Folha Dobrada, Associacao dos Antigos Alunos da FDUSP, abril 2024:
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
domingo, 21 de abril de 2024
sábado, 2 de março de 2024
Embaixador Carlos Henrique Cardim visita sede da ABI-Bahia, para falar sobre Rui Barbosa (ABI-Bahia)
Embaixador Carlos Henrique Cardim visita sede da ABI
Biógrafo de Ruy Barbosa, o diplomata vai participar da pré-estreia do filme A Voz de Ruy, na próxima segunda (4)
Associação Baiana de Imprensa, 1 de março de 2024
https://abi-bahia.org.br/embaixador-carlos-henrique-cardim-visita-sede-da-abi/
Nos 101 anos da morte de Ruy Barbosa, a Associação Bahiana de Imprensa recebeu em sua sede, nesta sexta-feira (1º de março), o diplomata e professor Carlos Henrique Cardim, autor da biografia “A raiz das coisas – Rui Barbosa: o Brasil no mundo”. O embaixador é uma das personalidades presentes no filme A Voz de Ruy, cujo lançamento exclusivo para convidados acontece na próxima segunda-feira (4), no Cine Glauber Rocha, em Salvador.
Conduzido pelo jornalista Ernesto Marques, presidente da ABI, e pelo diretor de Cultura da instituição, Nelson Cadena, o tour no Edifício Ranulfo Oliveira foi acompanhado por outros diretores, como o 1º vice-presidente Luís Guilherme Pontes Tavares, a 2ª vice-presidente Suely Temporal, a 1ª secretária Amália Casal e o conselheiro consultivo Joaci Góes, que também ocupa a presidência do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB).
O professor Cardim recebeu do conselheiro do Tribunal de Contas do Estado da Bahia (TCE-BA), Inaldo Araújo, publicações produzidas pelo Tribunal no âmbito do centenário de morte de Ruy, no ano passado.
Ao lado da advogada Rosa Maria Brochado, sua esposa e companheira nas aventuras das últimas três décadas, o embaixador traçou um breve panorama da história da diplomacia brasileira, fez um esboço sobre o papel de Ruy Barbosa no quadro político do país, desde o início da República, que marcou a entrada do Brasil na política mundial e definiu seu lugar na Primeira Guerra Mundial, sua relação com o Barão do Rio Branco e outras histórias. “Ruy legou ao Brasil uma herança que interferiu diretamente nas relações internacionais até hoje”, pontuou o sociólogo.
“A principal característica dele era a coragem. O Brasil tinha muita gente culta, de memória. Agora, coragem não é para qualquer um”, analisou Cardim.
Uma rica descrição da personalidade de Ruy – e sua importância – pode ser conferida nas páginas de A raiz das coisas, publicado originalmente em 2007 e que ganhou nova edição revisada e ampliada. A obra organiza o legado ruiano em matéria de relações internacionais, consolidando referências e produzindo um roteiro da documentação e bibliografia sobre o “Águia de Haia”. A publicação estará disponível já a partir da próxima semana, na Livraria Escariz do Shopping Barra (L2 Central).
“Cardim é um amigo que Ruy Barbosa nos deu. Eu havia ficado muito impressionado com o livro e para minha surpresa nos conhecemos na Fundação Casa de Rui. Ele prolongou sua estadia no Rio para conversarmos sobre a Casa da Palavra Ruy Barbosa, porque está muito entusiasmado com o projeto”, contou Ernesto Marques. O filme e a peleja pela reabertura do museu têm promovido bons encontros. Tem sido uma experiência enriquecedora.”
Carlos Cardim concluiu, em 1975, o curso de Sociologia e Política pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Tornou-se doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo em 1994. É professor da Universidade de Brasília, sendo fundador do Departamento de Relações Internacionais e Ciência Política, ex-presidente do Conselho Editorial da Editora da UnB (1978-1983).
Ingressou na carreira de diplomata após ter concluído o curso de preparação do Instituto Rio Branco em 1976. Ascendeu a Conselheiro em 1994. É embaixador (MRE) e vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB).
A Voz de Ruy
O filme A Voz de Ruy tem o patrocínio do Governo do Estado da Bahia, via Secretarias da Cultura e da Fazenda, através do Programa Estadual de Incentivo ao Patrocínio Cultural- Fazcultura e ACELEN. É uma produção da DPE Entretenimento e Giros Filmes, com apoio da Associação Bahiana de Imprensa (ABI), uma das instituições dedicadas a preservar a memória de Ruy no estado, por meio da Casa da Palavra Ruy Barbosa e seus acervos raros.
O evento de lançamento tem o apoio do Instituto Rui Barbosa-IRB, Caixa de Assistência dos Advogados da Bahia-CAAB, OAB/BA e Sebrae.
Com direção de Fernanda Miranda e Pedro Sprejer e direção geral de Belisário Franca, o longa exibe cenas históricas e bastidores da vida do baiano, na sua trajetória como jornalista, político, jurista, diplomata, na Bahia, no Rio de Janeiro e no exterior, através de depoimentos de especialistas na vida e obra de Ruy, ilustrados com imagens da Cinemateca Brasileira, Fundação Casa de Rui Barbosa, acervo do documentarista Isaac Rozemberg e fotos e documentos da Fundação Casa de Rui Barbosa, ABI, Biblioteca Nacional e Arquivo Nacional.
