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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

domingo, 14 de fevereiro de 2016

A Grande Destruição dos keynesianos de quermesse - Alexandre Schwartsman

Para Tudo Se Acabar Na Quarta-Feira

Cinzas

Por Alexandre Schwartsman

…Sem reformas que ataquem esses problemas, a Quaresma há de se estender bem mais do que hoje se imagina…

Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, Edição de 10 de fevereiro de 2016

À folia do Carnaval se segue a Quaresma, período de penitência que se inicia hoje, na Quarta-feira de Cinzas. À folia da Nova Matriz Macroeconômica se segue o que promete ser a pior recessão brasileira desde que passamos a compilar os dados de produção nacional, há quase 70 anos.

Após queda do PIB da ordem de 3,5% a 4,0% no ano passado, as projeções indicam nova contração de magnitude semelhante em 2016, sem perspectivas, porém, de uma recuperação rápida como em outros episódios.

A presidente pode ter a duvidosa honra de ser o primeiro dirigente do país a entregá-lo ao sucessor menor do que era quando assumiu o governo.

É tentador estender a analogia, ainda que isto requeira trazer a análise mais próxima do campo moral do que economistas normalmente se sentem confortáveis. A crise é punição pelos nossos pecados e a penitência uma condição necessária para a retomada à frente?

Muito embora não tenha grande apreço pela noção de “pecado”, é difícil escapar da conclusão óbvia: muito (não tudo) do que enfrentamos hoje é consequência direta das escolhas equivocadas da política econômica que passou a vigorar no país a partir de 2009 e que ganhou mais força desde 2011.

Pelo lado macro, o descaso com a inflação, o aumento sem precedentes do gasto e as intervenções constantes no mercado de câmbio criaram enormes desequilíbrios: inflação elevada, apesar de controles de preços (preço do dólar incluso), dívida pública crescente e um deficit superior a US$ 100 bilhões nas contas externas. Ainda que keynesianos de quermesse insistam que tal política poderia (e deveria!) ser mantida, é mais que claro que a persistência nessa rota nos levaria a uma crise ainda maior do que a que passamos hoje.

…Não se trata aqui de um problema de “destruição criativa”, ou das dificuldades naturais que enfrenta uma economia em processo de adaptação às mudanças internacionais, mas sim de um país cujo futuro foi hipotecado na forma de promessas impagáveis, das regras previdenciárias aos privilégios de grupos próximos ao poder…

Do lado micro o desastre não foi menor. A intervenção desregrada – desde medidas de fechamento do país à competição internacional até a escolha de “campeões nacionais” baseada em critérios nebulosos, para dizer o mínimo- implicou redução severa do ritmo de crescimento da produtividade, a devastação de alguns setores importantes (como o sucroalcooleiro, petróleo e energia), e criou um forte estímulo à busca de favores governamentais, fenômeno extraordinariamente batizado de “sociedade de meia-entrada”, cujos impactos sobre o crescimento são notoriamente negativos.

Nesse sentido, sim, colhemos o que foi plantado com esmero pelos keynesianos de quermesse, ainda que hoje em dia estes olhem para o lado como se nada tivessem a ver com a política que tanto apoiaram, inclusive durante a eleição de 2014. Se quiserem tirar conclusões morais, sintam-se à vontade.

Isto dito, não há por que imaginar que a penitência (a recessão) haverá de promover necessariamente a redenção.

Não se trata aqui de um problema de “destruição criativa”, ou das dificuldades naturais que enfrenta uma economia em processo de adaptação às mudanças internacionais, mas sim de um país cujo futuro foi hipotecado na forma de promessas impagáveis, das regras previdenciárias aos privilégios de grupos próximos ao poder.

Sem reformas que ataquem esses problemas, a Quaresma há de se estender bem mais do que hoje se imagina. Mais que penitência, precisamos de lideranças que estejam dispostas a mudar o país, senão vai tudo se acabar na quarta-feira.

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Alexandre-BSB• * ALEXANDRE SCHWARTSMAN – DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, BERKELEY, E EX-DIRETOR DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL É PROFESSOR DO INSPER E SÓCIO-DIRETOR DA SCHWARTSMAN & ASSOCIADOS

@alexschwartsman
aschwartsman@gmail.com

(O Blog A MÃO VISÍVEL, de Alexandre Schwartsman, agora integra o Site Chumbo Gordo, no http://www.chumbogordo.com.br/categorias/a-mao-visivel/)









OMC e os impasses da Rodada Doha: entrevista com Roberto Azevedo, DG-OMC

‘Políticas fiscais e monetárias estão no limite’, diz diretor-geral da OMC

Segundo Roberto Azevêdo, modelos tradicionais para crescimento estão se esgotando

por 

RIO - Diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Roberto Azevêdo vê com preocupação a situação da economia mundial e alerta que as políticas usadas tradicionalmente para revigorar a economia já estão no limite. Diante de “um cenário não muito alentador”, os países terão que se reinventar e descobrir sua própria “fórmula de sucesso” para dar um impulso ao crescimento. Mais do que isso, sem esforço de coordenação, diz ele, o tempo para sair da crise será muito mais longo.

Nesse ambiente, um dos desafios é o crescimento mais lento da China, que tem “impacto evidente no Brasil”. Segundo Azevêdo, esta é uma realidade que o país terá que conviver por um tempo e precisa encontrar soluções que não dependam apenas do mercado chinês. Outra dificuldade para o Brasil será a competição na exportação dos produtos agrícolas com os países que fazem parte da Parceria Transpacífica (TPP, na sigla em inglês), bloco de 12 nações que inclui Estados Unidos, Austrália e Japão.

— Na área mais específica de redução tarifária, o maior efeito que se sente é na área agrícola, onde as tarifas são mais altas. Ali o exportador brasileiro vai competir em desvantagem pelos mercados do TPP porque outros produtores terão acesso preferencial. (...) Há um certo impacto, não resta dúvida, daí a importância de retomarmos os acordos multilaterais — diz o primeiro latino-americano a assumir a direção-geral da OMC.

Se há preocupação com a economia mundial, o clima é de mais otimismo com as negociações para a liberalização comercial. A reunião ministerial de Nairóbi, realizada em dezembro, conseguiu vencer “uma batalha de mais de 30 anos”: a eliminação dos subsídios das exportações de produtos agrícolas. Agora, é um momento de refletir e buscar ideias para avançar as negociações em áreas tradicionais, como indústria e serviços, que fazem parte da Rodada de Doha, mas que não têm tido consenso até agora. Num ambiente de proliferação de acordos bilaterais e regionais, Azevêdo lembra que há certos temas que não podem ser negociados nesses acordos, como a agricultura ou subsídio a pesca.

