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sábado, 11 de dezembro de 2021

A luta pelo Direito e pela Justiça não tem prazo (A OAB, a advocacia e os Jubilados em 2021) - Wagner Rocha D’Angelis

 A LUTA PELO DIREITO E PELA JUSTIÇA NÃO TEM PRAZO

[A OAB, a advocacia e os Jubilados em 2021]

 
Wagner Rocha D’Angelis [*]


RESUMO – O diploma de jubilamento, conferido aos advogados e advogadas que se dedicaram com galhardia, resiliência e longevidade ao exercício profissional e da cidadania, expressa uma meritória honraria para a classe e enaltece os homenageados. Em virtude de recente sessão de jubilamento da OABPR, na qual fui um dos diplomados, procuro neste texto sintetizar a importância ímpar da cerimônia e demonstrar a relação estreita entre o papel do advogado com o Estado Democrático de Direito, a advocacia dos direitos humanos, a solidariedade e a luta pela Justiça Social.

Palavras-chaves: Jubilamento advocatício; direitos humanos; estado democrático de direito; justiça social; lições de Alceu Amoroso Lima; homenagem a Wagner D’Angelis.

Sumário: 1. Introdução; 2. A OAB e a advocacia dos direitos humanos; 3. Os jubilados e o estado democrático de direito; 4. As lições de Alceu Amoroso Lima na luta pela justiça; 5. Conclusão – o exemplo do Dr. Alceu para os jubilados; 6. Referências.



1 - INTRODUÇÃO

Em solenidade festiva, realizada no seu grande auditório, na tarde do último dia 02 de dezembro de 2021, a OAB/Seccional do Paraná celebrou o jubilamento de 110 advogados e advogadas de Curitiba, que foram divididos em dois grupos por conta dos cuidados relativos à pandemia ainda vigente. Conduzida pelo ilustre ‘bâttonier’ da entidade paranaense, o advogado Cássio Lisandro Telles, a relevante iniciativa homenageou os profissionais jurídicos com trajetória ilibada e militância diuturna, que completaram 45 anos de atuação, ou, mesmo, que chegaram aos 70 anos de idade com 30 anos de inscrição na Seccional. Ver: Site da OABPR. In: https://www.oabpr.org.br/oab-parana-realiza-solenidade-de-jubilamento-para-advogados-de-curitiba/ (matéria publicada em 02/12/2021).

No evento vespertino, com início às 17 horas, além do atual presidente da seccional, se fizeram presentes na mesa dos trabalhos, o advogado José Lúcio Glomb, ex-presidente a OABPR, do Instituto dos Advogados do Paraná e também um dos jubilados, a secretária-geral adjunta Christhyanne Bortolotto, o diretor de Prerrogativas Alexandre Salomão, e, a coordenadora-geral da Escola Superior de Advocacia (ESA), Adriana D’Avila Oliveira.

 

Após exortar os agraciados – presentes nos plenários físico e também virtual - a terem orgulho de serem advogados (as), conscientes da grande missão social da classe, Telles enalteceu a importância daquela paradigmática sessão, que, costumeiramente, desde a edição do Provimento 111, de 12 de setembro de 2006, a OAB dedica aos integrantes registrados na Seccional, relembrando, ainda, que os operadores do direito “são defensores da justiça, da cidadania, da liberdade e do Estado Democrático de Direito”.


2 - A OAB E A ADVOCACIA DOS DIREITOS HUMANOS

 

Em seguida, já na segunda parte da festividade jubilatória, o presidente do colegiado paranaense pediu vênia para destacar que o evento estava sendo acompanhado, online, pelo advogado e professor universitário, com histórico de 45 anos de múnus público, Dr. Wagner Rocha D’Angelis, que na ocasião ainda se recuperava de uma complexa cirurgia (da coluna lombar), a quem reconheceu, na amplitude urbi et orbi, papel ativo e altivo enquanto dirigente de Ordem, principalmente louvando a lúcida, corajosa e intermitente atuação do Prof. D’Angelis na defesa peremptória dos direitos humanos, ao longo de quase meio século de inscrição profissional. Verhttps://www.youtube.com/ watch?v=7xT_3tOs27Q (Cerimônia de Jubilamento – Ativo Isento - 02/12/2021) - notadamente a partir de 2min50seg de execução. 