“A minha expectativa é de termos uma noite muito rica. Vamos reunir pessoas da política, da imprensa, do audiovisual, pessoas que têm apreço pela história e por memória”, destacou o presidente da ABI. “Para nós, é uma satisfação dar uma pequena contribuição para conhecermos mais o personagem e o que ele fez mais de cem anos atrás”, concluiu o dirigente.
segunda-feira, 17 de abril de 2023
Rui Barbosa, internacionalista - Celso Lafer (OESP)
RUI BARBOSA, INTERNACIONALISTA! Celso Lafer, professor emérito da Faculdade de Direito da USP, foi ministro das Relações Exteriores O Estado de S. Paulo, 16/04/2023 Rui é um paradigma de advogado que soube valer-se do Direito como instrumento estratégico da sua ação política. Foi o que o singularizou no cenário nacional, mas é também a relevante marca de sua atuação internacional. Dela advém o seu legado para a construção do capital diplomático do Brasil e a contribuição para pioneiramente afirmar o lugar do nosso país no mundo. A Conferência de Paz de Haia de 1907 foi o primeiro grande ensaio da diplomacia multilateral do século 20, pela abrangência dos 44 Estados soberanos da época que dela participaram. Foi também a primeira expressão da “diplomacia aberta”, sensível às aspirações pacifistas da opinião pública internacional da época. Rui foi o chefe da delegação brasileira e atuou em estreita coordenação com o chanceler Rio Branco. Tinha todas as qualidades para o novo da diplomacia parlamentar do multilateralismo: o pleno domínio dos assuntos da pauta, a vocação de infatigável trabalhador, a capacidade de exprimir-se – inclusive de improviso e com perfeição – em francês, a língua oficial da conferência. A isso se conjugou a combatividade, que sempre o caracterizou, como advogado, político e parlamentar. Rui em Haia contestou a igualdade baseada na força e sustentou a igualdade dos Estados lastreada no Direito. Essa contestação colocou em questão o exclusivismo até então preponderante das grandes potências na ordem mundial. Sua posição representou a primeira formulação do Brasil em prol da democratização do sistema internacional. Abriu espaço para respaldar inovadora perspectiva da nossa política externa: a pauta diplomática do País não se circunscreve a questões específicas; transita pelos seus “interesses gerais” na dinâmica do funcionamento da ordem mundial. Em Haia, Rui valeu-se do Direito como instrumento de sua ação. Tinha muita consciência da interação política/Direito. “Não há nada mais eminentemente político do que a soberania.” A diplomacia, dizia, “outra coisa não é que a política (...) sob a mais elegante de suas formas (...)”. Traçou neste contexto para o Brasil uma política do Direito Internacional. Esta retém plena atualidade na sintonia com os princípios constitucionais que regem as relações internacionais do Brasil. Em Haia, encontrou o tom certo de um estilo diplomático para afirmar com firmeza e sobriedade a posição independente do País, cuja especificidade era distinta dos que imperavam na “majestade de sua grandeza” e dos que se encolhiam “no receio de sua pequenez”. Rui fez uma observação que antecipou o tema da credibilidade internacional e do soft power: “Hoje, com efeito, mais do que nunca, a vida assim moral como econômica das nações é cada vez mais internacional. Mais do que nunca em nossos dias os povos subsistem de sua reputação no exterior”. Outra ação diplomática de Rui foi em Buenos Aires, onde representou o Brasil no centenário da independência da Argentina. Ali, destacou a relevância do potencial de cooperação entre Argentina e Brasil na “ideia a realizar” de uma vasta construção política, econômica e jurídica. É, assim, um patrono da parceria que antecipou a atualidade de um dos temas fortes da agenda diplomática de nosso país. Em conferência na Faculdade de Direito de Buenos Aires, analisou o impacto no Direito da escalada da violência que estava caracterizando a 1.ª Guerra. Observou que, dada a “interdependência em que as nações mais remotas vivem uma das outras, a guerra não pode isolar-se nos Estados entre os quais se abre o conflito”. Seus estragos e misérias repercutem sobre a fortuna dos povos mais distantes. Antecipou, assim, o tema da indivisibilidade da paz, cuja atualidade a guerra da Ucrânia realça. Rui extraiu de sua avaliação da guerra um novo papel para a neutralidade: “A imparcialidade na justiça, a solidariedade no Direito, a comunhão na manutenência das leis escritas pela comunhão: eis a nova neutralidade”. E mais: “Entre os que quebram a lei e os que a observam não há neutralidade admissível. Neutralidade não quer dizer impassibilidade; quer dizer imparcialidade, e não há imparcialidade entre o Direito e a injustiça. Quando entre ele e ela existem normas escritas, que os definem e diferenciam, pugnar pela observância dessas normas não é quebrar a neutralidade: é praticá-la”. Foi nesta moldura jurídica que o Brasil se incorporou aos aliados em 1917. Da lição de Rui tenho me valido para indicar qual deve ser a posição do Brasil na guerra da Ucrânia. Rui internacionalista voltou-se para a afirmação e a legitimação do lugar do Brasil no mundo. Resultaram de seu empenho em arguir a partir da perspectiva do Brasil, que não era e não é uma grande potência, os méritos da reputação e da credibilidade nacional e, ao mesmo tempo, a validade mais abrangente da domesticação pelo Direito da Força e do Poder, assim como o do benefício da juridicidade nas relações internacionais. Valeu-se neste empenho do Direito com ideias próprias, fruto da transformação reflexiva da abrangência dos seus conhecimentos jurídicos na condução diplomática. |
quarta-feira, 1 de março de 2023
Rui Barbosa, cem anos do falecimento: um dos pais do Direito Internacional do Brasil - Paulo Roberto de Almeida
Aos cem anos do falecimento de Rui Barbosa, permito-me reproduzir artigo que elaborei aos 100 anos de sua conferência realizada em Buenos Aires, sobre os conceitos modernos do direito internacional, mais conhecida como o dever dos neutros, na Faculdade Nacional de Direito da UFBA
Rui Barbosa e o direito internacional
Paulo Roberto de Almeida
14 de julho de 2016
Cem anos atrás, quando a Argentina comemorava o primeiro centenário de sua independência, o governo brasileiro designou o senador Rui Barbosa para ser o seu representante nos festejos daquele evento. Ademais de participar das cerimônias oficiais, Rui Barbosa foi convidado a fazer uma palestra na Faculdade de Direito e Ciências Sociais de Buenos Aires, ali pronunciando uma das alocuções mais importantes da história do direito internacional no Brasil. Dada a importância de suas reflexões para a própria construção da doutrina jurídica que sustenta a essência da política externa brasileira, bem como para a afirmação dos mais importantes valores e princípios da diplomacia sempre defendida pelo Itamaraty, cabe relembrar alguns dos aspectos importantes dessa conferência, inclusive para os nossos dias.