Como vê a situação da economia global e o fim do superciclo de commodities?

É claramente um cenário não muito alentador. Estamos sim nos recuperando da crise de 2008, mas de maneira muito lenta. Nos últimos cinco anos, o crescimento médio mundial por ano foi em torno de 2,3%. Nos cinco anos que precederam a crise, era de 3,7%. Pior que isso é que as perspectivas não são muito boas para uma aceleração da retomada do crescimento mundial. Tem muitas coisas acontecendo, instabilidade geopolítica em quase todos os continentes, Oriente Médio, Europa, e parte da Ásia. Uma das maiores economias do mundo, a China, lidera uma transição de seu modelo de crescimento. Então é difícil saber de que maneira vamos conseguir retomar um crescimento mais vigoroso. As políticas fiscais estão no limite, já tivemos vários modelos de expansão econômica baseada em expansão das atividades do Estado, mas isso tem um limite. Do ponto de vista monetário, também estamos chegando a um limite. Vários bancos centrais estão adentrando o território de taxas negativas, títulos de governo têm taxa de rendimento próximo a zero... Todos os modelos tradicionais para revigorar a economia estão chegando ao limite e a economia mundial não está reagindo de maneira robusta. Tudo isso é muito preocupante. Precisamos ficar atentos a iniciativas e modelos que consigam dar um impulso de crescimento mais vigoroso.

Mas como se as políticas já estão no limite?

A fórmula de sucesso varia de país para país. Cada um terá que encontrar sua fórmula de acordo com sua própria situação macroeconômica. Os exportadores de commodities, não podem, por exemplo, contar apenas com exportações de commodities, os produtores de petróleo devem estar preocupados, se coordenar e ver como vão lidar com cenário de preços muito baixos num futuro previsível pelo menos. Cada um terá que encontrar seu nicho e a fórmula que melhor se adapta à sua capacidade de produção. Não tem uma receita única.

Se não há receita única, o que se vislumbra para a economia mundial?

No passado, quando tivemos situações de crise aprofundada, a solução encontrada quase sempre passou por um entendimento mínimo entre as grandes economias mundiais. Houve acordos, coordenações de políticas monetárias, políticas comerciais, de políticas macroeconômicas. Se quisermos sair de onde estamos, precisamos ter mais coordenação nessas áreas. Vejo muito os países olhando para suas próprias economias, mas não necessariamente procurando ver o impacto global de suas economias, que muitas vezes podem retroalimentar negativamente as próprias medidas que estão tomando. Vejo muito nas reuniões do G-20 e outras reuniões internacionais. Eles reclamam da situação, das dificuldades e dos desafios para retomar o crescimento econômico, mas pouco falam de esforço de coordenação. Isso está faltando. Se cada um continuar olhando para seu próprio território, podemos até sair da crise, mas vamos levar muito mais tempo do que se houvesse um esforço coordenado. Após 2008, houve uma tentativa de coordenação, mas muito rapidamente os países passaram a agir de acordo com seus interesses mais imediatos. O que é natural, há uma primeira responsabilidade com seu povo, mas precisamos ter essa expectativa de que a medida isolada não leva a ambiente internacional que favoreça seus objetivos.

E como o crescimento menor da economia chinesa afeta o Brasil?

O impacto é evidente. A China é o principal destino das exportações brasileiras, é um grande player global, e a queda da demanda na China afeta o exportador brasileiro de duas formas. Primeiro pelo volume de exportações, a China está importando menos. E mais do que isso. Como o mercado chinês é muito grande, a queda do volume também afeta o preço internacional do produto. Então perde duas vezes, no volume e no preço, como é o caso do minério de ferro. As exportações brasileiras tiveram uma queda brutal no valor no ano passado, de 45%, enquanto a queda total das exportações foi de 14%. É uma situação preocupante. Até porque esse modelo de crescimento não parece que vai mudar de forma imediata, é uma realidade que teremos que conviver durante um tempo e encontrar soluções que não dependam apenas do mercado chinês.

O que o Brasil perde com o TPP?

Na área mais específica de redução tarifária, o maior efeito que se sente é na área agrícola, onde as tarifas são mais altas. Ali o exportador brasileiro vai competir em desvantagem pelos mercados do TPP porque outros produtores terão acesso preferencial. Em termos de regras, o Brasil e todos os outros países não participantes do TPP deixaram de estar na mesa de negociações de regras que eventualmente podem servir de inspiração para outros acordos e até na própria OMC. Há um certo impacto, não resta dúvida, daí a importância de retomarmos os acordos multilaterais. Até porque esses acordos não são abertos, não é uma questão de querer se associar ao acordo. Os não participantes não têm acesso a ele.

Outra limitação desse acordos é a limitação geográfica, são apenas alguns participantes. Quem não está ali não pode participar da elaboração da agenda comercial mundial. Para o Brasil, este é um problema, mas não é incontornável porque o Brasil tem tamanho e peso para negociar acordos também. Isso é um problema para vários outros membros da OMC, pequenos, mais vulneráveis, e não tem poder de sedução para participar dessas mesas de negociação mais seletivas.

Qual foi o significado da reunião de Nairóbi?

Nairóbi teve vários resultados importantes, mas o mais óbvio deles foi a eliminação dos subsídios das exportações de produtos agrícolas. É uma batalha de mais de 30 anos dos países em desenvolvimento. No caso do Brasil especificamente, tem alguns produtos que costumam ser objeto desses subsídios, como açúcar, carne suína, produtos lácteos. E isso acaba. É um tema da maior importância, tanto que foi incluído em setembro como um dos objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU (Organização das Nações Unidas). E menos de três meses depois conseguimos atingir um desses objetivos. Isso dá a noção da importância do assunto. Há prazos diferenciados para o fim desses subsídios. Os países desenvolvidos devem eliminar esses subsídios imediatamente, enquanto aqueles em desenvolvimento têm prazo até 2018, embora haja algumas exceções em ambos os grupos.

Quanto à importância para a OMC, Nairóbi se transformou na segunda conferência seguida bem-sucedida. E isso não tem precedentes na história da OMC. E deixa todos os membros com muito otimismo em relação ao futuro. O setor privado está muito entusiasmado com o resultado. Estive em Davos e o grau de atenção e de foco sobre o que estamos fazendo é enorme, e eles estão querendo se aproximar ainda mais do que desenvolvemos na OMC.

Que outros resultados foram alcançados?

