricity put in place in 2015 run their course. Politicians and policymakers are keenly aware that Brazilians are less tolerant of inflation than in the 1980s and 1990s, when rates of 10% would have seemed mild.

Investors are staying put, at least in aggregate. Yield-hungry asset managers are taking the place of pension and mutual funds that left in anticipation of Brazil’s inevitable demotion to junk status. The real has fallen 31% since the start of 2015 and the stockmarket is down by 12.4%; but though battered they are not knocked flat. The banking system is well capitalised and, observers agree, diligently monitored by the Central Bank. The $250 billion in foreign-denominated debt racked up by Brazilian companies during the commodity-price-fuelled binge has ballooned in local-currency terms and remains a worry. But much of it is hedged through the firms’ own dollar revenues or with swaps—though settling some of those swaps has cost the government, which sold them, some 2% of GDP this year.

The sardonic Mr Lisboa observes with uncharacteristic optimism that “at last people are talking seriously about Brazil’s structural problems”. Fiscal dominance has left arcane discussions among economic theorists and burst onto newspaper columns. Mr Barbosa is openly discussing pension reform and the constitutional change that would have to go with it. In October the PMDB, which tends to lag behind public opinion more than to lead it, published a manifestothat talked about privatising state businesses and raising the retirement age. Even the famously stubborn Ms Rousseff has begun to listen rather than to hector, says a foreign economic dignitary who met her recently.

But the fact that muddling through may be possible does not mean it is assured. It hinges on the hope that politicians come to their senses more quickly than they have done in the past (witness the lost decade begun in the 1980s). It also assumes that Brazil’s penchant for consensus will hold its people back from social unrest on the sort of scale that topples regimes in other countries. The anti-government protests of 2015 were large, drawing up to a million people in a single day. But they were middle-class affairs which took place on sporadic Sundays, causing Ms Rousseff more annoyance than grief. As wages sag and unemployment rises, though, tempers could flare. If they do there will be every chance of a facile populist response that does even deeper economic damage.

Should Ms Rousseff be booted out—through impeachment, annulment of the election or coerced resignation (none of which looks likely just now)—chaos would surely ensue. Her core supporters may be less numerous than they once were, but she has many more than Mr Collor had in 1992. They would close ranks against the “coup-mongers”.

The strength of Brazil’s institutions suggests something shy of the failed populist experiments of some South American neighbours. And the fact that voters in Argentina and Venezuela rebuffed that populism in the past few months has not escaped the notice of Brazil’s politicians. But every month of dithering and every new petrolão revelation chips away at Brazil’s prospects. The 2010s are already certain to be another lost decade; GDP per person won’t rebound for years to come.

It will be a long time before a president can match the pride with which Lula showed off his Olympic trophy. But if Brazil’s politicians get their act together, the 2020s could be cheerier. Alas, if they do not, things will get a great deal worse.

Producao propria: meu balanco para os tres ultimos anos e para 2015 - Paulo Roberto de Almeida

Um balanço ainda incompleto, mas já objeto de preocupações em ditaduras.
Paulo Roberto de Almeida