Para facilitar a tarefa, temos à nossa disposição a excelente edição dessa conferência pela Fundação Casa de Rui Barbosa, através da qual, em 1983, Sérgio Pachá estabeleceu um texto definitivo do original em espanhol, realizando ele mesmo a tradução, acompanhada de notas e de uma excelente introdução a esse texto, de enorme repercussão, à época (e ainda hoje) na Argentina), durante muito tempo conhecido como "O Dever dos Neutros". Rui Barbosa não era desconhecido na Argentina, onde já havia vivido em 1893, fugindo da perseguição que lhe movia o governo de Floriano, por ter batalhado pelos envolvidos na revolta da Armada. Ele começa a parte substantiva de sua conferência de 1916 relembrando justamente esse episódio, defendendo a liberdade nas palavras de um de seus mais admirados promotores argentinos, Juan Batista Alberdi: "A civilização política é a liberdade. Mas a liberdade não é senão a segurança: a segurança da vida, da pessoa, dos bens."
Ele continua, então, por um verdadeiro hino em louvor à nova "civilização argentina", não sem antes lembrar a barbárie dos antigos caudilhos que tinham levado o país à anarquia e à tirania. Num exercício arriscado de profetismo, Rui Barbosa anunciava aos argentinos da audiência que "há muito que consolidastes a vossa civilização. Vinte e cinco anos, pelo menos, de governo estável, ordem constante e progresso ininterrupto vos libertaram para sempre das recaídas no mal da anarquia. Um desenvolvimento colossal da riqueza, as acumulações do trabalho na prosperidade, uma abundante transfusão do sangue europeu, um civismo educado nos melhores exemplos da liberdade conservadora, grandes reformas escolhidas com discrição, adotadas com sinceridade e praticadas com inteireza depuraram dos últimos vestígios da antiga doença vosso robusto organismo, talhado para um crescimento gigantesco, asseguraram-vos no mundo uma reputação definitiva e fizeram da República Argentina um dos centros da civilização contemporânea, uma nação cujo invejável progresso pode resumir-se numa palavra, dizendo-se que a República Argentina é um país organizado." A Argentina de fato era, cem anos atrás, um dos países mais ricos do mundo, possuindo uma renda per capita superior à de vários países europeus, equivalente a 73% da renda média nos EUA (já então o mais rico de todos) e cinco vezes maior do que a renda per capita dos brasileiros.
Depois de repassar os episódios mais relevantes do itinerário político argentino, iniciado em 1806, caminhando para a independência já em 1810 e consagrado definitivamente no Congresso de Tucuman, em 9 de julho de 1816, quando se proclama solenemente, em nome de todo o povo argentino, a autonomia completa em face do soberano espanhol, Rui Barbosa chega ao cerne de sua conferência: um novo exercício da força bruta, contra o direito, representado pela Grande Guerra, especialmente a invasão da Bélgica neutra pelas tropas do Império alemão, em total desrespeito aos princípios da neutralidade, discutidos poucos anos antes na Segunda Conferência da Paz da Haia, na qual Rui havia sido o chefe da delegação brasileira. Suas palavras, em defesa desse princípio, foram muito claras: “Entre os que destroem a lei e os que a observam não há neutralidade admissível. Neutralidade não quer dizer impassibilidade; quer dizer imparcialidade; e não há imparcialidade entre o direito e a injustiça. (...) O direito não se impõe somente com o peso dos exércitos. Também se impõe, e melhor, com a pressão dos povos”.
Esse exato discurso de Rui Barbosa foi relembrado pelo chanceler Oswaldo Aranha, em 1942, quando o Brasil se viu confrontado à extensão da guerra europeia ao continente americano, instando, então, o Brasil, a assumir suas responsabilidades no plano dos princípios do direito internacional e dos valores da solidariedade hemisférica. A Alemanha tinha, mais uma vez, violado a neutralidade da Bélgica, para invadir a França. A postura de Aranha – que havia recepcionado Rui, como jovem estudante no Rio de Janeiro, quando o jurista desembarcou na volta ao Brasil –, foi decisiva para que, ao contrário da vizinha Argentina, então controlada pelo Grupo de Oficiais Unidos, de orientação simpática ao Eixo, o Brasil adotasse uma postura compatível com a construção doutrinal iniciada por Rui e de acordo a seus interesses nacionais, nos contextos hemisférico e global, em face do desrespeito brutal ao direito internacional cometido pelas potências nazifascistas na Europa e fora dela.