Nairóbi teve uma série de decisões importantes. A de maior valor monetário, porque cobre um comércio de mais de US$ 1 trilhão, foi a expansão do Acordo de Tecnologia de Informação. Ali, vamos levar a zero, em um prazo máximo de sete anos, as tarifas de mais de 200 produtos de tecnologia de informação que estão no dia a dia de todos nós, como GPS, tablets, telefones celulares, computadores de última geração e até equipamentos médicos. Tudo isso está dentro do acordo. E os benefícios dessa redução se aplicarão não só aos signatários, mas a todos os membros da OMC. Evidentemente é um resultado de grande valor tanto político quanto econômico. Além disso, tivemos outras coisas importantes. Como o reconhecimento dos membros de que precisamos avançar com temas tradicionais, bens industriais e serviços, mas também precisamos encontrar maneiras de falar e negociar outros temas, como comércio eletrônico, investimentos, pequenas e médias empresas. São vários temas que podiam ser objetivo de discussão na OMC, tudo isso agita a agenda.

Apesar do fim dos subsídios à exportação, ainda permanecem entraves ao comércio na agricultura, não é?

Não tenha dúvida. Os mecanismos que podem distorcer as condições de mercado em agricultura são muitos, então ainda temos muito trabalho a fazer, como no área de apoio a produção, de acesso a mercado.... As tarifas em agricultura ainda são muito altas, e também há barreiras não tarifárias. Há um atraso em agricultura porque a evolução das regras só começou na Rodada do Uruguai. É uma agenda de longo prazo.

Alguns afirmam que Nairóbi foi o fim da Rodada de Doha. O “Financial Times” falou sobre a "morte misericordiosa" de Doha. A conclusão da rodada deixou de ser um objetivo? Está se buscando outra estratégia?

Essa resposta depende de quem responder a pergunta. Há países que evidentemente querem prosseguir com a Rodada da maneira como ela existia, e há países que acham que ainda é importante avançar com os temas da rodada não dá para fazer da maneira como se estava negociando. Portanto são duas visões muito diferentes. O que as duas visões têm em comum é o entendimento de que são temas muito importantes, como agricultura, temas industriais e serviços, que precisam continuar avançando. E a dúvida é como continuar avançando e é esse debate que começa agora em Genebra. Nos últimos dois anos, tentamos avançar as negociações, sendo muito criativos, e nenhuma delas funcionou. Agora temos que parar, fazer uma reflexão e ver se surgem ideias que permitam avançar as negociações nessas áreas.

Esta semana houve a primeira reunião dos membros depois de Nairóbi. Já surgiram ideias? Como foi o encontro?

Ideias propriamente ainda não surgiram. Mas o que ficou claro é que precisamos de uma parada de reflexão para pensar em como avançar a agenda negociadora. Muitos atribuindo maior ênfase aos temas da rodada e outros a outras áreas. E elas não podem continuar esperando, precisamos começar a discutir esses assuntos o mais breve possível.

Como a OMC pode se manter relevante em um ambiente em que proliferam os acordos regionais e bilaterais, como a Parceria Transpacífica (TPP, na sigla em inglês)?

Em primeiro lugar, a OMC cumpre uma missão que nenhum desses acordos têm que é de monitorar, disciplinar os fluxos de comércios globais, nenhum desses acordos consegue fazer isso, tem a menor capacidade, e essa função da OMC jamais se perderá. Além disso, no que diz respeito a negociações, a OMC está negociando, está concluindo acordos plurilaterais, que não tem todos os membros, mas são grandes e têm massa crítica. Essa dinâmica da OMC está trazendo os holofotes de volta à organização. Esses acordos fora da OMC sofrem limitações por serem negociados fora do âmbito multilateral. E a principal preocupação desses países que estão negociando acordos fora da OMC é como vão trazer esses temas para a OMC. Porque se não trouxerem para cá o alcance e impacto das regras serão muito limitadas.

Alguns acordos são muito grandes e trazem temores de que vão criar outros parâmetros...

Mais ou menos. Primeiro, há certos temas que não podem ser negociados nesses acordos. Por exemplo, apoio doméstico a agricultura ou subsídio a pesca, tem que ser negociado na OMC. São limitados aos temas: alguns conseguem negociar e outros não. Esses acordos têm em geral dois eixos: redução de tarifas e criação de regras. Na maioria dos casos, a tarifa média dos países que negociam o acordo já é muito baixo, ou os países já tem acordos comerciais, ou seja, as tarifas já são zero. Então não há imediatamente um grande redução tarifária, exceto em produtos pontuais, geralmente na área agrícola. Um acordo na OMC teria um valor infinitamente maior.

Em termos de criação de regras, a maior parte dos acordos desenvolve regras em cima do que já existe na OMC. O que fazem no fundo é ajustar, aprimorar e aprofundar um pouco o que já temos na OMC. Onde desenvolvem regras novas, o que vimos até agora é que essas regras ainda estão em patamar muito incipiente, há muito o que trabalhar. E é isso que precisa ser feito nas negociações multilaterais.

No âmbito da OMC, os acordos plurilaterais e multilaterais não são mutuamente excludentes. É possível ter um tema onde regras e disciplinas se aplicam a todos os membros. Ao mesmo tempo, apenas alguns membros podem querer aprofundar a questão e assinar um anexo, um acordo, para quem quer ir mais longe. Já na área de redução tarifária, já fizemos o Acordo de Tecnologia de Informação e estamos negociando outro para bens ambientais. Como estes, poderá haver outros setoriais.

O senhor citou o apoio doméstico à agricultura. Então esses acordos não podem promover maiores liberalizações nessas áreas?

Impossível. Imagine um país que está negociando um acordo regional. Se negociar a retirada do apoio doméstico, está fazendo uma espécie de desarmamento unilateral. Todos os outros países fora daquele acordo regional vão continuar subsidiando sua produção. E eles terão se desarmado sem ter uma contrapartida dos outros. Então nunca verá negociação sobre retirada de subsídios domésticos em um acordo regional, só vale se tiver todos os países.

E isso vale para o Brasil, que sempre argumentou que só valeria um acordo multilateral para a agricultura, não é?

No Brasil, em particular, a retirada do apoio doméstico dos países industrializados e mesmo em desenvolvimento é muito importante. Um país que não subsidia até pode competir com o produtor de outro país, mas não consegue competir com o Tesouro do outro país. Não pode competir com os incentivos que o outro país está recebendo.

Há uma polêmica crescente sobre o reconhecimento ou não do status da China como economia de mercado no fim do ano. Qual é a posição da OMC sobre o assunto?

Como instituição, a OMC não tem posição. São seus membros que podem ter interpretações distintas sobre o que está escrito no protocolo de ascensão da China. Cada membro terá sua interpretação. O prazo previsto no protocolo é dezembro. E até agora os membros não se pronunciaram sobre isso de maneira formal. A rigor, a única forma de se interpretar os textos legais da OMC é por meio do Órgão de Solução de Controvérsias, não há ninguém que possa interpretar o texto.

