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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

O presidente disse que o Brasil estava atraindo investimentos? Veja os números corretos - Ricardo Bergamini

 Se me perguntassem sobre o nível do debate econômico no país, eu diria que é uma razoável aproximação do Q.I. das amebas (Roberto Campos).

 

Prezados Senhores

 

De 1995 até 2002 (FHC) o Brasil gerou uma saída líquida (fuga) de US$ 22,2 bilhões; de 2003 até 2010 (Lula) o Brasil gerou uma entrada líquida (captação) de US$ 210,5 bilhões; de 2011 até 2018 (Dilma/Temer) o Brasil gerou uma entrada líquida (captação) de US$ 65,7 bilhões; de 2019 até agosto de 2020 (Bolsonaro) o Brasil gerou uma saída líquida (fuga) de US$ 59,9 bilhões. 

 

Movimentações Financeiras das Contas Externas do Brasil

 

Ricardo Bergamini

 

Posição de Câmbio Contratado – Fonte BCB

 

Base: US$ Bilhões

Ano

Exportações (+)

Importações (-)

Financeiro

Saldo

1995

53,1

41,5

4,2

15,8

1996

50,2

41,5

2,1

10,8

1997

55,9

58,6

-4,1

-6,8

1998

47,7

43,9

-18,3

-14,5

1999

41,6

32,9

-24,9

-16,2

2000

51,7

46,1

-0,9

4,7

2001

58,0

47,2

-13,8

-3,0

2002

60,1

39,7

-33,4

-13,0

Total

418,3

351,4

-89,1

-22,2

2003

73,2

44,8

-26,0

2,4

2004

93,5

56,8

-24,7

12,0

2005

123,0

71,2

-32,5

19.3

2006

144,4

86,8

-20,3

37,3

2007

184, 8

108,0

10,7

87,5

2008

188,0

140,1

- 48,9

- 1,0

2009

144,7

134,7

18,8

28,8

2010

176,6

178,4

26,0

24,2

Total

1.128,2

820,8

-96,9

210,5

2011

251,2

207,2

21,3

65,3

2012

224, 6

216,2

8,3

16,7

2013

232,9

221,8

- 23,4

- 12,3

2014

222,3

218,1

- 13,4

- 9,2

2015

181,7

156,1

- 16,0

9,6

2016

173,6

126,2

- 51,5

- 4,1

2017

195,6

142,6

- 52,4

0,6

2018

226,8

179,0

- 48,7

- 0,9

Total

1.708,7

1.467,2

-175,8

65,7

2019

196,4

178,9

- 62,2

- 44,7

Até ago/20

134,8

102,4

- 47,6

- 15,2

Total

331,2

281,3

-109,8

-59,9

 

 

De 1995 até 2002 (FHC) o Brasil gerou uma saída líquida (fuga) de US$ 22,2 bilhões; de 2003 até 2010 (Lula) o Brasil gerou uma entrada líquida (captação) de US$ 210,5 bilhões; de 2011 até 2018 (Dilma/Temer) o Brasil gerou uma entrada líquida (captação) de US$ 65,7 bilhões; de 2019 até agosto de 2020 (Bolsonaro) o Brasil gerou uma saída líquida (fuga) de US$ 59,9 bilhões. 

 

Os brasileiros terão que aprender, de uma vez por todas, que os discursos internos que empolgam os seus súditos (não são eleitores), não servem para o público externo, por isso o mundo está assustado com o Brasil. 

 

O discurso mentiroso de Bolsonaro na ONU, sobre os investimentos externos no Brasil, é considerar o resto do mundo como sendo um bando de babacas e otários, como são os brasileiros.

 

Cabe lembrar que essas informações macroeconômicas divulgadas pelo governo são destinadas ao público externo, não para o público interno, que não tem nenhum interesse no assunto.

 

Em 2019, sem pandemia, já havia ocorrido uma fuga de US$ 44,7 bilhões. 

 

Ricardo Bergamini

Um projeto para o Brasil - Conselho Federal de Engenharia do Brasil - CREAPE Pernambuco

Um projeto para o Brasil

 

Recebi, em 23/09/2020, de Leonardo Sampaio, esta exposição sintética de um projeto nacional de Desenvolvimento para o Brasil. Registro para reflexão e aprofundamento: merece observações e comentários.

