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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sábado, 1 de setembro de 2018

A primeira resolução do PT no poder (2003) - Paulo Roberto de Almeida

Em março de 2003, o Diretório Nacional do PT, em meio às contestações de sua ala esquerda, resolveu esclarecer essas contradições internas, emitindo uma resolução, que foi cuidadosamente analisada por mim. Escrevi então um texto comentando cada um dos pontos que mereceram minha atenção, mas não o divulguei, senão a poucos interlocutores (que já não sei quem foram). Mais adiante, revisei o trabalho, n. 1043, que foi publicado numa Revista Autor, hoje desaparecida. Divulgo, portanto, agora, esse texto em meu blog, e ele fica à disposição dos interessados na "arqueologia" do PT no poder, assim como sobre minha postura crítica em relação ao partido.
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 1 de setembro de 2018

O “novo Brasil” em ação: 

observações sobre a primeira Resolução do PT no poder


Paulo Roberto de Almeida *
Washington, 16 de março de 2003.
Publicado na Revista Autor (www.revistaautor.com.br)
(Ano III, nº 25, julho de 2003; ISSN: 1677-3500)

         Em reunião do seu Diretório Nacional, em São Paulo, em 15 e 16 de março de 2003, a primeira desde sua chegada ao poder, o Partido dos Trabalhadores (PT) traçou um diagnóstico bastante realista de seus compromissos na nova situação de governo e aprovou, em uma resolução que consolida o acordo majoritário de suas instâncias dirigentes, uma linha de ação voltada para o bom desempenho do PT nas tarefas de governo e que também representa uma inflexão relativa em posições que eram anteriormente adotadas pelo partido em relação a diversas propostas de políticas públicas e setoriais. A Resolução tirada dessa reunião é colocada sob a rubrica: “O Brasil começa a mudar” e denota efetivamente um compromisso com as reformas prometidas durante longos anos de lutas políticas, ainda que a metodologia (ou o modus faciendi) dessas mudanças possa constituir motivo de surpresa a muitos dos “velhos” militantes da causa.
         Pode-se dizer que essa reunião do Diretório Nacional (DN) consubstanciou uma evolução das posições partidárias para uma nova postura, nitidamente social-democrática, que simboliza, de certa forma, a passagem do antigo posicionamento pró-socialista, ou pelo menos ativamente “transformista”, para um outro de caráter “reformista”, numa espécie de “Bad Godesberg” petista que há muito se esperava do agora maior partido brasileiro. Não está claro, ainda, em que medida esta primeira declaração de “conjuntura” se refletirá nos documentos de “estrutura” da entidade, isto é, programa e plano de ação, mas parece evidente que algumas mudanças de ênfase forçarão também alguma alteração nas posições programáticas no futuro. De minha parte, acredito que os argumentos e os conceitos consubstanciados neste documento traduzem tanto um posicionamento do PT sobre a conjuntura como eles revelam uma determinada “estrutura mental” no partido e em seus dirigentes e é com base nesta crença que procurarei alinhar meus próprios argumentos e conceitos sobre este importante documento do PT.
         Pretendo, assim, neste documento sintético de análise tópica redigido no próprio dia de conclusão da reunião, formular observações preliminares sobre alguns dos pontos de meu interesse particular que figuram no documento aprovado pelo DN-PT, com destaque para aquelas áreas que me parecem cruciais nas tarefas governativas da presidência Lula: políticas públicas de governança econômica (macroeconômicas e setoriais) e questões de relações internacionais (alguns outros setores e temas poderão igualmente figurar nos comentários por sua relevância específica ou conexões com as áreas acima descritas). Como metodologia pretendo seguir a mais linear possível: apenas transcrever os trechos que me parecem pertinentes para a análise acima referida e inserir em seguida minhas próprias observações pessoais a esse respeito.
         Nesta leitura, necessariamente seletiva, procurarei ser o mais objetivo possível, tendo como único critério de análise crítica, não minhas preferências políticas pessoais, mas um certo sentido do chamado “interesse nacional”, tanto difícil de definir ou justificar quanto escolhas político-ideológicas ou preferências esportivas ou religiosas. O documento não reflete, obviamente, eventos internos ou internacionais ocorridos desde a data de conclusão da reunião do Diretório Nacional, como por exemplo a intervenção dos EUA no Iraque, as prisões e condenações de dissidentes políticos em Cuba ou o fuzilamento de três candidatos à emigração pelo regime da ilha, ou ainda o debate recente sobre reformas políticas e econômicas no Brasil.
         Para fins de controle, o documento do Diretório Nacional pode ser consultado em sua íntegra no site do PT (www.pt.org.br), onde ele está disponível para downloadna seção de Resoluções.

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DIRETÓRIO NACIONAL DO PARTIDO DOS TRABALHADORES
RESOLUÇÃO SOBRE CONJUNTURA
O BRASIL COMEÇA A MUDAR

“Texto original da Resolução colocado entre aspas.”
Inserções tópicas ao texto nesta forma: (a) observações de Paulo Roberto de Almeida

I - ARTICULAÇÃO POLÍTICA E POLÍTICA INTERNACIONAL 

1 – “(…) Todos sabemos que o nosso governo herdou um quadro de crise na economia, um quadro de dilaceração social e um quadro de fragilidade e até de desmantelamento do Estado em várias áreas da esfera administrativa.” 

(a) PRA: Trata-se de certa forma de situação não excepcional para os padrões brasileiros, uma vez que se deve lembrar que as transições ocorridas desde a redemocratização de 1985 (com exceção de FHC-I para FHC-II, em 1998) foram todas marcadas por surtos inflacionários, crise econômica, grande agitação social e diversas turbulências no plano do Estado e dos sistemas governativos. Recorde-se a não-passagem de Figueiredo para Sarney, em 1985 e a grave deterioração então observada, bem como os picos inflacionários observados tanto em março de 1985 como cinco anos depois, com inflação aproximando 80% ao mês. Da mesma forma, todo o período Itamar Franco foi marcado por tentativas sucessivas de controle inflacionário, o que veio a ocorrer apenas na gestão FHC, relativamente bem sucedido nesse particular. O relativo recrudescimento da inflação em 2002-2003 pode ser creditado, por outro lado, ao próprio clima de mudança política no Brasil e à percepção da fragilidade nas contas internas e externas, com ameaças de insolvência oficial.
     Não se pode dizer, por outro lado, que tenha existindo, na transição de FHC para Lula, um “desmantelamento do Estado”, pois o que se observou, ao contrário, foi, de forma inédita para os padrões do sistema político brasileiro, um processo de transição extremamente bem sucedido, com plena integração e coordenação entre as equipes “sainte” e “entrante” do governo, com relatórios setoriais, acompanhamento prévio dos temas de seguimento obrigatório e até uma certa continuidade em várias esferas, a começar pela área econômica, onde ocorreu até preservação do mesmo pessoal. 

“Durante o período eleitoral, as elites conservadoras imputaram a uma possível vitória de Lula um potencial de agravamento de crise e de desgoverno. Para dirimir desconfianças, tivemos que fazer uma transição pactuada e assumimos o governo com estreita margem de manobra tanto na política quanto na economia.” 

(b) PRA: A pressuposição implícita a esta trecho é a de que a “transição pactuada” apenas foi feita para “dirimir desconfianças”, e não em seu mérito próprio, como fonte de continuidade normal no processo administrativo do Estado e das lides governativas.

“Lula assumiu o governo com um quadro internacional em franca deterioração, marcado pelo unilateralismo e belicismo do governo norte-americano. Quadro marcado pela crise da ONU, incapaz de apontar soluções para os conflitos do Oriente Médio.” 

(c) PRA: A ONU não vem sendo capaz de apontar soluções para os conflitos do Oriente Médio praticamente desde 1948, data da primeira guerra entre Israel e países árabes, não apenas no atual quadro internacional. De certa forma, o CSNU manteve, e foi mantido, à margem de um encaminhamento positivo para esses conflitos não em virtude de uma crise da ONU, mas devido às circunstâncias especiais daquele conflito, imune a uma ação coletiva desse órgão, aqui dependente de um entendimento perfeito entre as grandes potências e os protagonistas diretos nos conflitos, o que infelizmente nunca ocorreu. No que se refere às características do quadro internacional em deterioração, pareceria mais equilibrado lembrar que o unilateralismo e o belicismo do governo dos EUA não se dão no vazio, ou por geração espontânea, mas respondem em parte a um ataque deliberado por grupos terroristas contra aquele país, o que motivou a seqüência de iniciativas unilaterais tomadas pelos EUA (ainda assim conduzidas até a data desta declaração no quadro do CSNU). Deixar de fora o fenômeno terrorista pode representar uma visão parcial da atual realidade internacional. 

“Os Estados Unidos provocam um tensionamento com o mundo árabe cujo desfecho, embora imprevisível, certamente será trágico.”

(d) Os EUA, justamente, têm procurado atuar de forma a não aumentar as tensões com os países árabes e os povos islâmicos, demonstrando um certo comedimento que nunca se viu em episódios anteriores de “conflitos” entre países ocidentais e nações árabes ou islâmicas, como por ocasião do colonialismo europeu, por exemplo, e ainda de forma tão recente quanto a intervenção franco-britânica contra o Egito de Nasser, em 1956. 
     De toda forma, não há “tensionamento” — o que quer que esse conceito signifique como acúmulo de tensões — com o mundo árabe ou islâmico de modo geral, mas sim uma oposição de princípio contra alguns Estados, ou governos, definidos pelos EUA como suportes do terrorismo — onde entram o Iraque, a Síria e o Irã — e uma oposição em particular contra o regime de Saddam Hussein. 
     Não é possível, com os dados da atualidade, prever que esse desfecho será certamente trágico, posto que imprevisível, uma vez que qualquer postulação a esse respeito parece ser de caráter impressionista. 

“Todos esses conflitos levam a economia mundial para os caminhos da recessão.” 