Balanço de um ano pleno de realizações: 2015

Paulo Roberto de Almeida
Primeiro trabalho de 2016

Este é meu primeiro texto de 2016, escrito na madrugada do dia 3 de janeiro, quando já estou engajado numa outra tarefa que me foi de certa forma solicitada por um amigo brasilianista, que pretende fazer um trabalho sobre o que já se convencionou chamar de “a queda do Brasil” (que foi matéria de capa da Economist, em sua primeira edição do ano). Tomo por base deste balanço e avaliação qualitativa do ano que acaba de se encerrar um texto de caráter similar (e de n. 2457) que eu havia feito no dia 31 de dezembro 2012, às vésperas de partir para os Estados Unidos, onde iria servir no Consulado Geral do Brasil em Hartford. Cheguei ao posto em 23 de janeiro de 2013, e dele me despedi em 30 de outubro de 2015, com quase três anos completos, portanto, de permanência no país. Foram três anos muito proveitosos, como terei a ocasião de explicar aqui, com uma avaliação mais voltada para o ano que findou três dias atrás.
Minha intenção é a de tecer considerações livres sobre o que eu consegui fazer nesses três anos, com ênfase em 2015, mas também alinhar algumas tarefas pendentes que continuam no meu pipeline de trabalhos futuros, ou seja, coisas (textos, livros, pesquisas) que eu ainda pretendo fazer durante o ano que se inicia, ou nos anos à frente, pois certamente sempre terei coisas para fazer até que me faltem forças para empreender tarefas planejadas. Cheguei aos EUA com minha lista de originais aberta para o número 2458; encerrei minha estada naquele país sob o número 2.890, feito em Hartford em 19 de outubro, pouco antes de embalar meus pertences para a mudança. Ainda fiz diversos outros trabalhos entre Anápolis e Brasília, nos meses de novembro e dezembro, até o dia 31/12. estendendo minha lista de trabalhos até o número 2.912, exatamente as minhas “previsões imprevidentes para 2016”, o que representa, portanto, um total de 454 trabalhos completos.
O que isso representa, como média aparente e como produtividade? Digo média aparente pois são inevitáveis algumas repetições, como livros compilados a partir de trabalhos anteriores, mas também tenho muitos outros trabalhos que não foram terminados e que, portanto, não receberam número, permanecendo em alguma pasta de projetos ou de working files. Fazendo uma simples média aritmética, esse total perfaz cerca de 150 trabalhos por ano, ou 12 trabalhos por mês, ou 0,42 trabalhos por dia. Parece ridículo alinhar essas médias enganadoras, mas se pensarmos no número de páginas escritas ou revistas, de alguma forma (caso dos livros-compilações de trabalhos anteriores, o que de toda forma obrigou a uma leitura e correção linha por linha), pode-se chegar a número ainda mais impressionantes do que esses. Vejamos, então.
Em 2013, “só” consegui fazer 93 trabalhos, ou seja, 7,66 trabalhos por mês, ou um trabalho completo a cada 4 dias (não estão contabilizados trabalhos incompletos ou em curso de redação); foram 831 páginas no total (sem a duplicação do livro Prata da Casa), ou 69 páginas por mês, ou 2,3 páginas por dia (sem contar as páginas de trabalhos inconclusos); cada trabalho teve, em média, 9 páginas, mas a variação entre eles foi muito grande.
Já em 2014, foram 190 trabalhos contabilizados, com 2.641 páginas no total, com alguma repetição nesse ano, ou de recuperação de anos anteriores, por incorporação de artigos já escritos anteriormente, a livros, que de toda forma implicaram em revisão página por página, linha por linha, ou seja, correções; esse total representou 7 páginas por dia, o que é propriamente impressionante, mas registro sempre que produzi diversas compilações e mesmo contando como simples revisão, isso aumenta, de modo artificial, o volume total produzido.
Em 2015, finalmente, foram 171 trabalhos, ou seja, 14,25 trabalhos por mês, ou um trabalho completo a cada 2 dias (não estão contabilizados trabalhos incompletos ou em curso de redação); em termos de escrita, esses trabalhos “ocuparam” 2.819 páginas no total, ou 235 páginas por mês, ou 7,7 páginas por dia (sem contar as páginas de trabalhos inconclusos, mas precisando descontar as muitas compilações de livros, que retomaram algumas centenas de páginas já escritas e contabilizadas anteriormente); cada trabalho teve, em média, 16,4 páginas, mas a variação entre eles, como sempre, foi muito grande.
No total, a produção acumulada nos últimos três anos totalizou 6.291 páginas, ou 174,75 páginas por mês, ou 5,74 páginas por dia, o que parece doentio, ou seria patológico. Mais uma vez, volto a enfatizar o papel distorcivo representado pelos trabalhos anteriormente feitos compilados em livros (já falo deles), mas que, como também já disse, representam um trabalho de revisão. Dando um “desconto”, por esse fato, digamos que essas “repetições” representam um terço do total. Com isso teríamos “apenas” 303 trabalhos completos, ou cerca de 100 por ano, num total mais realista de 4.200 páginas aproximadamente, ou seja, 116 páginas por mês, ou 3,8 páginas por dia. Acredito que se trata agora de um número mais razoável de “escrevinhação”, o que indica que, de toda forma, estou sempre escrevendo algumas páginas todos os dias.
Isso deve ser considerado no estrito limite dos trabalhos completos, numerados e listados cronologicamente. Não estou considerando neste total as dezenas, centenas, talvez milhares de linhas que escrevi ao longo desse período em mensagens pessoais a correspondentes, ou mais importante ainda, todas as “introduções” – ou seja, meus comentários toda vez que eu postava alguma coisa no blog (geralmente matéria da imprensa, ou trabalhos lidos na internet, com argumentos explicativos, de concordância ou refutação a cada uma dessas postagens). O trabalho no blog Diplomatizzando, que merece uma contabilidade à parte, se tornou bem mais exigente à medida em que mais e mais pessoas começaram a seguir e a comentar o que eu escrevia ou argumentava em relação a matérias de terceiros.
O blog Diplomatizzando, como já escrevi no meu balanço do final de 2012, representa uma espécie de divertimento intelectual, mas pode ser também considerado como uma maneira prática de não deixar passar uma infinidade de textos relevantes que de outra forma se perderiam no tsunami de informações com as quais entramos em contato de uma forma ou de outra durante uma única jornada de 24 horas (hélas, insuficientes para tudo o que gostaria de ler e escrever). Meu site pessoal, por outro lado, o www.pralmeida.org, ficou por isso mesmo um pouco abandonado, por absoluta falta de tempo, mas também por que fazem vários anos que pretendo reformulá-lo totalmente, e ainda não encontrei (também não procurei) uma alma generosa e atenta que verifique comigo tudo o que é necessário fazer para aperfeiçoar esse site, com vistas a torna-lo visualmente bonito e mas também funcionalmente operacional e mais prático; espero poder fazer essa “reforma” nos próximos doze meses, para permitir uma revisão mais radical, a reorganização completa de meus trabalhos livremente disponível num formato que facilite a busca e a leitura pelos interessados (geralmente jovens estudantes universitários à procura de um pouco de subsídios para o inevitável “copy and paste” da educação atual). Esse site vai me dar pouco de trabalho para alimentá-lo continuamente com trabalhos antigos, recentes e futuros, tornando-o tão vibrante como espero que seja o blog atualmente.