A China considera que esse status deve ser reconhecido. Se isso não ocorrer como parte de algum membro, pode ocorrer um painel no Órgão de Solução de Controvérsias?

Não sei, depende dos membros envolvidos. Tem várias maneiras de se solucionar controvérsias na OMC sem se chegar a um litígio: consultas, conversas... Não posso prever o que vai acontecer. Sem dúvida é uma via possível, mas não posso prever esse desfecho.

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Brasil: a corrupção está nas próprias leis e na República - Modesto Carvalhosa

A corrupção não existe apenas quando pessoas violam as leis: ela pode estar na própria lei, como indica Modesto Carvalhosa.
No Brasil, a própria República já foi contaminada, em seus três poderes.
Paulo Roberto de Almeida 

Com Janot, o destino da MP da corrupção

MODESTO CARVALHOSA*

A Medida Provisória 703 – conhecida como a MP da Corrupção e em plena vigência desde 18 de dezembro – suscitou grande indignação na sociedade civil brasileira. Trata-se de um poderoso instrumento utilizado pelo governo petista para legalizar a corrupção no País, neutralizando os efeitos punitivos da Operação Lava Jato e inibindo a ação do Ministério Público visando ao ressarcimento dos prejuízos causados aos cofres públicos pelas empreiteiras ao longo dos últimos 13 anos e sua inabilitação.

Em sentido contrário, permite o diploma dilmista a plena contratação das empreiteiras corruptas para retomarem aquelas mesmas obras públicas que causaram bilhões de prejuízos aos cofres da União e das empresas estatais. Podem elas, também, obter novas concessões e novas obras, em todos os níveis – federal, estadual e municipal. Basta que se submetam essas virtuosas empresas a certos rituais de pajelança e de magia negra depurativas de maus hábitos, sob a pomposa e enganosa denominação de “acordos de leniência”, para que voltem ao seio generoso e cobiçoso da administração.

Tudo isso para que não mais se interrompam as relações promíscuas que até há pouco tão bem sustentaram o projeto hegemônico do Partido dos Trabalhadores.

A iniciativa de legalizar a corrupção dos governos truculentos e populistas da África, América Latina, Ásia e do Leste Europeu, tendo ainda como artistas convidados a Itália e a Grécia, é amplamente estudada na literatura política. Veja-se Bobbio (L’utopia capovolta”); Judt (Guasto é il mondo) e Bauman (Medo líquido). Mais recentemente foram publicados os estudos de M. Arnone e L. S. Bornini (Corruption – economic analysis and international law, Elgar, 2014); Henaff (Pour une anthropologie de la corruption, Esprit, 2014_ e Barbieri e Giavazzi (Corruzione a norma di legge, Rizzoli. 2014).

Estes dois últimos autores explicam: “A corrupção mais grave, ou seja, a que mais causa danos à sociedade, não é aquela que decorre da violação das leis, mas sim a que se encontra na corrupção das próprias leis”. E continuam os autores: “Nenhuma lei é violada. São as leis – elas próprias – que são corrompidas, ou seja, escritas e aprovadas a favor dos corruptos contra os interesses do Estado. Em face desse tipo de corrupção a Justiça fica desarmada, razão pela qual somente pode ela ser combatida pela política e pela cidadania”.

Evidentemente que no Brasil o combate à legalização da corrupção não pode contar com a política, como imaginam aqueles pesquisadores, na medida em que nossos festejados parlamentares estão envolvidos, até a raiz, no propinoduto que rega seus partidos e as contas pessoais deles próprios.

Essa conivência proativa de nossos amados parlamentares é ressaltada pelo diretor da força-tarefa da Lava Jato, o ilustre promotor Luis Fernando dos Santos Lima (Veja, 13/1).

Restou para a cidadania unicamente o caminho do Judiciário, visando a declaração de absoluta inconstitucionalidade dessa execrável MP 703/2015. Refletindo o clamor público contra mais essa sinistra iniciativa dilmista de legalizar a corrupção, a Associação do Ministério Público de Contas e o Instituto Não Aceito Corrupção oficiaram ao dr. Rodrigo Janot, em 22 de dezembro – quatro dias após a publicação da indigitada MP –, solicitando que em caráter de urgência o procurador-geral da República ingressasse com ação direta de inconstitucionalidade (Adin) perante o Supremo Tribunal Federal contra a MP 703, por ferir todos os princípios de moralidade pública inscritos na Carta de 1988.

O ofício descreve, um por um, os delitos constitucionais encontrados na medida provisória, enfatizando a urgência do ingresso da Adin ante o iminente perigo de serem extintas as ações de improbidade administrativa em curso envolvendo as empreiteiras, propostas pelos procuradores subordinados ao próprio Janot. A petição do Ministério Público encaminhada ao famoso procurador-geral só necessita da sua assinatura, tal o detalhamento e a profundidade dos argumentos ali contidos, que apontam a quebra de todos os princípios constitucionais do Estado Democrático de Direito constantes desse verdadeiro corpo de delito que é a MP 703.

Não obstante, o sr. Janot – passados 60 dias do pedido de ingresso por parte dos seus colegas do Ministério Público – até hoje não mexeu uma palha. Enquanto isso a famigerada MP 703 está em plena vigência. Basta que seja firmado entre a CGU e uma santificada empreiteira um Termo de Ajustamento de Conduta – em que foi cinicamente transformado o acordo de leniência previsto na Lei Anticorrupção – para que cessem quaisquer medidas judiciais contra ela já propostas pelo Ministério Público Federal.

Todo o cuidadoso e consistente trabalho empreendido em juízo pelo Ministério Público Federal está sendo destruído pela MP da corrupção, nas barbas do próprio procurador-geral da República, que deveria preservar o legítimo e necessário trabalho empreendido por seus subordinados no campo da reparação ao Estado não só das propinas pagas, mas dos prejuízos de centenas de bilhões embolsados pelas empreiteiras mediante as inúmeras fraudes que praticaram na contratação, na execução e não execução dos contratos que firmaram nos últimos 12 anos com o governo e suas estatais.

Comenta-se que o sr. Janot é especialista em punição seletiva: enquanto processa o ínclito presidente da Câmara dos Deputados, poupa o preclaro presidente do Senado e agora – ao que tudo indica – também poupa a magnânima presidente da República na sua missão de legalizar a corrupção. A Nação brasileira pede uma ampla e cabal explicação do sr. Janot sobre sua conduta omissiva, que está permitindo que se destrua todo o trabalho de saneamento das relações público-privadas.

