Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
terça-feira, 15 de novembro de 2016
A Alca ja morreu, correto? Mas alguns comecam a pensar se o Brasil nao perdeu uma grande oportunidade... - Paulo Roberto de Almeida
Observando o miserável panorama atual (e futuro, com a posse de Trump) para a negociação de acordos comerciais multilaterais -- certamente não haverá nenhum de grande importância, pelo menos que interesse ao Brasil -- tenho reparado que analistas, observadores e jornalistas estão revendo a história para detectar as oportunidades perdidas, no passado, pelo Brasil.
Acredito, pessoalmente, que não haverá muitas oportunidades nos próximos dois ou quatro anos, e assim pode-se rever o que fizemos de errado, quando a ocasião existia, e nós a desprezamos.
Primeiro, temerosamente, por não saber como ficaria o Brasil com acordos ditos "assimétricos".
Depois, voluntária e deliberadamente, quando os companheiros recusaram o projeto da Alca porque seria não uma integração, mas uma "anexação", como afirmava, estupidamente, o chefe da quadrilha que tomou o Brasil de assalto em 2003.
Eu não achava a Alca nenhuma maravilha como expliquei em diversos trabalhos feitos naquela conjuntura.
Abaixo duas amostras desses artigos, que ainda não reli, mas que talvez tenham alguns ensinamentos para os dias que correm (e para os que já passaram).
Os companheiros nos condenaram ao atraso e ao isolamento. Este é mais um legado maldito que ficou do AC-DC, do período entre o Antes e do Depois dos Companheiros.
280. “Mercosul e Alca na perspectiva brasileira: alternativas excludentes?”, in Marcos da Costa Lima (org.), O Lugar da América do Sul na Nova Ordem Mundial (São Paulo-Recife: Cortez Editora-FAPEPE, 2001, pp. ). Relação de Trabalhos nº 792.
Disponível neste link: https://www.academia.edu/5783124/019_Mercosul_e_Alca_na_perspectiva_brasileira_alternativas_excludentes_2001_
Tem também estes dois aqui, sob risco de algum overlapping:
036) A Alca e o interesse nacional brasileiro: doze questões em busca de um debate racional (2003)
Link: https://www.academia.edu/5783482/036_A_Alca_e_o_interesse_nacional_brasileiro_doze_quest%C3%B5es_em_busca_de_um_debate_racional_2003_
033) Mercosul e Alca na perspectiva do Brasil: uma avaliação política sobre estratégias de atuação diplomática (2003)
Link: https://www.academia.edu/5783429/033_Mercosul_e_Alca_na_perspectiva_do_Brasil_uma_avalia%C3%A7%C3%A3o_pol%C3%ADtica_sobre_estrat%C3%A9gias_de_atua%C3%A7%C3%A3o_diplom%C3%A1tica_2003_
024) O Mercosul e a Alca na perspectiva do Brasil: uma avaliação política sobre possíveis estratégias de atuação (2002)
Link: https://www.academia.edu/5783235/024_O_Mercosul_e_a_Alca_na_perspectiva_do_Brasil_uma_avalia%C3%A7%C3%A3o_pol%C3%ADtica_sobre_poss%C3%ADveis_estrat%C3%A9gias_de_atua%C3%A7%C3%A3o_2002_
O livro citado acima, tem este sumário:
This (other) day in History: armisticio da Primeira Guerra Mundial, 11/11/1918
Mesmo atrasado, a data é importante, e nem se tratava de Primeira Guerra, e sim de Grande Guerra, e se imaginava que, por causa da enormidade da catástrofe, com perdas de vidas humanas aos milhões, morticínios inéditos, destruições maciças, não haveria nenhuma outra guerra dessa escala.
E no entanto, uma outra guerra global ocorreu, vinte anos depois daquela que seria a última, "la der des der", como passaram a se referir os franceses.
Aliás, desde 1919, um economista do Tesouro britânico, relativamente pouco conhecido até então, já havia alertado, em The Economic Consequences of the Peace (uma análise dos capítulos econômicos do tratado de Versalhes), que as reparações impostas à Alemanha seriam quase tão catastróficas quanto a própria guerra e que poderiam provocar uma nova guerra. Foi profeta involuntário.
O Brasil entrou na guerra tardiamente, apenas em meados de 1917, pelo envio de um batalhão médico que praticamente não atuou nas frentes de batalha.
Na volta da guerra, soldados trouxeram da Europa, para as Américas, a famosa "gripe espanhola", que matou quase tanta gente quanto as trincheiras da Europa.
Em todo caso, aqui vai a postagem daquele dia saudado em quase todos os países como o fim de uma noite sem fim...