A partir desse momento, recordando que a comemoração toda estava sendo gravada, o presidente Telles fez questão de citar alguns dos relevantes papéis exercidos pelo advogado Wagner D’Angelis no âmbito da atividade diretiva institucional, enumerando várias de suas contribuições à seccional, desde quando ajudou a criar e  tornou-se membro titular da primeira Comissão Estadual de Direitos Humanos da OABPR, entre 1983 a 1985 (gestão Oto Sponholz), e assim de vários outros comitês subsequentes, além de secretário da mesma Comissão na gestão Alfredo de Assis Gonçalves Neto (1995-1997), presidente da Comissão Estadual de Direitos Humanos na gestão Edgard Luiz Cavalcanti de Albuquerque (1998-2000), Conselheiro Estadual (em dois mandatos), representante da OABPR na Comissão Especial de Indenização a Ex-Presos Políticos (Governo do Paraná / Decreto nº 3.485, de 20 de agosto de 1997 – até a 2003), representante da OABPR para investigação de violências cometidas contra agricultores, indígenas e expropriados por hidrelétricas, representante da OABPR na averiguação dos problemas enfrentadas por boias-frias e pequenos agricultores no Paraguai (caso “brasiguaios”), além de inúmeras palestras e debates para as quais foi designado por várias diretorias. 

Cabe noticiar, ainda, o que sequer foi preciso referenciar, porquanto uma honraria mais recente, que este jubilado compõe, já por três mandatos consecutivos (desde 2014), a Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero da OABPR (CEVIGE), a cujo respeito me permito abrir um parêntese para destacar o profícuo e coerente trabalho da CEVIGE, tida pelo autor como uma das mais dinâmicas e valiosas contribuições prestadas pela seccional à sociedade paranaense.

 

3 - OS JUBILADOS E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

 

Após concluir a parte laudatória de seu discurso em meu favor, o dr. Cássio Telles, lembrando que a seccional paranaense será pela primeira dirigida por uma mulher em toda a sua história (a advogada Marilena Indira Winter), fez questão de convidar uma advogada para também se pronunciar, cujo encargo recaiu na pessoa de Maria Lúcia Weinhardt, ex-presidente da subseção da Lapa, que relembrou das dificuldades instrumentais do exercício profissional nos anos 1970 até 1990, e, inclusive, enfatizou o pequeno número de mulheres que se formavam nos Cursos de Direito, algo que está sendo superado com o movimento de “feminização da advocacia” nas últimas décadas. Apesar da polêmica diferença notada no quesito mercado de trabalho e honorários advocatícios, o Conselho Federal noticiou, em abril deste ano (2021) que o número de advogadas passou a ser maior que o número de advogados no país [CF/OAB. Inhttps://www.conjur.com.br/2021-abr-27/numero-advogadas-supera -advogados-vez-brasil - matéria de 27/04/2021]. Além disso, o resultado final das eleições para diretorias e conselhos regionais neste ano de 2021 aponta, e isso é uma nova guinada positiva nesse quadro, que cinco das seccionais serão presididas por mulheres no triênio 2022-2024, a saber: São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Bahia e Mato Grosso.

 

Dando-se sequência ao ato público, a palavra foi passada ao ex-presidente José Lucio Glomb, que cumprimentou os homenageados em nome da OAB. Para o orador convidado, certamente “todos (os jubilados) estão orgulhosos da trajetória que construíram passo a passo. Os meus cumprimentos mais sinceros por terem essa dedicação e nunca terem deixado de ter fé no direito. Sigamos a nossa vocação”. Vale recordar que ao longo de seu mandato (triênio 2010-2012), o advogado Glomb encabeçou com outras lideranças a campanha “O Paraná que queremos”, de combate denodado contra a corrupção institucionalizada no âmbito da Assembleia Legislativa do Paraná, o que levou à criação da chamada Lei de Transparência (Lei 16.595/2021, depois complementada pelo Decreto Estadual 10.285/2014), texto originado da parceria entre a OAB/Paraná e a Associação Paranaense dos Juízes Federais (Apajufe). Por essa atuação, inclusive, a seção paranaense da OAB concedeu ao Dr. Glomb, em 11 de agosto de 2021, a Medalha Vieira Neto, a maior honraria local que se concede às personalidades que se destacam no exercício profissional. [Inhttps://www.gazetadopovo.com.br/parana/advogado-que-liderou-reacao-civica-ao-escandalo-dos-diarios-secretos-sera-homenageado/ - matéria publicada em  03/08/2021]

 

Voltando a fazer uso da palavra, o presidente Cássio Telles ainda ressaltou a importância dessa geração da advocacia que estava a receber o prêmio jubilatório. “Temos que reverenciar a memória, o trabalho, a luta de cada um. Todos vêm de muita dificuldade, vivíamos um Estado exceção, as liberdades eram patrulhadas e cerceadas. Foi a luta dos senhores e senhoras que fez voltarmos à democracia”, elogiou. “Todos nós que passamos por momentos difíceis em nome da preservação dessa memória temos de continuar sendo vigilantes”, advertiu o presidente da seccional.