(e) PRA: A economia mundial já se encontrava em estado de baixo crescimento antes do acirramento do conflito entre os EUA e o Iraque e não se pode prever que seu desfecho provocará recessão, podendo mesmo ocorrer o contrário. Paradoxalmente, ainda que de maneira lamentável, a experiência histórica tem indicado que as situações de guerra permitem mobilizar esforços governamentais e privados que servem, justamente, para retirar economias nacionais de seu anterior estado letárgico. No caso do atual conflito, dependendo de seu desenvolvimento, ele poderá tirar a economia americana, a locomotiva da economia mundial, de seu quadro semi-recessivo. 

“Na América Latina, o cenário também é de crise econômica e política. A Colômbia está mergulhada numa sangrenta guerra civil há décadas. A Venezuela vive grave crise institucional e política. A Argentina entrou em colapso econômico e enfrentou uma sucessão de renúncias presidenciais. Países como o Paraguai, Bolívia e Equador enfrentam manifestações sociais e crises institucionais e políticas.”

(f) PRA: Nenhuma dessas situações nacionais, certamente lamentáveis, na América Latina são devidas, minimamente, ao quadro internacional atual, ou ao conflito no Oriente Médio. Todas as crises possuem dinâmicas nacionais e seus vetores são totalmente domésticos, ainda que seus efeitos econômicos possam ter extravasado o quadro nacional e causado impactos negativos nos países vizinhos. Assim, por exemplo, a crise argentina, deslanchada muito antes dos ataques terroristas aos EUA, repercutiu desfavoravelmente no Brasil, obrigando à negociação de mais um pacote de apoio financeiro preventivo com o FMI. 

“Como dissemos, herdamos uma herança perversa.” 

(g) PRA: Essa herança, em todo caso, foi bem menos perversa que a legada ao presidente interino da Argentina, Eduardo Duhalde, ou que este legará a seu sucessor, em maio próximo. Ela foi menos perversa do que a recebida pelo presidente da Colômbia, Alvaro Uribe, ou pelo do Equador Lucio Gutierrez, ou ainda pelo do Peru ou mesmo no caso dos futuros presidentes da Venezuela, do Paraguai e do Uruguai. De todos os países da América Latina, o México, o Chile e o Brasil são os únicos que receberam, e supõe-se que saberão legar, uma situação econômica ou política relativamente estável no plano das instituições democráticas e razoavelmente seguras no plano econômico, com a ausência de crises graves ou rupturas institucionais. 

2 – “(…)  Além dos partidos de esquerda, - PT, PC do B, PV, PMN, PCB, PSB, PDT e PPS - e dos partidos de centro - PTB, PL e setores do PMDB - o governo é marcado por uma matização não partidária importante, representada pelos ministros da Agricultura e da Indústria e Comércio.” 

(h) PRA: Parece ter havido aqui esquecimento dos ministros das relações exteriores e da defesa que, até onde se sabe, tampouco são filiados a algum partido.  

3 – “(…)  Ministros, secretários e integrantes dos outros escalões e diretores da administração indireta, não podem acomodar-se burocraticamente nos cargos, precisam adotar atitudes pró-ativas em relação aos projetos específicos e ao projeto geral do governo. A sociedade espera muito de nós.” 

(i) PRA: Ocorre aqui, mais explicitamente do que em outros trechos deste documento, um problema de atribuição de discurso que perpassa o texto da Resolução. Como instrumento partidário, ela só pode, legitimamente, obrigar aos membros e militantes do PT. Mas como se diz que o governo também apresenta coloração não partidária, sendo composto por representantes de outras forças e mesmo de personalidades independentes da vida civil, como considerar uma frase como esta?: o PT formula recomendações a pessoas não obrigadas por suas resoluções? O “nós” se refere exatamente a quem?: aos membros do governo ou aos quadros do partido? 

4 – “(…) O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social é um instrumento inovador nesta busca de renovação de métodos democráticos no Brasil.”

(j) PRA: O CDES representa sem dúvida uma nova instância democrática de diálogo entre o governo e a sociedade, mas não ficou muito claro como foi operada a seleção de seus integrantes, para que se possa comprovar sua representatividade social e sua inclusividade do ponto de vista da sociedade civil, aparentemente representada por personalidades de relevo e por membros de corporações. Um debate a esse respeito seria altamente bem-vindo, no plano institucional pelo menos.

5 – “O lançamento do programa "Fome Zero" revelou o grande alcance e simpatia que esse extraordinário projeto obtém junto à comunidade brasileira e internacional. No entanto, o programa vem sofrendo críticas de vários setores, algumas pertinentes, outras superficiais.” 

(k) PRA: Alguns dos problemas do “Fome Zero” talvez se devam ao fato de ele não ter sido debatido previamente no Parlamento e não ter sido objeto de apropriações orçamentárias adequadas. Por outro lado, deve-se levar em conta o fato de que a implementação bem sucedida desse programa pode significar a criação permanente de um exército de assistidos que continuará a depender do governo para o provimento de sua subsistência básica. Talvez fosse recomendável mobilizar e fazer responsáveis por esse tipo de tarefa igrejas e outros tipos de entidades da sociedade civil que podem melhor aferir do que a máquina pública as reais necessidades dos cidadãos carentes.

6 –(…)

7 – “Quanto à política externa, a atuação do governo na crise da Venezuela e a iniciativa de propor a criação do "Grupo de Amigos" foi um lance de ousadia para o início de um governo.” 

(l) PRA: Não parece ter ficado claro, aos olhos de vários observadores externos, se a iniciativa de se criar um “Grupo de Amigos” da Venezuela tinha sido integralmente do Brasil, ou se ela respondia a uma sugestão do presidente Chavez da Venezuela, que parecia ter uma idéia precisa dos amigos que ele gostaria de ver participando desse grupo. Em todo caso, seria o caso de lembrar, em termos de precedentes históricos, o grupo de Contadora e de apoio, para a pacificação da América Central, bem como os grupos similares que foram criados ou se intentou criar em torno de conflitos resolvidos ou pendentes na região (Peru-Equador, Venezuela-Guiana etc.).

“A iniciativa projetou a perspectiva de o Brasil vir a ocupar uma posição mais forte de liderança positiva no contexto da América Latina.” 

(m) PRA: Trata-se, certamente, de perspectiva auspiciosa para nossa diplomacia e para o próprio País, embora se deva recordar que a candidatura ao exercício de qualquer tipo de liderança regional vem geralmente acoplada ao desempenho de ações e iniciativas que requerem determinados atributos diplomáticos e militares que, por sua vez, exigem uma certa capacitação intrínseca — e suas manifestações concretas em termos de talão de cheques e soldados — e uma visão clara do que se pode pretender para a região, qual seria a visão de futuro que se concebe para ela e como fazer para conciliar outros interesses regionais, hemisféricos ou mesmo extra-regionais que eventualmente venham a querer manifestar-se, legitimamente ou não, em relação aos problemas da região.

“Essa perspectiva foi reforçada na medida em que o Brasil passou a coordenar o "Grupo de Amigos da Venezuela". Na reunião do presidente Lula com o presidente da Colômbia evidenciou-se o potencial de liderança do Brasil na mediação e na busca de soluções para contenciosos e conflitos em nosso continente.” 

(n) PRA: Trata-se de uma leitura particular da reunião entre os presidentes Lula e Uribe, uma vez que na declaração conjunta não se emprega uma única vez o conceito de “mediação”, mas sim se afirma que os presidentes “reiteraram a sua determinação de combater todas as formas de terrorismo” e que eles “Manifestaram vivo interesse em coordenar, no âmbito bilateral, esforços de combate ao terrorismo e ao crime organizado. Decidiram a constituição de Grupo de Trabalho, a ser integrado pelos Ministérios das Relações Exteriores, Defesa e Justiça dos dois países, com o objetivo de promover a cooperação e intercâmbio de informações para a efetiva prevenção e repressão da criminalidade e do terrorismo, inclusive no âmbito dos Acordos bilaterais vigentes de extradição e cooperação judiciária em matéria penal.”

8 – “A presença de Lula no Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, e no Fórum Econômico Mundial, em Davos, revelou-se um acerto. A repercussão internacional do discurso do Presidente na Suíça indica que o novo governo tem um campo fértil para projetar um papel mais ativo do Brasil no cenário mundial. Essa perspectiva é tanto mais real na medida em que há uma agenda internacional propícia às teses do novo governo. Essa agenda define-se, resumidamente, pelos seguintes pontos: o tema do protecionismo dos países ricos, os desequilíbrios crescentes entre países ricos e países pobres, as regras de comércio internacional envolvendo também as questões de patentes e direito de propriedade intelectual, o tema da pobreza, as questões ambientais etc. O Brasil e o presidente Lula podem assumir um papel de articulação e de liderança em torno dessa agenda.” 

(o) PRA: Sem dúvida essa presença ampliada em foros internacionais e no diálogo direto com líderes mundiais é extremamente bem-vinda em termos de projeção dos interesses externos do Brasil, mas deve-se chamar a atenção para o significado preciso do que pode ser considerada uma “agenda internacional propícia às teses do novo governo”. Os temas apontados suscitam controvérsias, quando não oposição, entre, de um lado, as posições que vem defendendo tradicionalmente a nossa diplomacia e agora o novo governo e, de outro lado, governos de países ricos e mesmo de determinados países em desenvolvimento. Assim ocorre, por exemplo, no caso do protecionismo, no qual o país promotor do encontro de G-8 de 2003, a França, em especial seu presidente, é um notório defensor de políticas restritivas e subvencionistas na área agrícola que causam evidente prejuízo aos interesses exportadores do Brasil. Os mesmos descompassos são observados, por exemplo, em matéria de patentes ou de meio ambiente, onde os desencontros têm sido freqüentes nos últimos anos. 
       Essa agenda, portanto, é “propícia” apenas num nível muito alto de generalidade — combate à pobreza, avanço no comércio internacional, proteção ao meio ambiente —, o que não determina qualquer encaminhamento concreto para entendimentos nos foros internacionais. 
       Essa articulação e liderança do Brasil, por sua vez, podem ter um certo “preço” acoplado a seu exercício concreto, uma vez que o Brasil, país de desenvolvimento intermediário, será chamado a contribuir para o esforço de ajuda e cooperação ao desenvolvimento de países mais pobres, deixando ele mesmo de se beneficiar de tratamento diferencial e mais favorável em diversas vertentes da agenda econômica ou comercial internacional. 
       Esse “papel mais ativo”, finalmente, requer que o Brasil tenha propostas concretas para compor a agenda internacional, sobretudo sobre a forma de uma conciliação ou composição entre as propostas aparentemente contraditórias, ou pelo menos não coincidentes, emanadas de Porto Alegre e de Davos, respectivamente. Alguma clareza quanto a esse ponto parece essencial ao exercício consciente desse papel de liderança.