Paulo Roberto de Almeida
Neste link: http://www.nytimes.com/learning/general/onthisday/big/1111.html#article
Read the full text of The Times article or other headlines from the day. | |
Armistice Signed, End Of The War! Berlin Seized By Revolutionists; New Chancellor Begs For OrderWar Ends at 6 O'clock This Morning The State Department in Washington Made the Announcement at 2:45 o'Clock ARMISTICE WAS SIGNED IN FRANCE AT MIDNIGHT Terms Include Withdrawal from Alsace-Lorraine, Disarming and Demobilization of Army and Navy, and Occupation of Strategic Naval and Military Points By The Associated Press
The State Department announced at 2:45 o'clock this morning that Germany had signed. The department's announcement simply said: "The armistice has been signed." The world war will end this morning at 6 o'clock, Washington time, 11 o'clock Paris time. The armistice was signed by the German representatives at midnight. This announcement was made by the State Department at 2:50 o'clock this morning. The announcement was made verbally by an official of the State Department in this form: "The armistice has been signed. It was signed at 5 o'clock A.M., Paris time, [midnight, New York time,] and hostilities will cease at 11 o'clock this morning, Paris time, [6 o'clock, New York time.] The terms of the armistice, it was announced, will not be made public until later. Military men here, however, regard it as certain that they include: Immediate retirement of the German military forces from France, Belgium, and Alsace- Lorraine. Disarming and demobilization of the German armies. Occupation by the allied and American forces of such strategic points in Germany as will make impossible a renewal of hostilities. Delivery of part of the German High Seas Fleet and a certain number of submarines to the allied and American naval forces. Disarmament of all other German warships under supervision of the allied and American Navies, which will guard them. Occupation of the principal German naval bases by sea forces of the victorious nations. Release of allied and American soldiers, sailors, and civilians held prisoners in Germany without such reciprocal action by the associated Governments. There was no information as to the circumstances under which the armistice was signed, but since the German courier did not reach German military headquarters until 10 o'clock yesterday morning, French time, it was generally assumed here that the German envoys within the French lines had been instructed by wireless to sign the terms. Forty-seven hours had been required for the courier to reach the German headquarters, and unquestionably several hours were necessary for the examination of the terms and a decision. It was regarded as possible, however, that the decision may have been made at Berlin and instructions transmitted from there by the new German Government. Germany had until 11 o'clock this morning, French time, (6 o'clock, Washington time,) to accept. So hostilities will end at the hour set by Marshal Foch for a decision by Germany for peace or for continuation of the war. The momentous news that the armistice had been signed was telephoned to the White House for transmission to the President a few minutes before it was given to the newspaper correspondents. Later it was said that there would be no statement from the White House at this time. Socialist Chancellor Appeals to All Germans To Help Him Save Fatherland from Anarchy Berne, Nov. 10, (Associated Press)--In an address to the people, the new German Chancellor, Friedrich Ebert, says: Citizens: The ex-Chancellor, Prince Max of Baden, in agreement with all the Secretaries of State, has handed over to me the task of liquidating his affairs as Chancellor. I am on the point of forming a new Government in accord with the various parties, and will keep public opinion freely informed of the course of events. The new Government will be a Government of the people. It must make every effort to secure in the quickest possible time peace for the German people and consolidate the liberty which they have won. The new Government has taken charge of the administration, to preserve the German people from civil war and famine and to accomplish their legitimate claim to autonomy. The Government can solve this problem only if all the officials in town and country will help. I know it will be difficult for some to work with the new men who have taken charge of the empire, but I appeal to their love of the people. Lack of organization would in this heavy time mean anarchy in Germany and the surrender of the country to tremendous misery. Therefore, help your native country with fearless, indefatigable work for the future, every one at his post. I demand every one's support in the hard task awaiting us. You know how seriously the war has menaced the provisioning of the people, which is the first condition of the people's existence. The political transformation should not trouble the people. The food supply is the first duty of all, whether in town or country, and they should not embarrass, but rather aid, the production of food supplies and their transport to the towns. Food shortage signifies pillage and robbery, with great misery. The poorest will suffer the most, and the industrial worker will be affected hardest. All who illicitly lay hands on food supplies or other supplies of prime necessity or the means of transport necessary for their distribution will be guilty in the highest degree toward the community. I ask you immediately to leave the streets and remain orderly and calm. Copenhagen, Nov. 10--The new Berlin Government, according to a Wolff Bureau dispatch, has issued the following proclamation: Fellow-Citizens: This day the people's deliverance has been fulfilled. The Social Democratic Party has undertaken to form a Government. It has invited the Independent Socialist Party to enter the Government with equal rights. |
Uma historia da economia global, desde 1500 - Joerg Baten
Aguardemos, mesmo que eu tenha de revisar um curso de história econômica global que preciso dar a partir do mês de dezembro.
Confiemos no desprezo de alguns recebedores de cortesia.
É possível ler algumas partes neste link: http://widgets.eb20.com/jr/mpop.asp?IID=95538781
Paulo Roberto de Almeida
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Title: A History of the Global Economy
Author: Joerg Baten
Congresso Brasil Paralelo 2016: em breve na sua tela, 55 confirmados
http://www.brasilparalelo.com.br/congresso/
Eu já tinha feito uma postagem sobre essa iniciativa e sobre a minha entrevista, o que foi registrado neste link do meu blog Diplomatizzando: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/10/congresso-brasil-paralelo-como-refundar.html
A razão de minha inclusão de surpresa foi porque, dentre todos os vídeos gravados até o dia 14 de outubro, não havia nada sobre relações internacionais do Brasil, ou pelo menos não stricto senso, já que outros depoentes devem ter se pronunciado sobre nossa pequena inserção econômica internacional, nosso protecionismo comercial, nossa baixa competitividade ou importância relativa nos grandes intercâmbios planetários. Mas, aparentemente, havia pouca, ou nenhuma, alusão a temas de política externa ou de diplomacia. Cabe ressaltar que não me pronunciei sobre a política externa atual e corrente, ou sobre a diplomacia do atual governo, ao qual estou associado depois de treze anos no deserto (literalmente), mas sim concentrei minhas críticas sobre a fraude que foram os governos lulopetistas, em todas as áreas, inclusive e principalmente na política externa.
Continuo aguardando a liberação dos vídeo-depoimentos, pois tenho curiosidade por alguns, entre eles, obviamente, o meu próprio, já que não me lembro mais do que falei exatamente (pois vim correndo de um compromisso, antes de correr para outro, sem qualquer preparação substantiva no meio do caminho), salvo pela existência de um pequeno trecho dessa gravação, que já circulou no Facebook dos organizadores, em 8 de novembro, e que deveria estar sendo disponibilizado neste link (que segundo informação do site já teria sido visto 3.400 vezes desde aquela data):
https://www.facebook.com/brasilparalelo/videos/400646140325063/
(não tenho certeza de que o link esteja funcionando, mas a responsabilidade incumbe aos provedores)
Espero ter sido coerente, e compreensível, tendo em vista a ausência completa de um roteiro prévio à entrevista gravada, dos organizadores ou meu mesmo -- o que sempre formulo para minhas intervenções, mesmo quando não leio, quase nunca, o que preparei, com o objetivo simplesmente de organizar as ideias -- ou de tempo suficiente entre uma pergunta e outra do entrevistador (que não aparece nunca no vídeo, apenas sua voz). Minhas respostas for excessivamente longas, e assim descobri que não só escrevo demais, como também falo demais, o que pode ter tendências dormitivas sobre a audiência, mas espero que a contundência de minhas afirmações possa animar pelo menos uma parte dos espectadores.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 15 de novembro de 2016
El impacto economico de Trump en America Latina - Federico Steinberg (InfoLatam)
Federico Steinberg: América Latina EE.UU.