 

Naturalmente, tais manifestações de elevado jaez, a nos deixar deveras envaidecidos, compelem-me a agradecer, sensibilizado, em meu nome e de tantos colegas jubilados, aos dirigentes da entidade representativa setorial, para o que escolhi por evocar as lições de vida e de atuação profissional do brilhante advogado cristão Alceu Amoroso Lima, seja por com ele me identificar, seja pela proximidade da sua data natalícia, 11 de dezembro, ele que nasceu no final do século XIX (1893). Como humanista, escritor, cientista político, educador, crítico literário, jornalista, pensador cristão, o dr. Alceu Amoroso Lima sobrevive no seu pseudônimo ou heterônimo de Tristão de Ataíde, uma das glórias da literatura nacional.

 

4 - AS LIÇÕES DE ALCEU AMOROSO LIMA NA LUTA PELA JUSTIÇA

Alceu, o lendário Tristão, sempre me serviu de imensa inspiração, notadamente em relação à advocacia dos direitos humanos. Paladino da causa da justiça e da democracia, Alceu esteve na trincheira da atividade jurídica, sem a banca convencional e sem peticionar no Foro, mas que se batia como poucos pela realização do direito e pela concretização da justiça, defensor com mandato tácito da sociedade civil nas questões das liberdades humanas básicas, que devem ser asseguradas por lei e que a esta se sobrepõem. A este respeito, ver: D’ANGELIS, Wagner Rocha. O advogado e os direitos humanos em Alceu Amoroso Lima. In: Jornal do Estado, Curitiba, 08 de outubro de 1993.

Tal qual Joaquim Nabuco, o advogado sem escritório que se bateu como poucos pela causa dos escravos, o dr. Alceu foi um advogado operante, sem cartão ou placa na porta é verdade, cujo escritório era sua vasta biblioteca, felizmente preservada, por obra e graça da prática do mecenato intrínseca às atividades do eterno reitor Cândido Antônio Mendes de Almeida, do Rio de Janeiro. Acerca do perfil e brilhantismo do prof. Mendes de Almeida, que ajudou a fundar e presidiu por longo tempo o Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade (CAALL), ver: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/candido-antonio-jose-francisco-mendes-de-almeida (acessado em 01/12/2021).

Como jurista, o pensamento do mestre Amoroso Lima tinha por base o direito natural. Em sua obra “Introdução ao Direito Moderno”, que contou com quatro edições, Alceu Amoroso Lima dedicou-se a uma ampla análise do direito como inerente a todo ser humano, inserido em sua própria natureza, e por isso mesmo transcendente à atuação legislativa do Estado.

Nesse livro, apresentado como tese para concurso de cátedra na Faculdade Nacional de Direito (UFRJ), o dr. Alceu procurou alçar o direito natural à categoria de instrumento fundamental para assegurar a paz, a concórdia e a liberdade entre os seres humanos. Em seu prefácio à 2ª edição da citada obra, ele escreveu magistralmente:


“A campanha em favor da Paz só será sincera e eficiente, como querem todos os homens e povos de boa-vontade, se for acompanhada de uma campanha em favor do direito. Não de um direito abstrato e unilateral, baseado no interesse de uma nação, de uma classe, de um partido, de uma raça, de um continente, mas nas exigências substanciais e perenes da Justiça universal. Dessa justiça que impede a exploração do homem pelo homem, dos povos fracos pelos povos fortes, das classes oprimidas pelas classes dominantes, dos esquecidos pelos privilegiados, dos pobres pelos ricos, e assim por diante”. [In: Introdução ao Direito Moderno, 2ª ed. Rio de Janeiro: Liv. Agir, 1961].

 

Com igual ênfase, ainda, Amoroso Lima condenou a desumanização do direito, a sua cristalização em textos de lei estanques, frios e impessoais, aplicados mecanicamente. Denunciando que o esvaziamento do direito começava nos cursos jurídicos, ele pregou a necessidade de se restituir ao direito a sua base moral e a sua aplicação social, como único meio de impedir o que denominou de “desumanização da humanidade”.

