Micro história do PT: das intenções às promessas e às realizações
Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)
O PT veio ao mundo com as melhores intenções e as mais elogiáveis promessas: eliminar a pobreza, reduzir as desigualdades sociais e “resgatar a ética na política”, como prometia de modo retumbante, talvez já com algumas doses de hipocrisia.
Mas ele tinha os seus pecados originais: sindicalistas mafiosos no seu comando, secundados pelos “guerrilheiros reciclados” retornados do exílio um ano antes, destinados a servirem de quadros orgânicos de um projeto gramsciano de poder, e um imenso caudal de devotos seguidores da “teologia da libertação”, que atuaria como base eleitoral e como canais de disseminação das promessas salvacionistas dos novos true believers da política, os verdadeiros crentes na mensagem grandiosa dos novos emissários do bem. Os mais poderosos eram, obviamente, os mafiosos sindicais e os apparatchiks neobolchevique, que montaram uma máquina que faria inveja ao jovem Stalin, quando ele assaltava agências de correio e bancos do interior para financiar o PSODR.
Na montagem do partido e das suas estruturas de implantação social, regional e nacional, não faltaram “contribuições” dos cubanos, dos sindicatos simpáticos às promessas do sindicalismo alternativo – centrais francesas (CGT e CFDT), da Alemanha (DGB, metalúrgicos e entidades vinculadas ao SPD) e até americanas (AFL-CIO). Continuou o recolhimento do dízimo dos militantes e membros, o desvio de recursos das comunidades eclesiais de base, dos fundos legais do imposto sindical generosamente repassado pelo MTb e outras fontes de recursos, como poderiam ser os pequenos roubos e falcatruas em prefeituras do interior, daquele jeito meio artesanal dos primeiros tempos: transporte urbano, recolhimento de lixo, merenda escolar e todas as demais possibilidades dos modestos orçamentos que puderam controlar (uma capital aqui e ali, um estado eventualmente). Não esquecer alguma grana das FARC e também do Chávez, entre 1999 e 2002 (depois pagas in kind).
Quando o PT chegou ao poder, depois de mentir bastante sobre a “herança maldita” do “neoliberalismo tucano”, foi como se eles deixassem aquela vida difícil de navegantes do deserto para a grande sorte da loteria: a assunção do governo representou uma espécie de caverna de Ali Babá com seus tesouros infinitos, nunca antes vistos: além da vaca petrolífera, tinha todo o aparelhamento do Estado, que foi feito de forma imediata (e o dízimo aumentou para 30% para os que tinham cargos eleitos ou funções DAS), todas as estatais e contratos públicos que podiam ser ordenhados à vontade, a extorsão sobre grandes capitalistas e banqueiros, a fraude e o desvio sobre todos os desembolsos obrigatórios e novos saques em projetos feitos especificamente para roubar – como a Sete Brasil, novas estatais – e o uso de qualquer projeto de medidas governamentais para “doações voluntárias” (ou seja, perfeitamente “legais”) ao partido e a inevitável mochila do seu tesoureiro, passando expressamente e especialmente depois de cada novo negócio para recolher o cash dos dirigentes e a propina ilegal.
Além da montagem do roubo sistemático de todos os recursos públicos e privados que estivessem ao seu alcance, o PT cumpriu fielmente a “tese” do Engels da mudança da quantidade em qualidade – que está no medíocre Dialética da Natureza –, passando do “modo artesanal de produção da corrupção”, para uma etapa superior do capitalista petista, o “modo industrial de produção de corrupção”, elevando a um grau nunca antes visto na história da política nacional a barganha, a chantagem e as fraudes entre Executivo e Legislativo, e entre o primeiro e todas as agências públicas e provedores privados (não esquecer as ONGs e “entidades sociais”), todos mobilizados para o grande assalto ao Estado pagador. Uma nota especial deve ser dedicada aos megaprojetos internacionais, que permitiam escapar da moeda nacional e dos controles institucionais paras se lançarem no maravilhoso mundo dos paraísos fiscais, das contas secretas, dos laranjas em dólar e toda sorte de falcatruas que era possível combinar com sócios privilegiados (os bolivarianos continentais e os ditadores africanos, por exemplo), com capitalistas cooperativos e banqueiros complacentes (que tinham perfeito conhecimento e domínio dos canais paralelos aos circuitos oficiais) e toda sorte de oportunistas ocasionais, que sabiam onde estavam os bons negócios com refinarias decrépitas, poços de petróleo comprados e logo vendidos por meio de estatais das petroditaduras, e outras grandes possibilidades em dólares.
Houve, sim, a montagem de uma imensa máquina de extração, desvio e saques perpetrados contra os Estados (do Brasil e dos sócios), contra os privados (que também lucravam barbaramente) e sobretudo em todas as instâncias institucionais abertas ao engenho e arte dos “planejadores financeiros” do partido neobolchevique (teve um que confessou tudo e revelou que 9 de cada 10 medidas governamentais tinham embutida alguma forma de extração de recursos públicos ou privados).
Ao lado disso, teve a benesse da grande demanda chinesa por todas as commodities brasileiras de exportação – soja a 600 dólares a tonelada, minério de ferro a quase 200, e muitas outras –, o que representou um oceano de dólares pingando no laguinho do PT, que logo regurgitou de recursos abundantes, com os quais foi possível montar negócios legais ainda mais interessantes (um pouco como fizeram as máfias americanas em cassinos, no imobiliário, em companhias de transporte, e até respeitáveis escritórios de advocacia, pelos quais era possível contratar deputados, senadores e até chefes de polícia). O PT se transmutou de pequeno partido idealista em uma gigantesca corporação de “executivos” especializados em crimes econômicos e tributários, dos quais apenas uma pequena parte foi revelada por diversas operações de investigação policial ou de procuradores estaduais e federais, das quais o maior exemplo foi a Lava Jato, conduzida de forma improvisada e atabalhoada por novos “salvadores da pátria”, paladinos da Justiça, aparentemente impolutos. Esses esforços, por mais meritórios que tenham sido, soçobraram nos ataques combinados ou independentes de corruptos da direita e da esquerda, uma colusão de honoráveis barões da política oficial.
Pequenos acidentes de percurso são inevitáveis quando se começa a tratar com bandidos não profissionais, e quando a ambição por mais participação nos negócios abre os olhos de colaboradores eventuais, em nada ideológicos ou comprometidos com as “boas causas” do partido justiceiro e amigo dos pobres. Surgem as denúncias, e de repente uma bola de neve se forma para atrapalhar a delicada maquinaria da corrupção. Tem também o caso de dirigentes estúpidos que podem precipitar uma crise financeira, alta da inflação, descontrole das contas públicas, deslize no dólar e outras fatalidades dos negócios. Surgem então os contratempos e uma travessia do deserto, lambendo as muitas feridas causadas pela ambição extremada e a inexperiência nos métodos da cleptocracia de alto coturno.
Mas, não é preciso fazer autocrítica: o povinho miúdo sabe que todos os políticos roubam, que todos são corruptos, então é melhor um partido que se lembre pelo menos que ele existe e enfrenta qualquer dificuldade para prover o maná que representa muitas vezes a diferença entre a vida e a morte para os muitos miseráveis da nossa terra. Basta a boa palavra, a propaganda hábil em. disfarçar o roubo e o comprometimento com a justiça social, para trazer a redenção tão esperada da próxima vez. É isso o que muitos esperam, sobretudo os ratos esfaimados que perderam suas boquinhas no Estado.
Será esta a próxima etapa da jangada do Brasil? Voltaremos ao mesmo porto?
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 3991: 2 outubro 2021, 3 p.
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