9 – “Tanto o governo quanto o PT agiram com acerto, desde a primeira hora, ao se posicionarem contra a possibilidade da guerra no Golfo Pérsico. O governo, através de gestões diplomáticas, inclusive com países envolvidos no centro do conflito. O PT, através de posicionamento público e participação ativa em manifestações antiguerra. O posicionamento contrário à guerra, principalmente quando não há indícios evidentes de que o Iraque represente um perigo à paz, é um imperativo de ordem moral. Governo e PT devem pautar-se sempre pela busca de soluções pacíficas, seja em conflitos internos de países, ou seja, em conflitos entre nações.” 

(p) PRA: O posicionamento é basicamente correto e deve ser seguido plenamente, embora a referência mais importante seja a existência, ou não, de resoluções do CSNU que possam guiar a atuação do Brasil em face de casos concretos como o do Iraque. Ora, algumas dessas resoluções nem sempre se pautam pela busca de soluções pacíficas em quaisquer circunstâncias, tendo o Conselho autorizado o uso da força em determinadas condições, como foi o caso em 1990-91. 

“O pacifismo, aliás, pode ser considerado uma tradição brasileira e, para além dele, o Brasil deve posicionar-se contra a guerra também por interesse interno.” 

(q) PRA: “Pacifismo” não é um conceito que faça parte das tradições diplomáticas brasileiras, e sim a solução pacífica de controvérsias, tal como figura no Art. 4 da Constituição federal. Tampouco comparece esse conceito na “Política Nacional de Defesa”, documento que sintetiza a concepção do Estado brasileiro nessa área. A noção de pacifismo remete a uma filosofia de vida e a uma ideologia política que podem ser defendidas por personalidades públicas, mas não têm sido ostentadas pelo Brasil enquanto nação. 
     No plano interno, como no externo, o Brasil não defende o pacifismo, mas sua doutrina de defesa nacional é bastante clara quanto aos objetivos e meios pelos quais o Brasil deve pautar-se nesse terreno. Como afirmado nas premissas daPolítica Nacional de Defesa”, o Brasil tem como princípio a “busca da solução pacífica de controvérsias, com o uso da força somente como recurso de autodefesa”.
     Mas como diz ainda esse documento: “O País não está, no entanto, inteiramente livre de riscos. Apesar de conviver pacificamente na comunidade internacional, pode ser compelido a envolver-se em conflitos gerados externamente, como conseqüência de ameaças ao seu patrimônio e aos seus interesses vitais.” Entre outras medidas, a defesa do Brasil se baseia na “existência de uma estrutura militar de credibilidade capaz de gerar efeito dissuasório eficaz”. 
     Por fim, dentre as diretrizes da política de defesa, figuram:
         “promover a posição brasileira favorável ao desarmamento global, condicionado ao desmantelamento dos arsenais nucleares e de outras armas de destruição em massa, em processo acordado multilateralmente” e “participar de operações internacionais de manutenção da paz, de acordo com os interesses nacionais”. 

“Num momento em que o comércio entre Brasil e o mundo árabe apresenta enorme potencial de incremento, a guerra pode adiar e arruinar essa perspectiva. Por tudo isso, o governo e o PT, cada um obedecendo suas especificidades, devem intensificar suas iniciativas contrárias à guerra.”

(r) PRA: As relações de comércio do Brasil com o mundo árabe não deveriam, e não podem, passar à frente de suas obrigações no âmbito da Carta das NU e de decisões ou resoluções de seu CS. O Brasil tem como princípio o acatamento de decisões da comunidade internacional, acima e a despeito de interesses comerciais específicos: foi assim no caso do apartheid e das relações com o regime então em vigor na África do Sul, foi assim no caso do Timor Leste, ou antes, no caso do próprio Iraque, como invasor do Kuwait, assim como ocorreu o mesmo em outras crises internacionais.

10 – “O PT entende que a participação do governo nas negociações da Alca devem ser pautadas pela defesa dos interesses do Brasil, a preservação da nossa soberania e a garantia de contrapartidas para compensar os desequilíbrios de mercados, de capacidade tecnológica e produtiva na relação entre a economia dos Estados Unidos e as economias dos países da América Latina.” 

(s) PRA: A possibilidade, ou mesmo a “garantia de contrapartidas para compensar os desequilíbrios” existentes ou potenciais no âmbito da Alca não parece estar contemplada da forma como desejado neste documento nas diretrizes negociadoras da Alca, tal como estabelecidas em Miami, em 1994, e confirmadas em cúpulas e reuniões ministeriais posteriores. A diplomacia brasileira teria de levantar a questão e declarar o desejo do Brasil (e supostamente dos demais países da América Latina) em ver estabelecidos esses mecanismos, o que dependeria, obviamente, de novas negociações no âmbito da Alca. Trata-se de uma demanda razoável, e mesmo necessária, tendo em vista as assimetrias, mas seu escopo parece ir um pouco além dos limites de um acordo de liberalização comercial recíproca.

“Para alcançar o objetivo de um acordo adequado para as economias dos países em desenvolvimento, o Brasil deve reforçar suas relações com os países latino-americanos, especialmente os países do Mercosul, visando agregar relações de força favoráveis aos interesses do Brasil e desses países, sem se submeter aos interesses dos EUA.” 

(t) PRA: O objetivo de uma Alcsa, ou o estabelecimento de uma rede de acordos comerciais no âmbito sul-americano vem sendo perseguidos pelo Brasil desde 1992, pelo menos, sem que até agora tenha sido possível atingi-los, por diversos motivos de ordem econômica ou mesmo política. Caberia, em todo caso, insistir nesse objetivo, que é meritório e importante, em sua dimensão própria e pode contribuir para aumentar o poder de barganha que o Brasil e o próprio Mercosul ostentam no plano hemisférico. 
     Quanto a eventual submissão aos “interesses dos EUA”, não se trata de condição ou estado que pareça interferir com os objetivos acima descritos, mas tampouco se pode deixar de notar uma certa “triangulação”, ou complementaridade, de interesses dos demais países sul-americanos no sentido de também incorporarem, em seus planejamentos comerciais respectivos, um relacionamento ampliado com os EUA. Os EUA constituem, para eles como para nós, o principal mercado, o principal parceiro econômico, financeiro e tecnológico, que não pode ser ignorado em qualquer contexto negociador regional. Em outros termos, os interesses podem ser e efetivamente são recíprocos, não apenas unilaterais ou unidirecionais.

“A busca de uma inserção soberana e não subalterna na economia mundial deve constituir-se no princípio orientador dos acordos comerciais bilaterais ou multilaterais que o Brasil venha a estabelecer com outros países ou bloco de países.” 

(u) PRA: Totalmente correto, e não parece haver aqui discordância, de princípio ou de método, com o que já vem sendo conduzido pela diplomacia brasileira nas negociações em que o País encontra-se engajado. Trata-se, porém, de regra por demais genérica e abstrata, que precisaria ser explicitada de forma mais concreta para poder converter-se em diretriz diplomática. Na impossibilidade de definir essas regras de ação de modo positivo, pode-se também evidenciar casos negativos nos quais nem a soberania nem o caráter não-subalterno tenham sido preservados em negociações desse gênero, para evitar-se repetições indevidas. 
     Os acordos de comércio, stricto sensu, não parecem conduzir a tais situações que podem ser definidas como qualitativamente não soberanas ou subalternas, pois eles implicam, geralmente, uma decisão quanto a níveis tarifários, sua graduação, e as salvaguardas aplicáveis. Os problemas parece residir nas normas ou regras não estritamente aduaneiras, que superam o terreno do acesso a mercados para penetrar no ambiente regulatório interno de cada país. Caberia, pois, refletir adequadamente sobre estes aspectos. 

II - POLÍTICA ECONÔMICA 

11 – “(…) O nosso governo herdou do passado um quadro de inflação alta, provocada por uma forte e rápida desvalorização do Real, de dívida pública elevada, de baixo nível de investimentos, de contração do crédito internacional e de desconfiança externa generalizada sobre a capacidade da nossa economia, suscitando uma elevação extraordinária do risco-Brasil e a desvalorização dos títulos da dívida brasileira.” 

(v) PRA: Comparativamente a 1994-95, a situação encontrada pelo atual governo parece ter sido bem mais favorável do que o quadro verdadeiramente problemático da primeira metade dos anos 90. Recorde-se os níveis bastante elevados de inflação, a desvalorização constante e contínua da moeda brasileira que precedeu ao real, o nível absolutamente risível dos investimentos estrangeiros diretos e a quase ausência de capitais exclusivamente financeiros oferecidos como crédito de curto prazo, o total ambiente de desconfiança em que vivia o Brasil, para se ter uma idéia do quadro dramático então vivido. A dívida pública era certamente menor do que atualmente, mas ela estava obscurecida pela ausência quase completa de orçamento efetivo, por diversos mecanismos maquiadores das despesas públicas (em todos os níveis) e por “esqueletos” herdados de pacotes ou medidas anteriores de estabilização que apenas seriam resolvidos no curso dos próximos oito anos. 
     Em outros termos, a situação atual não é inédita, para os padrões de desgoverno econômico conhecido na história recente do Brasil, mas isso certamente não representa alívio para quem deve administrar o atual quadro de dificuldades. Mas não é demais colocar esses problemas na perspectiva correta. 