Enfim, o grande humanismo que o professor Alceu sempre encarnou, cuja advocacia, que se pode nominar de “extrajudicial”, esteve estreitamente compromissada com a fé cristã (a que se converteu em 1928), o fez erigir o direito como uma poderosa bandeira de transformação social e efetivação do desenvolvimento com justiça social, a serviço do ser humano todo e de cada pessoa em particular. Sua admoestação ecoa atualizada pelo século XXI adentro: “Não basta a liberdade para garantir a liberdade. É preciso a prática efetiva da Justiça”. [Ver: D’ANGELIS, Wagner Rocha. O advogado e os direitos humanos em Alceu Amoroso LimaIn: Jornal do Estado, Curitiba, 08 de outubro de 1993].

Vale registrar ainda que, no pós-1964, em um tempo de excessivos e surpreendentes silêncios, emergiu de Alceu Amoroso Lima, uma primeira e inalterada manifestação pela defesa de uma sociedade democrática e do compromisso ético do cristão para erigi-la. As suas colunas semanais, em jornais do Rio e de São Paulo, para o que adotou o pseudônimo de Tristão de Ataíde, tornaram-se a voz da consciência nacional, de resistência ao arbítrio do Estado, de defesa da liberdade e dos direitos humanos, na luta pela anistia e redemocratização do Brasil.

5 – CONCLUSÃO

[O EXEMPLO DO DR. ALCEU PARA OS JUBILADOS] 

Falecido em 14/08/1983, na cidade de Petrópolis, o dr. Alceu deixou-nos o legado profético da alegria conquistada a partir da fé, bem assim os exemplos sobejos da esperança otimista, da perseverança no bom combate, da opção pela humildade e simplicidade, e da crença na humanidade. Razões sobejas pelas quais escolhi trazer suas lições à colação, relembrando-as nessa belíssima cerimônia de Jubilamento verificada no âmbito da OAB/Seccional do Paraná. 

O mestre Alceu, o consagrado Tristão de Athayde, continuará vivendo, nas palavras do também inesquecível e talentoso jurisconsulto Heleno Fragoso, enquanto houver na mente e no coração do defensor ou patrono – e o somos todos/as os que foram reverenciados na citada solenidade jubilatória -, “amor e compreensão pelo ser humano em desgraça e também a sua dedicação a serviço dos outros”. Ver: FRAGOSO, Heleno Cláudio. Advocacia da Liberdade. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1984, p. 154.

E, ouso esperançosamente acrescentar à irretocável frase de Heleno, assim o será, na exata proporção em que muitos mais se somarem à construção de um novo tempo, onde haja liberdade qualitativa, igualdade de possibilidade, paz de consciência e vida digna para todos – sinônimos maiores dos direitos humanos.

 

REFERÊNCIAS

 

D’ANGELIS, Wagner Rocha. O advogado e os direitos humanos em Alceu Amoroso LimaIn: Jornal do Estado, Curitiba, 08 de outubro de 1993.

D’ANGELIS, Wagner Rocha. Heleno Cláudio Fragoso e os direitos humanos. In: Centro Heleno Fragoso pelos Direitos Humanos (opúsculo). 4ª ed. Curitiba: CHF, 1991.

FRAGOSO, Heleno Cláudio. Advocacia da Liberdade. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1984.

 

LIMA, Alceu Amoroso. Prefácio. Introdução ao Direito Moderno, 2ª ed. Rio de Janeiro: Liv. Agir, 1961.

MENDES, Cândido et al. Dr. Alceu e o laicato hoje no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira / CAALL, 1993.

Site da OABPR. Inhttps://www.oabpr.org.br/oab-parana-realiza-solenidade-de-jubilamento-para-advogados-de-curitiba/ (matéria publicada em 02/12/2021).

 

https://www.youtube.com/ watch?v=7xT_3tOs27Q (Cerimônia de Jubilamento – Ativo Isento - 02/12/2021)

 

https://www.conjur.com.br/2021-abr-27/numero-advogadas-supera-advogados-vez-brasil (matéria de 27/04/2021)

 

http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/candido-antonio-jose-francisco-mendes-de-almeida (acessado em 01/12/2021).

 

https://www.gazetadopovo.com.br/parana/advogado-que-liderou-reacao-civica-ao-escandalo-dos-diarios-secretos-sera-homenageado/ (matéria publicada em 03/08/2021)


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(*WAGNER ROCHA D’ANGELIS - Advogado, historiador e professor universitário. Especialista em Direito Internacional (USP). Pós-graduado em Direito – USP/UFPR (Mestrado e Doutorado). Presidente da Associação de Juristas pela Integração da América Latina (AJIAL) e Presidente do Centro Heleno Fragoso pelos Direitos Humanos (CHF). Membro do Instituto dos Advogados do Paraná (IAP). E-mailwagner.dangelis@yahoo.com.br.     