Vinte anos depois, o chanceler San Tiago Dantas soube preservar o patrimônio jurídico da diplomacia brasileira ao defender, de maneira clara, o respeito ao princípio da não intervenção nos assuntos internos de outros Estados, que estava em causa nas conferências e reuniões pan-americanas em torno do caso de Cuba. Outros juristas e diplomatas brasileiros, ao longo do século, a exemplo de Raul Fernandes, Afrânio de Melo Franco, Afonso Arinos de Melo Franco e Araújo Castro, participaram dessa construção doutrinal e pragmática dos valores e princípios da diplomacia brasileira. Há que se reconhecer, no entanto, que Rui Barbosa foi um dos grandes iniciadores e batalhadores pela afirmação dessas grandes diretrizes políticas que hoje integram plenamente o patrimônio consolidado da diplomacia brasileira.
Paulo Roberto de Almeida, ministro da carreira diplomática, é diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, da Funag, e professor no Uniceub.
Aproveito para anunciar a publicação deste livro:
Rui Barbosa: uma personalidade multifacetada.
Rui Barbosa: a Multifaceted Personality
https://funag.gov.br/biblioteca-nova/produto/1-1214
Rui Barbosa, uma personalidade multifacetada - Marcia Loureiro, Marianne Wiesebron, Marilene Nagle (orgs.)
No centenário de falecimento de Rui Barbosa, a Fundação Alexandre de Gusmão publica a 2ª edição, bilíngue, revista e ampliada, de Rui Barbosa, uma personalidade multifacetada.
Originalmente publicada em 2012, a obra rememora o pensamento e a prática do singular jurista, político, diplomata e intelectual do Segundo Reinado e da Primeira República. A presente edição apresenta duas contribuições adicionais: a primeira, palestra de Celso Amorim, realizada em 2007, na qual se veem com clareza as interações entre as ideias de Rui Barbosa e várias questões multilaterais do século XXI. A segunda, artigo de Carlos Henrique Cardim, de 2013, que aprofunda o estudo sobre a atuação de Rui especificamente na esfera internacional.
O livro está disponível para download gratuito na biblioteca digital da FUNAG. A versão impressa pode ser adquirida na Loja Virtual
https://funag.gov.br/biblioteca-nova/produto/1-1214
domingo, 26 de fevereiro de 2023
Rui Barbosa, diplomata, livro de Carlos Henrique Cardim: A Raiz das Coisas: Rui Barbosa, o Brasil no Mundo, agora em 2a edição - Paulo Roberto de Almeida
Assista no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=Heb66YWvo24
Ao ensejo da publicação da 2a. edição da obra do embaixador Carlos Henrique Cardim, permito-me reproduzir a resenha que fiz quando da publicação da 1a. edição. Farei nova quando receber o livro recentemente publicado, com acréscimos e atualizações:1849. “Rui Barbosa, diplomata”, Buenos Aires, 6 janeiro 2008, 3 p. Resenha do livro de Carlos Henrique Cardim: A Raiz das Coisas: Rui Barbosa, o Brasil no Mundo (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, 350 p.). Revista Desafios do Desenvolvimento (Brasília: IPEA, ano 5, n. 39, janeiro 2008, p. 62). Relação de Publicados n. 811.
Rui Barbosa, diplomata
Carlos Henrique Cardim
A Raiz das Coisas: Rui Barbosa, o Brasil no Mundo
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, 350 p.
O patrono incontestável da diplomacia brasileira é o “sacrossanto” Barão do Rio Branco, que deve figurar num pedestal do Itamaraty, à direita de Deus Pai, sem qualquer concorrente à sua esquerda (e nenhum iconoclasta se apresentou até hoje). No entanto, o famoso Juca Paranhos atingiu a categoria de mito, mais por ter protagonizado algumas bem-sucedidas negociações de fronteiras, numa fase de consolidação dos limites geográficos da pátria, do que por ter formulado, propriamente, as bases conceituais da moderna diplomacia brasileira. Por certo, ele sempre é referido quando se trata da escolha sábia de procurar manter boas relações com o gigante hemisférico, ao mesmo tempo em que se buscava cultivar, numa boa barganha de equilibrista, nossa interação com a Europa, de maneira a preservar o rico patrimônio histórico trazido pelos novos imigrantes da fase pós-escravidão. Isso tudo, alertava o Barão, sem alienar nosso capital de altos e baixos com a Argentina, que ele pretendia o mais alto possível, desde que garantida a “relação especial” com os EUA da era Teddy Roosevelt, o tal que recomendava falar macio, mas carregar um grande porrete para convencer os mais recalcitrantes. Rio Branco nunca o desaprovou, pelo menos explicitamente.
Poucos se dão conta de que Rui Barbosa, o primeiro ministro da Fazenda da República, deveria ser considerado o “pai intelectual” da moderna diplomacia brasileira: ele deixou um legado de posições, hoje devidamente constitucionalizadas nos primeiros artigos da Carta de 1988. Rui nunca foi um diplomata profissional, mas se o fosse, poderia ser facilmente acomodado, com sua figura esguia e franzina, à esquerda de Deus itamaratiano, como um legítimo complemento ao redondo Barão. Esta monografia do Embaixador Cardim comprova que Rui foi muito maior do que o registrado na literatura da nossa política externa, mesmo sem ter deixado alguma grande obra centrada nessa problemática das relações internacionais. Aliás, parece incrível, mas Rui não deixou nenhum livro publicado, sobre qualquer tema, a despeito de suas “obras completas” – na verdade, coletâneas de artigos e textos diversos – perfazerem 160 volumes, cuidadosamente compilados pela Fundação que leva no seu nome no Rio de Janeiro. Foi lá que Cardim mergulhou para escrever a mais completa obra sobre o “diplomata” Rui Barbosa, um orador exímio.