El impacto económico de Trump en América Latina
Madrid, 13 noviembre 2016
Por FEDERICO STEINBERG
- A América Latina le interesa poder seguir vendiendo sus productos en un mercado lo más amplio y diversificado posible, que incluya a China, Estados Unidos y la Unión Europea. Pero, para ello, necesita de reglas predecibles que garanticen la apertura, y eso es algo que Trump podría poner en duda.
Sin embargo, tampoco puede descartarse que termine adoptando políticas más o menos continuistas (muchos se han lanzado a subrayar que su margen de maniobra real será pequeño), lo que sin duda frustraría las expectativas de muchos de sus votantes ansiosos por ver el cambio. Incluso, como ha aventurado el politólogo Marc Blyth, es posible que Trump suponga el fin del neoliberalismo y el principio del neonacionalismo, lo que tendría consecuencias nefastas para quienes llevan décadas alertando sobre la necesidad de una mejor gobernanza de la globalización para enfrentar nuestros retos comunes, sobre todo el del cambio climático que tan poco parece preocupar a Trump.
En todo caso, y más allá de que la palabra que mejor define el actual momento es incertidumbre, es posible aventurar algunas ideas sobre cómo podría verse afectada América Latina.
Lo primero que hay que subrayar es que la economía mexicana, la más importante de la región, se verá muy negativamente afectada. Trump ha manifestado su intención de renegociar el NAFTA e imponer aranceles sobre los productos mexicanos. Aunque es poco probable que llegue a hacerlo, la incertidumbre ya ha generado una fuerte depreciación del peso, lo que seguramente obligará a un ajuste fiscal y una contracción monetaria para evitar males mayores. Esto terminará socavando (aunque no hundiendo) el crecimiento mexicano en un contexto en el que la economía ya se estaba desacelerando.
Pero más allá del caso de México, que sin duda es poco representativo de la región porque mantiene lazos económicos con Estados Unidos que son mucho más intensos que los del resto de los países, América Latina debería estar preocupada por la retórica mercantilista de Trump en materia comercial. Aunque a América Latina le ha ido bastante bien cuando Estados Unidos le ha dejado de prestar atención, lo cierto es que la región – y sobre todo Sudamérica – sigue dependiendo para su crecimiento de la expansión del comercio internacional.
Si la retórica de confrontación y la rivalidad geoeconómica que Trump ha venido alimentando se materializa y nos lleva a un mundo menos abierto a los intercambios internacionales, América Latina saldrá notablemente perjudicada. El abandono del TPP (Acuerdo Transpacífico) y del TTIP (el Transatlántico) no deberían ser demasiado nocivos para la región, pero sí lo sería que Trump iniciara un periodo de guerras comerciales y confrontación entre bloques, algo que no podemos descartar a día de hoy.
A América Latina le interesa poder seguir vendiendo sus productos en un mercado lo más amplio y diversificado posible, que incluya a China, Estados Unidos y la Unión Europea. Pero, para ello, necesita de reglas predecibles que garanticen la apertura, y eso es algo que Trump podría poner en duda. Además, en la medida en la que el crecimiento de China pudiera verse reducido por el nacionalismo norteamericano, los países del Cono Sur, grandes exportadores de materias primas, se verían especialmente perjudicados.
Pero no todo tiene por qué ser negativo. Si la retórica proteccionista de Trump termina siendo palabra vacía y lo que sí se produce es un aumento del gasto público que mantenga el crecimiento norteamericano o lo eleve, la región podría salir beneficiada. Además, en la medida en la que la incertidumbre seguramente llevará a que las subidas de tipos de interés que la Fed tenía previstas se demoren, América Latina podría disfrutar durante más tiempo de una amplia liquidez global, que sin duda le beneficiará.
En todo caso, lo que está claro es que, a día de hoy, tenemos muchas más preguntas que respuestas.
Doctor en Economía por la UAM, Master en Economía Política Internacional por la London School of Economics y Master en Relaciones Internacionales por la Universidad de Columbia, becado por la Fundación La Caixa. Ha realizado estancias de investigación en las universidades de Georgetown y Harvard, ha sido profesor en los master de Relaciones Internacionales y Desarrollo de ICADE y del Instituto Universitario Ortega y Gasset. Entre 2002 y 2004 trabajó en distintos proyectos de desarrollo como consultor para el Banco Mundial (BM), así como en la Oficina Ejecutiva del Secretario General de la ONU en Nueva York. Ha participado en proyectos de investigación financiados por la European Science Foundation, el BM, la ONU, el Ministerio de Asuntos Exteriores de España o la Fundación Carolina. Actualmente es Investigador del Real Instituto Elcano (España) y profesor del Departamento de Análisis Económico de la Universidad Autónoma de Madrid. Es autor de varios libros, capítulos en libros y artículos.
domingo, 13 de novembro de 2016
Aumentaram os idiotas no mundo? - Paulo Roberto de Almeida
Está aumentando o número de idiotas no mundo?
Paulo Roberto de Almeida
Espaço Acadêmico, n. 72, maio de 2007
Com o perdão daqueles mais sensíveis à crueza da questão-título, respondo diretamente à pergunta. E a resposta é, ao mesmo tempo: sim e não! Explico um pouco melhor aqui abaixo.
Sim, infelizmente pode-se constatar empiricamente – mas isto poderia ser confirmado por alguma investigação “científica” – que está aumentando, para cifras nunca antes registradas nos meios de comunicação, o número de imbecis, idiotas ou simples energúmenos, cujas opiniões, elucubrações ou meras manifestações de “pensamento” conseguem ser captadas por esses meios de comunicação, encontrando assim um eco mais amplo nos veículos impressos e audiovisuais.