Vejamos agora o que, de tudo isso saiu publicado nesses três anos, em especial o de 2015. Algumas coisas não foram produzidas nesses três últimos anos, ou seja, se tratou de trabalhos escritos anteriormente, eventualmente já publicados em revistas, e que mereceram incorporação a um livro impresso ou digital. Em 2013, minha lista de publicados avançou do n. 1.087 ao n. 1.118bis (ou seja, um trabalho publicado de que só tomei conhecimento posteriormente, e não quis mexer na lista global de publicados), o que perfaz um total de 33 trabalhos publicados (com cerca de 896 páginas no total). Em 2014, foram 40 os publicados (mas nem todos escritos nesse ano, como afirmei), incluídos nesse total 5 livros digitais (minha própria edição), um em Kindle e um por via de editora comercial, ou seja impresso (Nunca Antes na Diplomacia..., para ser mais preciso). Como capítulos de livros escritos, eles foram poucos, apenas 3, sendo um em Kindle, em inglês. Mas, por outro lado, tive mais de cem textos inéditos publicados no blog, sem uma contabilidade considerada em bases uniformes.
Em 2015, finalmente, foram 48 trabalhos publicados, ou seja, 4 por mês, ou um trabalho a cada semana (o que não está de todo mau). No total dos três anos, foram 121 trabalhos publicados, ou 3,3 por mês. Creio que em termos de estatísticas chega, pois números demais acabam cansando. Em termos de livros publicados, faço aqui a lista dos três últimos anos, na numeração cumulativa e na ordem cronológica inversa:

30) Révolutions bourgeoises et modernisation capitaliste: Démocratie et autoritarisme au Brésil (Sarrebruck: Éditions Universitaires Européennes, 2015, 496 p.; ISBN: 978-3-8416-7391-6).