12 – “Com pouco mais de dois meses de governo, hoje, o quadro já é outro. A percepção interna e externa sobre a nossa economia melhorou sensivelmente, os títulos da dívida brasileira (C-Bond) estão sofrendo uma expressiva valorização, melhorando significativamente nossa posição relativamente aos demais países menos desenvolvidos, mesmo no caso de guerra. O risco-Brasil diminuiu para 1100 pontos. Com isso, o crédito e investimentos internacionais começam a dar sinais de retorno, tornando positivos os fluxos cambiais, o que viabiliza a manutenção do câmbio na faixa média de R$ 3,50/US$ 1, mas com tendência de queda.” 

(x) PRA: O crédito deve ser dado inteiramente ao atual governo, que mesmo antes da posse atuou no sentido de desfazer os índices de desconfiança que alimentavam esse quadro negativo. Mas deve-se ter consciência de que se trata de um alívio temporário e que muito mais deve ser feito para estabilizar a relação de confiança com os mercados internacionais, como expresso nos indicadores acima descritos. Não caberia, em todo caso, ficar fazendo previsões em qualquer sentido, e sim perseverar nos esforços de estabilização.

13 – (…)

14 – “É para evitar que fatores inerciais consolidem esse elevado patamar inflacionário e propiciar sua redução que, ocorreram as recentes elevações da taxa básica de juros. Trata-se, portanto, de uma alta transitória dos juros - ao contrário do que vinha ocorrendo no governo anterior, quando os juros eram estruturalmente elevados para premiar o risco do investimento financeiro no financiamento do déficit das contas externas.” 

(y) PRA: Os juros no governo anterior sofreram diversas correções de rumo, em função da conjuntura econômica em cada momento, e a política de “metas de inflação”, introduzida em 1999, tem caráter tão “estrutural” quanto as atuais decisões de combate à inflação, segundo o mesmo método aliás. Como regra geral, autoridades monetárias não deveriam fazer pronunciamentos sobre o curso futuro dos juros, assim como do câmbio.

“De fato, o combate à inflação é uma guerra absolutamente necessária porque ela deteriora o valor de compra dos salários atingindo, principalmente, os assalariados de baixa renda, e porque uma inflação elevada se traduz num ambiente econômico de incerteza e instabilidade, desfavorável ao investimento produtivo e, portanto, ao desenvolvimento.” 

(z) PRA: Absolutamente correto e em total consonância com o que vinha sendo dito e realizado no decorrer de alguns anos passados. Pela primeira vez em muitos anos de história econômica brasileira, parece estar emergindo um consenso real em torno dos objetivos mais gerais da política econômica, o que é absolutamente essencial para a boa governança do Brasil e para a administração racional do orçamento público. Caberia agora avançar sobre os demais objetivos das políticas macroeconômicas e setoriais, como forma de lograr aprovação legislativa para a maior parte das medidas de política econômica de que o atual governo necessita para avançar na trilha da modernização da economia brasileira e da correção das desigualdades sociais mais gritantes. 

15 – “Outra medida dura e necessária que o governo foi obrigado a adotar consistiu na elevação do superávit primário para 4,25% do PIB, com o objetivo de buscar uma redução na relação dívida/PIB, que encerrou 2002 na faixa de 56%. Em 1994 essa relação era de 30%, número que revela o gigantesco endividamento que foi feito nos último oito anos.” 

(aa) PRA: Essa elevação do superávit primário é absolutamente necessária inclusive como forma de poder rebaixar os níveis insuportavelmente elevados dos juros aplicados no país. Quanto ao ritmo e proporção do endividamento público, deve-se obviamente levar em conta a estabilização da situação nos estados e municípios, traduzindo-se em novos encargos para a União, bem como a correção de situações fictícias em diversas contas não incorporadas ao orçamento normal do país. Uma referência importante deve ser feita a Lei de Responsabilidade Fiscal, aprovada em 2000, instrumento essencial na estabilização que se pretende observar a partir de agora.

16 – “Sempre foi a direita - veja-se o caso emblemático de Maluf - quem endividou irresponsavelmente o setor público, destruindo a capacidade de investimento do Estado por décadas.” 

(bb) PRA: O endividamento não responde apenas a considerações ideológicas, mas radica principalmente na irresponsabilidade da classe política, como um todo, atentando-se também para o fato histórico de que foi a direita quem ocupou essencialmente as rédeas do poder político no Brasil nas últimas décadas e séculos. A situação mudou radicalmente a partir de 2003, e caberia observar que o mesmo padrão não se reproduza de forma recorrente. 

“(…) É preciso, também, redirecionar o destino dos fundos públicos, que em muitos casos financiam as elites e tornam-se instrumentos de concentração de renda. (…) Temos a convicção de que as medidas duras, necessárias e corajosas que estão sendo adotadas hoje, se traduzirão em benefício para toda a sociedade amanhã.” 

(cc) PRA: Tarefa absolutamente essencial, desde que se identifique claramente quem são as “elites” descritas de forma bastante genérica neste documento, como ocorre aliás de forma repetida em documentos políticos brasileiros (aliás, de todas as tendências ideológicas). Há, invariavelmente, nesses documentos partidários e mesmo em “panfletos” sociológicos, uma referência a essas “elites”, mas parece tratar-se de “extraterrestres”, uma vez que elas nunca são qualificadas nominalmente.
       Como o Brasil ostenta, de modo inédito, um governo formado a partir de setores não pertencendo tradicionalmente a essas elites, não deveria haver dificuldade em identificá-las claramente e depois redirecionar os gastos públicos em conseqüência. 
       Como, de minha parte, não pretendo pecar por omissão, vou oferecer desde já minha própria identificação de quais são essas “elites” que estão redirecionando os fundos públicos a seu favor e, portanto, concentrando a renda. Começaria pelas menos importantes delas, que são os funcionários públicos de modo geral, mas em especial determinadas categorias deles, juizes, políticos e várias categorias de servidores públicos, aposentados e da ativa, que lograram obter para si pensões suculentas, em total contradição e desproporção com serviços e contribuições prestadas à comunidade. Passaria em seguida para amplas categorias de cidadãos privados que recolhem recursos públicos, desde as elites universitárias, industriais prebendalistas e protegidos, agricultores subsidiados, multinacionais chantagistas que reivindicam isenções fiscais, enfim, vários setores estabelecidos que se julgam no direito de obter políticas setoriais para alguma área “estratégica”. Meu conceito de “estratégico” restringe-se unicamente às crianças pobres que dependem de uma boa escola pública para terem chance na vida. Os demais passam depois.

17 – “Algumas alternativas que vêm sendo mencionadas a essas políticas de ajuste são retrocessos e vão de encontro aos compromissos assumidos em nossa campanha. (…) Da mesma forma, a imposição de controles cambiais, hoje, exatamente no momento em que o nosso crédito externo vai sendo paulatinamente restaurado, tenderia a impor sacrifícios ainda maiores à população, em termos de crescimento e emprego.” 

(dd) PRA: Medidas de controle cambial não deveriam ser recusadas apenas no contexto em que o crédito externo está sendo restaurado, mas em seus próprios méritos, como uma regra não conjuntural de política econômica. Como está escrito, parece que o PT vai favorecer esses controles quando a situação externa estiver mais favorável e for menor a fragilidade financeira. 
       Existe, porém, um non sequitur lógico no quadro das políticas keynesianas que parecem guiar o partido na sua escolha do melhor mix macroeconômico: controles cambiais sempre foram feitos, desde a Teoria Geral, em nome do crescimento e do emprego, a menos que se parta de outras premissas, baseadas na liberdade dos mercados e nas vantagens da competição.

18 – “Uma característica da política econômica do Brasil nas últimas décadas é que ela quase sempre foi muito conservadora, não tendo sido capaz de proporcionar crescimento econômico e geração de empregos com estabilidade de preços, equilíbrio das contas públicas e equilíbrio das contas externas. A história econômica do País é marcada por descontrole da inflação, das contas públicas e das contas externas. Em nenhum momento, ademais, definiu-se - como o fazemos agora - a melhora da distribuição de renda também como objetivo da política econômica.” 

(ee) PRA: Políticas econômicas conservadoras foram capazes, no passado, de gerar crescimento e emprego, com relativa estabilidade e saldos na balança comercial, como qualquer manual de história econômica, ou a consulta a antigos exemplares da revista “Conjuntura Econômica” poderia comprovar. O baixo crescimento verificou-se, paradoxalmente, em governos ditos progressistas e comprometidos com o social, ou declaradamente social-democratas, como ocorreu após 1985. Os descontroles orçamentários e a permissividade emissionista ocorreram em governos de diferentes colorações políticas, civis ou militares, conservadores e progressistas, tendo começado a ser corrigidos apenas nos últimos oito anos de estabilização sob o Plano Real. Não se trata de opinião: são fatos da vida econômica nacional. 
       O compromisso quanto à melhora na distribuição de renda enquanto objetivo da política econômica não parece porém ter existido, senão como meta retórica. Esta é, portanto, a finalidade precípua do atual governo e o critério absoluto de aferição de desempenho sob o qual ele vai ser medido, agora, em dois anos e ao final de seu mandato. Trata-se de objetivo bastante ambicioso, que não está contudo ausente das possibilidades concretas de realização. Alguma explicitação quanto aos meios e instrumentos pelos quais essa redistribuição de renda será feita seria certamente bem-vinda.