Por outro lado, nunca foi tão volumosa a produção científica ou a simples escolarização de massas antes excluídas do acesso à educação (de qualquer nível e qualidade). Com isso, a cultura científica se dissemina em meios antes entregues às mais variadas influências “culturais”, desde o curandeirismo shamânico até o fundamentalismo religioso pretendidamente “cientista”. Assim, a humanidade “progride”, ainda que isto possa ser descrito como sendo uma “fatalidade natural” do acúmulo do conhecimento científico e que esse saber esteja em muito poucas mãos (e cérebros).
Com esses dois processos se desenvolvendo simultaneamente, a resposta à pergunta central é, portanto, dupla e contraditória: nunca foi tão grande o número de pessoas partilhando de um mesmo conjunto de explicações simplistas – e basicamente erradas, quando não idiotas – sobre as complexidades do mundo e da vida, ao mesmo tempo em que aumenta gradativamente o número daquelas capazes de galgar as escarpas ásperas da ciência e de adotar explicações racionais, a fortiori racionalistas, para esses mesmos problemas. Uma coisa não exclui a outra, portanto.
Como sabem todos aqueles que lidam com sistemas educativos, quando se amplia o acesso às instituições formais de ensino a uma clientela a mais extensa possível, parte da qual era antes excluída desses meios, é inevitável a queda de qualidade da educação formal, uma vez que se está lidando com os mais despreparados e carentes de toda e qualquer informação. Pessoas que antes eram “educadas” nas superstições e crendices “normais” dos meios populares, na baixa cultura dos estratos inferiores da sociedade, passam, de um momento a outro, a dispor de maior acesso aos canais da sociabilidade e aos meios de comunicação de massa, como revistas, jornais e internet. Alguns até conseguem sucesso nos meios profissionais e se tornam pessoas de renda elevada, detendo capacidade de influir na tomada de decisão de empresas e de governos, e de influenciar, portanto, uma maior número de indivíduos à sua volta. Se essas pessoas conseguiram adquirir, através da escola e dos livros, uma cultura superior, logicamente estruturada e cientificamente embasada, tanto melhor: elas poderão disseminar uma cultura superior àquela que tinham em seus meios de origem e contribuir assim para a elevação espiritual da humanidade. Se, ao contrário, elas passaram impunes pela educação formal e conservaram – até aumentaram, por hipótese pessimista – as mesmas superstições de origem, os mesmos preconceitos primários, as mesmas explicações ingênuas que compõem o lote comum da humanidade desde tempos imemoriais, então só podemos prever o pior: o aumento das opiniões não-fundamentadas, e das respostas equivocadas às questões mais complexas da vida e da sociedade. Pode-se até prever a consolidação da ignorância num verdadeiro “sindicato dos energúmenos”, cujos filiados crescem a olhos vistos.
Isto se aplica, por exemplo, aos obcecados pela astrologia e pelas explicações “mágicas” sobre o “sucesso” na vida (no amor, nas finanças, na longevidade) e, sobretudo, em relação ao crescimento do fundamentalismo religioso e de variantes do criacionismo, que só posso explicar como representando a imbecilização congenital de pessoas até medianamente bem dotadas de acesso à educação formal e a meios decentes de vida. De fato, estou cada vez mais surpreendido com o crescimento dessas interpretações literais sobre a origem do universo, da vida na Terra e da criação dos homens e dos demais seres vivos, “explicações” que afetam basicamente a história e a biologia (com todas as suas variantes na geologia, na antropologia ou na arqueologia).
Sem querer ofender ninguém em particular – mas possivelmente ofendendo, mas não me desculpando por isso –, só posso atribuir ao triunfo da ignorância o fato de que mais e mais pessoas resolvem aderir a essas versões ingênuas, simplistas e profundamente equivocadas sobre a origem da vida e seu desenvolvimento na face da Terra. Essas mesmas pessoas, obviamente, recusam a teoria da evolução e suas conseqüências práticas, sendo portanto totalmente ineptas para qualquer tipo de carreira científica, pelo menos nas áreas de biologia, de geologia e de outras ciências naturais (para não falar da torturada e tortuosa história da humanidade).
Sem pretender chamar ninguém em particular de idiota – mas possivelmente chamando, e não me desculpando por isso –, surpreende-me, sim, que tantas pessoas resolvam aderir a uma visão do mundo terrivelmente comprometedora de suas chances futuras de progresso numa cultura superior e em carreiras científicas que poderiam contribuir para o seu próprio bem-estar individual e para uma qualidade de vida melhor para toda a humanidade (eventualmente para si próprias, se elas por acaso se encontrassem em uma situação de emergência que requeresse o mínimo de conhecimento especializado, geralmente de tipo científico).
É evidente que, em todas as épocas históricas e em todas as sociedades, a cultura científica sempre foi algo extremamente restrito e profundamente elitista, tocando em poucos membros da comunidade. Com a ampliação e a extensão das instituições escolares, essa cultura se estende progressivamente a um maior número de pessoas, mas seu estabelecimento e desenvolvimento dependem, em última instância, do próprio esforço individual e do empenho pessoal na absorção e compreensão de complexos problemas técnicos que passam então a se disseminar em escala ampliada. Essa cultura científica sempre estará em competição com a cultura ingênua, com as explicações simplistas e desrrazoadas ou até com a ignorância mais completa – que, aliás, não se peja de aparecer –, travestida em “conhecimento popular”, ou em senso comum.
A razão disso é simples: independentemente do seu meio social de nascimento, do nível de renda e do backgroundfamiliar, as pessoas nascem igualmente dotadas, ou seja, com algumas habilidades inatas e uma mesma ignorância cultural fundamental. A cultura e a educação serão nelas “instaladas” à medida de sua exposição a fontes superiores de cultura e de educação, ou então elas conservarão as mesas “ferramentas” de saber dos seus meios de origem ou daqueles meios a que foram expostos no curso da vida. É muito duro adquirir uma cultura científica e uma explicação “superior” sobre a vida, uma vez que isto requer estudo constante, leituras aplicadas, raciocínio não-elementar e alguma “transpiração” na busca de instrumentos explicativos de realidades complexas, em todo caso não-óbvias.