Paulo Roberto de Almeida

 

Um projeto para o Brasil - rodada 3

Conselho Federal de Engenharia do Brasil

 

Dando continuidade à elaboração participativa e construção partilhada de um Projeto para o Brasil, como proposto pelo Conselho Técnico Permanente do CREAPE/Conselho Federal de Engenharia do Brasil, apresentamos o roteiro das discussões da rodada 3 no CTP.

A divulgação da proposta tem como objetivo suscitar críticas construtivas e promover amplo debate. Debate conducente à mobilização política extrapartidária da consciência nacional, com o mais amplo engajamento pessoal e institucional, facilitador da implementação do Projeto, como etapa executiva de processo de administração participativa e partilhada. 

 

Um Projeto para o Brasil!

CTP - Conselho Técnico Permanente

CREA – Pernambuco

Presidente – Eng. Evandro Alencar

Coordenador – Eng. João Recena

 

Os pilares de Um Projeto para o Brasil

• Soberania

o Do que é nosso, nos prepararemos para cuidar nós mesmos

• Democracia

o Decidimos nosso destino pelo voto popular, respeitando a Constituição

• Solidariedade

o Nosso compromisso de concidadãos é construir um país bom para todos

• Sustentabilidade

o Temos como meta a prosperidade e a preservação do meio ambiente

 

A Herança

 

• A Herança Colonial

o A colonização de exploração sobrepujando a colonização de povoamento

o A capitania hereditária seguida da monarquia presencial

 

• A Herança da Escravidão

o A estratificação social nos engenhos, fazendas e minas

o A persistência de duas categorias de cidadãos

 

• A Herança dos primeiros ciclos econômicos

o O extrativismo e a agricultura extensiva

o O retardo da industrialização e da consolidação do setor de serviços 

 

• A Herança do projeto econômico concentrador

o A concepção de um polo econômico conectado ao mundo avançado

o A concentração promovida pelo Estado

o O próprio Estado como concentrador de renda

 

O Momento de Disrupção

• Globalização financeira e liberalismo

• Revolução científica e tecnológica

o Industria 4.0

o Novos modelos de negócios

o Novas competências humanas

o Novos modelos de aprendizagem 

• Alterações geopolíticas

• Ameaças à democracia

 

As concepções de um Projeto

• O projeto concentrador está esgotado

o As pessoas, as regiões e os recursos têm que ser engajados

• A garantia da igualdade de oportunidades

o Capacitação para todos

• O respeito às gerações futuras

• A cultura como princípio básico de um Projeto

o Quem somos, e todos somos

o O sonho de uma civilização dos trópicos liderada pelo Brasil

• Um Estado de todos para todos

o O exemplo dos países escandinavos

 

O Estado de que precisamos

• O esgotamento do Estado empresário-desenvolvimentista

• A inviabilidade do Estado mínimo num país de tantas fragilidades

• O Estado eficaz

o A eficiência dos serviços públicos

o O bem-estar social 

o As emergências nacionais

• A política social em sinergia com o mercado

• A sustentabilidade fiscal

 

O mercado de que precisamos

• A importância social do crescimento econômico

• A falhas do mercado e as desigualdades têm que ser compensadas

• A necessidade das agências reguladoras

• O respeito à sustentabilidade

 

O Mercado e a Democracia

• A democracia como o menos imperfeito dos modelos políticos

• Há maior variedade de modelos políticos do que econômicos

• O enigma chinês: autoritarismo com mercado

• Aa ameaças atuais à democracia

• O impacto da percepção de corrupção

 

O melhor do Estado e do Mercado

• Estimular os investimentos públicos e privados

• Encontrar novas formas de financiar o investimento público

o PPPs e Concessões

o Fundos

o O Banco Central financiador

• Criar ambiente de negócios estimulador dos investimentos privados 

• Privatizar seletivamente, garantindo a soberania

• Promover as esperadas reformas

o Tributária

o Administrativa, excesso dos gastos com pessoal. 

• Oportunidade já:

o Inflação e juro nominal baixos

o Real desvalorizado

o Efeitos fiscais negativos da pandemia

 

O desafio da Liderança

 • Despolarização política

• Reforma do Estado

• Construção de um ambiente de confiança no país

• Retomada dos investimentos públicos e privados

• Promoção do país como exemplo de soberania, democracia, solidariedade, sustentabilidade e civilização humana

 

 

4 Pilares do Projeto para o Brasil :

Soberania, Democracia, Sustentabilidade, Solidariedade. 