29) Die brasilianische Diplomatie aus historischer Sicht: Essays über die Auslandsbeziehungen und Außenpolitik Brasiliens (Saarbrücken: Akademiker Verlag, 2015, 204 p.; Übersetzung aus dem Portugiesischen ins Deutsche: Ulrich Dressel; ISBN: 978-3-639-86648-3).

28) O Panorama visto em Mundorama: Ensaios Irreverentes e Não Autorizados (Hartford: Author edition, 2015, 294 p.; DOI: 10.13140/RG.2.1.4406.7682), available: Research Gate; link: https://www.researchgate.net/publication/280883937_O_Panorama_visto_em_Mundorama_Ensaios_Irreverentes_e_No_Autorizados?showFulltext=1&linkId=55ca738508aeb975674a4d44).

27) Paralelos com o Meridiano 47: Ensaios Longitudinais e de Ampla Latitude (Hartford: Author edition, 2015, 380 p.; DOI: 10.13140/RG.2.1.1916.4006; available: Academia.edu; link: https://www.academia.edu/11981135/28_Paralelos_com_o_Meridiano_47_ensaios_2015_).

26) Volta ao Mundo em 25 Ensaios: Relações Internacionais e Economia Mundial (Kindle edition; file size: 809 KB; ASIN: B00P9XAJA4; link: http://www.amazon.com/dp/B00P9XAJA4).

25) Rompendo Fronteiras: a Academia pensa a Diplomacia (Amazon Digital Services: Kindle edition, 2014, 414 p.; ASIN: B00P8JHT8Y; link: http://www.amazon.com/dp/B00P8JHT8Y).

24) Codex Diplomaticus Brasiliensis: livros de diplomatas brasileiros (Amazon Digital Services: Kindle edition, 2014, 326 p.; ASIN: B00P6261X2; link: http://www.amazon.com/dp/B00P6261X2).

23) Polindo a Prata da Casa: mini-resenhas de livros de diplomatas (Amazon Digital Services: Kindle edition, 2014, 151 p., 484 KB; ASIN: B00OL05KYG; link: http://www.amazon.com/dp/B00OL05KYG).

22) Prata da Casa: os livros dos diplomatas (book reviews; Author edition; DOI: 10.13140/2.1.4908.9601; 2014, 663 p.; available: Academia.edu: https://www.academia.edu/5763121/Prata_da_Casa_os_livros_dos_diplomatas_Edicao_de_Autor_2014_).

21) Nunca Antes na Diplomacia...: A política externa brasileira em tempos não convencionais (Curitiba: Appris, 2014, 289 p.; ISBN: 978-85-8192-429-8).

20) O Príncipe, revisitado: Maquiavel para os contemporâneos (Kindle edition; 2013; ASIN: B00F2AC146).


Quanto aos capítulos oferecidos a livros coletivos, eles também foram em número significativo, vários deles importantes, mas sobre isso conversaremos em ocasião mais oportuna. Por enquanto interrompo aqui este balanço que ainda está longe de ser completo.
Depois retomamos a avaliação qualitativa.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 3 de janeiro de 2016

“O que faltou, e falta, é educação” - Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa

“O que faltou, e falta, é educação”.

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  Por Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa*
 …Lula se gaba de ter fundado mais universidades do que qualquer outro presidente. Essa obsessão por universidades, por títulos de Doutor, é típica de quem não estudou e acha que passar pelos portões de uma Universidade é chegar ao Arco-Íris.
Artigo publicado originalmente no Blog de Ricardo Noblat, 1º de janeiro de 2016

Lula disse em Madrid ao jornal El País, (11 de dezembro), “Eu sei que isto não agrada aos portugueses, mas Cristóvão Colombo chegou a Santo Domingo [atual República Dominicana] em 1492 e, em 1507, já ali tinha sido criada a Universidade. No Peru, em 1550, na Bolívia em 1624. No Brasil, a primeira universidade surgiu apenas em 1922”.