Aguardamos.

* MODESTO CARVALHOSA É JURISTA, AUTOR, ENTRE OUTROS LIVROS, DE 'CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEI ANTICORRUPÇÃO DAS PESSOAS JURÍDICAS' E 'O LIVRO NEGRO DA CORRUPÇÃO'

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Dez grandes derrotados da nossa história (ou, como o Brasil poderia ter dado certo mas não deu) - Paulo Roberto de Almeida

“Dez grandes derrotados da nossa história (ou, como o Brasil poderia ter dado certo mas não deu)”, Brasília 7-9 fevereiro 2016, 14 p. Relatos breves sobre dez grandes derrotados na história do Brasil:  (1) (....) (10) (...). Publicado...

Antecipando sobre uma próxima publicação. Só falta revelar os nomes e os casos...


Dez grandes derrotados da nossa história
(ou, como o Brasil poderia ter dado certo, mas não deu)

Paulo Roberto de Almeida, sociólogo de formação, diplomata por ocupação

O Brasil, já disse alguém, não é para principiantes. Vamos admitir que a frase expresse a realidade, ainda que ela seja uma mera banalidade conceitual. A verdade é que nenhuma sociedade urbanizada, industrializada, conectada, ou seja, complexa, como são quase todas as nações contemporâneas, é de fácil manejo para amadores da vida política ou para iniciantes no campo da gestão econômica. Não deveria haver nada de surpreendente, portanto, em que o Brasil, de fato, não seja para principiantes, como dito nesse slogan tão folcloricamente simpático quanto sociologicamente inócuo.
Mas atenção: a frase é, sim, relevante pelo lado do seu exato contrário. O mais surpreendente, no caso do Brasil, está em que o país não é de rápida explicação ou de fácil interpretação nem mesmo para pensadores distinguidos e intelectuais de primeira linha (eles o são, de verdade?). Ele tampouco parece ser de simples manejo mesmo para estadistas da velha guarda (nós os temos?), para políticos experientes (parece que ainda existem), sem esquecer os empresários inovadores (quantos são, alguém sabe dizer?) ou para economistas sensatos (seria uma espécie rara?). O Brasil já destruiu mais de uma reputação política, como continua desafiando as melhores vocações de “explicadores sociais” (inclusive brasilianistas), com o seu jeito sui-generis de ser. Existe, por exemplo, alguma explicação sensata para o fato de que “o país do futuro”, o “gigante inzoneiro”, a terra dos recursos infinitos, seja ainda uma sociedade desigual, ricamente dotada pela natureza, mas com muitos pobres, milhões deles, uma nação até materialmente avançada, mas (aparentemente, pelo menos) mentalmente atrasada? O que é que nos retém na rota do desenvolvimento social integrado? Quais são os formidáveis obstáculos, quantas e quais são as barreiras intransponíveis?
Não foram poucos os espíritos corajosos que tentaram vencer essas dificuldades e nos colocar num itinerário de progresso sustentado. A maior parte acabou derrotada por um conjunto variado de circunstâncias cuja identificação exata requereria um batalhão de sociólogos, dos melhores. Vamos repassar, ainda que brevemente, o itinerário de dez grandes personalidades que, em momentos decisivos da história do Brasil, viram seus projetos e propostas de reformas ou de melhorias para o país totalmente frustrados em função das condições ambientes, por força da oposição de outros personagens ou de grupos poderosos, ou pelo fato de que eles mesmos não souberam, ou não puderam, obter apoios suficientes para que suas propostas de políticas públicas fossem, em primeiro lugar, aceitas por outros dirigentes, ou pela opinião pública, depois seguidas pela coalizão dominante a cada momento e, finalmente, implementadas na forma por eles concebida inicialmente. A maior parte desses homens não foi sequer consolada, em vida, por aquele famoso dístico de bandeira estadual: “ainda que tardia”.

(...)

Continua num próximo capítulo, como se diz nas novelas...

Paulo Roberto de Almeida  
Brasília, 11 de fevereiro de 2016
 

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

'A Venezuela ja implodiu, e' preciso haver um pacto', diz historiadora(FSP)

A historiadora Margarita López Maya tem uma frase contundente para descartar uma nova revolta popular -- como o Caracazo, de 1992, com centenas de mortos -- contra o governo, ou a oposição, em caso de implosão final:
"... qual seria a motivação de um novo Caracazo se não há nem sequer alimentos e eletrodomésticos para saquear?"
Pois é, a Venezuela acabou, para o maior sofrimento do seu povo.
Ela diz ainda isto:
"Maduro... é um homem incapaz, ignorante e indeciso.
Ele está na política desde os 14 anos de idade, foi chanceler, presidente da Assembleia Nacional, um alto quadro do PSUV [partido chavista], mas revelou-se uma nulidade. Isso gera desgosto e angústia dentro do chavismo..."
Puxa vida: isso me sugere alterar apenas um nome...

Mas, qual seria a atitude do Brasil nesta conjuntura?
Vai ajudar a população, ou vai ajudar o governo chavista?
Não tenho nenhuma dúvida sobre a atitude, já tomada, sendo tomada, que será tomada.
Alguém tem alguma dúvida?
Paulo Roberto de Almeida

'A Venezuela já implodiu, e é preciso haver um pacto', diz historiadora
SAMY ADGHIRNI
DE CARACAS /Folha de São Paulo, 10/02/2016

Uma das intelectuais mais respeitadas da Venezuela, a historiadora e cientista política Margarita López Maya diz que o país já implodiu e que a única solução à grave crise econômica e social é um pacto entre o governo chavista e a oposição, hoje no comando da Assembleia Nacional unicameral.
Para López Maya, que recebeu a Folha em seu escritório, a alta participação e o resultado contundente em favor dos opositores na eleição legislativa de dezembro reflete uma mudança já em curso.
Ela questiona, porém, a viabilidade dos esforços parlamentares para abreviar a Presidência de Nicolás Maduro e afirma que uma renúncia seria a opção mais viável.
López Maya diz que o apego popular ao chavismo se esvai aos poucos, como o desencanto de uma relação amorosa, e critica a mentalidade venezuelana rentista que existia já antes de Hugo Chávez (1999-2013).

*

Folha - A transição já começou na Venezuela?
Margarita López Maya- O voto de dezembro foi em favor de uma mudança política, que começou pelo Legislativo, agora independente do Executivo. Isso abre caminho para uma transição democrática ou de qualquer outra natureza. Estamos indo em direção a algo diferente. Maduro tem uma carta na manga, que é ter sido designado por Chávez, mas é um homem incapaz, ignorante e indeciso.
Ele está na política desde os 14 anos de idade, foi chanceler, presidente da Assembleia Nacional, um alto quadro do PSUV [partido chavista], mas revelou-se uma nulidade. Isso gera desgosto e angústia dentro do chavismo, e alguns grupos se movimentam para removê-lo, mas não sei até que ponto isso pode surtir efeito.

