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domingo, 26 de fevereiro de 2023

Rui Barbosa, diplomata, livro de Carlos Henrique Cardim: A Raiz das Coisas: Rui Barbosa, o Brasil no Mundo, agora em 2a edição - Paulo Roberto de Almeida

Assista no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=Heb66YWvo24 

Ao ensejo da publicação da 2a. edição da obra do embaixador Carlos Henrique Cardim, permito-me reproduzir a resenha que fiz quando da publicação da 1a. edição. Farei nova quando receber o livro recentemente publicado, com acréscimos e atualizações: 

1849. “Rui Barbosa, diplomata”, Buenos Aires, 6 janeiro 2008, 3 p. Resenha do livro de Carlos Henrique Cardim: A Raiz das Coisas: Rui Barbosa, o Brasil no Mundo (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, 350 p.). Revista Desafios do Desenvolvimento (Brasília: IPEA, ano 5, n. 39, janeiro 2008, p. 62). Relação de Publicados n. 811.


Rui Barbosa, diplomata

 

Carlos Henrique Cardim

A Raiz das Coisas: Rui Barbosa, o Brasil no Mundo

Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, 350 p.

 

O patrono incontestável da diplomacia brasileira é o “sacrossanto” Barão do Rio Branco, que deve figurar num pedestal do Itamaraty, à direita de Deus Pai, sem qualquer concorrente à sua esquerda (e nenhum iconoclasta se apresentou até hoje). No entanto, o famoso Juca Paranhos atingiu a categoria de mito, mais por ter protagonizado algumas bem-sucedidas negociações de fronteiras, numa fase de consolidação dos limites geográficos da pátria, do que por ter formulado, propriamente, as bases conceituais da moderna diplomacia brasileira. Por certo, ele sempre é referido quando se trata da escolha sábia de procurar manter boas relações com o gigante hemisférico, ao mesmo tempo em que se buscava cultivar, numa boa barganha de equilibrista, nossa interação com a Europa, de maneira a preservar o rico patrimônio histórico trazido pelos novos imigrantes da fase pós-escravidão. Isso tudo, alertava o Barão, sem alienar nosso capital de altos e baixos com a Argentina, que ele pretendia o mais alto possível, desde que garantida a “relação especial” com os EUA da era Teddy Roosevelt, o tal que recomendava falar macio, mas carregar um grande porrete para convencer os mais recalcitrantes. Rio Branco nunca o desaprovou, pelo menos explicitamente.

Poucos se dão conta de que Rui Barbosa, o primeiro ministro da Fazenda da República, deveria ser considerado o “pai intelectual” da moderna diplomacia brasileira: ele deixou um legado de posições, hoje devidamente constitucionalizadas nos primeiros artigos da Carta de 1988. Rui nunca foi um diplomata profissional, mas se o fosse, poderia ser facilmente acomodado, com sua figura esguia e franzina, à esquerda de Deus itamaratiano, como um legítimo complemento ao redondo Barão. Esta monografia do Embaixador Cardim comprova que Rui foi muito maior do que o registrado na literatura da nossa política externa, mesmo sem ter deixado alguma grande obra centrada nessa problemática das relações internacionais. Aliás, parece incrível, mas Rui não deixou nenhum livro publicado, sobre qualquer tema, a despeito de suas “obras completas” – na verdade, coletâneas de artigos e textos diversos – perfazerem 160 volumes, cuidadosamente compilados pela Fundação que leva no seu nome no Rio de Janeiro. Foi lá que Cardim mergulhou para escrever a mais completa obra sobre o “diplomata” Rui Barbosa, um orador exímio.

Sua obra de ativo “internacionalista” está dispersa em centenas de artigos, pareceres, discursos, orações e preleções jurídicas, tendo sido jurisconsulto, consultor e advogado das boas causas: defendeu, por exemplo, o direito da primeira mulher que passou no concurso do velho MRE a ingressar na carreira diplomática, numa fase de misoginia explícita contra as poucas e corajosas candidatas. Sua mais importante ação diplomática está contida em telegramas, na condição de chefe da delegação à segunda conferência internacional sobre a paz mundial, realizada na Haia em 1907. Ele fez uma “dobradinha” de alta qualidade com o Barão, que trocava freqüentes impressões com ele, em telegramas cifrados, sobre os rumos dessa conferência e as posições que o Brasil deveria mais convenientemente adotar, em face do verdadeiro monopólio que as grandes potências exerciam sobre a agenda internacional. Cardim selecionou os expedientes e organizou um dossiê abrangente sobre a atividade e o pensamento de Rui em temas internacionais, numa obra que já nasce clássica, se a distinção se aplica. 