19 – “A retomada do desenvolvimento e a geração de emprego, proposta central do nosso programa, precisam tornar-se prioridade absoluta do nosso governo. (…) Adotar políticas pró-ativas de geração de emprego não é apenas responsabilidade da área econômica, mas de todo o governo.” 

(ff) PRA: Correto, mas caberia às autoridades econômicas dizer aos demais membros do governo quais seriam as medidas ativas de promoção do emprego que se poderia conceber e implementar setorialmente para tornar tais metas realizáveis. 

20 – “(…)Na Reforma da Previdência, por outro, o compromisso social do nosso governo e a alternativa ao modelo conservador vigente ou anteriormente proposto ficarão bem claros, na forma e no conteúdo. O diálogo com a sociedade e suas instâncias organizadas está aberto, e orienta nossas formulações. E ele se refletirá num projeto cuja tônica será mais do que o ajuste fiscal: a proteção social.” 

(gg) PRA: O partido não pode se eximir de apontar um modelo para sua reforma, que obviamente não será apenas de ajuste fiscal. Proteção social ela já é, ainda que de forma desigual, mais para uns poucos, e muito pouco para muitos. O PT precisa dizer claramente como pretende ajudar o governo a implementar essa reforma essencial, tanto do ponto de vista fiscal, como no que se refere à moralidade pública.

“A reforma Tributária, porque, além de introduzir a justiça fiscal, poderá produzir efeitos imediatos se desonerar a produção, o trabalho e as exportações e se bloquear a guerra fiscal, que produz um jogo onde quase todos eles e a economia perdem. A idéia das reformas, na tradição dos partidos de esquerda e na nova gramática do poder que nosso governo começa praticar, tem um sentido claro. São processos voltados para a consolidação democrática legal, o alargamento dos direitos sociais e, conseqüentemente, para a melhoria das condições de vida do cidadão.” 

(hh) PRA: Seria preciso dizer exatamente a proposta do PT para a reforma tributária: a gramática do poder não parece ter um sentido tão claro quanto proclamado, pois não há explicitação quanto a que estrutura e desonerações serão estabelecidas para introduzir a justiça fiscal.

21 - (…)

22 – “Para que as agências adquiram um caráter realmente público e regulador, o PT e suas bancadas farão gestões junto ao Executivo e ao Congresso para que o papel das mesmas seja revisto e para que sejam submetidas a controles públicos e sociais.” 

(ii) PRA: A menção a controles públicos e sociais pode representar um aumento na taxa de “volatilidade” na gestão dessas agências regulatórias, contribuindo portanto para a instabilidade das regras e a ausência de novos investimentos estrangeiros. Caberia avançar com cuidado nesse particular.
  
RESOLUÇÃO SOBRE AS REFORMAS 

23 – “(…) As propostas de Reforma Tributária, Previdenciária e Trabalhista devem levar em consideração a instituição de uma Renda Básica de Cidadania como a base de rendimento a que todo brasileiro deve ter acesso como direito de participar da riqueza da nação.” 

(jj) PRA: Correto como intenção, mas suscetível, como o “Fome Zero”, de criar uma clientela permanente dependente do Estado, o que tornará ainda mais rígida a administração orçamentária e intrusiva a máquina pública de controles sociais sobre transferência de renda. Trata-se da mesma visão planejadora da vida social que foi testada em diferentes ambientes políticos ao longo do século XX e produziu algumas distorções que mereceriam ser estudadas de antemão.

24 – “O PT defende uma Reforma Agrária e uma política agrícola, nos termos que sustentamos na campanha eleitoral.” 

(kk) PRA: Reforma agrária deixou de ser prioridade nacional, pelo menos do ponto de vista econômico e subsiste apenas como objetivo social meramente complementar. Colocá-la novamente no centro das políticas públicas significaria desvio de atenção e de recursos para objetivos ainda mais prioritários, como podem ser os da educação e da segurança públicas.

25 – “O PT condena a formação de milícias armadas por latifundiários por entendê-las desafiadores do Estado de Direito, estimuladoras dos conflitos agrários e potencialmente desestabilizadoras de um programa de Reforma Agrária pactuado com as forças democráticas do País, respeitando o Estado Democrático de Direito pretendido pelo Governo Lula.” 

(ll) PRA: Essas milícias são o equivalente do crime organizado nas favelas das grandes cidades: elas existem na ausência da segurança que deve ser dada pelo Estado. Cabe ao Estado reprimi-los a ambos, dando plena garantia de segurança aos cidadãos do campo e da cidade.

26 – “Reforma da Previdência: nossa bancada, no Congresso, deve propor o fim do Fundo de Previdência Parlamentar e que todos os deputados e senadores, como já acontece nas Assembléias Legislativas, paguem o INSS.” 

(mm) PRA: Totalmente meritório e necessário, sendo apenas de se estranhar que algum projeto já não esteja tramitando.

26 – “Foi reagindo à situação de brutal crise, nas décadas de 30 e 70, que o Estado brasileiro desencadeou políticas que consolidaram a industrialização nacional. Nosso desafio, à diferença daquelas duas situações, é desencadear um novo ciclo de desenvolvimento, sob condições democráticas e conduzido por um novo governo hegemonizado pela esquerda, portanto, um crescimento organizado em torno do objetivo de elevar as condições de vida da maioria do povo brasileiro.” 

(nn) PRA: O processo de desenvolvimento brasileiro não foi estimulado apenas por crises e circunstâncias de fechamento externo, nem foi ele apenas dependente de políticas estatais dirigistas ou indutivas. Ele teve a ver igualmente com condições mais gerais do sistema econômico brasileiro que não foram todas moldadas pelas mãos do Estado. A crença nas virtudes salvacionistas do Estado pode contribuir para algumas distorções que foram acumuladas ao longo dessas décadas de industrialização induzida, entre elas, justamente, a concentração de renda e os desequilíbrios sociais.


“O sucesso do governo Lula é condicional para o despertar de uma nova esquerda no mundo. O sucesso do governo Lula é fundamental para que os valores que alimentaram as melhores utopias rejuvenesçam, floresçam e dêem novos frutos.” 

(oo) PRA: Trata-se de uma enorme responsabilidade colocada sobre os ombros do atual governo, mas que saberá certamente se desempenhar satisfatoriamente nesse campo igualmente.

* Paulo Roberto de Almeida é sociólgo e diplomata e autor de diversos livros de relações internacionais e de política externa do Brasil.
Nota em 30 de abril: O presente texto foi elaborado em 16 de março de 2003 e não leva em consideração, portanto, as propostas de reformas constitucionais e legais encaminhadas ao Congresso em 30 de abril e que terão ainda longo itinerário de tramitação legislativa e de debate político antes de serem aprovadas e convertidas em novas disposições sobre previdência e tributação.

O que reformar no Itamaraty (2003) - Sugestões Paulo Roberto de Almeida

No início da nova administração companheira, em fevereiro de 2003, a Secretaria Geral, liderada pelo embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, formulou uma consulta a todos os diplomatas da Casa, por meio de uma circular postal. Registro aqui a comunicação recebida:

SG:
* PARTICIPAÇÃO - Foi criado, em caráter experimental, o endereço eletrônico participe@mre.gov.br para receber os comentários e sugestões dos funcionários do MRE acerca da formulação e execução da política externa em todas suas vertentes, inclusive as ações administrativas. Voltado para ampliar a participação e interlocução internas, esse endereço receberá, exclusivamente, mensagens de até 3 (três) páginas provenientes de endereços de correio eletrônico @mre.gov.br.

Transcrevo a seguir a minha resposta, enviada por correio eletrônico, em 1o. de março de 2003: 


Sugestões sobre Formulação e Execução da Política Externa

Paulo Roberto de Almeida
Washington,  1°de março de 2003.

Ingressei na carreira diplomática em 1977, por concurso direto, tendo conhecido, ao longo do último quarto de século, diversos esforços, alguns bem sucedidos, outros de certa forma frustrados, de reformulação da carreira e de reorientação da política externa. Por isso sou relativamente cético em relação a mais esta iniciativa de se conduzir um novo processo de consulta, tendente a produzir uma avaliação e eventual modernização dos mecanismos e instrumentos pelos quais se processa a política externa brasileira.
Entendo que o exercício atual não tenha em si objetivos estritamente definidos, mas se abre para todas as vertentes da vida diplomática brasileira, tanto de natureza instrumental como de ordem substantiva. Não tenho a pretensão de interpretar as idéias ou sentimentos dominantes na Casa sobre os aspectos mais importantes da organização e do funcionamento internos, mas creio poder oferecer duas observações singelas que refletem minha percepção dos problemas em sua fase atual.

1) Mobilidade ascensional e exercício de chefias de postos
Não resta dúvida que um dos aspectos mais angustiantes, do ponto de vista das jovens gerações, assim como das faixas intermediárias da carreira, é constituído pelo ritmo excessivamente lento de ascensão funcional nas faixas mais elevadas da carreira, assim como pelas escassas oportunidades dadas aos mais jovens (e outros menos jovens) de exercício de chefias correspondentes às suas habilidades. Em nenhuma outra época, o IRBr selecionou valores tão elevados, do ponto de vista intelectual ou de experiência profissional e, no entanto, esses jovens profissionais se confrontam a um processo de mobilidade ascensional absolutamente lento, exasperantemente letárgico. Por outro lado, aqueles habilitados a exercer posições de mando, na Casa ou em missões do exterior, se vêm limitados em suas possibilidades efetivas, tendo em vista a ocupação, em alguns casos de forma “abusiva”, dessas chefias por colegas que deveriam talvez gozar de uma merecida aposentadoria, ou por outros, não colegas, que lograram obter chefias de missão por considerações de ordem política que pouco têm a ver com a capacitação efetiva ou “disposição” para o cargo.
Minha única recomendação, no primeiro caso, seria a implementação de um mecanismo de expulsória que garantisse um fluxo regular de promoções, a exemplo talvez do que ocorre nas fileiras das FFAA, que conseguem renovar chefias e pessoas em ritmos regulares. No segundo caso, creio que o Itamaraty deveria ter uma disposição sem falhas em defender a manutenção dos altos padrões profissionais que têm caracterizado o serviço exterior ao longo do tempo, “demonstrando” ao poder político a importância de se preservar a representação no exterior de interferências excessivas por razões puramente circunstanciais.
Apenas uma última observação pessoal nesta vertente: desde a anterior administração, os processos de seleção e de designação de novos representantes diplomáticos permanentes têm sido caracterizados por exposição e discussão públicas (ainda antes de ser obtido agrément, ou sequer sua solicitação) que não encontram paralelo em toda a nossa história diplomática, e que constituem, inclusive, um rompimento com os padrões habituais de cortesia e discrição diplomáticas pouco vistos em qualquer época ou país. 