Há perspectiva de saída de Maduro no curto prazo?
Muitos cenários estão em aberto. O mais barato e menos traumático é a renúncia, embora não haja sinal de que isso ocorrerá. Se a situação se tornar economicamente insustentável, algo que deve acontecer neste ano, pode chegar o momento em que ele terá de cair. Caso renuncie, a Constituição obriga a convocar uma eleição. [O vice-presidente] Aristóbulo [Isturiz] assumiria a Presidência por 30 dias até que se realize esta eleição, que, aliás, o governo não teria condições de ganhar.
Acho que a aposta do governo é dar um jeito de conseguir dinheiro para chegar até janeiro, porque, se Maduro sair a partir desta data, Aristóbulo ficaria na Presidência até o fim do mandato [2019].
De todo modo, tem de haver acordo com a oposição. Mesmo que haja eleições antecipadas e que a oposição conquiste o Executivo, ela precisará compor com todo o aparato administrativo e os quadros militares chavistas. E, se houver renúncia depois de janeiro, Aristóbulo também precisaria de um pacto para se manter.

Como seria esse pacto?
O país já implodiu, e medidas econômicas são indispensáveis para reverter a crise.
Mas antes de implantar um pacote, é preciso adotar medidas sociais de emergência para proteger as pessoas que dependem de produtos regulados, pois essas pessoas ficarão muito afetadas quando houver uma desvalorização.
A pobreza subiu para 72%. Sem essas medidas, haverá fome. Você não pode deixar as pessoas expostas à tempestade. Um pacto também é necessário para renovar os poderes públicos. A oposição não pode fazer nenhum acordo com o governo se não houver mudança no Tribunal Supremo de Justiça (STJ, corte suprema), no Ministério Público e outros órgãos que precisam recuperar sua independência e autonomia.
Um setor da oposição defende uma emenda constitucional para abreviar o mandato presidencial e outro prefere um referendo revogatório.
Tudo isso é muito complicado. As leis não têm caráter retroativo. Se você aprovar uma lei, ela vale para o mandato seguinte, não para o atual. Além disso, uma emenda precisaria passar pelo TSJ, onde será certamente bloqueada. Ou seja, este caminho não procede.
Um revogatório também é complicado porque as pessoas estão mais preocupadas com seus problemas diários do que em se mobilizar numa coleta de assinaturas e depois votar em um referendo. Acho que a oposição se deu seis meses para encontrar uma saída com a esperança de que Maduro renuncie.

As divisões dentro da oposição e do governo dificultam a definição dos respectivos candidatos em caso de eleição antecipada?
Não acho. Estamos falando de uma presidência para conduzir um processo de transição durante três anos até terminar o mandato de Maduro. Esse presidente teria que ter um perfil muito específico. É preciso alguém disposto a se sacrificar pela pátria, um veterano, como foi Adolfo Suárez na Espanha após a morte do [ditador Francisco] Franco [1975].
Poderia ser [o presidente opositor da Assembleia Nacional, Henry] Ramos Allup, que tem 72 anos e está no final de sua carreira política.
Do lado do chavismo é mais complicado, não porque há muitos candidatos, mas justamente porque não há ninguém. Na ciência política existe a figura do herói da retirada, o homem que poderia ajudar o chavismo a sair de cena com dignidade. O PSUV teria que buscar alguém capaz de capturar gente para além do chavismo. Poderia ser Aristóbulo.

O resultado de dezembro foi um voto castigo ao governo ou um pedido para mudar o modelo?
As duas coisas. Houve participação massiva, de mais de 70%. Isso é quase um comparecimento em nível de eleição presidencial.
Como em quase todas as eleições na era Chávez, as pessoas votaram como se fossem morrer caso não o tivessem feito. E é sempre um voto contra ou o favor do modelo no poder. Por isso mesmo, por esse caráter plebiscitário, foi um claro rechaço à gestão de Maduro. E isso significa que se quer uma mudança não só dos atores, mas da maneira como o país está sendo conduzido.
Não me atrevo a ir mais longe porque houve forte abstenção no setor chavista. As forças de oposição conquistaram cerca de 400 mil votos a mais que na eleição presidencial de 2013. O voto chavista caiu em mais de dois milhões. Há um desejo de mudança mas não necessariamente um voto em favor da oposição que esteja claro.

Muitos dizem que a oposição ganhou graças a um voto "emprestado".
Desde 2013 o chavismo vem perdendo voto. Até mesmo a última reeleição de Chávez, em 2012, foi a sua vitória com menor porcentagem, cerca de 54%. Na primeira vez, em 1998, ele teve 56%, depois 60% e 64%. Há um deslocamento paulatino rumo à oposição, mas ainda não há um voto contundente em favor da oposição.

Por que não há esse voto contundente em favor da oposição?
O chavismo foi uma força política muito popular que teve seu apogeu em 2006, quando a sociedade estava dividida entre uma maioria de mais de 60% e uma minoria de 35 ou 38%. Hoje a coisa está se invertendo. É como na vida amorosa, quando nos desencantamos pouco a pouco do parceiro. Muitos ainda pensam: 'estou desencantado, mas não posso votar nesses inimigos de Chávez e da pátria', mas cada vez mais se aproximam da oposição.

Falta proposta clara à oposição?
Essa história de que a oposição não tem mensagem é relativa.
Há dois modelos de sociedade em disputa. Um é o que se chama socialismo do século 21, centralizado, hierárquico, com forte concentração de poder no Executivo e no qual tudo pertence e é regulado pelo Estado.
O outro é capitalista, mais ocidental e moderno e supõe uma democracia mais representativa. Mas essa alternativa não é completamente clara porque há coisas que são politicamente custosas de dizer na Venezuela.
Ninguém na oposição fala do que fazer com a estatal petroleira. A Venezuela é um país petroleiro, rentista e acostumado a um petroestado que provê tudo desde antes de Chávez. Nos últimos 17 anos, porém, o discurso chavista reforçou ainda mais essa visão de que o Estado tem que te proteger, te dar casa e comida.
Estados podem prover infraestrutura, esgoto, terrenos, créditos, empregos etc, mas casa? Aqui o governo se compromete a dar casa a todos aqueles que não têm. É algo impossível de fazer. Há uma distorção muito forte na cultura dos venezuelanos, que vem do rentismo e que faz com que seja muito difícil corrigir o discurso político.
Tivemos uma crise pesada nos anos 1980, o governo ficou muito endividado, a arrecadação petroleira caiu, a inflação ficou galopante e havia escassez. A crise de hoje é a mesma, que não foi solucionada.
Nas vacas gordas, entram tantos dólares que vale a pena importar qualquer coisa porque sai mais barato do que produzir aqui. E quando o preço do petróleo cai, o aparato produtivo já ficou destruído. O petróleo se manterá baixo e vai obrigar a buscar uma saída. Mesmo que suba, ficará em torno de US$ 30 ou US$ 40 o barril, o que é totalmente insuficiente para a Venezuela.

