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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

domingo, 3 de março de 2024

O dever fundamental de pagar impostos, de Casalta Nabais - Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy (Conjur)

Mais um Embargo Cultural de Arnaldo Godoy, chagando, se já não alcançou, seu 500o. embargo, sempre falando de livros e da cultura em geral.

 

O dever fundamental de pagar impostos, de Casalta Nabais

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

Conjur, 3/03/2024

https://www.conjur.com.br/2024-mar-03/o-dever-fundamental-de-pagar-impostos-de-casalta-nabais/

 

Já se vão alguns anos, eu estava no Recife, participando de um Congresso de Direito Tributário, então muito tradicional. Mary Elbe Queroz e Heleno Taveira Torres estavam à frente do evento. A palestra de Heleno foi memorável. No elevador, encontrei-me com um autor português, jurista convidado, que eu já admirava, que já havia lido, e cuja obra apreciava. Era José Casalta Nabais, professor em Coimbra. Não podia perder a oportunidade de ouvi-lo. Puxei conversa. Fiz referência ao sucesso que sua tese de doutoramento fazia entre nós. Muito espontaneamente, ele me respondeu que o título do livro era mal-entendido[1]. Fiquei intrigado.

O título, segundo Nabais, não se resumia em “O dever fundamental de pagar impostos”. Segundo o autor, o livro deveria ser recepcionado como “O dever fundamental de pagar impostos, de acordo com a lei”. Ele enfatizou a vírgula, pronunciando em voz alta o sinal de pontuação, gesticulando. Certamente, o dever de pagar impostos é um dever, fundamental, o que não significa que o Estado possa cobrar impostos como bem entenda. Há limites. E é justamente esse o tema central desse texto canônico da literatura jurídico-tributária de expressão portuguesa.

Trata-se de um livro escrito com profunda erudição, redigido como tese definitiva. Nabais enfrentava o tema da tributação sobre a ótica de “deveres fundamentais”. Essa opção metodológica representava uma virada de chave na literatura do direito público, então empolgada com “direitos fundamentais”. Só se falava de direitos. Não se falava de deveres. Nabais mudou a perspectiva.

Na parte I há capítulo que cuida de um efetivo regime dos deveres fundamentais. O autor tratava de um regime geral, de sua aparente inaplicabilidade direta, de seu significado normativo, bem como das relações entre os deveres fundamentais e o legislador, a par da revisão constitucional, em face dos deveres fundamentais, que é o núcleo conceitual do livro.

De fato, segundo Nabais, “o tratamento constitucional e dogmático dos deveres fundamentais tem sido descurado nas democracias contemporâneas”. O autor chamava a atenção para o fato (indiscutível) de que a agenda dos direitos fundamentais contava com uma sólida construção dogmática, o que não se podia afirmar em relação aos deveres fundamentais. Nabais rejeitava “os extremismos de um liberalismo que só reconhece direitos e esquece a reponsabilidade comunitária dos indivíduos”. O tema é de permanente atualidade.

Nabais discutia os fundamentos da tributação. O Direito Tributário é o ramo do Direito Público que se ocupa da arrecadação de recursos com os quais o Estado atende suas despesas. Trata-se de conjunto sistematizado de regras e princípios que orienta a atividade financeira do Estado, com fortes reflexos na organização da economia e da vida dos cidadãos.

John Marshall, juiz da Suprema Corte norte-americana, afirmou, em julgado célebre (de 1819) que o poder de tributar envolvia, necessariamente, o poder de destruir. Por outro lado, Oliver Wendell Holmes Jr., também juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos, afirmava (em 1927) que o pagamento de tributos o tornava feliz, porque era o preço que pagava pela vida civilizada. Não sei. Tenho dúvidas. Essa tensão, que opõe a organização da vida privada à necessidade de recursos, por parte do Estado, é um dos pontos centrais da discussão que Nabais apresentava.

O Direito Tributário tem como objeto central a construção conceitual das várias modalidades tributárias, bem como os arranjos institucionais que organizam as exigências fiscais. Radica no Direito Constitucional, de onde colhe seus princípios norteadores e suas linhas gerais. As normas de direito tributário são de natureza cogente. O Direito Tributário cuida da instituição, da arrecadação e da fiscalização das várias espécies tributárias. A justificação da tributação e a discussão acerca da justiça tributária é assunto para a Ciência das Finanças. Esses postulados são incontornáveis.

A tributação é assunto constante na história dos povos. Ainda que não se possa afirmar que houve um modelo tributário racionalmente organizado no passado, há evidências de que civilizações que nos antecederam se preocuparam seriamente com o problema da tributação.

Quais são os fundamentos da tributação nas sociedades contemporâneas? Em que extensão se revelam como obrigações (deveres) sem as quais não se podem fruir direitos? Nabais propõe que há uma categoria jurídico-constitucional própria para os deveres fundamentais, que integram, por uma razão muito mais do que óbvia, os direitos, também fundamentais. É que esses (direitos) não se realizam sem aqueles (deveres).

Para Nabais, deveres fundamentais também qualificam a soberania do Estado, que radica na dignidade da pessoa humana. Os deveres fundamentais submetem-se “ao princípio da tipicidade ou da lista constitucional”, revelando-se (na prática) na esfera de seus destinatários. Mencionados deveres fundamentais, prosseguia o Professor, contam com uma estrutura externa (que radica em várias relações jurídicas) e com uma estrutura interna (que é seu próprio conteúdo).

Os deveres fundamentais, continua Nabais em seu livro, são diretamente ligados à realização de valores que a comunidade escolheu, e que de alguma forma se encontram constitucionalizados. No caso de Portugal, os deveres fundamentais também se destinam a estrangeiros e a apátridas, premissa que também vale para a realidade empírica brasileira. Os deveres fundamentais afetam também as pessoas jurídicas, que Nabais nomina de pessoas coletivas.

O que chama a atenção é que Nabais vincula os deveres fundamentais aos direitos fundamentais, no sentido de que ambas as expressões qualificam o estatuto constitucional dos indivíduos. Intui-se, assim, que não há como se usufruir de direitos fundamentais sem que se tenha a necessária concretude para tal. Isto é, os direitos somente podem ser usufruídos se há financiamento.

Pode-se perceber, nessa linha, alguma semelhança com o pensamento de Stephen Holmes e Cass Sunstein, em livro que vincula a tributação ao exercício de direitos. O argumento central do livro “Os Custos dos Direitos- Por que a liberdade depende da tributação “consiste na afirmação de que direitos custam dinheiro; é que direitos não podem ser protegidos sem apoio e fundos públicos.

Holmes e Sunstein tratam dos custos enquanto custos orçamentários e de direitos como interesses que podem ser protegidos por indivíduos ou grupos mediante o uso de instrumentos governamentais. Direitos somente existiriam quando efetivamente passíveis de proteção. E a proteção se faz com recursos que o Estado obtém da sociedade. Para simplificar: tem-se na realidade uma justificativa para a tributação, que se reconheceria como legítima.

A lógica de Nabais aproxima-se da lógica dos autores norte-americanos acima citados, com a diferença de que o autor português se preocupa com os limites da extração fiscal, que devem ser fixados em lei. Vale dizer, se os direitos fundamentais contam com um delineamento constitucional objetivo, o outro lado da relação, os deveres fundamentais, de igual modo, escora-se com igual razão na lei. Não há como se fixar um dever fundamental de pagamento de impostos sem que se operacionalize essa obrigação dentro dos exatos limites da lei.