 

Soberania pressupõe independência. 

Independência requer democracia. 

Não há democracia sem solidariedade.

 

Governo do povo, para o povo e pelo povo. Com reconhecimento participativo das distintas individualidades pessoais, comunitárias e locais, para exercício do usufruto dessas diferenciadas disponibilidades,  potencialidades, necessidades, anseios, demandas e competências. 

 

De forma sustentável para que os envolvimentos sejam cada vez maiores e geradores de progresso pela valorização das diferenças e partição mais igualitária dos seus frutos. 

 

Assim, só somos soberanos se aprendemos a cultuar nossos valores. Construídos a partir dos legados familiares e históricos comunitários locais, de desenvolvimento tecnológico no uso de ferramentas administrativas-sociais-econômicas.

 

Ferramental administrativo disponível para diagnósticos participativos de riquezas humanas, materiais e financeiras, disponibilidades,  potencialidades, capacidades de mobilização e comprometimento comunitários. 

 

Com a consequente transformação desses diagnósticos em planos, programas, projetos, objetivos, metas e ações, elaborados participativamente e comunitariamente acompanhados, fiscalizados, controlados, supervisionados, avaliados quanto a seus  produtos, efeitos e impactos. 

E, devidamente ajustados, para garantia do alcance e continuidade dos seus resultados. 

 

Sendo a necessidade mais básica para o deslanche do processo, tanto a curto como médio e longo prazos, a colocação da escola como centro do progresso comunitário local sustentável. 

 

E a efetivação do ensino-aprendizado por competências como preconizado pela legislação educacional brasileira, e atestado por todos os países que a tem posto em prática. 

Porém, não praticada em âmbito nacional por falta de interesse político-partidário na mobilização comunitária para superação das cada vez mais crescentes desigualdades de renda, emprego e educacionais.

 

Marginalização do povo brasileiro pela apropriação das riquezas nacionais por grupos apátridas, sistemas comunicacionais escamoteadores do reconhecimento do rico legado histórico do processo formativo e cultural das várias e diversas regiões. 

 

E, educação cada vez mais vassala de senhores praticantes de técnicas colonialistas aprisionadoras de mentes e corações, manietados por baixíssimos salários no ensino fundamental, desencorajadores de formação de professores competentes e capacitados para o exercício de ensino voltado para a prática de soberania, democracia participativa e sustentabilidade do progresso comunitário. Progresso comunitário que requer o engajamento das várias instâncias e instituições dos poderes legislativos, executivos e judiciários integrando-se e apoiando as escolas desde o nível local e mais elementar - matéria prima essencial para a promoção do progresso comunitário local sustentável. 

 

 

Roma não era romana, e sim mestiça, misturada, imigrantes - Robert Hughes, book excerpt

As vantagens da mestiçagem: reunir o máximo de talentos sem fazer esforço, aceitar imigrantes, todos os que desejarem se instalar para construir uma vida melhor para si e para os seus.

Paulo Roberto de Almeida

 Today's selection from Delancey Place -- from Rome by Robert Hughes. 

In the founding myth of Rome, the twins Romulus and Remus established the city on the banks of the Tiber River in roughly 750 BCE and invited the outcasts of society to be its first citizens:

"[The site for Rome on the banks of the river Tiber, which was established in myth by Romulus and Remus, at first had] no inhabitants. Romulus supposedly solved this problem by creating an asylum or a place of refuge on what became the Capitol, and inviting in the trash of primitive Latium: runaway slaves, exiles, murderers, criminals of all sorts. Legend makes it out to have been (to employ a more recent simile) a kind of Dodge City.

Romulus marking the limits of Rome

"This can hardly be gospel-true, but it does contain a kernel of symbolic truth. Rome and its culture were not 'pure.' They were never produced by a single ethnically homogeneous people. Over the years and then the centuries, much of Rome's population came from outside Italy -- this even included some of the later emperors, such as Hadrian, who was Spanish, and writers like Columella, Seneca, and Martial, also Spanish-born. Celts, Arabs, Jews, and Greeks, among others, were included under the wide umbrella of Romanitas. This was the inevitable result of an imperial system that constantly expanded and frequently accepted the peoples of conquered countries as Roman citizens. Not until the end of the first century B.C.E., with the reign of Augustus, do we begin to see signs of a distinctively 'Roman' art, an identifiably 'Roman' cultural ideal.