2) Participação democrática e ausência de instrumentos inibidores
Ainda que se deva saudar o presente exercício de consulta aberta, por seu caráter democrático poucas vezes visto numa Casa conhecida por padrões algo rígidos de disciplina e de hierarquia, permanecem alguns mecanismos intimidatórios da expressão aberta do pensamento individual em temas de formulação e execução em política externa. O regime anterior à chamada “lei da mordaça” era caracterizado pela responsabilização individual por eventuais quebras das regras elementares de adequação aos padrões da Casa quanto a exposição pública de questões propriamente internas ou de definição de política. A “lei da mordaça” introduziu o que se pode chamar de censura prévia. Creio que uma medida simples nesse particular seria a elaboração de uma nova circular, simplesmente tornando sem efeito as duas circulares anteriores nessa área, a de introdução da censura prévia e sua exegese subsequente. Seria uma simples medida de economia democrática. 

Paulo Roberto de Almeida
Washington, 1012: 1°de março de 2003.

Um dialogo sobre A Grande Mudança (fev. 2003) - Paulo Roberto de Almeida

A única resenha efetuada do meu livro foi no Diário de S. Paulo, mas eu não disponho dela neste momento em formato digital. Registrei apenas meu diálogo com o jornalista, respondendo suas muitas perguntas, como registrado aqui: 

1011. “Um diálogo sobre A Grande Mudança”, Washington 21 fevereiro 2003, 9 p. Respostas a questões colocadas por Pablo Pereira, da Editoria de Política do Diário de São Paulo). Matéria publicada sob o título “Livro propõe fim do salário-mínimo para novo país”, Diário de São Paulo (domingo, 16/03/2003). 

O texto é amplamente elucidativo sobre minhas muitas propostas naquele livro.
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 1 de setembro de 2018

Um diálogo sobre “A Grande Mudança”

Paulo Roberto de Almeida
Washington, 21 de fevereiro de 2003.

Respostas a questões colocadas por Pablo Pereira – 
Editoria de Politica – Diário de São Paulo

            Meu caro Pablo,
            Retomando o dialogo eletronico desta tarde, pretendo responder, na maior extensão e detalhamento possiveis, as questões que voce me colocou e que entendo devem servir de subsidio a uma materia sobre o meu livro.
            Gostaria, antes de mais nada, de agradecer sua atenção em relacao a esse livro que se destina ao publico em geral e de forma especifica a todos aqueles interessados em manter uma discussão bem informada sobre os problemas enfrentados hoje pelo Brasil para a continuidade de seu processo de modernização economica e social.
            Vou retomar uma a uma suas questoes e procurar responde-las da maneira mais concisa possivel.

> 1-O senhor aconselha o novo presidente a se afastar da "elite pensante" e promover reuniões abertas e seminários para determinar prioridades nacionais. O Governo Lula criou o Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico para trilhar este caminho, e foi atacado. Estaria querendo substituir o Congresso, o que ele e o secretário Tarso Genro negam, claro. O senhor acredita que o caminho mais curto para solução das mazelas está na democracia direta, e não na democracia representativa?
            PRA: Não existe caminho curto para a solução das mazelas estruturais e conjunturais do Brasil. As primeiras eu sintetizaria como sendo a educação e qualificação profissional da população brasileira, condição essencial para o aumento dos indicadores de produtividade, unica maneira de elevar a renda e diminuir a desigualdade existente. As conjunturais estão relacionadas à manutenção da estabilidade macroeconômica, sem a qual seria impossível o crescimento sustentado, e portanto o aumento da renda e a diminuição da desigualdade.
            Eu vejo com muitos bons olhos a criação e funcionamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico, na medida em que ele, se adequadamente representativo da sociedade, pode atuar como: (a) câmara de ampliação e sistematização das demandas da sociedade para a continuidade das reformas de que ainda necessita o Brasil; (b) “filtro” da miríade de propostas forçosamente contraditórias e opostas que dividem a sociedade em torno de algumas questões cruciais e que são difíceis de serem resolvidas rapidamente num Parlamento, objeto de pressões corporativas e de lobbies setoriais; no Conselho esses interesses diversos também existem, mas terão de ser necessariamente harmonizados se o Conselho quiser apresentar resultados; (c) compatibilização dessas demandas com as possibilidades concretas da sociedade civil, já que o Conselho não se encontra ainda “cristalizado” como corpo dotado de existência independente, uma vez que emergiu da sociedade civil há muito pouco tempo.
            O Conselho de forma alguma representa a democracia direta, pois que não detém funções legislativas ou executivas; ele é sim, mais uma instância da democracia representativa.


> 2-Como montar no Brasil uma maioria no Congresso para fazer as reformas sem distribuir doces?
> 
            PRA: Introduzindo um novo estilo de fazer política: o de falar de modo sincero, claro, direto e objetivo com os parlamentares e mostrar a ncessidade de determinadas reformas sociais, políticas e econômicas e institucionais. O Brasil está preparado para esse tipo de prática e a mudança nas eleicões se deu precisamente em função disso.
> 3-O senhor fala que não existe o conceito de aliança alimentar, que o problema é de distribuição. Ocorre que exatamente isso virou primeira bandeira do Governo Lula .O foco do Governo está errado?
            PRA: Falei que não existe insegurança alimentar no Brasil, e de fato, examinando os dados da produção e a capacidade adaptativa da agricultura brasileira, chega-se exatamente a essa conclusão: o Brasil está totalmente capacitado para alimentar todos os brasileiros e exportar grandes volumes de alimentos. Podem existir pequenos bolsões de insuficiência alimentar em virtude da ocorrências episódicas de rupturas nas condições geoclimáticas (seca no interior do Nordeste, por exemplo), que colocam populações rurais recuadas ante o espectro da falta de alimentos, durante uma estação ou duas. São ocorrências que se combatem com assistência temporária. Mas, nem nas favelas das cidades existe insegurança alimentar, dado que o problema não é de abastecimento e sim de condições de aquisição do alimento, que se encontra disponível poucas quadras adiante.
O problema, portanto, é o de distribuição, o que se traduz, de fato, num problema de renda, que reverte a ser, por sua vez, um problema de emprego ou de “empregabilidade” da população brasileira. O Brasil, como já se disse várias vezes, não é um país pobre, mas um país com muitos pobres. Entendo que o governo deseje minorar o sofrimento dessas camadas pobres que podem enfrentar, sim, desnutrição endêmica (não por insegurança alimentar, repito, mas por ausência de renda) e a esse título o Programa Fome Zero é um catalizador importante de programas sociais, podendo mobilizar setores inteiros da máquina governamental e estimular energias para combater um problema real: o de que muitos brasileiros que não têm condições de se alimentar adequadamente por carências sociais absolutas. 
Como entendo, porém, que o problema é de renda, a melhor solução para a questão da fome no Brasil seria a criação de empregos, via crescimento econômico. Mas isso, obviamente, é muito mais difícil e lento do que o atendimento imediato de carências alimentares por insuficiência de renda.

> 4-O senhor defende o fim do salário mínimo. O que poria no lugar?
> 
            PRA: O salário mínimo é uma “invenção” relativamente recente na história econômica mundial e corresponde a uma tentativa de correção das desigualdades sociais e da “ super-exploração da mão-de-obra” que cumpriu o seu papel no itinerário das políticas públicas. Como toda invenção humana, sua introdução gera outras distorções sociais, como essa da rigidez no mercado de trabalho, funcionando de modo negativo para aqueles que não têm qualificações de qualquer tipo e que acabam sendo substituídos por outros processos produtivos poupadores de mão-de-obra. 
            Por que a livre negociação seria totalmente negativa do ponto de vista da oferta de empregos? Existem países onde não existe salário minímo, ou onde ele não é obrigatório. Em geral, os países com menores exigências legais em termos contratuais são também os menor índice de desemprego. Estou pensando, obviamente, na situação das camadas mais miseráveis da população, que são também os sem qualificação, que não conseguem se empregar nem pelo salário mínimo.

> 5-Sua reforma trabalhista mexe no artigo 7º da Constituição. Como fazer para mudar a lei?
            Esse dispositivo constitucional não é imune a reforma ou emenda, como já ocorreu com tantos outros (monopólios estatais, por exemplo). Pode-se até conservar o princípio do salário mínimo, mas ele não precisaria ser fixado em lei, ou ser nacionalmente unificado, num país com diferentes dotações produtivas como é o Brasil regionalmente diverso, e com tal variedade de índices de produtividade. 

> 6-Um presidente inovador, revolucionário deveria esforçar-se  para  reduzir a necessidade do estado de crédito para forçar os banqueiros a irem à planície lutar  em busca de clientes. Como fazer para deixar banqueiros ao relento?
> 
            PRA: Extremamente simples: o dia em que o Estado não precisar recorrer ao crédito público para prover operações correntes ou renovar empréstimos anteriores, ele terá deixado de concorrer com empresários e o público em geral pela demanda de dinheiro. Os banqueiros serão então obrigados a fazer aquilo que eles fazem em qualquer país normal: disputar clientes no mercado de crédito, deixando de ser “gigolôs” do Estado. Os juros irão baixar simultaneamente.