Há um dever fundamental de se pagar impostos, como condição de exercício de direitos fundamentais na vida social. Estes dependem daquele. O que os equipara – direitos e deveres – é a fixação normativa, de índole constitucional. O dever de pagar impostos é um dever fundamental, cujo exercício (mandatório) é limitado pela lei. É essa, na minha compreensão, o “lead” do livro de Casalta Nabais, um clássico, publicado pela Almedina.

[1] Dedico essa resenha, em forma de ensaio, aos colegas Paulo Caliendo, Luis Alberto Reichelt e Édison Porto, com quem participei na banca de mestrado de Edimilson Cardias Rosa, também grande colega, autor de belíssima tese sobre economia comportamental e recolhimento de tributos, ocasião em que a contribuição de Nabais foi realçada.

 

 

 

Livro: Métodos da Historiografia do Direito contemporânea: olhares cruzados entre a Bélgica e o Brasil - Georges Martin, Arno Dal Ri Júnior

Um compêndio excepcional para os estudiosos do Direito, uma obra única no seu gênero, pelo menos no Brasil, graças ao trabalho primoroso do grande scholar do Direito. prof. Arno Dal Ri, e do seu colega belga Georges Martin.



Sumário da obra: 




 




sábado, 2 de março de 2024

Embaixador Carlos Henrique Cardim visita sede da ABI-Bahia, para falar sobre Rui Barbosa (ABI-Bahia)

Embaixador Carlos Henrique Cardim visita sede da ABI

Biógrafo de Ruy Barbosa, o diplomata vai participar da pré-estreia do filme A Voz de Ruy, na próxima segunda (4)

Associação Baiana de Imprensa, 1 de março de 2024


https://abi-bahia.org.br/embaixador-carlos-henrique-cardim-visita-sede-da-abi/

 

Nos 101 anos da morte de Ruy Barbosa, a Associação Bahiana de Imprensa recebeu em sua sede, nesta sexta-feira (1º de março), o diplomata e professor Carlos Henrique Cardim, autor da biografia “A raiz das coisas – Rui Barbosa: o Brasil no mundo”. O embaixador é uma das personalidades presentes no filme A Voz de Ruy, cujo lançamento exclusivo para convidados acontece na próxima segunda-feira (4), no Cine Glauber Rocha, em Salvador.


Conduzido pelo jornalista Ernesto Marques, presidente da ABI, e pelo diretor de Cultura da instituição, Nelson Cadena, o tour no Edifício Ranulfo Oliveira foi acompanhado por outros diretores, como o 1º vice-presidente Luís Guilherme Pontes Tavares, a 2ª vice-presidente Suely Temporal, a 1ª secretária Amália Casal e o conselheiro consultivo Joaci Góes, que também ocupa a presidência do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB).

O professor Cardim recebeu do conselheiro do Tribunal de Contas do Estado da Bahia (TCE-BA), Inaldo Araújo, publicações produzidas pelo Tribunal no âmbito do centenário de morte de Ruy, no ano passado.

Ao lado da advogada Rosa Maria Brochado, sua esposa e companheira nas aventuras das últimas três décadas, o embaixador traçou um breve panorama da história da diplomacia brasileira, fez um esboço sobre o papel de Ruy Barbosa no quadro político do país, desde o início da República, que marcou a entrada do Brasil na política mundial e definiu seu lugar na Primeira Guerra Mundial, sua relação com o Barão do Rio Branco e outras histórias. “Ruy legou ao Brasil uma herança que interferiu diretamente nas relações internacionais até hoje”, pontuou o sociólogo.⁠

“A principal característica dele era a coragem. O Brasil tinha muita gente culta, de memória. Agora, coragem não é para qualquer um”, analisou Cardim.


Uma rica descrição da personalidade de Ruy – e sua importância – pode ser conferida nas páginas de A raiz das coisas, publicado originalmente em 2007 e que ganhou nova edição revisada e ampliada. A obra organiza o legado ruiano em matéria de relações internacionais, consolidando referências e produzindo um roteiro da documentação e bibliografia sobre o “Águia de Haia”. A publicação estará disponível já a partir da próxima semana, na Livraria Escariz do Shopping Barra (L2 Central).

“Cardim é um amigo que Ruy Barbosa nos deu. Eu havia ficado muito impressionado com o livro e para minha surpresa nos conhecemos na Fundação Casa de Rui. Ele prolongou sua estadia no Rio para conversarmos sobre a Casa da Palavra Ruy Barbosa, porque está muito entusiasmado com o projeto”, contou Ernesto Marques. O filme e a peleja pela reabertura do museu têm promovido bons encontros. Tem sido uma experiência enriquecedora.”

Carlos Cardim concluiu, em 1975, o curso de Sociologia e Política pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Tornou-se doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo em 1994. É professor da Universidade de Brasília, sendo fundador do Departamento de Relações Internacionais e Ciência Política, ex-presidente do Conselho Editorial da Editora da UnB (1978-1983).

Ingressou na carreira de diplomata após ter concluído o curso de preparação do Instituto Rio Branco em 1976. Ascendeu a Conselheiro em 1994. É embaixador (MRE) e vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB).


A Voz de Ruy

O filme A Voz de Ruy tem o patrocínio do Governo do Estado da Bahia, via Secretarias da Cultura e da Fazenda, através do Programa Estadual de Incentivo ao Patrocínio Cultural- Fazcultura e ACELENÉ uma produção da DPE Entretenimento e Giros Filmes, com apoio da Associação Bahiana de Imprensa (ABI), uma das instituições dedicadas a preservar a memória de Ruy no estado, por meio da Casa da Palavra Ruy Barbosa e seus acervos raros.

O evento de lançamento tem o apoio do Instituto Rui Barbosa-IRB, Caixa de Assistência dos Advogados da Bahia-CAAB, OAB/BA e Sebrae.

Com direção de Fernanda Miranda e Pedro Sprejer e direção geral de Belisário Franca, o longa exibe cenas históricas e bastidores da vida do baiano, na sua trajetória como jornalista, político, jurista, diplomata, na Bahia, no Rio de Janeiro e no exterior, através de depoimentos de especialistas na vida e obra de Ruy, ilustrados com imagens da Cinemateca Brasileira, Fundação Casa de Rui Barbosa, acervo do documentarista Isaac Rozemberg e fotos e documentos da Fundação Casa de Rui Barbosa, ABI, Biblioteca Nacional e Arquivo Nacional.

“A minha expectativa é de termos uma noite muito rica. Vamos reunir pessoas da política, da imprensa, do audiovisual, pessoas que têm apreço pela história e por memória”, destacou o presidente da ABI. “Para nós, é uma satisfação dar uma pequena contribuição para conhecermos mais o personagem e o que ele fez mais de cem anos atrás”, concluiu o dirigente.