"But how Roman is Roman? Is a statue dug up not far from the Capitol, carved by a Greek artist who was a prisoner-of-war in Rome, depicting Hercules in the style of Phidias and done for a wealthy Roman patron who thought Greek art the ultimate in chic, a 'Roman' sculpture? Or is it Greek art in exile? Or what? Mestizaje es grandeza, 'mixture is greatness,' is a Spanish saying, but it could well have been Roman. It was never possible for the Romans, who expanded to exercise their sway over all Italy, to pretend to the lunacies of racial purity that came to infect the way Germans thought about themselves."

Rome: A Cultural, Visual, and Personal History
 
author: Robert Hughes 
title: Rome: A Cultural, Visual, and Personal History 
publisher: Vintage Books, a division of Random House, Inc. 
date: Copyright 2011 Robert Hughes 
page(s): 18 

Resumindo a situação: estaremos nessa situação por algum tempo - Paulo Roberto de Almeida

 Resumindo a situação: estaremos nessa situação por algum tempo

 

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)

[Objetivoreflexão sobre os impasses do momentofinalidadeesclarecimento]

 

 

Vou tentar resumir a situação:

1) O Brasil está sem rumo;

2) O governante não tem a menor ideia do que fazer ou para onde quer levar o Brasil;

3) Todos os que o assistem ainda não se entenderam sobre o que fazer: também estão sem rumo;

3) O principal responsável econômico só quer arrumar um pouco mais de $$ para tocar o barco enquanto alguma cabeça pensante seja capaz de oferecer um mínimo de liderança sobre o que fazer no geral; esperança inútil nesse governo;

4) A classe política quer escapar de suas responsabilidades e se possível da Justiça, por malversações repetidas e acumuladas, e não quer perder as mamatas de que goza;

5) O mandarinato estatal não quer perder nenhuma vantagem e, se possível, ainda ampliar um pouco mais as existentes;

6) Empresários e trabalhadores farejam que serão mais uma vez escalados para pagar a conta do descalabro estatal;

7) Não existe NENHUM RISCO de mudar, pois o governante só pensa na sua reeleição e sobre como escapar de acusações de malversações passadas e continuadas por toda a família, que sempre roubou o Estado, ou seja, todos nós;

Em conclusão: não há rumo, não existem responsáveis, não existe sequer consciência sobre quais são os problemas mais relevantes ou sobre como resolvê-los. O Brasil caminha para o NADA, ou melhor, para uma situação ainda pior do que a atual.

Quando não se tem liderança, ou quando a que existe é medíocre e ignorante, não dá para esperar outra coisa.

Meus cumprimentos aos donos do dinheiro no Brasil, pois são eles que poderiam decidir um outro futuro para o país.

Sim, estou falando de grandes capitalistas, banqueiros, líderes do agronegócio, grandes empresários industriais: como vocês são medíocres e só pensam em vocês mesmos, continuam apoiando políticos tradicionais que vão continuar conduzindo os lemingues para o precipício. 

Vão continuar assistindo à marcha para o abismo?

Estou pedindo um complô de capitalistas esclarecidos para tentar se substituir ao povo votante?

Talvez seja o caso: não vejo outra alternativa ao caos que se apresenta sob a forma do “mais do mesmo”. 

Classe dominante, segundo a visão marxista do mundo, deveria normalmente dominar. Se ela não se entende, outros aventureiros se apresentarão para se beneficiar da ingenuidade, da ignorância e da impotência dos eleitores.

Desculpem a crueza do argumento, mas é apenas o que tenho a oferecer no momento. Aos que acreditam na “reunião dos democratas”, na “pedagogia do voto”, eu apenas diria: vocês acreditam num país que NÃO EXISTE, tanto quanto aquele país a que se referiu o presidente no seu medíocre e inútil discurso na ONU.

Sorry por ser tão brutal e direto.

Apenas quis sintetizar a situação.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 24/09/2020

 

Addendum retificador: não existe classe dominante no Brasil: estamos numa situação de completa anomia social. Ou, se existe, ela não conta com indivíduos suficientemente esclarecidos e dotados de iniciativa e capacidade de liderança para fazerem um “Cahier des Charges” das classes dominantes; uma espécie de Assembleia Geral do Primeiro Estado. Mesmo que tivéssemos isso, eles diriam que não podem dar um golpe de Estado, ou fazer uma Bastilha da Burguesia para impor suas soluções ao resto do país, quando a solução sempre passa pelo sufrágio universal. Se for assim, a solução passa pelo reforço das instituições e pela educação política da população. Em outros termos, estamos nisso por duas ou três gerações mais, depois de afundarmos ainda mais. Sorry por continuar a ser pessimista.