Explosão do número de brasileiros detidos na fronteira México-EUA - Bruno Lupion (DW)

Os migrantes ilegais do Brasil para os EUA são uma vergonha para o país, mas não do ponto de vista de quem tenta: eles estão em busca de uma vida melhor, o que tem sido praticamente impossível para alguns aqui no Brasil, tanto por retrocessos econômicos como pela corrupção e insegurança (que é o que motiva a classe média a sair do país, ou seja, não mais emigração de braços, mas de cérebros).

Vai demorar para consertar, infelizmente.

Paulo Roberto de Almeida

 

Por que a migração de brasileiros para os EUA explodiu

Bruno Lupion

Deutsche Welle, 10/12/2021

Sob pressão, México começa a exigir visto de brasileiros neste sábado. Em um ano, 56,7 mil foram detidos cruzando fronteira americana, um recorde. Decisão de partir envolve crise econômica, contatos e vontades pessoais.

https://www.dw.com/pt-br/por-que-a-migra%C3%A7%C3%A3o-de-brasileiros-para-os-eua-explodiu/a-60084542?maca=bra-GK_RSS_Chatbot_Brasil-31509-xml-media


A partir deste sábado (11/12), brasileiros que querem viajar ao México precisarão de visto – e isso não tem a ver com a relação entre os dois países. A nova exigência é fruto de pressão do governo dos Estados Unidos, que tenta reduzir a entrada de brasileiros sem documentos em busca de uma vida melhor em solo norte-americano.

A preocupação de autoridades dos EUA com a imigração de brasileiros é relativamente nova. Até 2018, a apreensão anual de brasileiros na fronteira sul dos Estados Unidos nunca representou mais de 1% do total de detidos. Houve uma mudança importante em 2019, quando 17,9 mil brasileiros foram apreendidos (2,1% do total).

Em 2020, ano do auge da pandemia, as apreensões caíram para 6,9 mil (1,7% do total). E neste ano bateram o recorde da série histórica com 56,9 mil brasileiros detidos (3,3% do total). Os dados referem-se ao ano fiscal, que começa em outubro do ano anterior e termina em setembro do ano corrente.

O fenômeno ocorrido neste ano tem explicações locais, como a crise econômica que força as pessoas a buscarem alternativas e a rede de brasileiros cada vez mais estruturada nos Estados Unidos que facilita a atração de novos migrantes.

Mas não se trata de algo somente brasileiro. Neste ano fiscal de 2021, os americanos aprenderam 1,7 milhões de migrantes indocumentados na sua fronteira sul, o maior número da série histórica e o dobro do recorde anterior. Isso tem a ver com a crise social decorrente da pandemia em diversos países, e à expectativa de que o governo Joe Biden teria políticas mais favoráveis aos migrantes, que não se confirmou.

A maior preocupação dos americanos continua sendo os migrantes da América Central. Neste ano fiscal, foram apreendidos na fronteira sul dos EUA 655 mil mexicanos, 319 mil hondurenhos e 283 mil guatemaltecos.

Crise econômica como estímulo

Um dos aspectos que provocam a migração para outros países é a situação econômica na origem. E, nessa área, o Brasil tem apresentado resultados desanimadores. O atual PIB (Produto Interno Bruto) per capita do país é o mesmo do que o de 12 anos atrás, ou seja, mais de uma década de estagnação. A inflação deve atingir 10% neste ano, que corrói o poder de compra, e o desemprego também está alto.

O padre Jairo Guidini, diretor executivo da Rede Internacional para Migrações (SIMN, na sigla em inglês), sediada em Nova York, é responsável por uma rede de casas e centros de acolhida a migrantes nos Estados Unidos e em outros países que atua inclusive nas três cidades americanas com grandes comunidades de brasileiros: Boston, Nova Jersey e Miami. Ele afirma à DW Brasil que a deterioração das condições de vida no Brasil é um fator determinante por trás da alta de migrações.

"Falta de emprego, inflação, aumento da miséria. As pessoas são obrigadas a tentar sair, e algumas tentam aqui uma oportunidade", diz, ressaltando que muitas são ludibriadas por propagandas enganosas de quem oferece o serviço de travessia. "Os coiotes dizem que elas vão arrumar emprego bom, que vão atravessar a fronteira tranquilamente, mas chegam aqui e se deparam com outra realidade, e muitas vezes têm que pedir ajuda a igrejas, parentes e amigos para poder pagar aluguel e comer", diz.