 

Em 'Zona de Interesse', o Holocausto visto do quintal - Filme premiado - Jerônimo Teixeira Brazil Journal

 Em 'Zona de Interesse', o Holocausto visto do quintal

Jerônimo Teixeira

Brazil Journal, 24/02/2024

https://braziljournal.com/em-zona-de-interesse-o-holocausto-visto-do-quintal/

 

Rudolf e Hedwig Höss recebem amigos em casa. Em plano amplo, a cena mostra o anfitrião, de costas, em um casual terno branco, observando as crianças que brincam na piscina. Sua mulher está adiante, perto da estufa de plantas, com o filho bebê no colo. Logo acima do telhado da estufa, uma linha de fumaça branca começa a se formar, da direita para a esquerda. É mais um trem que chega, carregando prisioneiros para o campo de concentração de Auschwitz, na Polônia ocupada pelos nazistas – uma usina de extermínio que produziu mais de um milhão de mortos, a maior parte deles judeus. Rudolf Höss, oficial da SS, foi seu principal comandante. Produção inglesa com elenco alemão que ganhou o Grand Prix em Cannes no ano passado e concorre a cinco Oscars, inclusive o de melhor filme, Zona de Interesse (The Zone of Interest), em cartaz nos cinemas, apresenta o genocídio dos judeus sob um ângulo raro e desconcertante. O espectador jamais verá os passageiros do trem descerem à plataforma, onde passarão pela triagem que separa os aptos a trabalhar dos velhos, crianças e doentes que vão direto para a câmara de gás. Os internos do campo quase não aparecem em cena – uma exceção é o soturno jardineiro que traz cinza dos crematórios para adubar as flores da senhora Höss. O filme oferece apenas vislumbres do que acontece do outro lado do muro com arame farpado que se vê do quintal da família Höss, constituída pelo casal e seus cinco filhos. O horror do Holocausto, no entanto, se torna mais presente e opressivo porque o filme o apresenta da perspectiva dos algozes. E não há deleite sádico nem fervor fanático no comportamento deles, apenas indiferença e o mais completo embotamento moral. Vivida pela ótima Sandra Hüller – que concorre ao Oscar por outro filme, Anatomia de uma Queda – Hedwig Höss gosta das mordomias a que tem acesso por ser mulher do comandante do campo de concentração. Vemos, por exemplo, ela experimentar o casaco de pele espoliado de uma prisioneira – e ainda usar o batom que encontra no bolso. É uma cena sem diálogo, que extrai significados tenebrosos de um gesto trivial que tantas mulheres fazem em frente ao espelho. Hedwig tem especial orgulho da confortável casa da família, com horta, jardim, piscina, piano e empregadas polonesas. Do quintal, ouvem-se ordens berradas em alemão, gritos de dor, tiros, mas nada disso incomoda os moradores. Para eles, é ruído branco, como o barulho do tráfego para quem mora em uma rua movimentada. Christian Friedel também compõe seu personagem de forma excepcional. É um pai devotado que leva a prole para passeios pela floresta e lê a história de João e Maria para a filha que sofre de sonambulismo. Ao mesmo tempo, é um diligente funcionário da indústria da morte, que discute detalhes técnicos dos fornos crematórios com os fabricantes (o forno em que a bruxa de João e Maria é queimada viva ganha uma ressonância sinistra aqui). Promovido a um cargo de supervisão na Alemanha – para revolta de sua mulher, que bate o pé para continuar ocupando sua bucólica casa em Auschwitz – ele monta um plano para transferir os judeus da Hungria para os campos. Dirigido e roteirizado pelo inglês Jonathan Glazer, o filme é livremente baseado em A Zona de Influência, excelente romance do também inglês Martin Amis, que morreu no ano passado (o título não é explicado no filme: “zona de interesse” era a área restrita ao redor do campo de concentração). No livro, porém, o comandante de Auschwitz era um personagem fictício chamado Paul Doll, e sua mulher, Hannah, tinha um caso com outro oficial da SS. Glazer dispensou o adultério. Também cortou personagens importantes como Szmul, o triste judeu polonês que faz parte dos Sonderkommando, grupos de prisioneiros forçados a colaborar com seus carrascos em tarefas degradantes, como arrancar os dentes de ouro dos mortos (no filme, porém, o filho mais velho dos Höss tem uma latinha onde guarda dentes de ouro). Reduzido a seus elementos básicos e com personagens mais próximos às figuras históricas, Zona de Interesse é uma exposição contundente da natureza do nazismo. É um filme de andamento lento, em que na aparência pouca coisa acontece, mas que abala a ilusão confortadora de que os nazistas afinal eram aberrações, pontos fora da curva na história da humanidade. Fatalmente, o filme evoca a “banalidade do mal” de que Hannah Arendt falou em Eichmann em Jerusalém. A certa altura dessa obra, a filósofa alemã fala do estado de auto-engano em que os alemães viveram durante o nazismo. Em um dos grandes momentos de Zona de Interesse, o véu do auto-engano rompe-se para uma visitante na casa dos Höss, quando ela vê as chamas do crematório erguerem-se na noite escura. É uma das poucas personagens do filme que compartilha a perturbação com que saímos do cinema.

Leia mais em https://braziljournal.com/em-zona-de-interesse-o-holocausto-visto-do-quintal/ .

 


Lula quer todas as empresas - Carlos Alberto Sardenberg (O Globo)

Lula quer todas as empresas Carlos Alberto Sardenberg, O Globo (02/03/2024) O Estado regula a atividade econômica como um todo, não esta ou aquela empresa. Concede licenças, fiscaliza, cobra impostos Já aconteceu uma vez. Lula conseguiu derrubar um presidente da Vale, Roger Agnelli, porque ele cometera a ousadia de encomendar navios de grande porte na China. Isso foi em 2011, quando Dilma já estava no Planalto, mas Lula cultivava uma longa bronca com o executivo. Este tocava a Vale — imaginem! — como se fosse uma empresa privada. Como hoje, Lula queria uma companhia que se alinhasse com os planos do governo. Que comprasse insumos no mercado nacional, mesmo que fossem piores e mais caros, e que partisse para a produção de aço, o que desviaria recursos e energia do negócio principal, a mineração. Tem mais: o governo petista estava empenhado em mais uma tentativa de construir navios no Brasil e contava com a Vale como compradora fiel. E Agnelli adquiriu não um, mas três enormes navios em estaleiros chineses, de capacidade internacionalmente reconhecida. Se tivesse esperado pela indústria brasileira, a Vale estaria até hoje — desculpem — a ver navios. Na ocasião, Lula e Dilma apelaram para o então presidente do Bradesco, Lázaro Brandão, que indicara Agnelli. E assim caiu o executivo que, em dez anos, transformara a Vale numa multinacional, a segunda mineradora global, multiplicando o lucro por dez. A Vale estava privatizada desde 1997, mas, como se viu, ainda estava à mercê de ações oportunistas do governo de plantão. Por isso, em 2021, depois de um longo processo, os acionistas transformaram a Vale numa corporation — uma sociedade anônima genuína, sem blocos de controle. Para Lula, não mudou nada. Ele continua achando que a empresa precisa “estar de acordo com aquilo que é o pensamento de desenvolvimento do governo brasileiro”. Não apenas a Vale, mas todas as empresas brasileiras, disse o presidente. Trata-se de uma barbaridade. As empresas se relacionam com o Estado, não com os governos. O Estado regula a atividade econômica como um todo, não esta ou aquela empresa. Concede licenças, fiscaliza, cobra impostos e royalties. Governos têm planos partidários, que mudam a cada eleição. Lula queria que a Vale fabricasse aço. Imaginem que a empresa topasse a determinação e investisse pesado nesse negócio. Aí troca o governo, e este decide que o investimento prioritário não é fabricar aço, mas produzir baterias de carros. A empresa teria de se desfazer das usinas e começar tudo de novo. Dirão: então para que serve ser governo, se não manda nada? Manda. O governo pode estimular um setor, concedendo subsídios para a indústria automobilística, mas não pode dizer às montadoras que carros devem produzir. Mais: nem pode obrigar as empresas a tomar os subsídios. Lembram a velha história? Você pode levar o cavalo até a beira do lago, mas não consegue obrigá-lo a beber água. As ações da Vale estão em queda desde o início do ano. As últimas declarações de Lula prejudicam não apenas a Vale — levando dúvidas sobre sua gestão —, mas geram desconfiança geral. A economia brasileira foi bem no ano passado, mas não nos investimentos. Se o PIB cresceu 2,9%, o investimento caiu expressivos 3% em relação a 2022, que já não tinha sido um bom ano. O consumo é PIB de hoje. O investimento é de hoje e amanhã. Como o governo está com as contas exauridas, o país necessita de investimento privado. Para isso, o governo deve oferecer um bom ambiente de negócios, de modo que as empresas se sintam confortáveis para aplicar aqui. Lula passa o recado contrário. A maioria dos acionistas da Vale está no exterior. E todos têm perspectiva desfavorável quando o presidente intervém numa companhia privada e anuncia que todas as empresas aqui instaladas têm de rezar pela sua cartilha. Sem contar que, com sua habitual desinformação, Lula passou uma série de fake news sobre a Vale. Disse, só em exemplo, que a empresa mais vende ativos do que produz minério. Errado: em 2023, a Vale produziu 321 milhões de toneladas de minério de ferro, quase 10% acima de ano anterior. Vendeu ativo, mas comprou outros.  