Sua importância não parece ter sido reconhecida na diplomacia brasileira até recentemente, quando uma sala, com o seu nome, foi inaugurada no novo palácio dos Arcos em Brasília, bem mais conhecido como Itamaraty. Curioso que, a despeito da preeminência do Barão nos anais da Casa, nenhuma de duas pesquisas recentes sobre as grandes personalidades da história brasileira colocou Juca Paranhos entre os cinco primeiros. Em ambas, figura Rui; numa delas em primeiro lugar, um justo reconhecimento pelo seu mérito de verdadeiro modernizador do Brasil, desde cedo um opositor da tutela militar que insistiu em preservar o poder moderador durante a maior parte da República. Cardim nos traz aqui não exatamente o tribuno civilista e defensor da legalidade democrática, mas o defensor da igualdade soberana das nações, que ocupa lugar de destaque na moderna diplomacia brasileira. Poucos são os textos conhecidos dessa vertente diplomática do famoso jurista baiano, que aqui aparecem pela primeira vez resumidos e interpretados por um diplomata bibliófilo, que também é um acadêmico exemplar e um dos grandes editores de livros acadêmicos já conhecidos na história editorial brasileira. 

O livro ainda traz belas imagens de época – fotos e uma saborosa iconografia com charges dos mais famosos humoristas brasileiros de um século atrás – e anuncia, além de tudo, novos volumes sobre Rui Barbosa, internacionalista brasileiro, que a Fundação que leva o seu nome publicará. Mas este, já é um livro de coleção...


Paulo Roberto de Almeida

[Buenos Aires, 6 de janeiro de 2008]

Revista Desafios do Desenvolvimento (Brasília: IPEA, ano 5, n. 39, janeiro 2008, p. 62). Relação de Publicados n. 811. 


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Cardim também foi o coordenador da reprodução do intercâmbio telegráfico entre Rui e o Barão do Rio Branco quando da segunda Conferência da Paz da Haia, em 1907, sobre a qual também fiz uma pequena nota: 

Centro de História e Documentação Diplomática: II Conferência da Paz, Haia, 1907: a correspondência telegráfica entre o Barão do Rio Branco e Rui Barbosa (Brasília: FUNAG, 2014, 272 p.): 

Carlos Henrique Cardim, que apresentou tese e tem livro publicado sobre Rui diplomata, assina um prefácio de 18 páginas para introduzir o intercâmbio mantido a propósito do que ele chama de “estreia do Brasil no mundo”, consubstanciada na defesa da “dignidade da nação”, nas palavras de Rio Branco, que Rui interpretou como defesa intransigente da igualdade soberana das nações, entrando por isso em choque com as posições das nações mais poderosas. Seguem 240 páginas de telegramas entre os dois homens, desde 13 de março, ainda no Brasil, até 26 de dezembro, no Recife, a caminho do Rio, depois dos meses passados em Scheveningen, com trocas diárias de mensagens, informações e impressões de ambos sobre as posições dos demais participantes e sobre a que convinha ao país adotar. Matéria prima indispensável para os estudiosos.


Paulo Roberto de Almeida

Hartford, 15 de fevereiro de 2015

 

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Por fim, permito-me informar que, em meu mais recente livro, Construtores da Nação: projetos para o Brasil, de Cairu a Merquior (São Paulo: LVM Editora, 2022, 304 p.), consta um extenso capítulo sobre Rui Barbosa, descrito como "O defensor do Estado de Direito: Rui Barbosa". 




Sumário 

Construtores da Nação: projetos para o Brasil, de Cairu a Merquior

 

Prefácio

       Arnaldo Godoy, 11

Apresentação

Nos ombros dos verdadeiros estadistas, Paulo Roberto de Almeida, 19

 

Introdução

Da construção do Estado à construção da Democracia, 25

 

Primeira parte: a construção do Estado

     O Estado antes da Ordem e da própria Nação, 35

1.  As vantagens comparativas de José da Silva Lisboa (Cairu), 43

2.  Por uma monarquia constitucional liberal: Hipólito da Costa, 52

3.  Civilizar os índios, eliminar o tráfico: José Bonifácio de Andrada e Silva, 66

4.  Um Memorial para reformar a nação: Francisco Adolfo de Varnhagen, 77

 

Segunda parte: a construção da Ordem

     Uma Ordem patrimonialista e oligárquica, 97

5.  Os liberais conservadores: Bernardo, Paulino e Paranhos, 99

6.  Um aristocrata radical: Joaquim Nabuco, 111

7.  Bases conceituais da diplomacia: o paradigma Rio Branco, 119

8.  O defensor do Estado de Direito: Rui Barbosa, 128

 