A população está disposta a encarar um aumento da gasolina?
Quando [o então presidente] Carlos Andrés Pérez aumentou a gasolina [em 1989], deu-se o Caracazo [protestos que deixaram centenas de mortos]. Mas quando [o presidente seguinte Rafael] Caldera implantou suas medidas, o mal estar era tão grande que as pessoas praticamente estavam pedindo alguma reação, e não houve o mesmo impacto.
Maduro já recuou três vezes de aumentar a gasolina, mas as pessoas têm bom senso. O problema é que os efeitos de um aumento não serão sentidos no curto prazo. Aumentar a gasolina não gera mais dólares, ao contrário de uma desvalorização, que é necessária.

Por que não houve outro Caracazo apesar da percepção generalizada de que esta crise é pior que a de 1989?
Naquela época ainda existiam meios de comunicação independentes, que contavam o que estava acontecendo. Hoje há saques diários de caminhões e vários episódios violentos, mas isso não sai na mídia, só nas redes sociais.
O Caracazo já está acontecendo em pequenos episódios que acabam rapidamente controlados. Além da censura, você tem militares por todos os lados na rua. No Caracazo não era assim. A repressão de 2014 ainda é muito presente. Além disso, qual seria a motivação de um novo Caracazo se não há nem sequer alimentos e eletrodomésticos para saquear?

Educacao no Brasil: perfil no PISA da OCDE (novembro 2015)

O mais recente relatório do PISA-OCDE para o Brasil:


Students:
Brazil has made significant improvements in mathematics, reading and science a cross PISA cycles, and the share of low performers has significantly decreased. Average performance on PISA 2012 remained below the OECD average in all three assessments.
A majority of 15-year-olds are low performers in mathematics (67.1%, compared to the OECD average of 23%). Compulsory education covers ages 4 to 17. Grade repetition (36.1%) is higher than the average across OECD countries (12.4%).
Brazil’s attainment rates among 25-34 year-olds are similar to the OECD average in upper secondary education (45% in Brazil, compared to the OECD average of 42%), and below the
OECD average in tertiary education (15%, compared to the OECD average of 41%).
A lower share of students in Brazil (8%) enroll in vocational education than the OECD average (46%). About 12% of tertiary education institutions are public, and admission is highly competitive. Private tertiary institutions are regulated by the federal government, and access is facilitated through incentive and scholarship schemes, in particular for disadvantaged students.
Return s on tertiary education in Brazil are high compared to OECD countries, and unemployment rates for all attainment levels are below the OECD average. 

Comparando duas crises: Barry Eichengreen sobre a Grande Depressao e a Grande Recessão - book Review

Published by EH.Net (February 2016)

Barry Eichengreen, Hall of Mirrors: The Great Depression, the Great Recession, and the Uses — and Misuses — of History. New York: Oxford University Press, 2015. vi + 512 pp. $30 (hardcover), ISBN: 978-0-19-939200-1.

Reviewed for EH.Net by Hugh Rockoff, Department of Economics, Rutgers University.
Barry Eichengreen knows as much or more about the financial history of the Great Depression as any living economic historian, and it shows in this splendid new book which compares the Great Recession with the Great Depression. The U.S. story, on which I will focus here, is the centerpiece, but as might be expected from Eichengreen, what happened in the rest of the world is also explored in detail. Eichengreen’s thesis is straightforward. In 2008 the United States, and with it the rest of the world, was headed for another Great Depression. Thanks to strong doses of monetary and fiscal stimulus, and lender-of-last-resort operations, especially in the United States, a second Great Depression was averted. Ideas were important: Much of the success can be attributed to John Maynard Keynes, Milton Friedman, and Anna Schwartz, and the lessons they drew from the Great Depression. But there was a downside to success. Because of the severity of the crisis in the 1930s the financial system underwent a massive reform that put it in a tough but effective straightjacket. The Great Recession was milder; politicians and lobbyists who opposed strict regulation regrouped, and the reforms were moderate at best. The Great Depression and the Great Recession were separated by eighty years, a long period of financial stability produced, according to Eichengreen, by New Deal financial reforms. But, he concludes, because the damage done by deregulation was only partly undone, “we are likely to see another such crisis in less than eighty years (p. 387).”

The analysis in the book is rigorous. Nevertheless, Eichengreen has written a book that can be read by policy makers, journalists, and the famous, and hopefully numerous, intelligent layperson. There are no charts, tables, or equations. Indeed, it would make a good textbook for an undergraduate course on the financial crisis. Eichengreen writes clearly. And he has sprinkled the text with biographical snippets that both inform and entertain. We meet William Jennings Bryan in the 1920s when he is using his oratorical skills to sell real estate in Florida; and we meet Charles Dawes, prominent banker, Vice President, Nobel Peace Prize winner (for his work on German Reparations), and composer of the melody for “It’s All in the Game.”

To make his case that the two crises were similar except for actions taken by governments, Eichengreen recounts both crises and identifies one parallel after another. The 1920s had Charles Ponzi; we had Bernie Madoff. In the 1920s the head of the Bank of England, Montagu Norman, was given, perhaps unconsciously, to “constructive ambiguity” (p. 23); we had Alan Greenspan. The 1920s witnessed the Florida land boom; we had subprime mortgages. Charles Dawes’s bank got needed assistance from the Reconstruction Finance Corporation, but the Guardian Group in Detroit was allowed to fail; we had Bear Stearns and Lehman Brothers. And this is just a taste. Eichengreen adds many, many more. Indeed, the parallels come so thick and fast that one is reminded of the phrase Albert Einstein used to describe two distant particles that were thought to be entangled: \”spooky action at a distance.\”

The book is divided into four parts. Part I, “The Best of Times,” consists of six chapters that cover the 1920s and the first decade of our century.  Here we learn (without attempting to be exhaustive) about real estate booms in the twenties, the attempt after World War I to reconstruct the gold standard, the repeated attempts to solve the German reparations problem, the Smoot-Hawley tariff, and the U.S. Stock market bubble. Then Eichengreen turns to our era and describes financial deregulation, the subprime mortgage boom, the expansion of the shadow banking sector, and the spread of this type of banking to Europe. Eichengreen doesn’t present new, controversial interpretations of events. Rather he presents conclusions based on careful readings of the available literature including the latest work by economic historians. What is new is the web of parallels he draws between the two crises. Others, of course, have noted the similarities, not the least Ben Bernanke as he wrestled with the crisis; but no one has created such a large catalog of parallels.