Mas quem se importa com fatos? 


Confusa teoria anti-ocidental - Sergio Fausto (O Estado de São Paulo)

 Confusa teoria anti-ocidental

Sergio Fausto 

O Estado de São Paulo, 2 de março de 2024

Nos últimos anos, tornou-se moda atribuir ao Ocidente grande parte dos males que acometem o mundo. A moda tem adeptos sobretudo na esquerda, mas também na extrema direita nacionalista sob influência do Kremlin. Num caso e noutro, o ataque ao Ocidente parte de ângulos opostos, mas converge para um alvo comum.

Aqui me interessa o campo da esquerda. Mal ou bem, com muitas contradições, nele se situaram forças que, desde a Revolução Francesa, impulsionaram conquistas civilizatórias da humanidade. Nele está uma nova geração de ativistas, ainda em formação, com energia para levar adiante, atualizando, o legado de gerações anteriores. Por isso, preocupa ver que ela se encanta com uma confusa ideologia antiocidental, que bateu asas a partir de uma vertente respeitável das ciências humanas: o “decolonialismo”, termo incorporado no Brasil diretamente do inglês e do francês, sem o “s” que permitiria descolonizá-lo.

Para os adeptos do “decolonialismo”, o Ocidente não seria a revolução científica, o Iluminismo, as Revoluções Americana e Francesa, a democracia e os direitos humanos, e sim o colonialismo e a escravidão que, sob novas formas, continuariam a ser os fatores principais da opressão no mundo contemporâneo. Nessa visão binária, o salto científico e tecnológico produzido na Europa a partir dos séculos 16 e 17 é visto como mero instrumento para a expansão brutal do colonialismo. Já o Iluminismo, no século seguinte, é reduzido à condição de ideologia justificadora da opressão colonial, do trabalho escravo e do racismo.

Da Revolução Francesa, os “decolonialistas” destacam seletivamente o restabelecimento da escravidão nas colônias francesas, com Napoleão, em lugar da sua abolição em 1794. A Revolução Americana, mãe das guerras de independência e parteira da primeira República no Novo Mundo, é desvalorizada em seu conjunto pela nódoa da escravidão.

O erro dessa visão é supor que um processo histórico tão complexo e longo quanto a modernidade ocidental possa ser compreendido em bloco e submetido a um juízo moral condenatório com base na ideia de que a “parte boa” nada mais é do que uma ilusão a encobrir a “parte má”, esta sim reveladora da essência opressiva da modernidade ocidental. Trata-se de uma ideia avessa à compreensão das contradições que constituem a realidade social, no passado e no presente.

É verdade – e nisso o “decolonialismo” está coberto de razão – que a Europa se serviu da ciência e da tecnologia para conquistar territórios, submeter e frequentemente escravizar populações autóctones da África, América e Ásia e da distorção das ideias iluministas para justificar o empreendimento colonial, primeiro, a expansão imperialista, depois, e teorias absurdas e abjetas de superioridade racial. Não menos verdadeiro, porém, é que os avanços científicos e tecnológicos e os novos valores da liberdade e da igualdade produzidos no Velho Continente permitiram e impulsionaram conquistas civilizacionais que beneficiaram a humanidade em seu conjunto nos séculos seguintes. E continuam a beneficiá-la.

Os mesmos valores professados de modo seletivo e praticados de maneira excludente, ao início, motivaram e orientaram grande parte das lutas emancipatórias que progressivamente expandiram a esfera dos direitos fundamentais e ampliaram a sua aplicação no transcurso posterior da história. O fato de que a generalização dos valores liberais e democráticos ainda hoje seja parcial é mais uma razão para reafirmá-los, sobretudo num momento histórico em que as forças obscurantistas e reacionárias ganham terreno em todas as partes do planeta.

Sim, Thomas Jefferson foi um senhor de escravos. Mas o Preâmbulo da Declaração da Independência dos Estados Unidos, escrito por ele, abriu um horizonte para lutas emancipatórias que se desdobram até hoje, incluídas as dos grupos (negros e mulheres, em especial) cujos direitos eram então negados. A ideia de que os seres humanos, além de iguais e livres, têm o direito à busca da felicidade (pursuit of happiness) ativou uma revolução silenciosa duradoura contra formas explícitas e implícitas de dominação e cerceamento da subjetividade. Essa concepção dos seres humanos é própria do Iluminismo, impensável fora da sua tradição.

Transformando-se em ideologia, o “decolonialismo” substitui a perspectiva crítica pertinente pela fúria moral condenatória incapaz de separar o joio do trigo. Inadvertidamente, rejuvenesce velhas ideologias anti-imperialistas e autoritárias presentes na esquerda, ao entusiasmar uma nova geração de ativistas de muito valor, mas frágil formação.

O resultado é que parte significativa da esquerda silencia diante das atrocidades cometidas pelo Hamas, hesita em condenar a Rússia na sua guerra de agressão à Ucrânia, dá de ombros diante da diferença crucial, para o mundo, entre dois homens igualmente brancos, héteros e idosos que disputarão a presidência dos Estados Unidos, apoia qualquer iniciativa feita em nome do “Sul Global” e, no Brasil, não compreende que o País é, sim, parte do Ocidente, com as suas marcas próprias e singulares.

A la recherche du temps perdu - Paulo Roberto de Almeida

 O que nos espera? Perdemos o século XXI inteiro já no seu primeiro quarto, ao não conseguirmos resolver problemas básicos da sociedade. O déficit de produtividade ligado à educação requer três gerações para apresentar resultados. O mesmo se aplica à redução da corrupção no estamento político. Portanto, só esperem melhorias no próximo século.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 2/03/2024

sexta-feira, 1 de março de 2024

Editor do principal jornal independente russo é preso em Moscou

 Editor do principal jornal independente russo é preso em Moscou

 https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/ansa/2024/02/29/editor-do-principal-jornal-independente-russo-e-preso-em-moscou.htm?cmpid=copiaecola

MOSCOU, 29 FEV (ANSA) - O editor-chefe do renomado jornal independente russo Novaya Gazeta foi detido em Moscou nesta quinta-feira (29) após ter sido acusado de desacreditar as forças armadas da Rússia.

A informação foi confirmada pela própria publicação, que especifica que Serghei Sokolov foi levado por oficiais do Centro Russo de Combate ao Extremismo.

Ainda segundo o jornal, a acusação contra o editor russo está relacionada a um artigo publicado no Novaya Gazeta. Até o momento, não há informações sobre a data da audiência.

Sokolov foi oficialmente nomeado editor do Novaya Gazeta em setembro de 2023, após a demissão do vencedor do Prêmio Nobel da Paz, Dmitry Muratov, que foi considerado um "agente estrangeiro" pelas autoridades russas.