Em outros termos, conformando-se às tendências inatas à preguiça e à acomodação, na ausência de perigos ou de estímulos externos à criatividade e à inovação, a maior parte da humanidade adapta-se ao puro senso comum e às explicações elementares, que são obviamente rudimentares, quando não preconceituosas ou francamente equivocadas. Apenas uma pequena parte da humanidade é levada – ou é obrigada – a responder a desafios externos ou à sua própria curiosidade intelectual (que também é inata, mas requer algo mais do que simples ações reativas a estímulos ambientais). Resulta disso a divisão tradicional entre a cultura científica e a cultura popular, já examinada na obra de epistemologistas e de historiadores da ciência, não cabendo aqui qualquer relativismo cultural ou manifestação de “correção política” quanto às virtudes pretensamente igualitárias ou dotadas de alguma “genialidade natural” da segunda em relação à primeira.
Este me parece ser o “molde sociológico” através do qual seria possível analisar a “emergência” e a “disseminação” de explicações equivocadas, francamente deletérias e (por que não dizer?) totalmente idiotas sobre o mundo real, que resultam dessas crenças “criacionistas” ou anti-evolucionistas que, a exemplo dos EUA, também tendem a se propagar no Brasil a um ritmo impressionante. Para onde quer que se olhe, a constatação parece ser a mesma: mais e mais pessoas, incapazes de se alçar a uma cultura superior – que chamamos de científica –, se deleitam, quando não se comprazem com explicações religiosas simplistas ou com meras superstições. O que é pior: dotadas de acesso aos meios de comunicação – hoje em dia, qualquer um tem acesso à internet, e muito cachorro de madame possui webpage –, essas pessoas passam a expor sem maiores restrições sua profunda ignorância, seus preconceitos tradicionais, seus equívocos de senso comum transmitidos desde o berço a um número incontável – e propriamente incontrolável – de outras pessoas.
Como a exploração da credulidade alheia tornou-se, igualmente, uma prática comum em nossos tempos mercantilistas, sobretudo em algumas vertentes da “indústria religiosa” – que baseia sua ação na “teologia da prosperidade”, antes de mais nada, a prosperidade individual dos próprios “ministros” da nova religião –, é evidente que a imbecilidade humana, como explicitado no título deste ensaio, tenha tendência a aumentar. Torna-se inevitável o triunfo de alguns imbecis – nem por isso menos aptos a extrair renda de pessoas ignorantes e ingênuas – que não sofrem nenhum constrangimento em estender o mais possível sua ignorância enciclopédica em todas as longitudes e latitudes abertas ao seu pouco engenho e baixa arte. Trata-se de um aumento relativo e também absoluto, ou seja: mais e mais pessoas, dotadas de “cultura ingênua”, são mobilizadas pelos espertalhões de plantão, nem todos imbecis ou idiotas; longe disso, pois alguns fazem disso uma profissão altamente lucrativa.
Por outro lado, é normal que grande parte da humanidade, agora provista de meios de subsistência relativamente satisfatórios, sobreviva e prospere fisicamente (obviamente graças aos progressos da ciência, que alguns tão alegremente ignoram). Agora são indivíduos arrancados de um estado de letargia intelectual para uma situação de exercício ativo de banalidades de senso comum, quando não de imbecilidades coletivas facilmente disseminadas pelo acesso irrestrito aos meios modernos de comunicação. É o triunfo das nulidades, como queria um sábio brasileiro, é a vitória da ignorância de modo amplo, uma vez que os meios técnicos não distinguem entre a boa e a má “cultura”, entre a verdade e a falsidade, entre a racionalidade e o ilogismo mais absoluto.
Na outra ponta, nunca foi tão grande o conhecimento acumulado pela espécie humana sobre sua própria existência e o meio que a cerca. Como a ciência e o conhecimento são cumulativos e, em princípio, não “extinguíveis” – salvo catástrofes humanas e naturais muito amplas –, a única previsão possível nesse terreno é a expansão e aperfeiçoamento do saber científico, em benefício do conjunto da humanidade, mesmo os mais imbecis. Ou seja, mesmo aqueles fundamentalmente estúpidos a ponto de recusar uma explicação científica para a origem de seus males eventuais, podem ter suas vidas salvas pelos progressos da medicina e assim, num exercício de “darwinismo involuntário”, continuar a disseminar impunemente a sua ignorância e seus preconceitos à sua volta ou a uma geração de idiotas mais à frente. Um exemplo: aqueles que recusam a transfusão de sangue podem ser salvos por injunção legal ou pela mudança temporária de religião – alguns não idiotas a esse ponto –, a tempo de permitir a operação médica e sobrevivência. (Alguns darwinistas radicais talvez não estejam de acordo com essa sobrevivência dos ineptos, mas a perspectiva humanitária comanda que façamos todo o possível para salvar nossos semelhantes.).
Em resumo: a ciência e a racionalidade progridem a olhos vistos, e elas tornam a vida de todos melhor e mais longa. Elas sempre serão restritas a um número relativamente pequeno de seres humanos, em todo caso até que a educação de qualidade e o espírito de pesquisa se tornem mais amplamente disponíveis nas sociedades. A ignorância e o preconceito recuam no conjunto, mas eles continuarão a ser muito comuns, na medida em que também constituem características tradicionais – eu não diria inatas por respeito ao gênero humano – das sociedades.
Concluindo: a imbecilidade humana tem, sim, aumentado, pela força dos números, mas ela comanda cada vez menos os destinos da raça humana, graças aos progressos da ciência. Ou estarei errado?
sábado, 12 de novembro de 2016
Augusto de Franco: democracia boçal, americana (mas não só ela)
Uma análise da vitória de Trump no colégio eleitoral
Augusto de Franco
Dagobah, n. 31, 12/11/2016
A eleição de Trump é mais uma consequência da dilapidação progressiva do capital social americano, já diagnosticada por pensadores como Robert Putnam (1995) em Bowling Alone: America's Declining Social Capital e Jane Jacobs (2004) em Dark Age Ahead. A progressiva dominância do governo central, a feição quase monárquica do presidencialismo americano, a ascensão do chamado "complexo industrial-militar" (sobretudo a partir do final do governo de Dwight Eisenhower) foram pontos de inflexão importantes nessa trajetória de centralização que, de certo modo, deturpou aquele surpreendente processo de constituição de um governo civilpercebido por Alexis de Tocqueville em 1835, quando escreveu o primeiro volume de A Democracia na América. Só muito tempo depois de Tocqueville, Jane Jacobs usinaria o conceito de capital social. Mas não importa, pois era disso que Tocqueville falava em meados do século 19.