Há quem se surpreenda com a reação indignada de alguns jornais portugueses. Ora, o sujeito vai à Península Ibérica e resolve agredir Portugal. E, por tabela, o Brasil. Somos ignorantes e atrasados? Ou melhor, burros? A culpa, é claro, é dos portugueses…

Não concordo, em absoluto, com o que Lula disse, aliás, não acho que ele deva falar sobre tema do qual ele está mais distante que nós de Marte.

Nós nos tornamos independentes de Portugal em 1822. Falta muito pouco para comemorarmos os 200 anos da Independência. Quer valer quanto como Lula achou que esse assunto, explosivo, era ótimo para afastar a cabeça dos jornalistas em Madrid do que realmente interessa agora? O petrolão estruturado durante os governos Lula e Dilma e o horror em que está o Brasil, sem Saúde, sem Educação, e à beira de um poço sem fundo?

Colocar em Portugal a culpa pelo nosso atraso intelectual era o melhor que ele fazia para que ninguém lhe fizesse perguntas incômodas sobre impeachment e Lava-Jato, foi o que pensou. E deu certo!

Lula se gaba de ter fundado mais universidades do que qualquer outro presidente. Essa obsessão por universidades, por títulos de Doutor, é típica de quem não estudou e acha que passar pelos portões de uma Universidade é chegar ao Arco-Íris.

Não é. Se assim fosse, dada a quantidade de universidades erguidas pelo PT, o Brasil estaria no topo do IDH do Mundo. Não está.

Universidades são o coroamento de uma longa educação que começa em casa e passa por creches, jardins de infância, ensino básico e ensino fundamental, o alicerce da Educação.

Mais do que Instrução, o que nos falta é Educação. No mais amplo sentido.

Copio aqui, e deixo como presente de Fim de Ano para os leitores, um pequeno trecho assinado por José Saramago, intitulado ‘Lições de vida’:

“A educação preocupa-me muitíssimo, sobretudo porque é um problema muito evidente, claro e transparente e ninguém faz nada a este respeito. Confundiu-se a instrução com a educação durante muitos anos e agora estamos a pagar as consequências. Instruir é transmitir dados e conhecimentos. Educar é outra coisa, é transmitir valores […] Se, para ser educado, tivesse que ter sido instruído previamente, eu seria uma das criaturas mais ignorantes do mundo. Os meus familiares eram analfabetos, como me iriam instruir? É impossível. Mas sim, educaram-me, sim, transmitiram-me os valores básicos e fundamentais. Vivia numa casa paupérrima e saí dali educado. Milagre? Não, não há nenhum milagre. Aprendi a vida e a lição dos mais velhos quando nem eles mesmos sabiam que me estavam a dar lições”. (4 de Fevereiro de 2007. In José Saramago nas Suas Palavras)

Os valores básicos e fundamentais são transmitidos como? Pelo exemplo, não é? Em casa, de nossos mais velhos. Na rua, de nossos governantes.

O que esta inacreditável Pátria Educadora não percebeu é isso: a importância do exemplo.

E como os exemplos que temos recebido são os piores possíveis, o que fazer para que esta Pátria Revoltada transforme-se numa Pátria Educada?

Mais universidades? Ou mais ensino básico, a começar pelas creches? E escolas para onde as crianças se dirijam alegres, cientes de que lá serão tratadas com amor, respeito e cuidado?

Se nos fosse dada uma varinha de condão, o que você faria neste 1º de janeiro de 2016?

Já pensou nisso?

Que os brasileiros tenham um Novo Ano melhor que o que ontem se encerrou, são meus votos.

* Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa* Professora e tradutora. Vive no Rio de Janeiro. Escreve semanalmente para o Blog do Noblat desde agosto de 2005. Colabora para diversos sites e blogs com seus artigos sobre todos os temas e conhecimentos de Arte, Cultura e História. Ainda por cima é filha do grande Adoniran Barbosa.
https://www.facebook.com/mhrrs e @mariahrrdesousa

A usina de pessimas ideias economicas do governo - Alexandre Schwartsman

Espertezas

Por Alexandre Schwartsman*


…evitar o aumento de juros por meio da elevação da meta para a inflação se baseia na noção que pessoas são incapazes de entender o que está ocorrendo. Não chega a ser surpreendente, pois vem do mesmo tipo de “economista” que acredita que indivíduos têm que ser tratados como crianças, tutelados
 
Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, Edição de 30 de dezembro de 2015
 
Normalmente deixaria para minha última coluna de 2015 alguma reflexão sobre o ano que passou, ou algo sobre o que virá, mas, como a usina de más ideias não parece —diferentemente de tantas outras— estar em férias coletivas, não tenho alternativa que não examinar mais uma bobagem em gestação. Há, segundo Fernando Rodrigues, estudos por parte da equipe econômica para elevar a meta de inflação dos atuais 4,5% para 5,5%.
O motivo não poderia ser menos nobre. O BC já havia deixado claro na ata do Copom do final de novembro (e reiterado a mensagem no Relatório Trimestral de Inflação divulgado na semana passada) que, muito embora tenha (mais uma vez) adiado a convergência da inflação para a meta para 2017, “adotará as medidas necessárias (…) [para] trazer a inflação o mais próximo possível de 4,5% em 2016, circunscrevendo-a aos limites estabelecidos pelo CMN (…)”. Em outras palavras, não quer permitir que a inflação ultrapasse novamente o limite superior do intervalo em torno da meta, 6,5%.
Dado, porém, que as expectativas para 2016 já se encontram em quase 7% (o Banco Central projeta pouco mais que 6%, mas seu histórico de previsões não sugere que devamos acreditar nisto), entre as “medidas necessárias” se encontra muito provavelmente novo ciclo de elevação da taxa de juros, a se iniciar em janeiro.
Assim, ao elevar a meta de 4,5% para 5,5%, o limite superior passaria de 6,5% para 7,5%, esperteza que, de acordo com os idealizadores da proposta, tiraria do BC o ônus de subir a taxa Selic.
Como se costuma dizer, todo problema complexo tem uma solução simples e, obviamente, errada.
A proposta implicitamente pressupõe que as expectativas dos agentes econômicos se manteriam inalteradas, mesmo após o anúncio de nova informação, isto é, que, mesmo sabendo que o BC passaria a perseguir um alvo distinto (e, para deixar claro, o alvo a que me refiro não é a meta, mas seu limite superior), as pessoas passivamente ignorariam esta valiosa informação ao negociarem seus salários ou definirem seus preços.
Posto de outra forma, a ideia de que se pode evitar o aumento de juros por meio da elevação da meta para a inflação se baseia na noção que pessoas são incapazes de entender o que está ocorrendo. Não chega a ser surpreendente, pois vem do mesmo tipo de “economista” que acredita que indivíduos têm que ser tratados como crianças, tutelados pelo “papai Estado”.
A adoção de tal medida, porém, levará justamente ao contrário do esperado pelos autores da proposta. As expectativas de inflação (e não apenas para 2016) irão subir refletindo a nova informação.
Por causa disso, salários e preços subirão mais do que fariam caso a meta tivesse sido mantida, acelerando adicionalmente a inflação e o BC será obrigado a elevar ainda mais a taxa de juros (ou a aceitar inflação mais alta). Um caso clássico de tiro que saiu pela culatra, apenas mais um entre tantos que tivemos o privilégio de testemunhar nos últimos anos.
O regime de metas para a inflação está em vigor desde 1999, tempo mais do que bastante para que o entendimento acerca de seu funcionamento já estivesse suficientemente difundido de forma a evitar que propostas como esta viessem à luz do sol. Mas não: erradicar o analfabetismo econômico é tarefa que não cessa.