Na mesma ocasião, um tribunal de Moscou revogou a licença do jornal independente, que há anos critica o Kremlin, como parte da contínua repressão das autoridades à dissidência.

Na sequência, também foi aprovada uma legislação para proibir a depreciação dos militares russos ou a divulgação de "informações falsas" sobre as ações do país liderado por Vladimir Putin no território ucraniano. Com a medida, os jornais independentes russos foram banidos.

Cincurso para novo professor de História da América na UnB

A UnB seleciona um novo professor de História da América, cadeira na qual brilhou nosso amigo Francisco Doratioto. 



A ameaça do uso unilateral da arma nuclear agora é explícita: Putin o fez

Uma novidade na agenda internacional: violador da Carta da ONU promete escalar se sua violação for contida por países respeitadores do Direito Internacional, como é sua obrigação pelos artigos da Carta.

Desde o discurso de Putin ao povo russo, em 28/02/2024, a possibilidade do uso unilateral de arma atômica foi aberta de forma inédita na trajetória da humanidade.

Pela primeira vez na história um invasor de um país soberano ameaça os aliados do país invadido de catástrofe nuclear unilateral se forem em socorro da parte agredida. O invasor dotado de poderio nuclear deseja total impunidade para violar o Direito Internacional em sua agressão ao país desnuclearizado. 

O Brasil considera isso justo, razoável, legítimo? A diplomacia brasileira, que prega a abolição das armas nucleares, não pretende protestar contra esse absurdo?

O Itamaraty, que solta notas sobre quaisquer assuntos relevantes nas relações internacionais, pretende ficar completamente silente em face dessa declaração formal de uso possível, até provável, de arma atômica?

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 1/03/2024

quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Por que o Brasil não cresce? - Pedro Ferreira e Renato Fragelli (Valor)

As razões são óbvias, menos para os companheiros... 

Por que o Brasil não cresce?

Mesmo na melhor das últimas quatro décadas, o país cresceu muito pouco

Por Pedro Ferreira e Renato Fragelli 

Os principais canais de crescimento no Brasil, aumento da eficiência e investimento em capita humano, não têm entregado os resultados desejados. Mesmo investimentos em capital físico estão muito abaixo do necessário. As políticas que o governo tem anunciado não vão corrigir esses problemas. Ao contrário, podem agravá-los.

A transição de uma economia de baixa renda per capita (RPC) para uma de alta se dá por meio três canais principais. O primeiro é a transferência de fatores de produção existentes de setores tradicionais - agricultura de baixa produtividade, indústria artesanal, serviços básicos-em direção a setores mais modernos em que os fatores são empregados de forma mais produtiva. O segundo canal é a acumulação de mais fatores - capital humano via aumento da escolaridade, infraestrutura via investimento público, e capital físico via investimento privado. O terceiro canal é o aumento da produtividade total dos fatores (PTF) - isto é, a forma de interação dos fatores no processo produtivo - que reflete as regras do jogo econômico em vigor. É uma medida de eficiência econômica.

Um país que tenha já implantado plenamente esses três canais passará a ter como teto de crescimento o ritmo médio do progresso tecnológico mundial, que se confundirá internamente com o crescimento da PTF. O exemplo clássico é os EUA cuja RPC cresce, há décadas, em média 1,5% ao ano. Em anos de crise, a taxa pode ser até negativa, mas sempre retorna a esse padrão. No jargão dos economistas, diz-se que os EUA encontra-se sobre a fronteira de possibilidades de produção.

Em 1980, após o Brasil percorrer parcialmente os três canais descritos anteriormente, a RPC brasileira atingiu 29,5% da RPC americana. Mas entre 1981 e 2020, a taxa média de crescimento da RPC brasileira foi de apenas 0,9% ao ano. Como os EUA cresceram mais rápido do que o Brasil, em termos relativos a RPC brasileira caiu a apenas 23,3% da americana. Nesses 40 anos, a década de mais rápido crescimento foi a de 2000-2010, quando a RPC brasileira aumentou 2,5% ao ano.

A RPC relativa de Portugal, por exemplo, é igual a 55,2% da americana. Mesmo se o Brasil conseguisse manter permanentemente o crescimento de 2,5% ao ano, para que atingisse a mesma posição relativa aos EUA seriam precisos 88 anos! A conclusão é imediata: o Brasil cresceu muito pouco, mesmo na melhor das quatro últimas décadas.

As causas do baixo crescimento estão ligadas aos dois últimos canais listados acima. Na educação, houve aumento do número médio de anos de escolaridade, mas a qualidade do ensino pouco melhorou, conforme atestam os testes internacionais como o Pisa. O investimento em capital físico, que entre 1960 e 1980 situava em torno de 22% do PIB, hoje está na faixa de 17%. O investimento público, que no mesmo período manteve-se acima de 6% do PIB, atualmente encontra-se em torno de 2,5% apenas.

O baixo investimento decorre da percepção dos empresários de que investir não vale a pena, afinal o risco empresarial no país é elevado quando confrontado com o alto custo de capital. Além das incertezas inerentes a qualquer empreendimento implantado em outros países, aqui se enfrentam dificuldades adicionais inexistentes em países com melhores instituições. O sistema tributário caótico cria custos gerenciais enormes e favorece a corrupção. Uma legislação que estimula conflitos gera lentidão da Justiça. A criminalidade impune impõe custos com segurança. Más regulações e barreiras comerciais permitem a sobrevivência de firmas pouco produtivas e impede o crescimento das mais eficientes. Esses são apenas alguns exemplos que explicam por que a TFP brasileira é baixa.

Nesse ambiente hostil ao empreendedorismo, os empresários que prosperam não são os mais eficientes na produção, mas aqueles que melhor conseguem contornar as dificuldades que inexistem em outros países. São aqueles que, organizados em lobbies, vão a Brasília a fim de extorquir exceções às regras aplicáveis aos seus concorrentes, como visto recentemente na prorrogação da desoneração da folha salarial de setores bem articulados politicamente. Ou aqueles que compram facilidades vendidas por agentes públicos que as criam. Ou ainda aquelas empresas que, protegidas da concorrência e com acesso à fundos públicos subsidiados, não necessitam se modernizar para sobreviver. Vence quem segue a lei de Gerson.

Neste momento, a taxa de juro paga pelo Tesouro Nacional numa NTN-B de dez anos de prazo está em 5,6% ao ano acima da inflação. Poucos são os investimentos produtivos que, frente a um confronto objetivo entre retorno esperado e risco corrido, se revelam mais atraentes que o título público. Os juros são altos porque o governo precisa emitir muitos títulos a fim de financiar gastos muito elevados para o nível de RPC nacional.

Após a adoção do Teto de Gastos em 2016, a mesma taxa de juros chegou a apenas 3% ao ano acima da inflação, o que mostra que a percepção de equilíbrio fiscal sustentável derruba os juros de longo prazo. Nesse ambiente, conseguir um financiamento a juros subsidiados num banco público é uma estratégia mais eficaz do que esforçar-se para aumentar a eficiência produtiva.

O país não está estagnado à toa. Encarar a realidade resumida acima é o caminho. Alguns no governo já entenderam isso. Mas como o recentemente divulgado programa Nova Indústria Brasileira, o diagnóstico dominante é outro: mais proteção e mais subsídio. Consequentemente, menos eficiência e produtividade e crescimento no futuro.

Pedro Cavalcanti Ferreira é professor da EPGE-FGVe diretor da FGV Crescimento e Desenvolvimento.

Renato Fragelli Cardoso é professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças (EPGE-FGV).