> 7-Não é injusto acabar agora com a Comunicação Social do Governo logo depois de um período de 8 anos no qual esse foi um dos pilares de sustenção da imagem do ex-presidente FHC?
            PRA: Minha posição contra a chamada “comunicação social” do governo é filosófica e independe do governo em vigor. Serei contra esse tipo de “propaganda institucional” também no próximo governo, qualquer que seja ele. Entendo que o governo deva disponibilizar informações e os meios de comunicação se encarregam de divulgá-la, na medida exata do interesse público. Se houver campanhas de interesse social ou alertas importantes a fazer à população, ele pode mobilizar redes de rádio e TV como já faz atualmente. Campanhas educativas devem ficar a cargo dos ministérios setoriais (saúde, educação, meio ambiente, etc).

> 8-É possível acabar com os direitos adquiridos na Previdência? Fazer por decreto?
            PRA: Não, não é possível fazer isso por decreto, na medida em que vários dispositivos foram constitucionalizados ou se encontram consagrados na legislação infra-constitucional. Não existe, porém, direitos adquiridos absolutos, que se coloquem contra os interesses da sociedade de modo eterno, tanto porque esses “direitos” foram ali colocados em algum momento, geralmente por esperteza ou mobilização de grupos de interesse restrito.
            Não há nenhum problema em regular direitos (ou expectativas) menores para os novos entrantes no sistema previdenciário. Quanto aos atuais e futuros beneficiários, pode-se fazer emendas constitucionais, inclusive uma prevendo a convocação temporária de um congresso dotado de poderes constituintes ou habilitado a fazer reformas constitucionais, de maneira a estabelecer novos patamares de direitos. 
            Nenhuma sociedade é imóvel e eu dou um exemplo: alguns anos atrás, a população suíça, por referendo, aprovou a elevação legal (de 62 a 65 anos, se bem me lembro) da idade mínima da aposentadoria, justamente para corrigir a defasagem entre receitas e despesas do sistema previdenciário.

> 9-O que foi exatamente o Consenso de Washington?
            PRA: Trata-se de uma mera codificação, ex post, de uma série de princípios banais de boa gestão econômica, que deveriam existir em qualquer circunstância no caso de políticas dotadas de bom senso: orçamentos equilibrados, câmbio flexível, concorrência, mercados abertos (mas regulados), respeito aos contratos, etc. Não existe nada de absolutamente demoníaco nessas regras de boa governança e elas são totalmente compatíveis com qualquer regime econômico funcionando em bases sadias.

> 10-O senhor acha que  a equipe de Palocci repete uma ditadura liberal-intervencionista?
> 
            PRA: Ditadura liberal-intervencionista existiu nos tempos da ditadura militar do Brasil. O Brasil não conhece esse tipo de situação há quase 20 anos e não creio que esteja perto de retornar a ela. 

> 11-O que é o neoliberalismo?
            PRA: O conceito tem muitas acepções, algumas absolutamente contraditórias com a realidade histórica ou o simples bom senso. Certas pessoas costumam chamar de neoliberais políticas ou medidas que são absolutamente intervencionistas, como o PROER, por exemplo, que foi feito para evitar uma crise do sistema bancário caso houvesse a quebra de uma ou duas casas do setor. Não poderia haver medida mais autoritariamente intervencionista do que essa: salvar um banco privado (ainda que submetendo-o a controle publico) para evitar a contaminação do setor. Neoliberal, por exemplo, foi o governo inglês, que deixou uma casa centenária como o Barings Bank quebrar, depois de operações arriscadas conduzidas em 1994-95 por um corretor fraudulento em Hong Kong, que deixaram o banco a descoberto em vários milhões de dólares. O governo inglês poderia ter intervido para salvar o banco, como o tinha feito cem anos antes, numa primeira crise do Barings (aliás provocada por um default da Argentina). Ele preferiu deixar o banco quebrar e este foi comprado por uma casa holandesa, o ABN Amro.
            Conceitualmente, o neoliberalismo constitui apenas a aplicação atual de velhas receitas liberais na área econômica. Poucos governos são liberais hoje em dia, e de toda forma o nosso governo, nos últimos cem anos, nunca foi liberal, em qualquer época e sob qualquer governo. Continuamos tão intervencionistas como desde os tempos da colônia. 


> 12-Um livro é sempre o resultado das inquietações do autor. Por que o senhor não publicou antes? O que o senhor acha da lei da mordaça, adotada no Itamaraty nos últimos anos do Governo?
> 
            PRA: O livro não foi publicado antes por falta de oportunidade ou porque ele simplesmente não existia. Se trata de uma coleção de artigos que fui escrevendo ao longo de 2002, todos, com uma única exceção, antes das eleições de outubro. Terminadas as eleições, constatando que eu tinha sido de certa forma premonitório, resolvi juntá-los num livro. Ele sai agora por conveniência ou possibilidades do editor.
            A chamada “lei da mordaça” na verdade sempre existiu no Itamaraty: por sermos funcionários públicos, lidando com informações sensíveis e posições do governo, é natural, de certa forma, que sejamos adstritos a certos controles absolutamente legítimos do ponto de vista do método e da substância: não podemos, por exemplo, discutir questões relativas à formulação ou execução da política externa sem autorização superior, o que eu acho absolutamente normal, assim como não podemos utilizar informações a que tenhamos tido acesso fora do âmbito estrito do trabalho diplomático. O que ocorreu recentemente foi a introdução de controles preventivos, substituindo de certa forma a responsabilidade individual (a posteriori) pela consulta preliminar, o que foi por alguns considerado como censura prévia. Pode ser também considerado um expediente destinado a estimular a criatividade mental e a aumentar a responsabilidade social dos diplomatas. Talvez tenha desvendado algumas vocações.

> 13-É possível hoje ser Governo sem ser keynesiano?
            PRA: Todos os governos são um pouco keynesianos, hoje em dia, no sentido em que a maior parte deles intervem no domínio econômico e utilizam mecanismos indutores da demanda agregada ou corretores de desequilíbrios temporários (medidas de estímulo, por exemplo, para preservar empregos e renda). Mas, o keynesianismo clássico foi testado e encontrou limites nas crises de estagflação dos anos 70 e início dos 80, dando lugar, precisamente, a políticas de tipo hayeckiano, mais próximas do mercado. Hayeck e Friedman, por exemplo, são liberais clássicos, opostos à maior parte dos instrumentos keynesianos que hoje são lugar corrente em qualquer ministério da economia. Existem graus variados de keynesianismo ou de liberalismo nas políticas econômicas dos países desenvolvidos, com governos mais intervencionistas (como o francês, por exemplo, que ainda preserva monopólios estatais em alguns serviços públicos) e menos intervencionistas, como os dos EUA e Grã-Bretanha, que privatizou a maior parte das empresas estatais nacionalizadas no imediato pós-Segunda Guerra.

> 14-O senhor acha que as idéias liberais foram contaminadas pelos cartórios existentes no país, criando aí uma vertente própria, um neoliberalismo de bananas, como sugere a capa do livro?
> 
            PRA: O Brasil sempre foi um país de cartórios, desde a dominação portuguesa e a instalação de um Estado bacharelesco que funciona exatamente ao contrário dos princípios liberais clássicos. Nas sociedades anglo-saxãs, por exemplo, a iniciativa particular pode se exercer em todos os setores de atividade econômica onde não exista uma proibição expressa da autoridade pública. Na tradição cartorialista portuguesa, ao contrário, qualquer atividade econômica só podia ser exercida se amparada num alvará régio, num decreto legal, numa autorização dada por alguma autoridade. Num caso, portanto, tudo o que não é proibido, é permitido, no outro, só o que é expressamente autorizado pode funcionar.
            Não me parece que o Brasil seja um neoliberalismo de bananas, não há nada escrito nesse sentido no livro, e não creio que a capa contenha qualquer alusão nesse sentido. Qualquer um pode fazer sua leitura interpretativa de uma capa “banal” (e não bananal), mas não me parece que ela seja indicativa de qualquer mensagem subliminar. Não conheço o artista e não fiz qualquer tipo de sugestão. Ele trabalhou de modo independente, e não creio que tenha lido o livro para oferecer a capa.

> 15-O senhor diz que a posição dos antialcalinos é uma questão de falta de (in)formação. Um dos principais críticos da Alca nos últimos anos foi o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães Neto, hoje secretário-geral do Itamaraty. É um homem mal-informado sobre o tema?
> 
            PRA: Meu texto sobre o tema remete diretamente a um “manifesto” (cuja fonte está referida nesse ensaio) de um grupo de pessoas manifestamente mal informadas sobre o que representa a Alca, o que não é absolutamente o caso do atual secretário-geral do Itamaraty, a quem prezo muito, com quem já trabalhei e aprendi a respeitar por suas posições econômicas em favor da integração subregional. Ele é extremamente bem informado sobre a Alca e tocou, em alguns de seus escritos, em todos os pontos relevantes para uma discussão bem informada por parte da sociedade. 
            O texto que é objeto de minhas críticas adota uma posição de tipo preventiva, que condena sem exame e sem debate, sem qualquer qualificação mais elaborada.

> 16-O senhor acha que da gestão Fernando Henrique Cardoso, para a qual o senhor trabalhou como diplomata?
            Sou diplomata de carreira desde o período final do regime militar no Brasil, a partir de 1977, e sou portanto um servidor do Estado, mais do que de governos, não tendo, incidentalmente, trabalhado em nenhum cargo de confiança para qualquer governo até o dia de hoje O que eu acho da gestão FHC encontra-se expresso em texto que publiquei no ano passado, infelizmente apenas em francês até agora: “Une histoire du Brésil: pour comprendre le Brésil contemporain” (Paris: Harmattan, 2002), mas estou preparando uma edição atualizada desse livro para publicá-lo no Brasil, provavelmente sob o título de “Uma introdução ao Brasil contemporâneo”. Se me permito um “julgamento” antecipado sobre a gestão FHC, creio que ela passará para a história do Brasil como um momento de transição, uma fase de intensa mudança institucional, um momento de recriação do Estado (não mais empreendedor, mas gestor) e dos instrumentos modernos de administração pública no Brasil, tão importante quanto o foi, historicamente, a criação do moderno estado empresarial (ou empreendedor) na era Vargas. Mas, isso não tem nada a ver com o meu papel de diplomata (que, repito, serviu ao Estado, não ao governo); trata-se apenas de uma avaliação de tipo sociológica. 