Ele relata que os coiotes cobram de 10 a 20 mil dólares pelo serviço (R$ 56 mil a R$ 112 mil). "Eles prometem que vão hospedar a pessoa em hotel, mas chegam aqui ficam amontoados em casas, dizem que vão usar um barco na travessia, mas na hora é uma canoa, e às vezes abandonam alguns na travessia", lembrando o caso da brasileira Lenilda dos Santos, técnica de enfermagem de 49 anos que morreu em setembro após ter sido deixada para trás no deserto.

Atração das redes brasileiras

A decisão de se mudar para outro país, porém, não se baseia somente na situação econômica. Pesam também os contatos pessoais que cada um possui e o desejo de tentar fazer a vida em outro lugar.

O demógrafo Dimitri Fazito, professor de sociologia da Universidade Federal de Minas Gerais e especialista em migrações, destaca que a rede de brasileiros hoje morando nos Estados Unidos que estimula e apoia a chegada de mais conterrâneos é muito maior do que nas décadas passadas. Essa rede incluiu familiares e parentes que já emigraram e podem ajudar financeiramente e o acesso a documentos falsos e ofertas de emprego.

"A questão econômica é um estopim. Mas não aconteceria esse volume de migrações se não tivesse já um sistema operando para isso", afirma. Ele diz que essa estrutura começou a ganhar corpo no final dos anos 90 e cresceu nas duas décadas seguintes, e hoje há brasileiros nos Estados Unidos que ganham dinheiro para facilitar a migração de pessoas indocumentadas.

Fazito cita também uma "cultura migratória estabelecida" em algumas regiões do país e o fator cultural de uma juventude "hoje muito mais disposta a esse deslocamento, sem aquelas famílias que te prendem". "E há uma nova geração que adquiriu mais capital humano nos últimos 10 a 15 anos e busca realização pessoal."

Mudança de política sob Bolsonaro

Se a crise econômica e as redes pessoais estimulam a migração, por outro lado a política externa do governo Jair Bolsonaro não ajuda os brasileiros indocumentados a receberem um melhor tratamento das autoridades americanas, afirma Alex Brum, especialista em migrações e pesquisador do Centro de Estudos Estadunidenses da Universidade Federal Fluminense.

Ele relata que, em 2006, após os trabalhos de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do Congresso sobre emigração que analisou a situação dos brasileiros vivendo no exterior e as vulnerabilidades a que estavam expostos, o Itamaraty passou a adotar uma "postura mais ativa" na defesa dessa comunidade. "A conclusão da CPI foi que nossos cidadãos estavam sendo tratados de maneira desrespeitosa e houve uma mudança na política, passou-se a aplicar reciprocidade", afirma.

No governo Bolsonaro, a política de reciprocidade deixou de ser aplicada e o Itamaraty, segundo Brum, "passou a se mostrar favorável à deportação e à repatriação" de brasileiros. Ele cita como exemplo a emissão de atestados de nacionalidade de brasileiros sem documentos no exterior, que começaram a ser emitidos pelo governo brasileiro a pedido das autoridades americanas.

"O brasileiro é preso nos Estados Unidos e as autoridades americanas querem deportá-lo. Mas precisa de um documento. E o Itamaraty tem colaborado com o governo americano nesse sentido. É algo sério, é como se fosse outra pessoa pedindo ao governo um documento que é seu", diz.

O aumento das apreensões de brasileiros também levou o governo americano a contratar voos fretados de repatriação. A política começou a ser implementada no governo Donald Trump, com um voo semanal. A gestão Biden tentou elevar para três voos semanais, e o governo brasileiro aceitou receber dois por semana. "Os brasileiros vêm algemados", diz Brum.

Decepção com Biden

O padre Guidini, da SIMN, relata que havia entre muitos migrantes que tentaram a sorte neste ano uma expectativa de que o governo Biden teria uma política mais benéfica nesse tema, mas isso não ocorreu. "Foi uma decepção, a política de estado continua fechando a fronteira e expulsando os migrantes. A política americana nos últimos anos é a mesma, mesmo que mude o governo e o novo presidente seja mais humano e racional", afirma. "A atuação da polícia de fronteira está muito exigente.".

Ele espera que, se houver alguma mudança no setor, será para os migrantes já estabelecidos há mais tempo nos EUA, e não para aqueles que estão atravessando a fronteira agora.