Sua obra de ativo “internacionalista” está dispersa em centenas de artigos, pareceres, discursos, orações e preleções jurídicas, tendo sido jurisconsulto, consultor e advogado das boas causas: defendeu, por exemplo, o direito da primeira mulher que passou no concurso do velho MRE a ingressar na carreira diplomática, numa fase de misoginia explícita contra as poucas e corajosas candidatas. Sua mais importante ação diplomática está contida em telegramas, na condição de chefe da delegação à segunda conferência internacional sobre a paz mundial, realizada na Haia em 1907. Ele fez uma “dobradinha” de alta qualidade com o Barão, que trocava freqüentes impressões com ele, em telegramas cifrados, sobre os rumos dessa conferência e as posições que o Brasil deveria mais convenientemente adotar, em face do verdadeiro monopólio que as grandes potências exerciam sobre a agenda internacional. Cardim selecionou os expedientes e organizou um dossiê abrangente sobre a atividade e o pensamento de Rui em temas internacionais, numa obra que já nasce clássica, se a distinção se aplica.
Sua importância não parece ter sido reconhecida na diplomacia brasileira até recentemente, quando uma sala, com o seu nome, foi inaugurada no novo palácio dos Arcos em Brasília, bem mais conhecido como Itamaraty. Curioso que, a despeito da preeminência do Barão nos anais da Casa, nenhuma de duas pesquisas recentes sobre as grandes personalidades da história brasileira colocou Juca Paranhos entre os cinco primeiros. Em ambas, figura Rui; numa delas em primeiro lugar, um justo reconhecimento pelo seu mérito de verdadeiro modernizador do Brasil, desde cedo um opositor da tutela militar que insistiu em preservar o poder moderador durante a maior parte da República. Cardim nos traz aqui não exatamente o tribuno civilista e defensor da legalidade democrática, mas o defensor da igualdade soberana das nações, que ocupa lugar de destaque na moderna diplomacia brasileira. Poucos são os textos conhecidos dessa vertente diplomática do famoso jurista baiano, que aqui aparecem pela primeira vez resumidos e interpretados por um diplomata bibliófilo, que também é um acadêmico exemplar e um dos grandes editores de livros acadêmicos já conhecidos na história editorial brasileira.
O livro ainda traz belas imagens de época – fotos e uma saborosa iconografia com charges dos mais famosos humoristas brasileiros de um século atrás – e anuncia, além de tudo, novos volumes sobre Rui Barbosa, internacionalista brasileiro, que a Fundação que leva o seu nome publicará. Mas este, já é um livro de coleção...
Paulo Roberto de Almeida
[Buenos Aires, 6 de janeiro de 2008]
Revista Desafios do Desenvolvimento (Brasília: IPEA, ano 5, n. 39, janeiro 2008, p. 62). Relação de Publicados n. 811.
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Cardim também foi o coordenador da reprodução do intercâmbio telegráfico entre Rui e o Barão do Rio Branco quando da segunda Conferência da Paz da Haia, em 1907, sobre a qual também fiz uma pequena nota:
Centro de História e Documentação Diplomática: II Conferência da Paz, Haia, 1907: a correspondência telegráfica entre o Barão do Rio Branco e Rui Barbosa (Brasília: FUNAG, 2014, 272 p.):
Carlos Henrique Cardim, que apresentou tese e tem livro publicado sobre Rui diplomata, assina um prefácio de 18 páginas para introduzir o intercâmbio mantido a propósito do que ele chama de “estreia do Brasil no mundo”, consubstanciada na defesa da “dignidade da nação”, nas palavras de Rio Branco, que Rui interpretou como defesa intransigente da igualdade soberana das nações, entrando por isso em choque com as posições das nações mais poderosas. Seguem 240 páginas de telegramas entre os dois homens, desde 13 de março, ainda no Brasil, até 26 de dezembro, no Recife, a caminho do Rio, depois dos meses passados em Scheveningen, com trocas diárias de mensagens, informações e impressões de ambos sobre as posições dos demais participantes e sobre a que convinha ao país adotar. Matéria prima indispensável para os estudiosos.