Sim, a democracia deve muito à experiência americana. E, por ironia, o enfreamento do processo de democratização nos Estados Unidos também é paradigmático. Para os democratas, a história americana revela o que fazer e o que não fazer. Assim como a formação da network da Filadélfia, que escreveu de forma distribuída (a várias mãos) a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América (ratificada em 4 de julho de 1776) inaugurando uma nova realidade social capaz de suportar sua inédita reinvenção política, a eleição de Donald Trump parece indicar o ponto mais baixo dessa curva histórica de depressão da democracia americana.
O agente é circunstancial. Mas, no caso, é significativo que a consequência tenha vindo por meio de um ator boçal: o milionário midiático Donald Trump.
É claro que Trump não conseguirá fazer boa parte do que anunciou. Não vai fabricar nos USA o que é fabricado na China e em outros países asiáticos, trazendo as empresas americanas de volta para o solo pátrio. Não vai construir um muro total, separando os USA do México, nem tratar os mexicanos como potenciais delinquentes e estupradores. Não vai deportar em massa os cerca de 11 milhões de imigrantes ilegais. Não vai legalizar procedimentos de tortura (como o afogamento) como método de interrogatório (ainda que isso vá continuar acontecendo clandestinamente). Não vai conseguir tornar hegemônica a narrativa maligna de que o mundo seria melhor se ditadores corruptos e assassinos como Sadan Hussein e Muamar Gadafi estivessem no poder. Não vai fazer a maioria das pessoas achar aceitável abandonar o povo sírio nas mãos da dupla genocida Assad-Putin. E não vai bipolarizar o mundo novamente (num jogo de cartas marcadas com o ditador Putin, a despeito dos elogios mútuos trocados pela dupla sinistra durante a campanha), reeditando a política de blocos e a guerra-fria dos anos 1945-1991 (ainda que muitos autocratas nativos, como Olavo de Carvalho, avaliem que isso seria desejável como prevenção contra uma guerra-quente).
E também é claro que o bufão será domesticado pelo establishment, que não se resume ao sistema partidário, mas envolve profundos interesses de um "complexo pós-industrial-militar", das elites políticas e econômicas enraizadas em estados (que já funcionam mais como sócios de uma grande corporação privada do que verdadeiros estados unidos pelo ideal da democracia e em prol da liberdade), da monstruosa comunidade de informação, segurança e defesa (que tem mais autonomia do que seria prudente - e aceitável por Estados de direito - em relação aos representantes eleitos), da mídia broadcasting (mais comprometida do que se pensa com a "corporação" público-privada) e até da suprema corte (idem). Isso tudo e mais um pouco compõe o chamado "sistema".
O sistema - pelas razões que serão expostas mais adiante - tornou-se inadequado para apascentar os insatisfeitos, que lhe mandaram então um recado nestas eleições de novembro. Como observou, no caso corretamente, o delinquente político Michael Moore,
"to stick to all of them, all who wrecked their American Dream! And now The Outsider, Donald Trump, has arrived to clean house! You don't have to agree with him! You don't even have to like him! He is your personal Molotov cocktail to throw right into the center of the bastards who did this to you! Send a message! Trump is your messenger!"
Sim, é óbvio que esse sistema se tornou inadequado para operar a domesticação das pessoas que quer controlar, mas não impotente em relação aos seus próprios operadores. Uma coisa é um candidato servir de mensageiro para um voto contra o sistema. Outra coisa é o sistema aceitar um presidente contra o sistema. Não vai acontecer.
Dito isto, voltemos às razões da vitória trumpista no colégio eleitoral. A primeira pergunta é: quem mandou o recado?
A eleição de Trump é uma resposta à crise dos chamados "perdedores" da globalização, que gostariam que o mundo permanecesse arrumado segundo a velha ordem ou ao imaginário estabelecido sobre uma memória falsificada: ah! antes era melhor: cada país no seu lugar, com o nosso país na frente, cada qual cuidando do seu próprio interesse, desde que o nosso esteja garantido (sem mexicanos tomando nossas vagas)...
Não, não é apenas Trump que é boçal. Boçal mesmo é o modo-de-vida subordinado de boa parte dos seus eleitores. Entenda-se bem: os eleitores não são boçais (no sentido de que não saberiam votar para escolher o melhor), boçal é o modo-de-vida a que foram submetidos e que reproduzem, não vendo perspectivas a não ser a volta ao passado. É claro que o populismo nacionalista da "America First" de Trump se ajustou como uma luva à tal situação, como resposta à desesperança dos que não podem mais recuperar o status que tinham (ou que hoje imaginam que tiveram) na sociedade industrial do século 20.
É um imaginário de escravos. Não foi um reclame típico de empreendedores e inovadores da Califórnia, de Vermont, de Massachusetts, de Maryland ou de Nova York e sim o de empregados de Ohio, Iowa, Pensilvânia, Michigan e Wisconsin, de pessoas que se conformam em vender sua força de trabalho para realizar o sonho de alguém, seja qual for e seja de quem for, desde que tenham recursos para comprar e pagar suas contas de sorte a poder continuar a comer e beber, se abrigar, se divertir no pouco tempo livre que sobra aos escravos, acasalar, se reproduzir e morrer. Mutatis mutandis, foram as mesmas pessoas (no sentido de que foram os mesmos mundos sociais onde vivem - e são - essas pessoas) que aprovaram o "brexit", nas regiões industriais deprimidas de Midlands na Inglaterra: a desilusão dos novos escravos com o Partido Trabalhista inglês foi uma espécie de prévia do desencanto americano com Obama, sua candidata Hillary e, até, com Bernie Sanders.