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3761, 24 de setembro de 2020

 

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Carta aberta a meu bom aluno Nestor Forster, embaixador do Brasil em Washington - Paulo Roberto de Almeida

Caro ex-aluno, excelente diplomata, agora representante do Brasil junto ao imperador Trump, Nestor Forster,

Escrevo esta carta aberta para, em primeiro lugar, cumprimentá-lo pela conquista do posto diplomático que parecia ser, até pouco tempo atrás, o mais relevante das representações brasileiras no exterior, certamente ambicionado por muitos colegas e até por grandes personalidades de fora da carreira, atualmente, e infelizmente, transformado numa emblemática demonstração de submissão explícita, e vergonhosa, do nosso país a uma potência estrangeira.

Não, não o estou acusando de ser o instrumento involuntário de tal submissão vergonhosa: você é um excelente diplomata de carreira, que soube merecer todas as suas conquistas funcionais e que terá, ao sair algum dia do posto, o seu retrato na galeria dos ex-chefes de missão em Washington. Isso não apagará o fato objetivo de ter servido ao melhor de sua capacidade numa fase provavelmente a mais sombria e humilhante de toda a nossa história diplomática, quando fomos levados, por um presidente totalmente ignaro e despreparado em política internacional, e por um chanceler acidental especialmente inadequado para as funções, a um acúmulo de indignidades diplomáticas jamais visto nos quase duzentos anos de Estado independente.

Você foi um dos meus melhores alunos no curso do Instituto Rio Branco, quando eu era apenas um professor de Sociologia Política, mas que depois se revelou um excelente amigo e companheiro, inclusive nos anos também não convencionais de uma diplomacia ideológica, durante os quais eu atravessei um longo deserto de ostracismo funcional, por ousar expressar minha opinião sobre uma política externa que me parecia inadequada ao Brasil. 

Sucedendo-o num posto consular que funcionava de maneira excelente, graças justamente ao seu trabalho e dedicação exemplares, dei testemunho dessa época de nossa política externa não convencional num livro que escrevi naquele que foi meu último posto da carreira: “Nunca Antes na Diplomacia”. Recentemente, a editora que o publicou, solicitou-me preparar uma segunda edição, o que obstei de maneira muito clara, por considerar que o Nunca Antes era exatamente agora, a fase mais medíocre, a mais vergonhosa, a mais indigna de uma trajetória até há pouco julgada exemplar em nossa história diplomática.

Lamento por você, aluno exemplar, diplomata de altas qualidades, ter sido levado a servir num posto tão relevante, num momento tão baixo de nosso prestígio no exterior, justamente devido ao fato de seguir ordens de um presidente e de um chanceler tão medíocres, mas especialmente em razão de uma estúpida, prejudicial e irracional postura de submissão automática deste governo, do nosso país, ao pequeno déspota igualmente medíocre, ainda presidente, dessa grande nação. 

Lamento porque você não precisaria, e acho que não deveria, fazer parte de um enredo de absurdos, certamente em descompasso com tudo aquilo que abordávamos em minhas aulas de Sociologia Política no Rio Branco, quando falávamos de Tocqueville, de Max Weber, de Marx, e, mais adiante, em total contradição com o que discutíamos durante os anos da precedente diplomacia ideológica, mas que nem de perto tangenciou o espetáculo de despautérios diplomáticos a que estamos assistindo atualmente. 