• * ALEXANDRE SCHWARTSMAN – DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS
(O Blog A MÃO VISÍVEL, de Alexandre Schwartsman, agora integra o Site Chumbo Gordo, no http://www.chumbogordo.com.br/categorias/a-mao-visivel/)

Sobre o teto constitucional de salários e os salarios dos diplomatas no exterior - Paulo Roberto de Almeida

Reproduzo novamente neste blog texto meu de 2013, quando pela primeira vez o TCU deu, bestamente (e não digo isso por raiva, porque foi uma bobagem mesmo), de regular os salários dos diplomatas no exterior pelo teto constitucional no Brasil, o que já é uma coisa ridícula, e se torna mais ridícula ainda quando se observam os movimentos cambiais.
Mas, como eu digo sempre, o Brasil não é, definitivamente, um país normal, e não por anormalidades próprias ao país, mas pelo atraso mental de suas supostas elites.
Segue o texto de 2013.
Paulo Roberto de Almeida


Salários de diplomatas no exterior: um falso debate

Paulo Roberto de Almeida
10/03/2013

Depois que aqui postei uma matéria do jornal O Globo sobre os altos salários de diplomatas no exterior, várias pessoas me pediram comentários sobre o assunto, algumas de maneira educada, uma, perceptivelmente, com uma espécie de esgar de triunfo: “pronto, vamos pegar esses desgraçados, que dilapidam a nação com seus salários nababescos, e sobretudo esse falso moralista [eu] que critica a tudo e a todos, vamos ver como ele se sai dessa agora”. Claro, não foi assim, e foi em tom bem mais raivoso, mas que não me cabe transcrever aqui.
Pois bem, existem altos salários de diplomatas no exterior? Pode ser, ou até parece, numa simples transcrição de valores em dólares transformados ao câmbio do dia. Esses salários deveriam ser trazidos abaixo do teto constitucional que é o dos juízes do Supremo? Vou logo dizer que isso é ridículo, e tecer algumas considerações sobre o assunto.