 

O Sul Global que Lula quer liderar - Estadão, Paulo Roberto de Almeida

O Estadão dedica uma matéria, nesta quinta 29/02, ao diáfano Sul Global:
"O Sul Global que Lula quer liderar.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva defende com frequência o protagonismo do "Sul Global". Mas, afinal, o que é esse 'eixo' composto por países pobres e emergentes? Analistas ouvidos pelo Estadão apontam imprecisões e contradições nessa tentativa de dividir o mundo que tem ganhado tração no contexto de uma nova Guerra Fria. Entenda aqui o que está em jogo."
Minha opinião está aqui:

1509. “Se eu quiser falar com o tal de Sul Global, telefono para quem?”, Brasília, 27 abril 2023, 3 p. Publicado na revista Crusoé (edição 265, 25/05/2023; link: https://crusoe.uol.com.br/secao/paulo-roberto-de-almeida/se-eu-quiser-falar-com-o-sul-global-telefono-para-quem/); divulgado no blog Diplomatizzando (25/10/2023; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2023/10/e-como-anda-o-tal-de-sul-global-muito.html . Relação de Originais n. 4375. 


Se eu quiser falar com o tal de Sul Global, telefono para quem? 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Artigo para a revista Crusoé

  

Como encontrar interlocutores válidos, na pletora de Estados e blocos regionais?

Meio século atrás, quando Mister K – Henry Kissinger, o grande nome da diplomacia americana e mundial – pontificava em diferentes cenários problemáticos – Vietnã, China, Oriente Médio, Chile, por bons e maus motivos –, e quando a Europa enfrentava uma longa fase de “euroesclerose” – aproximadamente desde a quebra do sistema de Bretton Woods, em 1971, e o projeto do “mercado unificado” em 1986 –, havia uma preocupação entre as grandes potências ocidentais (já organizadas no G7), sobre como efetuar a coordenação entre elas para assuntos não exclusivamente econômicos, geralmente tratando de guerras ou ameaças de conflitos envolvendo uma ou outra das grandes potências. Tendo de exercer o que foi chamado de “shuttle diplomacy”, ou seja, de viagens rápidas, conectando duas ou mais capitais, para extinguir alguma fogueira preocupante, Kissinger não sabia como mobilizar os principais líderes europeus para associá-los a uma ou outra de suas missões “pacificadoras” (ou guerreiras, segundo os casos). Indagado por que empreendia sozinho todas aquelas missões desafiadoras para qualquer diplomata experiente, ele costumava dizer: “Se eu quiser falar com a Europa, eu telefono para quem?”

De fato, a Europa ocidental – tanto a então Comunidade Europeia, quanto outros países membros da Otan – não possuía um representante definido para negociações diplomáticas complexas, pois as instâncias comunitárias ainda não tinham evoluído no plano institucional para designar os equivalentes dos “presidentes”, “porta-vozes” ou “chanceleres” dos Estados nacionais. Ela fez progressos, desde então, e já consegue falar de uma voz única (ou quase), como no caso da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia. Hoje, o Secretário de Estado, ou qualquer outro chanceler “externo”, sabe a quem telefonar quando quiser falar com a Europa, ou com qualquer outra potência ou Estado membro da ONU.

 

Saindo dos campos verdejantes do “centro” para as selvas e desertos da “periferia”

Essa mesma preocupação da velha raposa metternichiana que era o Kissinger dos anos 1970, se manifesta atualmente quando alguém (geralmente um acadêmico, ou político) fala desse tal de “Sul Global”. Essa entidade diáfana e praticamente fantasmagórica existe, apenas que não tem personalidade ou representante definidos. O chamado Sul Global, no entanto, não é novo, aliás, é eterno, existindo em todas as épocas, geralmente no hemisfério sul, como fica geograficamente evidente pela própria designação. Essa configuração bonita e pretensiosa – quando se fala de um “Sul Global” dá a impressão de algo grandioso e muito relevante – já existiu sob a forma de colônias europeias, depois de “países subdesenvolvidos” ou, numa reencarnação mais simpática, “em desenvolvimento”, alguns deles ascendendo como “economias emergentes” (os tigres asiáticos, por exemplo), ou, os mais infelizes, sendo rebaixados à categoria de “menos desenvolvidos” (isto é, os “super pobres”), com muito poucas variações no que se refere à divisão entre todos eles e os “países desenvolvidos”, antigas metrópoles coloniais ou “potências hegemônicas”, isto é, imperialistas, por definição.

Nada disso é novo na história da humanidade, pois a divisão entre centro e periferia é básica na evolução histórica das sociedades mais ou menos organizadas sob a forma de Estados soberanos e as comunidades humanas sujeitas a um tipo qualquer de dominação. Quando o sistema internacional de cooperação entre Estados soberanos se consolidou no pós-Segunda Guerra, a ONU mantinha uma divisão quadripartite: os países desenvolvidos, os em desenvolvimento, os socialistas e a China, sempre um “grupo à parte”. A segunda categoria, sempre reclamando algum tratamento de favor – ou preferencial e mais favorável, no linguajar do Gatt e de outros organismos da ONU, se mobilizou nos anos 1950 e 60 para a reforma do tratamento igualitário concedido a todos eles em Bretton Woods: em 1944, não se fazia nenhuma distinção entre todos eles (e de socialista só havia a União Soviética, que participou da conferência que criou o FMI e o Banco Mundial, mas não aderiu a essas entidades do “capitalismo). 

As demandas para a reforma do Gatt e do sistema de cooperação ao desenvolvimento focavam na recusa do tratamento igualitário e da reciprocidade estrita, em favor de um tratamento diferencial para os “subdesenvolvidos” ou “em desenvolvimento”, que passaram a ser agrupados no Grupo dos 77, com a criação da Unctad (a conferência das Nações Unidas para comércio e desenvolvimento). Minhas passagens por diversas entidades multilaterais foram marcadas por intensas discussões no interior do G77 (e dentro dele, o Grulac, o subgrupo latino-americano) e “contra” o Grupo B, dos “desenvolvidos” (e dentro dele os europeus da antiga CEE, que demoravam horas para se concertarem entre si, e depois buscarem uma postura unificada com o resto dos “ricos”). As discussões entre os países pobres e emergentes não eram menos acaloradas e demoradas, mas como era preciso contemplar os “interesses nacionais” de todos os membros do G77 (que ascendeu a mais de 120 integrantes), a postura negociadora adotada era, ordinariamente, a mais radical possível, ou a mais confusa, o que frequentemente também ocorria entre americanos, europeus e japoneses. Não foram poucas noites atravessadas em discussões intermináveis em torno de um conceito ou de colchetes ([conceito]) que inundavam alguma resolução, texto de tratado ou declaração (na maior parte das vezes inúteis, pois que poucos cumpriam depois). Certos drafts (rascunhos) de resoluções continham mais brackets (colchetes) do que ideias interessantes. Mas assim era, e é, o mundo da ONU.

Pois bem, o Sul Global é exatamente isso: uma massa de 130 ou 140 países em desenvolvimento – os socialistas desapareceram pelo caminho, e a China permaneceu sendo a China, o “grupo do eu sozinho” –, que pediam “tratamento diferencial e mais favorável”, depois uma “Nova Ordem Econômica Internacional” (NOEI), mais adiante novas preferências comerciais e acordos favoráveis às “políticas nacionais de desenvolvimento” (a palavra chave em todos os convescotes multilaterais), mais “transferência de tecnologia” (de graça, claro), um maior volume de “empréstimos concessionais” e o reforço da “cooperação ao desenvolvimento”. Alguns países (poucos) pularam a barreira do subdesenvolvimento, ascendendo do G77 para os desenvolvidos (os tigres asiáticos), vários ex-socialistas ingressaram na UE e na OCDE, outros, talvez mais numerosos, com as crises financeiras, retrocederam para o grupo dos “super pobres” (ou LDCs, na sigla em inglês). 