In Part II, “The Worst of Times,” nine chapters in all, we learn first about the stock market crash in 1929, the banking crises of 1930-33, and the spread of the Great Depression to Europe. Then he turns to the Great Recession: Bear Stearns, Lehman Brothers, AIG and all that, and the spread of the crisis to Europe.

In the seven chapters of Part III, “Toward Better Times,” we learn about Roosevelt’s attempts to revive the economy: the National Industrial Recovery Act, the Reconstruction Finance Corporation, Federal Reserve Policy in the 1930s, and Roosevelt’s conflicted ideas about budget deficits. European responses to the crisis are also discussed at length, and Japan’s Korekiyo Takahashi is celebrated as the finance minister who got it right. Takahashi, aided it must be said by costly Japanese military adventures, authorized a heavy dose of money-financed deficit spending and the result was the best economic performance among the industrial nations. Eichengreen then turns to our crisis: zero interest rates, quantitative easing, bailouts, and the fiscal stimulus. The argument is usually that what the government did helped, but more should have been done.

In Part IV, “Avoiding the Next Time,” Eichengreen focusses particularly on Dodd-Frank and the Euro. His main efforts are directed at explaining why so little was done to prevent another crisis. A number of potential reforms get favorable mentions: consolidation of regulatory agencies, higher capital requirements for financial institutions, and regulations that limit risk taking. But Eichengreen doesn’t rank possible reforms or explain in detail how they would work. Here I wanted Eichengreen to go on a bit, and tell us more about his ideas on what should have and presumably still can be done to prevent another crisis. His approach to Glass-Steagall is an example of his above the fray stance toward regulation. Eichengreen mentions Glass-Steagall, and the separation of commercial from investment banking many times — one chapter is titled “Shattered Glass.” He rejects the argument made mostly forcefully by Andrew Ross Sorkin (2012) — although it is one that must have occurred to many observers — that ending the separation of commercial and investment banking didn’t have much to do with causing the crisis. After all, Merrill Lynch, Bear Stearns, and Lehman brothers were not branches of commercial banks when they went off the rails. And AIG was an insurance company. Eichengreen tells us that ending Glass Steagall was “indicative of a trend” (p. 424), which it surely was, but he seems to feel that it was more than that. Here I would have liked to learn more about Eichengreen’s ideas about how ending Glass-Steagall undermined the system. Did it create moral hazard, because firms knew they could merge with a bank if they got in trouble? Or was it some other mechanism? And more urgently, I would have liked to have read more about Eichengreen’s views on how high a priority restoring Glass-Steagall should be, and where the lines should be drawn.

Comment and Conclusion

Eichengreen’s book is a synthesis. It pulls together an enormous body of studies by economic historians, policy makers, and journalists. Specialists in financial history will be familiar with many parts of the story. But I doubt there are any who will not learn a great deal from reading Eichengreen’s account. While I was persuaded by most of Eichengreen’s arguments I did have a recurring concern about how far we can go as social scientists, as opposed to policy advocates, in making assertions about what would have happened if alternative policies had been followed on the basis of two observations. It is one thing to claim that without aggressive monetary and fiscal actions and bailouts we might have ended up in another Great Depression.  And for me, as I suspect for most of us, that possibility justifies much of what was done. Even, say, a one-third chance of another Great Depression makes pulling out the stops worthwhile. But that claim is very different from the claim that we would have ended up in a Great Depression if less had been done. The truth is that we can’t be sure what path the economy would have followed if less had been done, or where we would be today.

Consider the following table which shows unemployment after four financial panics. When you compare 2008 only with 1930, it seems clear that we did a lot a better after the panic of 2008, and the things we did in 2008 “worked” at least up to a point: We avoided a Great Depression. On the other hand, we did, arguably, worse after 2008 than after the panic of 1907 when help for the economy was provided mainly through the circumscribed lender-of last-resort actions undertaken by J.P. Morgan.  And we did almost exactly the same as after the crisis of 1893, when only some limited stimulus came well after the crisis in the form of gold inflows and spending on the Spanish-American War. In fact, the 2008 and 1893 unemployment rates are so similar that it looks like another case of “spooky action at a distance.”

2008193019071893
-14.62.92.54.3
05.88.93.16.8
19.315.77.59.3
29.622.95.78.5
38.920.95.99.3
48.116.27.08.5
57.414.45.97.8
66.210.05.75.9
75.39.28.55.0

Source: Historical Statistics of the United States, Millennial Edition: Volume 2, Work and Welfare, series Ba475 for 1893, 1907, and 1930 (pp. 2-82 and 2-83), and the standard Bureau of Labor Statistics series for 2008.

My point is not that 1893 is necessarily a better analog than 1930. One could argue the point, but I don’t think we know. Constructing a counterfactual macroeconomic history of a financial crisis and recession is essentially an exercise in forecasting, and we economists are just not very good at macroeconomic forecasting. We are in the position, I believe, of physicians in days gone by: we have some drugs that experience tells us sometimes relieve pain and suffering. But how they work and why they work in some cases and not in others, and what the long-run side effects are – we have some ideas we can discuss, or more likely debate, but the bottom line is that we don’t know.

(If we were entangled with the Depression of 1890s, we would want to know what happened in 1901 the year that corresponds to 2016. Among other things, 1901 began with a slide on the stock market of about 9%. Sound familiar?! Despite a spring rally the market finished the year off by about the same percentage. By the way, this is just an observation; I am not giving investment advice.)

Many excellent books and articles have been written about the financial crisis of 2008 and there will undoubtedly be many more. Gary Gorton’s papers and books and Ben Bernanke’s memoir immediately spring to mind, but the list of good books and articles is already a long one. There is nothing like a financial crisis to concentrate the minds of economists. However, if financial history is not your thing, and you want to read just one book about the financial crisis, you couldn’t do better than Hall of Mirrors.

Reference:

Andrew Ross Sorkin, “Reinstating an Old Rule Is Not a Cure for Crisis” New York Times, May 21, 2012. http://dealbook.nytimes.com/2012/05/21/reinstating-an-old-rule-is-not-a-cure-for-crisis/?_r=0.

Hugh Rockoff is Distinguished Professor of Economics at Rutgers University and a Research Associate with the National Bureau of Economic Research.

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