> 17- O que faz um iconoclasta na arte do Barão do Rio Branco?
> 
            PRA: As pessoas privadas e mesmo os funcionários públicos têm direito a ostentarem suas preferências filosóficas ou ideologias particulares, desde que isso não interfira na execução ou no desempenho das suas funções. A Casa de Rio Branco já abrigou, e ainda abriga, as mais diversas vocações: prosadores, poetas, artistas diversos, matemáticos, engenheiros e sociólogos, como este que escreveu o livro “A Grande Mudança”, cujo conteúdo expressa exatamente o que eu penso enquanto pessoa privada, não enquanto funcionário público. O próprio Barão foi um iconoclasta, pois que casou (com uma artista de espetáculos) à margem das convenções sociais da sua época e nunca hesitou em romper hábitos arraigados na velha diplomacia burocrática e quase estagnada que a República herdou da monarquia, produzindo uma das maiores revoluções institucionais que o Itamaraty já conheceu, revolucionando métodos de trabalho e a própria substância da diplomacia brasileira. Ser iconoclasta constitui por vezes uma qualidade para empreender mudanças que podem ser historicamente necessárias. 

Washington, 21 de fevereiro de 2003.


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            Compreendo inteiramente e respeito seu ponto de vista e forma de abordagem. Mas, veja, ate por uma questao de ser coerente, nao pretendo responder as suas perguntas na forma como voce as formulou, como seu estivesse querendo dar licoes a alguem, corrigir politicas praticas do atual govereno, opinar sobre medidas que vem sendo adotadas.
            Repito: meu livro se coloca no plano conceitual e se situa no mesmo estilo das grandes discussoes socraticas: interrogar a realidade, ver quais evidencias empiricas existem para determinadas politicas e depois seguir o caminho da logica e da racionalidade.
            Nao me cabe dizer a quem quer que seja como o Brasil deve ser governado: eu alias nao fui eleito para qualquer cargo e nao tenho portanto legitimidade intrinseca para comecar a julgar politicas e emitir opinioes. Estou apenas formulando posicoes de principio como convem a um cidadao bem informado.
            Se voce quiser, pode colocar que o livro se situa no amago dos problemas que vem sendo enfrentados pelo atual governo, mas ele nao se dirige a este governo, de fato, mas a governos em geral, pois como disse e repito, a quase totalidade dos textos foi escrita antes mesmo de serem conhecidos os resultados do primeiro turno.
            No mais, depois volto as suas questoes concretas, mas pretendo responder genericamente, como alertei antes e agora.

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Paulo R. de Almeida
pralmeida@mac.com   palmeida@unb.br


-----Original Message-----
From: Pablo Pereira - Editoria de Politica - DIARIO [mailto:PabloP@diariosp.com.br
Sent: Friday, February 21, 2003 13:55
To: 'Paulo Roberto de Almeida'
Subject: RES: livro/perguntas




Professor, obrigado pelo retorno.

Eu entendi perfeitamente o livro, professor. Mas a idéia do meu texto é apresentar o livro ao leitor do Diário de S.Paulo; não fazer uma crítica ou resenha da obra. Achei melhor provocar novos comentários do autor, que escreveu num outro momento (ainda de quadro eleitoral indefinido), ligando-o à conjuntura que, aliás, reproduz várias das projeções (?) encontradas no texto. Mas não pretendo fazer uma crítica da obra, repito, e sim mostrar o que pensa o autor à luz das novidades sobre temas abordados no livro. Cabe a cada leitor da obra fazer a própria reflexão. Por isso as questões foram colocadas assim: o autor e a conjuntura. 

Aguardo seu retorno.
Obrigado
Pablo





-----Mensagem original-----
De: Paulo Roberto de Almeida [mailto:pramre@earthlink.net] Enviada em: sexta-feira, 21 de fevereiro de 2003 15:06
Para: Pablo Pereira - Editoria de Politica - DIARIO
Cc: Paulo Roberto de Almeida
Assunto: Re: livro/perguntas


    Pablo,
    Agradeco suas perguntas e interesse pelo meu livro. Espero poder responder com um certo grau de detalhe assim que puder, mas provavelmente apenas na noite de hoje, pois me encontro trabalhando agora.
    Se ouso entretanto fazer desde ja um comentario seria o seguinte. Voce esta tentando fazer uma leitura orientada do meu trabalho, com perguntas topicas sobre questoes especificas e a tentativa de obter respostas concretas a problemas correntes da agenda governamental.
    Nao creio que essa seja a leitura correta de meu livro, que se dirige mais a questoes conceituais, quase filosoficas, de diretrizes gerais de politicas publicas, do que a problemas concretos da agenda governamental corrente.
    Se voce ler o meu livro atentamente, verá que, a despeito de eu discutir todos os grandes problemas de politicas publicas, ele nao se dirige a este ou aquele encarregado de tal ou qual setor da administracao. Nao ha uma unica expressao que se refira ao Lula ou ao PT e essas palavras sequer figuram em meu livro. A despeito de eu ter uma "carta ao proximo presidente", trata-se de uma discussao ampla da agenda nacional, feita num momento em que sequer se tinha ideia de quem poderia ser concretamente o presidente do Brasil (era uma fase que Ciro Gomes e Garotinho estavam em alta, se voce verificar a data em que foi redigido esse texto).
    Por isso, nao pretendo dar respostas direcionadas a essas questoes concretas que voce coloca, pois meu livro representa, como disse, um conjunto de reflexoes pessoais para um dialogo social, colocando principios, mais do que politicas.
    Ele nao se dirige a pessoas especificas ou a responsaveis governamentais. Ele se destina a questionar atitudes mentais e grandes opcoes de politicas publicas. Nao foi feito para duelar com ninguem e sim para estabelecer quais os principios e valores que me guiam pessoalmente em meu trabalho de reflexao sociologica.
    Volto ao contato.
-- 
Paulo Roberto de Almeida
pralmeida@mac.com  palmeida@unb.br

> From: Pablo Pereira - Editoria de Politica - DIARIO 
> <PabloP@diariosp.com.br>
> Date: Fri, 21 Feb 2003 14:22:45 -0300
> To: "'pralmeida@brasilemb.org'" <pralmeida@brasilemb.org>, "'palmeida@unb.br'"
> <palmeida@unb.br>
> Subject: livro/perguntas
> Professor Paulo Roberto de Almeida
Envio-lhe algumas perguntas com questões que acho relevantes para um  texto que preparo sobre seu livro A Grande Mudança. Poderia, por gentileza respondê-las de forma suscinta?
Pablo Pereira
Diário de S.Paulo
> 1-O senhor aconselha o novo presidente a se afastar da "elite  pensante" e promover reuniões abertas e seminários para determinar  prioridades nacionais. O Governo Lula criou o Conselho Nacional de  Desenvolvimento Econômico para trilhar este caminho, e foi atacado. 
> Estaria querendo substituir o Congresso, o que ele e o secretário 
> Tarso Genro negam, claro. O senhor acredita que o caminho mais curto 
> para solução das mazelas está na democracia direta, e não na 
> democracia representativa?
> 2-Como montar no Brasil uma maioria no Congresso para fazer as 
> reformas sem distribuir doces?
> 3-O senhor fala que não existe o conceito de aliança alimentar, que o 
> problema é de distribuição. Ocorre que exatamente isso virou primeira 
> bandeira do Governo Lula .O foco do Governo está errado?
> 4-O senhor defende o fim do salário mínimo. O que poria no lugar?
> 5-Sua reforma trabalhista mexe no artigo 7º da Constituição. Como 
> fazer para mudar a lei?
> 6-Um presidente inovador, revolucionário deveria esforçar-se  para 
> reduzir a necessidade do estado de crédito para forçar os banqueiros a 
> irem à planície lutar  em busca de clientes. Como fazer para deixar 
> banqueiros ao relento?
> 7-Não é injusto acabar agora com a Comunicação Social do Governo logo 
> depois de um período de 8 anos no qual esse foi um dos pilares de 
> sustenção da imagem do ex-presidente FHC?
> 8-É possível acabar com os direitos adquiridos na Previdência? Fazer 
> por decreto?
> 9-O que foi exatamente o Consenso de Washington?
> 10-O senhor acha que  a equipe de Palocci repete uma ditadura 
> liberal-intervencionista?
> 11-O que é o neoliberalismo?
> 12-Um livro é sempre o resultado das inquietações do autor. Por que o 
> senhor não publicou antes? O que o senhor acha da lei da mordaça, 
> adotada no Itamaraty nos últimos anos do Governo?
> 13-É possível hoje ser Governo sem ser keynesiano?
> 14-O senhor acha que as idéias liberais foram contaminadas pelos 
> cartórios existentes no país, criando aí uma vertente própria, um 
> neoliberalismo de bananas, como sugere a capa do livro?
> 15-O senhor diz que a posição dos antialcalinos é uma questão de falta 
> de (in)formação. Um dos principais críticos da Alca nos últimos anos 
> foi o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães Neto, hoje secretário-geral 
> do Itamaraty. É um homem mal-informado sobre o tema?
> 16-O senhor acha que da gestão Fernando Henrique Cardoso, para a qual 
> o senhor trabalhou como diplomata?
> 17- O que faz um iconoclasta na arte do Barão do Rio Branco?
> fim