O Sul Global permanece o mesmo, e até tem gente pedindo uma nova NOEI, quando não uma “nova ordem global” tout court. Pois bem, retomo a pergunta do título: se eu quiser falar com o tal de Sul Global, eu telefono para quem? Mister K teria alguma ideia?

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4375: 27 abril 2023, 3 p.

Divulgado no blog Diplomatizzando (25/10/2023; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2023/10/e-como-anda-o-tal-de-sul-global-muito.html).

 

What Happened to Lula? - Matias Spektor (Foreign Affairs)

Não é que algo tenha "acontecido" com Lula: ele sempre foi assim, apenas estava um pouco contido anteriormente. (PRA)

 

What Happened to Lula?

How He Dashed High Hopes for Brazil’s Foreign Policy—and How He Can Get Back on Track

By Matias Spektor

Foreign Affairs, February 28, 2024

 

Few leaders could claim, on taking office, to have induced sighs of relief from both Chinese President Xi Jinping and U.S. President Joe Biden. Yet in January 2023, that is exactly what Luiz Inácio Lula da Silva did. His narrow victory over Brazilian President Jair Bolsonaro, a right-wing extremist and an admirer of Donald Trump, sparked optimism across borders. Democratic leaders everywhere saw Lula’s win, which returned him to power for a third term after a 12-year hiatus and a stint in prison over corruption charges, as the herald of an antiauthoritarian tide. Autocrats the world over relished him as a seasoned statesman with a reputation for standing up to the West. And developing countries of all kinds recognized him as someone who knows better than most how to exact concessions from the global North. “Brazil is back,” read headlines, as Lula seized the spotlight.

But during his first year in office, Lula has struggled to translate his vision for a more progressive global order into action. His foreign policy thus far has been beset by diplomatic missteps that have strained relations with partners in both the West and the developing world. His statements and actions have cast doubts on his role as peacemaker, coalition builder, and champion of the marginalized. His commitment to environmental leadership has been marred by his decision to turn Brazil into the latest petrostate. And his grand design overlooks his country’s most pressing threat: the explosive expansion of criminal networks that are working hard to turn Brazil into a failed state and that are undermining the ecological integrity of the Amazon rainforest.

To fix these problems and deliver on his vision of a progressive international order, Lula will have to change course. He must reengage partners in the West and Latin America after a year of growing estrangement. He must unequivocally come out in defense of democracy in neighboring Venezuela. He has to craft a new set of climate policies, ones that allow him to use Brazil’s newly discovered oil reserves without becoming another regressive member of OPEC. And Lula must revamp the country’s intelligence apparatus and better coordinate with outside partners to reverse the dangerous growth of Brazil’s criminal networks.

TRIALS AND ERRORS

Before taking office, Lula suggested that his foreign policy ambition was to bridge the vast gaps between the rich North and the developing South. He promised to actively pursue international cooperation, facilitating dialogue between the West and the rest, and he declared that Brazil would, again, lead Latin America. His administration hoped to secure major policy victories at the next G-20 summit and at the 2025 UN climate change conference—both of which Brazil will host. To this end, Lula has unveiled plans to launch a global initiative to combat hunger, facilitate the flow of climate finance toward developing countries, and help Africa secure seats in global governance institutions.

Yet since assuming power, Lula has made a sequence of costly mistakes. He committed his first foreign blunder with the United States. The Biden administration broke with tradition to all but endorse Lula during his campaign, cautioning Bolsonaro against using unconstitutional interventions to stay in power. Lula, however, has not leveraged the United States’ rare opening to advance his vision. Instead of pushing Biden on the long list of deliverables Brazil wants for the G-20 and the climate conference, Lula squandered his goodwill by blaming the war in Ukraine on President Volodymyr Zelensky, NATO, and ultimately the United States. A much-anticipated presidential meeting between Biden and Lula produced meager outcomes, leaving the bilateral relationship in a fraught and constrained state.

Brasília has legitimate grievances with Washington. In October, the United States single-handedly blocked a Brazilian-led UN Security Council resolution for a Gaza cease-fire, which Lula’s government had heavily campaigned for in close consultation with American officials. And Lula is persuaded that the U.S. Department of Justice was behind his imprisonment over a vast corruption scandal, marring his relationship with Washington (although evidence of U.S. involvement remains thin at best). But with the G-20 summit in Rio de Janeiro on the horizon, just after the U.S. elections in November, Brazil cannot afford this estrangement. Biden, after all, could easily torpedo Lula’s initiatives by either ignoring or opposing them.

The initial enthusiasm that greeted Lula’s return has dissipated.

The United States is not the only Western country Lula is alienating. His comments on the war in Ukraine and his penchant for describing NATO as a source of instability have made him less popular among European countries, as well. Germany and Portugal, Brazil’s closest partners on the continent, have felt particularly slighted, unable to decipher the president’s aims. These tensions have been compounded by the collapse of trade talks between the EU and Mercosur (a South American trade bloc led by Brazil), which was prompted by French agricultural protectionism and Mercosur disunity. Given that the EU plays a central role in doling out foreign aid, financing climate projects, and reforming international institutions, this discord could cost Lula his ambitious G-20 agenda.

Such failures in the global North might be less concerning if Lula had racked up victories in the global South. But he hasn’t. In South America, the initial enthusiasm that greeted his return to office has dissipated. He failed to dissuade Uruguay from seeking trade deals with China outside Mercosur, a move that severely weakens Brazil’s influence in its region. Lula’s bid to revive the Union of South American Nations proved futile. And his vocal endorsement of the unsuccessful Argentine presidential contender Sergio Massa, coupled with his absence from the inauguration of the victorious right-wing candidate, Javier Milei, have unsettled Brazil’s closest relationship. Its regional plans are contingent on the tacit support of Argentina, which has enough diplomatic influence to bolster or hinder its neighbor’s initiatives. As a result, any enmity between Lula and Milei could seriously undermine the former’s ambitions.

Lula has also run into trouble with fellow leaders on the South American left. He is engaged in a public rift with Colombian President Gustavo Petro over oil drilling in the Amazon. Brazil’s geographic distance from Mexico has made it hard for Lula to cooperate with Mexican President Andrés Manuel López Obrador, better known as AMLO, on critical issues for Lula, such as his G-20 agenda or the election of the next secretary-general of the United Nations. Lula has offered unwavering support for Venezuela’s purportedly left-wing but brutal, kleptocratic autocracy, yet this stance has earned the ire of progressive leaders elsewhere in the region—including Chilean President Gabriel Boric. Lula’s support for Venezuela has also backfired. In December, Venezuelan President Nicolás Maduro threatened to invade Guyana, dragging Brazil into a regional dispute that could lead to war.

Lula believes he can strengthen his international hand by partnering with China to secure concessions from the West, so he wants to closely coordinate policy with Beijing. “The BRICS is the most important development in world politics in recent times,” reasoned the presidential adviser Celso Amorim last January, referring to a consortium of non-Western states. (The acronym stands for Brazil, Russia, India, China, and South Africa.) “The group has awakened Western nations to the need to strengthen the G-20, which ought to be the main institution [for global governance].” But even if Amorim’s assessment is correct, Brazil can gain support from the global North for Lula’s progressive vision only if his country maintains clear autonomy; any hint of subservience to China will draw Western backlash. And for all the government’s positive talk about China’s rise, ties between Beijing and Brasília are not particularly close. The Chinese continue to play hardball on UN Security Council reform, which could land Brazil a permanent seat, as well as when it comes to bilateral trade and investment. China’s growing diplomatic clout in South America could also make it hard for Brazil to advance its interests in the region.