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 15 de fevereiro de 2015
Sumário
Construtores da Nação: projetos para o Brasil, de Cairu a Merquior
Prefácio
Arnaldo Godoy, 11
Apresentação
Nos ombros dos verdadeiros estadistas, Paulo Roberto de Almeida, 19
Introdução
Da construção do Estado à construção da Democracia, 25
Primeira parte: a construção do Estado
O Estado antes da Ordem e da própria Nação, 35
1. As vantagens comparativas de José da Silva Lisboa (Cairu), 43
2. Por uma monarquia constitucional liberal: Hipólito da Costa, 52
3. Civilizar os índios, eliminar o tráfico: José Bonifácio de Andrada e Silva, 66
4. Um Memorial para reformar a nação: Francisco Adolfo de Varnhagen, 77
Segunda parte: a construção da Ordem
Uma Ordem patrimonialista e oligárquica, 97
5. Os liberais conservadores: Bernardo, Paulino e Paranhos, 99
6. Um aristocrata radical: Joaquim Nabuco, 111
7. Bases conceituais da diplomacia: o paradigma Rio Branco, 119
8. O defensor do Estado de Direito: Rui Barbosa, 128
Terceira parte: a construção do Progresso
O Progresso pelo Estado, com o Estado, para o Estado, 141
9. Um empreendedor liberal numa terra de estatistas: Mauá, 150
10. Um inglês imaginário e o nacionalista do petróleo: Monteiro Lobato, 158
11. O revolucionário modernizador: Oswaldo Aranha, 170
12. Duas almas pouco gêmeas: Roberto Simonsen e Eugenio Gudin, 181
Quarta parte: a construção da Democracia
A Democracia carente de união nacional, 193
13. Em busca de uma esquerda democrática: San Tiago Dantas, 196
14. O militante do parlamentarismo: Afonso Arinos de Melo Franco, 209
15. As oportunidades perdidas do Brasil: Roberto Campos, 219
16. O liberalismo social de José Guilherme Merquior, 230
A construção da Nação: um itinerário de 200 anos de história, 253
Posfácio
O que a intelligentsia brasileira construiu em dois séculos de ideias e ações? 261
Referências Bibliográficas para os Construtores da Nação, 269
Nota sobre o autor, 301
terça-feira, 12 de julho de 2022
ONU abre exposição sobre legado do jurista e diplomata Rui Barbosa
ONU abre exposição sobre legado do jurista e diplomata Rui Barbosa
Uma exibição sobre a obra e vida do brasileiro Rui Barbosa será aberta neste 12 de julho para representantes dos países-membros das Nações Unidas, em Nova Iorque.
A mostra inclui 10 painéis que apresentam Rui Barbosa aos diplomatas e todos que passam pela entrada da Assembleia Geral a caminho do trabalho na organização.
Formatura de estudantes de Direito
A presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa, Letícia Dornelles, falou à ONU News sobre a herança do ex-político durante sua visita à ONU em março.
Ela lembrou como ele escreveu um dos discursos mais famosos da sua carreira, “Oração aos Moços”, para estudantes de Direito da Universidade de São Paulo, em 1920.
“Em ‘Oração os Moços’, ele dá um conselho aos jovens. Ele já estava adoecendo, quase morrendo, foi convidado para ser patrono de uma faculdade de Direito, os formandos o convidaram para ser o paraninfo e ele não pôde ir, mas mandou um discurso, que virou esse livro famoso ‘Oração aos Moços’. E é um discurso tão lindo que ele pede licença para chamar os formandos de ‘meus filhos’. E ele se dirige aos jovens e pede que os jovens tenham a pureza de sempre no coração quando forem julgar, na carreira deles no Direito, que eles nunca levem a mágoa da vida por um julgamento. As impressões pessoais devem ser colocadas de lado o direito e a justiça devem ser sempre imparciais e principalmente com pureza com o coração. E nós temos o cérebro, que comanda, mas não podemos esquecer o coração. E Rui Barbosa era um homem que era um coração imenso.”
Presidência brasileira do Conselho de Segurança
A exibição Rui Barbosa, Cidadão do Mundo coincide com a presidência brasileira no Conselho de Segurança neste mês de julho.
Conhecido como a “águia de Haia”, ele defendeu os valores de igualdade de soberania para os Estados durante a entrada do Brasil no sistema multilateral, em 1907.
Rui Barbosa, que também foi jornalista, compareceu à segunda Conferência da Paz em Haia, nos Países Baixos ou Holanda. No fim da vida, ele foi eleito juiz da Corte Internacional de Justiça, que é um dos órgãos principais das Nações Unidas.
Seis línguas oficiais da ONU
Considerado um dos maiores intelectuais do Brasil, Rui Barbosa nasceu em 5 de novembro e morreu em Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro, em 10 de março de 1923, aos 73 anos. Era dono de uma oratória impecável. Foi senador, ministro e concorreu duas vezes à Presidência da República. Foi também um dos membros fundadores da Academia Brasileira de Letras, ABL.
Quem visitar a exibição a partir de 12 de julho em Nova Iorque, receberá uma cópia do célebre discurso de Rui Barbosa: “Oração aos Moços” será distribuído em todas as seis línguas oficiais da ONU: árabe, chinês, espanhol, francês, inglês e russo.
segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022
Rui Barbosa e o direito internacional: "Entre os que destroem a lei e os que a observam não há neutralidade admissível." - Paulo Roberto de Almeida
Rui Barbosa e o direito internacional
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, julho de 2016
Há cem anos, quando a Argentina comemorou o primeiro centenário de sua independência, o governo brasileiro designou o senador Rui Barbosa como seu representante nos festejos. Além de participar das cerimônias oficiais, Rui Barbosa foi convidado a palestrar na Faculdade de Direito de Buenos Aires, ali pronunciando uma das mais importantes alocuções da história do direito internacional no Brasil. Dada a contribuição de suas reflexões para a construção da doutrina jurídica que sustenta a essência da política externa brasileira, bem como para a afirmação de valores e princípios da diplomacia defendida pelo Itamaraty, vale relembrar alguns conceitos fundamentais dessa conferência, ainda válidos em nossos dias.