Caro Nestor: quaisquer que sejam suas convicções políticas e suas crenças religiosas — e você sabe muito bem que eu sou um total irreligioso, mas que mantenho indistintamente diálogos à esquerda e à direita do espectro político —, acredito que, no fundo, você tem plena consciência de que está servindo a um dos piores oportunistas políticos de nossa história, um homem de credenciais comprometidas por um uso vergonhoso das oportunidades que lhe foram oferecidas por um sistema político altamente corrupto, um descrente que faz um uso asquerosamente utilitário de todas as crenças religiosas que se lhe apresentem, um indivíduo capaz de elogiar um torturador condenado pela Justiça e que espezinha indignamente os direitos humanos, que não demonstra qualquer solidariedade em relação aos milhares de mortos já acumulados na pandemia (muitos dos quais podem ter sido levados a óbito por sua atitude desprezível a esse respeito) e que, mais do que tudo, colocou a política externa do Brasil, a nossa diplomacia, a serviço, de forma vil, de um dirigente estrangeiro. Em outras épocas, como você também deve ter consciência disso, nossos militares classificariam tal rastejamento sabujo como de traição à pátria, um crime que em tempos de guerra poderia merecer a pena de morte.

Você também deve ter consciência de que serve a uma contrafação de chanceler que está destruindo não só os fundamentos de nossa diplomacia, como a própria dignidade das funções de representação externa, ao expedir instruções expressas de submissão a tal agenda servil, ao introduzir elementos exóticos, altamente lesivos (quando não ridículos) ao prestígio outrora amealhado pela diplomacia brasileira, como pode ser essa rejeição do multilateralismo, essa adesão idiota ao monstro metafísico de um absurdo antiglobalismo, coisas que só mentes desequilibradas e pervertidas pelas mais canhestras teorias conspiratórias poderiam conceber, enfim um oportunista que se construiu uma personalidade artificial apenas para se colocar a serviço de dirigentes ignaros e despreparados para as altas funções que exercem, para grande infelicidade da nação.

Tudo isso que eu escrevi acima é subjetivo e impressionista, eu sei, mas eu posso lhe fornecer abundantes provas fácticas, materiais, até testemunhais — algumas até de âmbito judicial ou policial — de tudo o que afirmei, pois eu sou um atento observador (e anotador) de tudo o que anda pelo mundo e pelo Brasil, e meus argumentos carregam certo caráter objetivo, a que me obriga a mesma lógica implacável, os registros históricos, os mesmos fundamentos empíricos com os quais eu me exercia nas aulas de Sociologia Política dos nossos saudosos tempos do Rio Branco, quando estávamos recém saindo de uma ditadura militar que me levou a sete longos anos de um autoexílio estudioso na Europa.

Você deve ter consciência de tudo isso, ainda que não possa evidentemente reconhecer, confessar abertamente os equívocos atuais de nossa política externa, a submissão vergonhosa de nossa diplomacia, geograficamente identificada com o exato posto que você ocupa, e se afastar da indignidade que estará fatalmente associada aos tempos sombrios que vivemos.

Mais adiante, alguns anos à frente, poderemos quem sabe retomar o contato e voltar a falar de coisas amenas — Tocqueville, Weber, talvez Marx — ou até tratar do futuro do Brasil, de sua política externa e da nossa diplomacia, que precisarão certamente ser reconstruídas e restauradas em sua qualidade e dignidade anteriores. Estou certo de que você deve ter, como eu, “uma certa ideia do Itamaraty”, que por acaso é o título de meu mais recente livro — livremente disponível em meu blog, que você conhece bem —, o terceiro de uma série que dedico a coisas diplomáticas. Outros virão, com certeza, pois, como você também deve saber, estou mais uma vez dedicado a essas lides da leitura, da observação atenta das coisas do mundo, da reflexão sobre as coisas do nosso país, e finalmente da escrita, sempre com esse espírito crítico que é a marca inexorável desse meu quilombo de resistência intelectual. Você sabe como me encontrar.

No momento, eu lhe desejo um excelente desempenho de suas altas funções e meus sinceros votos de felicidade numa carreira que deve se estender ainda vários anos além da minha. Quando eu era seu professor, estava recém voltando de um doutorado no exterior, modesto segundo secretário numa carreira que me deu muitos momentos de felicidade, justamente ao poder combinar academia e diplomacia, o que eu sempre valorizei, a despeito dos sacrifícios incorridos individualmente e na vida familiar, e de alguns poucos episódios de desgaste funcional ao pretender defender a liberdade de pensamento e de expressão numa corporação que é bem mais feudal do que weberiana (mas, você sabe tudo isso, eu sempre repeti esse meu estereótipo).

Sinta-se realizado na sua nova condição, preserve a independência de espírito, mantenha sua dignidade em momentos certamente difíceis que você viverá, e até algum futuro, mas incerto reencontro.

Do seu colega, ex-professor e amigo

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 23 de setembro de 2020