It still makes sense for Lula to partner with China and other BRICS members, especially since they can help him achieve his G-20 goals. Yet his uncritical collaboration with these states exposes him to accusations of hypocrisy. Lula is known for his readiness to call out Western violations of international law, but he has been silent about China’s brutal oppression of Uyghurs and India’s crackdown on dissent. He has also been quiet when it comes to Russia’s indiscriminate killing of civilians in Ukraine. Confronted by the media about Alexei Navalny’s death in prison, Lula said the world should wait for forensic results before blaming Putin. And although Lula condemned the October 7 Hamas attack, he created an uproar in mid-February by declaring that “what is happening in the Gaza Strip with the Palestinian people has not occurred at any other moment in history—actually, it has, when Hitler decided to kill the Jews.”

Leaders everywhere, of course, have loudly criticized Israel’s war in Gaza, so Lula is far from alone. But to be a successful progressive voice and advocate at a time when the world is so profoundly divided, Lula has to establish himself as a broker who is intensely focused on finding pragmatic solutions. He cannot express moral outrage only when it is convenient.

RIGHTING THE SHIP

Fortunately for Lula, changing tack is possible. In Brazil, the executive branch has unilateral authority to set foreign policy. And for all his missteps, Lula still wields a unique set of strategic and diplomatic assets that can help him claim global leadership.

At a time when almost all major powers are coping with war or its specter, Brazil’s geographical and political distance from the primary zones of conflict allow Lula to try to refocus global attention on the scourges of poverty and inequality. The country has sovereignty over the Amazon—the planet’s most extensive rainforest—and is a top-tier food producer, giving it a major say in climate governance. And Brazil, with its turbulent but instructive history of democratic resilience and poverty alleviation, can provide other developing states with insights on how to push back against the threat of populist extremism.

Lula’s eight-decade journey from hardship to the presidency remains a source of universal admiration, earning him a superstar reception everywhere he goes. This personal allure is not cosmetic; it is a testament to his pivotal role in lifting millions of people from poverty, which he continues to do. In the first year of his third term, Lula secured legislative backing to pass a sweeping tax reform, skillfully quelled a populist insurrection, and aligned military factions. He introduced policies that have effectively slowed Amazon deforestation. Following in Biden’s footsteps, he unveiled an ambitious industrial policy alongside plans for a green transition. And despite uncertainty about Brazil’s future economic trajectory, GDP growth in Lula’s first year impressively neared three percent—more than triple earlier market projections. These triumphs have reinforced Lula’s political capital. A recent Atlas Intel poll shows that 58 percent of Brazilians rate his administration positively.

Lula still wields a unique set of strategic and diplomatic assets.

Yet the best card in Lula’s deck is simple serendipity. The fact that Brazil will host both the G-20 summit in 2024 and the COP30 conference in 2025 means that Lula will have two global stages on which to unveil and champion a progressive foreign policy agenda centered on poverty reduction, equitable representation for emerging states, and climate justice—a reshuffling of the deck in favor of the global South. These summits demand the painstaking construction of big-tent coalitions. But this is a task at which Lula should excel, provided he can rework relations with other world leaders.

Lula can start by rebuilding ties with the United States. He should do so by focusing on his administration’s mutual interests with Biden, such as the green transition and food security, and by encouraging the White House to follow through on its professed commitment to UN reform. He should make the case that Brazil’s G-20 conference will offer a showcase for the Biden administration to promote a progressive global order, one that distinguishes it from the policies Trump would pursue. But Lula should also initiate dialogue with Republican counterparts now in the event the GOP wins in 2024, capitalizing on his innate capacity for engaging ideological adversaries. Although Trump is an unpredictable politician, Lula managed to craft excellent and profitable relations with former Republican President George W. Bush, even as Brazil staunchly and publicly opposed the Iraq war.

Lula must rebuild ties with other countries in South America, as well. Here, humility will be key. Lula should acknowledge that Brazil’s recent domestic turmoil has tarnished its brand, not least because the cross-border corruption scandals unearthed during Lula’s tenure eroded trust in the country and implicated numerous South American leaders. A better Latin America policy also entails a new approach to Venezuela. Lula has historically protected Venezuela from external criticism, even as it immiserates its people, by arguing that any liberalization is contingent on the regime’s acquiescence. But the reality remains that without concerted international pressure, liberalization is unlikely. As a result, Lula must stop defending Venezuela’s autocrats.

Brazil will have to cooperate with NATO in the South Atlantic.

To be a true progressive leader, Lula will need to make strides on climate change. His administration may have slowed deforestation rates, but it must make fundamental changes to Brazil’s increasingly carbon-intensive economy if it wants to stop rising emissions. It will have to realign the country’s voters, agricultural sector, and industrial sector toward sustainability in a way no Brazilian government has done before. To succeed, Lula must introduce legislation to compensate the losers of the ecological transition, such as farmers and ranchers, so they do not fight as Brazil makes the switch. He should reconsider his November 2023 initiative to fully integrate Brazil into OPEC and instead harness the country’s oil reserves as a catalyst for its green transformation, channeling revenues into sustainable energy initiatives. He should modernize Petrobras, Brazil’s state-owned oil company, to lead in eco-friendly innovation. Finally, Lula must root out criminal actors in the immensely complex Amazon region, which are responsible for much of Brazil’s deforestation.

Lula must also take on organized crime more broadly. Successive Brazilian administrations, including Lula’s, have allowed the country’s gangs to grow in size and scope, resulting in groups that are now powerful enough to seriously challenge the authority of the state. Criminal rings influence politics at all levels of government, co-opting state institutions that oversee roads, ports, airports, border controls, financial systems, and even law enforcement and the armed forces. They also control cross-border illicit trades in narcotics, counterfeit goods, auto parts, and human beings. The toll on ordinary Brazilians has been brutal. With an average of 110 murders per day, Brazil’s homicide rate is one of the highest in the world. The country is home to 17 of the globe’s 50 deadliest cities.

With respect to crime, there will be no strictly national solutions. Brazil’s criminal networks span many borders, so reversing the trend will require deep international cooperation of the kind not only that Brasília is unused to but that its foreign policy elites have also traditionally rejected. Yet the country will have to work with poorer and weaker neighbors to clean up their security forces, which have sometimes fallen under the sway of criminal organizations. Lula must also reorient Brazil’s intelligence apparatus—which Bolsonaro tried to train on domestic opponents—toward tracing and rooting out gangs, wherever they operate. And Brazil will have to cooperate with NATO in the South Atlantic. Working with the alliance may be toxic to Brazilian diplomats and military officials, but it’s simply a fact that many of Brazil’s criminal networks are transatlantic. As a result, the country needs to collaborate with Europe.

Revamping Brazil’s grand strategy is a formidable task, and the timing is urgent—the G-20 summit is just ten months away. But if Lula plays his cards right, he can still mend strained partnerships and rebuild his reputation as a diplomatic broker. He can help stabilize his region and his country. He can, in other words, deliver on the core promise of a progressive global order: using diplomacy to solve problems, even as fires proliferate in a politically fragmented world.


MATIAS SPEKTOR is Professor of International Relations at Fundação Getulio Vargas in São Paulo and a Nonresident Scholar at the Carnegie Endowment for International Peace.