Qualquer um que conheça a estrutura – que não existe, a bem dizer – dos salários do setor público no Brasil sabe que se trata de um caos indescritível, em cada um dos poderes, dentro dos poderes, entre eles, nos três níveis da federação, em qualquer dimensão que se possa examinar. Não existe correspondência entre cargos e funções, existem diversos meios de escape dos baixos salários (com reclassificações indevidas), existem cargos de confiança que são na verdade de apaniguados, em grande medida, e existe, de forma abundante, barroca, surrealista, milhares de penduricalhos e empulhações, que atendem pelo nome de “gratificações”, dezenas delas, a maior parte completamente artificiais, criadas unicamente para aumentar os ganhos sem precisar passar pelo ritual de aprovação de uma lei específica, penduricalhos que depois são incorporados aos salários nominais e até às aposentadorias (não só do próprio, como das viúvas, que em média sobrevivem os próprios por 17 anos). Enfim, não preciso descrever o horror que é essa situação e não preciso falar do horror que tenho dela.
Um país decente, ou simplesmente normal, teria uma estrutura linear, progressiva, transparente, de salários do setor público, atingindo a todos os funcionários públicos, onde estivessem, o que fizessem, em qualquer poder, em qualquer unidade da federação. Não conheço o sistema japonês em detalhes, mas parece que se trata de algo próximo disso, e quem quiser saber como deveria funcionar no Brasil, talvez devesse olhar o sistema japonês. Mas o Brasil não é, obviamente, um país normal, e por isso exibe aberrações inacreditáveis, a começar pelo fato de que, na média, os funcionários públicos ganham cinco ou seis vezes mais do que seus equivalentes funcionais no setor privado, e não imagino (ao contrário, imagino sim, mas pelo outro lado) que a produtividade média do funcionário público seja cinco ou seis vezes superior à de seus colegas, ou equivalentes, do setor privado.
O problema, portanto, começa por aí. Para tentar colocar um pouco de ordem nesse caos, ou talvez para tentar contornar o problema, burocratas espertos trabalhando para políticos idem resolveram criar o tal de teto constitucional, o que por si já é uma aberração. Como já disse alguém, a Constituição só não traz o seu amor de volta em três dias, mas o resto, procurando bem, está lá. Não se trata de um teto, pois ele é furado por dezenas de expedientes expertos, e outras malandragens típicas dos brasileiros, que são altamente inovadores na malandragem justamente (acabam de pegar uma médica do SAMU que tinha seis dedos em silicone de colegas, para certificar presença no trabalho: devem ter aprendido desses filmes de espionagem de Hollywood, trazendo os melhores truques da CIA). O teto é patético e ridículo, inclusive porque não é um teto para os próprios “tetados”: eles recebem diversas outras mordomias em espécie e em serviços, ademais de ajutórios de diversas ordens para viver, comer e se vestir, coitados, que seu salário real supera amplamente o de um juiz da Suprema Corte dos EUA (atenção: não acho que eles ganham muito não, mas é que os EUA exibem, na média, uma renda per capita cinco ou seis vezes superior à do Brasil, e que lá esse é, de fato, o maior salário da função pública).
Pois bem, o que dizer, então, do uso desse teto furando, em reais, no Brasil, sem computar qualquer outro penduricalho, com salários (de diplomatas e militares, por exemplo) no exterior, pagos em dólar por conveniência, mas vivendo em diferentes países, com custos de vida e paridades cambiais bem diversas entre si. Não sou economista, mas conheço economia, e sobretudo conheço e conheci a vida em dezenas de países diferentes, do socialismo surreal ao capitalismo ideal, da bonança rica à miséria mais miserável, e sei, por exemplo, que os aluguéis mais altos podem ser encontrados em lugares os mais modestos, e que a loucura econômica de certos governos pode ser ainda mais alta do que a imperante em certo país tropical, onde burocratas, magistrados e luminares acham que podem usar um valor nacional como parâmetro universal de alguma coisa.
Não vou entrar nesse debate de que o salários dos diplomatas no exterior deve ser regulado pelo teto constitucional brasileiro porque ele já é ridículo no próprio Brasil e para o exterior passa a ser simplesmente surrealista. Uma coisa apenas afirmo: o teto constitucional NÃO PODE ser parâmetro para medir qualquer coisa fora do Brasil, em qualquer sentido que se pretenda. Encerro esta questão afirmando novamente: isso é absolutamente ridículo, ponto!
Agora, os diplomatas ganham muito no exterior? Em relação a que? Assim como não se mediu, no teto constitucional dos juízes do Supremo os muitos penduricalhos que Suas Excelências agregam, como medir os salários de outros diplomatas, que podem estar sendo contemplados, por seus respectivos serviços, com diversas outras vantagens indiretas (como educação dos filhos, por exemplo, algo que angustia a maior parte dos secretários servindo no exterior)?
Sou totalmente a favor de que uma lei absolutamente transparente que regulamente o que ganham TODOS os funcionários públicos, no Brasil e no exterior. Neste último caso, eu não chegaria ao ridículo de vincular o salário no exterior a QUALQUER valor do Brasil, pois isso é economicamente falho e inadequado do ponto de vista cambial, ou da simples conjuntura econômica, que muda sensivelmente em poucos meses, trazendo alterações para melhor ou para pior no poder de compra. Existem mecanismos pelos quais se pode estabelecer uma remuneração fixa, em escala, e depois diferentes mecanismos de correção, e de adição, segundo o poder de compra e a situação do trabalhador (com filhos, ou solteiro, por exemplo).
Enfim, não vou entrar nos detalhes das remunerações pois não sou especialista, nunca me interessei pelo assunto e jamais vou trabalhar num setor de administração que cuide de matérias tão chatas quanto essa. Jamais procurei saber quanto iria ganhar em qualquer função ou cargo que exerci, no Brasil ou no exterior. Isso simplesmente não me interessa. Ganho o que me pagam, adapto meus gastos ao que ganho, e isso é tudo, ponto final. Existem diplomatas que ficaram ricos na carreira? Pode ser, mas não deve ser fácil para um diplomata normal, pois poucas vezes encontrei colegas construindo mansões e dando festas faraônicas, como por vezes ocorre com outros funcionários de alguns setores. Em todo caso, nunca encontrei, na carreira, alguém que tenha entrado com o ânimo de enriquecer. Enfim tudo é possível, nos assuntos humanos...
Agora, quanto a esse falso debate que tentam criar no Brasil, em torno do teto constitucional para diplomatas no exterior, só posso repetir: é ridículo!

Paulo Roberto de Almeida (Hartford, 10/03/2013); Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.com/2013/03/salarios-dos-diplomatas-no-exterior-um.html)