Em 1983 a Casa de Rui Barbosa publicou o texto definitivo, traduzido do espanhol, dessa palestra, Os Conceitos Modernos do Direito Internacional, durante muito tempo denominada como “O Dever dos Neutros”. Rui já era conhecido na Argentina, onde vivera entre 1893 e 1894, fugindo da perseguição que lhe movia o governo de Floriano por sua posição em defesa dos revoltosos da Armada. Depois de repassar os episódios mais relevantes do itinerário independentista argentino – iniciado em 1806, avançando em 1810 e consagrado definitivamente no Congresso de Tucuman, em 9 de julho de 1816, quando se proclamou a autonomia do país em face da Espanha –, Rui Barbosa cita Juan Bautista Alberdi, que condenava, no panfleto “A Onipotência do Estado”, o culto ao Estado como “a negação da liberdade individual”.
Ele chega então ao cerne de sua exposição: a condenação formal do uso da força, representada pela violação da neutralidade da Bélgica por tropas do Império alemão, em total desrespeito aos princípios discutidos poucos anos antes na Segunda Conferência da Paz da Haia, na qual Rui fora o chefe da delegação brasileira. Suas palavras, em defesa desse princípio, foram muito claras: “Entre os que destroem a lei e os que a observam não há neutralidade admissível. Neutralidade não quer dizer impassibilidade; quer dizer imparcialidade; e não há imparcialidade entre o direito e a injustiça. (...) O direito não se impõe... com o peso dos exércitos. Também se impõe, e melhor, com a pressão dos povos. (...) Não há duas morais, a doutrinária e a prática. A moral é uma só: a da consciência humana, que não vacila em discernir entre o direito e a força.”
Essa conferência de Rui Barbosa foi relembrada pelo chanceler Oswaldo Aranha, em 1942, no exato momento em que o Brasil se viu confrontado à extensão da guerra europeia ao continente americano, instando, então, o país a assumir suas responsabilidades no plano dos princípios do direito internacional e em consonância com os deveres da solidariedade hemisférica. A Alemanha tinha, mais uma vez, violado a neutralidade da Bélgica, para invadir a França. A postura de Aranha – que havia recepcionado Rui, como jovem estudante no Rio de Janeiro, quando o jurista desembarcou em sua volta ao Brasil –, foi decisiva para que, ao contrário da vizinha Argentina, então controlada pelo Grupo de Oficiais Unidos, de orientação simpática ao Eixo, o Brasil adotasse uma postura compatível com a construção doutrinária iniciada por Rui e de acordo a seus interesses nacionais, nos contextos hemisférico e global, em face do desrespeito brutal ao direito internacional cometido pelas potências nazifascistas na Europa e fora dela.
Vinte anos depois, o chanceler San Tiago Dantas, um dos grandes tribunos do pensamento jurídico da diplomacia brasileira, defende o respeito ao princípio da não intervenção nos assuntos internos de outros Estados, que estava então em causa nas conferências e reuniões pan-americanas em torno do caso de Cuba. Outros juristas e diplomatas brasileiros, ao longo do século, a exemplo de Raul Fernandes, Afrânio de Melo Franco, Afonso Arinos e Araújo Castro, participaram dessa construção doutrinal e pragmática dos valores e princípios da diplomacia brasileira. Há que se reconhecer, no entanto, que Rui Barbosa foi um dos responsáveis pela contribuição das grandes diretrizes políticas e jurídicas que hoje integram plenamente o patrimônio da diplomacia brasileira.
domingo, 4 de julho de 2021
Rui Barbosa sobre o militarismo
Um argumento antigo, ainda do século XIX, mas que continua válido:
“O militarismo, governo da espada pela espada, arruina as instituições militares. O militarismo está para o Exército como o fanatismo para a religião, como o charlatanismo para a ciência, como o industrialismo para a indústria, como o mercantilismo para o comércio, como o cesarismo para a realeza, como o demagogismo para a democracia, como o absolutismo para a ordem, como o egoísmo para o eu.”
Rui Barbosa, depois de ter sido perseguido pelo presidente-déspota Floriano Peixoto e de ter sido obrigado a se exilar.
Citado em 1889, de Laurentino Gomes, p. 373.
quinta-feira, 28 de janeiro de 2021
Oração aos Moços [e moças, se houvesse] de Rui Barbosa: "Um clássico do bacharelismo liberal" - Christian Edward Cyril Lynch
Um clássico do bacharelismo liberal
por Christian Edward Cyril Lynch
…O Estado da Arte………………….
1. O texto mais popular de toda a imensa produção intelectual de Rui Barbosa continua sendo sua profissão de fé como jurista, a Oração aos Moços. Sua origem é prosaica. A turma de bacharéis que colava grau no ano de 1920 na Faculdade de Direito de São Paulo convidou o então senador pela Bahia para seu paraninfo. Tratava-se de uma homenagem ao ex-aluno, que completava 50 anos de formado. Assim nasceu a Oração: como discurso de paraninfo. Alegando idade avançada e moléstia, Rui não se deslocou a São Paulo para comparecer à cerimônia, que teve lugar a 29 de março de 1921. O texto acabou lido pelo catedrático de direito romano, Reinaldo Porchat, que viria a ser o primeiro reitor da Universidade de São Paulo. O texto tornou-se instantaneamente um clássico. Diversas de suas passagens se tornaram bordões no ambiente forense. Até hoje é comum encontrar, reproduzidas em sentenças, petições, sustentações orais, ou mesmo estampada em escritórios de advocacia ou gabinetes de juízes, frases como: “A regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam”? Ou ainda: “Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”? Ou esta: “Se o povo é analfabeto, só ignorantes estarão em termos de o governar”? Como explicar a popularidade desse discurso, que há quase um século permanece no panteão de verdadeiro evangelho dos estudantes de direito?