A segunda pergunta é: por que isso aconteceu? Não sendo possível paralisar a globalização, por que a democracia americana não conseguiu se aggiornar para acompanhar as mudanças? A vitória de Trump - tendo ele dito o que disse durante a campanha - revela que a política não conseguiu refazer suas congruências com um mundo que está longe de ser o mesmo da época dos founding fathers, de Wilson, de Truman, de Roosevelt, de Eisenhower e de Kennedy.
Os males da globalização se resolvem com mais globalização, não com a fuga para trás, refugiando-se no velho localismo conservador (não-cosmopolita) do meio-oeste americano. O espírito comunitário que produziu uma quantidade espantosa de capital social nos USA só pode permanecer como glocalismo, posto que ocorre em uma era em que há a possibilidade de conexão local-global ou na qual o local conectado é o mundo tudo. Qualquer outro tipo de localismo - e o "America First" é um localismo - leva ao enfreamento do processo democrático e à recusa à sociedade-em-rede. Essa, aliás, foi a origem da Al Qaeda nas caciquias tradicionais da Arábia Saudita. Foi, como o trumpismo, um movimento anti-globi.
As elites pós-industriais, sintonizadas com a globalização, não conseguiram estabelecer uma ligação com a retaguarda atrasada, composta pelos setores que não acompanharam a mudança. A fratura entre centro e periferia que se vê em todo lugar, em geral abordada em termos econômicos, também se reflete na esfera da política dentro de cada lugar, de cada país. O mundo mudou mais rápido do que o sistema político. O chamado "cinturão da ferrugem" (na Inglaterra, assim como nos USA e em várias partes do mundo) não se vê representado por esse velho sistema e votou contra ele.
Aqui o mais importante para decifrar o que ocorreu. O mundo é novo, mas o sistema é velho. Ao votarem contra o velho sistema, desgraçadamente, os excluídos da globalização votaram contra o mundo novo e por isso seu movimento é regressivo. A culpa (se é que há alguma) não é de quem votou e sim de quem não conseguiu refratar politicamente uma nova realidade social. Assim, as elites políticas quer perderam a eleição, revelaram-se tão boçais quanto o trumpismo e tão boçais quanto o modo-de-vida anacrônico dos que aderiram ao trumpismo.
Apenas um exemplo, dentre muitos que poderiam ser fornecidos. As regras do sistema eleitoral americano envelheceram. Ah! Mas elas não foram escritas ontem - diriam os conservadores. Não? Então, mais um motivo. Quem quer coisas perenes, que permanecem eternamente como foram, é o autocrata prototípico Gilgamesh, não a democracia. Na saga mesopotâmica, Gilgamesh, como se sabe, tentou alcançar a imortalidade, o que não lhe foi concedido pelos deuses (ou por aqueles seres horríveis, não-humanos, desumanos, genocidas, intrigantes e corruptos, que os sumérios consideravam como seres superiores e que, milênios depois, os gregos foram chamar de deuses). Na sua volta à realidade, Gilgamesh resolveu erigir edificações monumentais, pirâmides monstruosas - como o são qualquer templo ou palácio -, para perenizar num mundo morto, construído, aquilo que não havia conseguido alcançar no mundo vivo (e com-vivo), tentando se vingar do fluxo transformador que o faria pó em pouco tempo.
Alguém vencer no voto popular e perder no colégio eleitoral é uma possibilidade admitida por uma regra que fazia sentido quando foi inventada, mas numa sociedade altamente interativa, que se transforma ao sabor do vertiginoso fluxo interativo da convivência social muito mais rapidamente do que as instituições do Estado, insistir em mantê-la só aumentará a defasagem entre a planície e o planalto (para usar uma metáfora brasileira, mas talvez não só... predadores e senhores surgiram como representantes do altíssimo e costumam aparecer nas alturas) e contribuirá para aumentar a crise do sistema representativo.
O presidencialismo americano foi uma espécie de sucedâneo democrático mal-arranjado da monarquia. A revolução americana tinha de dar uma resposta que equiparasse seu moderno sistema representativo aos padrões civilizatórios da velha Europa. Mas isso passou. A necessidade de perenidade esvaneceu. As regras numa democracia são sempre transitórias. E os lugares são sempre vazios. Manter as regras arcaicas para preencher os lugares é uma operação mágico-sacerdotal de caráter autocrático, não democrático. As regras da democracia, reduzida a um modo de administração política do Estado-nação, podem conspirar contra o processo de democratização. É o que estamos vendo.
Mesmo que Trump não consiga realizar o que prometeu - e mesmo que, por um conjunto de circunstâncias, acabe fazendo um governo não de todo detestável ou até razoável -, sua eleição, em si, foi prejudicial à democracia. Todas as explicações - inclusive as que foram expostas neste artigo - não podem apagar essa realidade.
quinta-feira, 10 de novembro de 2016
Ricardo Bergamini contra os mandarins da República...
Prezados Senhores
Em primeiro lugar desejo parabenizar a luta das instituições abaixo na defesa da democracia brasileira.
Não podemos aceitar que um grupo refece de demônios, encastelados no Congresso Nacional, com uma ficha criminal extensa, com a falsa justificativa de ajuste fiscal, implante uma ditadura no Brasil.
A origem do grave problema brasileiro está no abaixo colocado. O resto é papo de vigarista. ´
- Na história do Brasil a nação sempre foi refém dos seus servidores públicos (trabalhadores de primeira classe), com os seus direitos adquiridos intocáveis, estabilidade de emprego e licença prêmio sem critério de mérito, longas greves remuneradas, acionamento judicial sem perda de emprego, regime próprio de aposentadoria (não usam o INSS), planos de saúde (não usam o SUS), dentre muitos outros privilégios impensáveis para os trabalhadores de segunda classe (empresas privadas). Com certeza nenhum desses trabalhadores de primeira classe concedem aos seus empregados os mesmos direitos imorais.
- O Congresso Nacional é constituído por 513 deputados federais e 81 senadores e para atenderem a esses 594 senhores, segundo o ministério do planejamento, em dezembro de 2015 existiam 24.896 servidores ativos que custaram R$ 5,4 bilhões. Considerando também os 10.360 servidores inativos que custaram R$ 3,5 bilhões o custo total com essa imoral e criminosa usina de gastos públicos foi de R$ 8,9 bilhões.