"A expectativa de que as políticas migratórias do Biden fossem mais brandas colaborou [para o aumento das migrações]", concorda Brum. "Mas o atual governo está mantendo bastante da política migratória do Trump."

A nova exigência do México de visto para os brasileiros não resolverá o problema da migração de pessoas indocumentadas, mas terá como consequência o aumento da vulnerabilidade dos que tentam se mudar para os Estados Unidos, segundo Guidini. "Não adianta colocar novas travas legais, a migração continua. Isso vai aumentar a irregularidade e a violência dos coiotes", diz.

Muros e cercas do mundo

Donald Trump quer um "grande e belo muro" entre os EUA e o México para frear a migração e o narcotráfico. Em outros lugares, barreiras de concreto e metal feitas para resolver problemas tiveram variados graus de êxito.

Foto: Getty Images/J. Moore

Muro americano cresce

Antes de Donald Trump, Bill Clinton já mandou construir cercas na fronteira. Após os atentados de setembro de 2001, George Bush acelerou a construção. Desde então, quase 1.100 quilômetros de fronteira receberam paredes de concreto, vigas de aço e outros tipos de obstruções. 

Foto: Getty Images/D. McNew

"Muro da separação"

Desde 2002, Israel está construindo uma barreira ao longo da Cisjordânia. O projeto, oficialmente justificado como proteção contra o terrorismo, é altamente controverso e muitas vezes chamado "muro da separação". Há mais de dez anos, a Corte Internacional de Justiça declarou que ele viola o direito internacional. Israel, no entanto, continua construindo o muro, que deverá ter 759 km de extensão.

Foto: A. Al-BazzErro! O nome de arquivo não foi especificado.Erro! O nome de arquivo não foi especificado.

"Linha de controle"

Um muro de controle militar de mais de 700 km na região da Caxemira divide a Índia e o Paquistão desde 1971. Em muitos lugares, esta "linha de controle" é reforçada por minas e arame farpado. A barreira de arame, que em alguns locais tem 3 metros de altura, também pode ser eletrificada. 

Foto: Getty Images/AFPErro! O nome de arquivo não foi especificado.Erro! O nome de arquivo não foi especificado.

Dividindo classes

Paredes divisórias também separam classes econômicas. Como em Lima, onde uma parede de concreto de 3 m de altura separa os moradores pobres de um bairro de ricos. Aliás, "condomínios fechados" são frequentes na América Latina. Os moradores da capital do Peru chamam a parede de "muro da vergonha". 

Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/S. CastanedaErro! O nome de arquivo não foi especificado.Erro! O nome de arquivo não foi especificado.

Sunitas e xiitas

Na capital do Iraque, um muro de 4 metros de altura e 5 km de extensão corta a cidade. Ele foi construído pelos militares dos EUA na região dominada pelos xiitas em 2007. Hoje, o muro separa quase 2 milhões de pessoas. Também em outros bairros de Bagdá, paredes de concreto separam enclaves sunitas de bairros xiitas.

Foto: Getty Images/W. KuzaieErro! O nome de arquivo não foi especificado.Erro! O nome de arquivo não foi especificado.

Um muro para a paz? 

O governo britânico construiu os chamados "muros da paz" na Irlanda do Norte em 1969 para separar católicos e protestantes. Portões permitiam a passagem para o outro lado. Em caso de conflitos, eles eram fechados. Alguns moradores dizem, no entanto, que as paredes acentuaram ainda mais a divisão na mente das pessoas. 

Foto: picture-alliance/dpa/M. SmiejekErro! O nome de arquivo não foi especificado.Erro! O nome de arquivo não foi especificado.

Entre o Norte e o Sul

Desde o final da Guerra da Coreia, nos anos 1950, uma zona desmilitarizada separa a Coreia do Norte, comunista, e a Coreia do Sul, capitalista. A faixa de cerca de 4 km de largura e 250 km de comprimento é uma das áreas restritas mais vigiadas do mundo. Em alguns pontos, muros marcam a fronteira entre as duas Coreias.

Foto: Getty Images/AFP/E. JonesErro! O nome de arquivo não foi especificado.Erro! O nome de arquivo não foi especificado.

Fortaleza Europa

Também a Europa está se isolando. Desde outubro de 2015, a Hungria está fechando sistematicamente sua fronteira para evitar refugiados. No início, a cerca ainda não era hermética. Hoje, no entanto, quase ninguém consegue mais passar para o outro lado. A Hungria também quer construir uma cerca ao longo da fronteira com a Sérvia. 

Foto: picture-alliance/dpa/S. UjvariErro! O nome de arquivo não foi especificado.Erro! O nome de arquivo não foi especificado.