2. Como em todas as obras clássicas, pesaram diversas causas, entre as quais o contexto de sua produção, a excelência de seu conteúdo e sua fortuna crítica. Em 1920, aos setenta anos de idade, Rui Barbosa era uma personalidade consagrada. Senador da República, advogado, jornalista, ex-ministro de Estado, ele era considerado pela opinião pública o “maior brasileiro vivo”. Iniciado treze anos antes, por ocasião de sua participação como representante do Brasil na Segunda Conferência da Paz na Haia, seu processo de consagração atingira seu apogeu em agosto de 1918, quando o próprio regime republicano, de que Rui era virulento crítico, celebrou oficialmente seu “jubileu cívico”, isto é, seus cinquenta anos de atividade política. Foram três dias de festividades, um dos quais decretado feriado nacional.
3. Mas, para entender o sucesso da Oração, é preciso considerar também o estilo literário particular em que foi redigido. Não era a primeira vez que Rui se dirigia à mocidade. Em 1903 ele escrevera Palavras à juventude aos meninos de um colégio de Nova Friburgo, que ele visitara. Não obstante, salta aos olhos a diferença de estilo. Desde a Campanha Civilista, quando passara a se dirigir pessoalmente a audiências mais amplas, Rui percebera a familiaridade do público com o estilo oratório dos sermões e adotara o estilo evangelizador de um padre Vieira, que cruzava o registro do pregador e do pedagogo. Na Oração aos Moços, ele não era só o pedagogo; ele era o velho pai ou padrinho que, em tom de intimidade confessional, oferecia conselhos aos moços a partir da sua própria experiência. Falava da importância de ouvir o próprio coração e de estar preparado para uma vida dedicada ao amor, ao sacrifício, à justiça, à caridade; recomendava a oração e o trabalho; e pedia aos jovens que não trocassem o dia pela noite, continuando sempre a estudar. Enaltecia a profissão de juiz e enunciava regras de conduta para os magistrados: não contribuir para a morosidade processual; receber o advogados das partes; evitar o governismo; tratar igualmente o rico e o pobre; evitar o excesso de rigor; e, principalmente, duas regras de grande atualidade: não se meter em política e não ir atrás de popularidade.
4. Quanto ao conteúdo propriamente político, a Oração era atravessada por um intenso idealismo liberal democrático. Os moços deviam lutar sempre pela verdade do governo da lei: verdade eleitoral, verdade constitucional, verdade republicana, sempre incompatíveis com regimes autoritários e oligárquicos. Mas Rui também advertia contra o comunismo, lembrando que a igualdade não era dar a todos indistintamente (“filosofia da miséria”), mas a cada um na proporção de seus méritos. O patriotismo era a última lição: o bacharel em direito deveria zelar pela sorte do Brasil, ameaçado pelos imperialismos de todo o tipo. No seu entender, o Brasil só poderia ser salvo de sua corrupta oligarquia política pela ação de uma elite jurídica orientada por um espírito liberal e republicano na defesa da Constituição. Era esse o principal recado deixado por Rui, que explica em larga parte a popularidade do texto nos meios jurídicos até o dia de hoje, em que a ideologia do bacharelismo judiciarista atingiu seu apogeu entre nós.
5. De fato, o sucesso do texto se deveu igualmente à sua fortuna crítica. A oração foi instantaneamente interpretada pelos liberais como uma espécie de testamento do velho Rui às futuras gerações de bacharéis. O senador baiano lograra consolidar-se na imaginação dos liberais como um modelo de atuação para a mocidade: um jurista idealista, culto, destemido, solitário, incumbido pelo destino de defender a Justiça identificada com o Estado de direito democrático contra a corrupção identificada com politiqueiros conservadores, autoritários e oligárquicos. Para tanto, o bacharel liberal deveria travar uma luta sem trégua com a Constituição debaixo do braço, pela tribuna jornalística, forense e parlamentar. No idealismo cosmopolita de Rui beberiam as principais lideranças liberais e socialistas de tendência ideológica cosmopolita da Terceira República. Pensemos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), com advogados como Levi Carneiro, Sobral Pinto e Raimundo Faoro; na União Democrática Nacional (UDN) de Aliomar Baleeiro, Afonso Arinos de Mello Franco, Bilac Pinto e Prado Kelly – mas também de Carlos Lacerda que, sem ser jurista, seria o principal êmulo de seu estilo combativo. Mas na herança de Rui beberiam socialistas críticos do personalismo do trabalhismo de origem getulista. Pensemos no Partido Socialista Brasileiro de João Mangabeira, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva, mas também na ala do Partido Trabalhista Brasileiro de Alberto Pasqualini e Santiago Dantas. Todos eles se reconheceriam profundamente devedores do exemplo de Rui Barbosa. Nas décadas de 1970-1980, a pregação antiautoritária de Ulysses Guimarães, em ocasiões como a da apresentação de sua anticandidatura a presidente da República ou do encerramento da Constituinte de 1988, nada mais fariam do que emular a fórmula ruiana de combate aos regimes autocráticos.
6. Não admira, portanto, que o busto de Rui Barbosa goze solitariamente do direito de figurar solitariamente no edifício do Senado Federal, atrás da cadeira do presidente, como um anjo tutelar da democracia brasileira. Enquanto houver ideal liberal democrata nas escolas de direito e nos bancos parlamentares, haverá lugar para a Oração aos Moços, esse clássico do pensamento político e jurídico brasileiro.
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