- Transferindo essa usina de gastos públicos para 26 estados, DF e 5.570 municípios chegarão à conclusão que somente os ingênuos acreditam em ajuste fiscal no poder público brasileiro.
- Um grupo de trabalhadores de primeira classe (servidores públicos) composto por 13,2 milhões de brasileiros (ativos, inativos, civis e militares) que representam apenas 6,39% da população brasileira, sendo 2,2 milhões federais, 4,5 milhões estaduais e 6,5 milhões de municipais gastaram em 2015 o correspondente a 14,98% do PIB. Esse percentual representou 46,18% da carga tributária que foi de 32,44% do PIB em 2015.
Nota Pública - Manifestação contrária à PEC 55/2016 (PEC 241)
09/11/2016
A Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (FRENTAS) composta pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE), Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA), Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP), Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Associação Nacional do Ministério Público Militar (ANMPM), Associação dos Magistrados do Distrito Federal e Territórios (Amagis-DF), Associação dos Membros do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (AMPDFT), em parceria com a Auditoria Cidadã da Dívida, a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal no Brasil (ANFIP), a União dos Auditores Federais de Controle Externo (AUDITAR), a Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (FEBRAFITE), vêm a público manifestar-se contra a PEC 55/2016, atualmente em tramitação no Senado Federal.
1 – A PEC 55 (PEC 241) COMPROMETE OS DIREITOS SOCIAIS previstos no art. 6º da Constituição ao congelar as despesas primárias, tendo como base o ano de 2016, já marcado por graves cortes orçamentários, atualizando apenas pelo IPCA. Isso prejudicará a prestação dos serviços públicos no país;2 - A PEC 55 (PEC 241) pretende inserir no texto constitucional um teto para as despesas primárias. Dessa forma, será gerada uma sobra de recursos, que se destinarão às despesas financeiras, cujo maior beneficiado é o setor financeiro. A PEC também viola o art. 167, III, pois limita exclusivamente “a despesa primária total”, destinando todo o restante dos recursos para a dívida pública, sem qualquer teto, limite ou restrição;
3 – A PEC 55 (PEC 241) NÃO CONTROLA OS GASTOS MAIS ABUSIVOS DO BRASIL, pois exclui do congelamento os gastos com a chamada dívida pública, que nunca foi auditada, como determina a Constituição (art. 26 ADCT), e sobre a qual recaem graves indícios de ilegalidade, ilegitimidade e até fraudes. Os gastos com a dívida pública já consomem, anualmente, quase metade do orçamento federal e sequer sabe-se quem são os sigilosos beneficiários desses gastos;
4 - A PEC 55/2016 PRIVILEGIA OS BANQUEIROS, que lucram extraordinariamente no Brasil. Os juros abusivos, a remuneração da sobra de caixa dos bancos, as operações de swap cambial, os prejuízos do Banco Central e todos os demais privilégios que utilizam o Sistema da Dívida serão beneficiados, enquanto que os investimentos sociais ficarão congelados;
5 - A PEC 55 (PEC 241) COMPROMETE OS DIREITOS SOCIAIS previstos no art. 6º da Constituição ao congelar as despesas primárias, tendo como base o ano de 2016, já marcado por graves cortes orçamentários, atualizando apenas pelo IPCA. A PEC também viola o art. 167, III, pois limita exclusivamente “a despesa primária total”, destinando todo o restante dos recursos para a dívida pública, sem qualquer teto, limite ou restrição;6 - A PEC 55 (PEC 241) AFRONTA OS OBJETIVOS FUNDAMENTAIS DA REPÚBLICA constantes do art. 3º da Constituição, inviabilizando o direito ao desenvolvimento socioeconômico do país, a erradicação da pobreza, da marginalização e das desigualdades flagrantes que colocam o Brasil na vergonhosa 75ª posição no ranking do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), medido pela ONU!;
7 – A PEC 55 (PEC 241) É INCONSTITUCIONAL, pois contraria o art. 2º da Constituição Federal (Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário), já que, ao impor um teto fixado unicamente aos interesses do Poder Executivo, viola a independência dos demais Poderes, que terão suas atividades prejudicadas;
8 – A PEC 55 (PEC 241) É INCONSTITUCIONAL, porque viola as cláusulas pétreas estabelecidas no art. 60, § 4º da CF de 88 (§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I – (...); II – (...); III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. Não pode o Poder Constituinte Derivado suprimir direitos fundamentais consagrados pelo Constituinte Originário, havendo assim limites fixados no próprio texto constitucional;
9 - A PEC 55 (PEC 241) É INCONSTITUCIONAL, porque pretende retirar do Poder Legislativo sua prerrogativa de legislar acerca do orçamento, o que deve ser realizado por meio de lei, não sendo a Emenda Constitucional a forma escolhida pelo Constituinte originário;
12 - A PEC 55 (PEC 241) é injusta e seletiva. Ela elege, para pagar a conta do descontrole dos gastos, os trabalhadores e os pobres, ou seja, aqueles que mais precisam do Estado para que seus direitos constitucionais sejam garantidos. Além disso, beneficia os detentores do capital financeiro, quando não coloca teto para o pagamento de juros, não taxa grandes fortunas e não propõe auditar a dívida pública;
13 - A PEC 55 (PEC 241) não enfrenta o cerne do problema econômico, instalado no modelo tributário injusto e regressivo, e baseia-se em falso diagnóstico, identificando uma suposta e inexistente gastança do setor público, em particular em relação às despesas com saúde, educação, previdência e assistência social, responsabilizando-as pelo aumento do déficit público, omitindo-se as efetivas razões, que são os gastos com juros da dívida pública (responsáveis por 80% do déficit nominal), as excessivas renúncias fiscais, o baixo nível de combate à sonegação fiscal, a frustração da receita e o elevado grau de corrupção;
14 – Por fim, deve o Estado Brasileiro cumprir o disposto no art. 3º da Constituição Federal de 1988: Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Ricardo Bergamini
Membro do Grupo Pensar+ www.pontocritico.com
ricardobergamini@ricardobergamini.com.br