Ceuta e Mellila

Nos enclaves espanhóis de Ceuta e Mellila, no Marrocos, há fortificações especialmente altas. Para superá-las, é preciso passar por até três cercas. Para complicar, há detectores de movimento, câmeras infravermelhas e um arame farpado que penetra fundo na pele. Mesmo assim, muitos se arriscam e acabam se ferindo. 

Turquia e Síria

Bruno Lupion Repórter

 

60 anos de "Pensando no Impensável" de Herman Khan, e do Hudson Institute, um dos melhores think tanks paranóicos dos EUA

O Hudson Institute é um dos mais antigos think tanks paranóicos dos EUA, e um dos de melhor qualidade, sem deixar de ser paranóicos. Mas os soviéticos também eram, o que diminui um pouco a culpa dos gringos. Lembro-me de quando Herman Khan veio ao Brasil, no início da ditadura militar, com seu sonho impossível de unir as três grandes bacias hidrográficas, ou pelo menos a platina e a amazônica por meio de grandes lagos no interior do Brasil. A ideia era tão maluco que acho que nem os militares mais americanófilos toparam sequer considerar a hipótese.

No seu livro O Ano 2000, feito em meados dos anos 1960, com dados econômicos do Brasil do início da década, ele previa o Brasil ainda muito pobre no ano 2000 justamente. Por causa do livro, Roberto Campos e Mario Henrique Simonsen escreveram dois livros, Brasil 2001 e depois Brasil 2002, prevendo um futuro brilhante para o Brasil. Todos eles erraram: o Brasil não ficou tão pobre quanto previa Herman Khan, mas tampouco chegou à prosperidade como aventavam Campos e Simonsen. Creio que com algum esforços dos petistas e do Bolsonaro estamos chegando novamente na pobreza. 

Acho que o Herman Khan ganhou pelo menos essa, não porque ele acertou, mas porque o Brasil errou muito mais do que deveria ou poderia.

O Hudson Institute tem como motos "Security. Freedom. Prosperity". Tudo muito bem, apesar de que eu inverteria a ordem dos fatores, mas ele representa um mundo à parte, válido apenas para os americanos, que veem o mundo segundo uma "geografia" muito simples, não a terra plana, mas uma terra feita de duas partes bem distintas: America and the ROW, Rest of the World. Os americanos estão tão entranhados num mundo que só é o deles, que se enganam quanto ao resto do mundo.

Eles são tão "bolcheviques" na defesa do capitalismo quanto o eram os verdadeiros bolcheviques na defesa do comunismo. No fundo, eles estão certos em defender o capitalismo, as liberdades, a economia de mercado, como sinais de prosperidade, mas o fazem com o fundamentalismo dos true believers na redenção dos pagãos, como foram (e ainda são) muitos "missionários" da verdadeira fé, querendo convertes os demais. Deveriam mostrar pelo exemplo, não pela imposição. Essa geografia simplória deles atrapalha um bocado na política externa e na diplomacia.

Espero que pelos próximos 60 anos, "humbled" pela China, eles mudem sua visão do mundo, pois já são três ou quatro gerações que se acreditam estar na vanguard do mundo e como "farol da democracia". Se não houver uma guerra, eles vão começar a repensar sua relação com o mundo, que começa por uma tomada de consciência de suas deficiências internas, a tal prosperidade que lhes faz ainda falta.

Paulo Roberto de Almeida

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Deter Russia by Arming NATO Allies

As Russian troops mass on the border with Ukraine, the U.S. must act urgently to protect states on the front line and restore deterrence in Europe, writes Hudson Senior Fellow William Schneider in The Wall Street Journal. The failure to stand firm against Russian aggression risks destroying the entire postwar security system in Europe.  Read

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The blurred line between peace and war exemplified by China's gray-zone military operations renders the Pentagon’s traditional planning constructs obsolete, write Hudson Senior Fellows Bryan Clark and Dan Pattin National Review. As the Pentagon completes its new defense strategy, it should ensure that the U.S. military looks beyond the Taiwan Strait to focus on reducing the Chinese military's operational confidence. Read


The Diminishing Path to Growth: Can Xi Jinping Avoid Crisis during China's Economic Transition?

Predictions that China’s integration into the global market would transform the country into a responsible stakeholder have foundered on the reality of Xi Jinping's increasingly mercantilist economic policies. Is the country headed towards financial catastrophe? Hudson Senior Fellow Thomas Duesterberg assesses the economic challenges faced by China in a new policy memo.  Read

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