Terceira parte: a construção do Progresso

     O Progresso pelo Estado, com o Estado, para o Estado, 141

9.  Um empreendedor liberal numa terra de estatistas: Mauá, 150

10. Um inglês imaginário e o nacionalista do petróleo: Monteiro Lobato, 158

11. O revolucionário modernizador: Oswaldo Aranha, 170

12. Duas almas pouco gêmeas: Roberto Simonsen e Eugenio Gudin, 181

 

Quarta parte: a construção da Democracia

     A Democracia carente de união nacional, 193

13. Em busca de uma esquerda democrática: San Tiago Dantas, 196

14. O militante do parlamentarismo: Afonso Arinos de Melo Franco, 209

15. As oportunidades perdidas do Brasil: Roberto Campos, 219

16. O liberalismo social de José Guilherme Merquior, 230

 

A construção da Nação: um itinerário de 200 anos de história, 253

 

Posfácio

O que a intelligentsia brasileira construiu em dois séculos de ideias e ações?  261

 

Referências Bibliográficas para os Construtores da Nação, 269

Nota sobre o autor, 301


quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

A diplomacia brasileira da independência: webinar com Carlos Henrique Cardim, Paulo Roberto de Almeida e José Theodoro Menck (IHG-DF)

 Terei o prazer de dialogar com meu colega e caro amigo embaixador Carlos Henrique Cardim, ademais do vice-presidente do IHG-DF José Theodoro Menck, em mais um evento da série sobre o bicentenário do Instituto Histórico e Geográfico do DF, do qual sou editor de publicações.

Independência em perspectiva: a diplomacia


Elaborei recentemente um ensaio sobre a diplomacia da independência: “A diplomacia brasileira da independência: heranças e permanências”, que serviu de base a uma Aula Magna na Universidade Federal Fluminense, com uma apresentação em Power Point voltada para a bibliografia pertinente.

Disponível na plataforma Academia.edu

link: https://www.academia.edu/62641768/4018_A_diplomacia_brasileira_da_independencia_heranças_e_permanencias_2021_

 anunciado no blog Diplomatizzando 

link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/11/a-diplomacia-brasileira-da_28.html


sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Bicentenario: revista 200, do Itamaraty, descontinuada

O Governo Temer criou em 2017, por decreto, uma Comissão Nacional do Bicentenário, que nunca funcionou, não só porque ela era presidida pelo Ministro da Cultura, e pelo menos quatro ministros se sucederam no MinC, sem jamais colocá-la para funcionar, como também porque os demais ministérios engajados na Comissão tampouco atuaram para preparar as comemorações nacionais (talvez internacionais) vinculadas aos primeiros 200 anos de vida do Estado-nação independente.

Preocupado com o fato, de um ponto de vista intelectual, suscitei, enquanto fui diretor do IPRI – Instituto de Pesquisa das Relações Internacionais – de agosto de 2016 a março de 2019, a criação de um Grupo de Trabalho do Bicentenário, no âmbito do Gabinete do Ministro de Estado, que na época era o Senador Aloysio Nunes. O Secretário do GT era o chefe de gabinete do ministro, embaixador Eduardo Saboia, que nos deu todo o apoio, e atuava como Coordenador Adjunto o embaixador Carlos Henrique Cardim.

Foi Cardim – ex-decano de extensão na UnB, quando foi também responsável pela tradução e edição de centenas de obras relevantes do pensamento político internacional – que teve a ideia de fazer uma revista, à qual deu um título muito simples: 
200

Com todo o esforço conjunto de algumas diplomatas engajados na preparação editorial dessa revista, que deveria ser uma publicação periódica, foi montado o primeiro número.

Eis o Expediente da revista: 
Revista 200, ano I, n. 1, outubro-novembro-dezembro 2018; ISSN: 2596-2280
Grupo de Trabalho do Bicentenário da Independência do Ministério das Relações Exteriores
Ministro Aloysio Nunes; SG Marcos Galvão
Chefe de Gabinete: Eduardo Saboia
Coordenador Adjunto: Carlos Henrique Cardim

O primeiro número ficou pronto justo a tempo de ser lançado ainda no governo Temer, mas pequenos problemas de última hora inviabilizaram a sua distribuição imediata. 

Eis o Sumário do primeiro número da revista, tal como penosamente e carinhosamente preparada pelo Cardim.

Quando algumas centenas de exemplares da revista ficaram prontas na gráfica, já tinha sido eleito o governo atual, e a revista foi, por assim dizer, CONGELADA.

Este talvez seja o termo correto, CONGELADA: não foi distribuída pela nova Administração e não se tem notícia de qualquer decisão quanto a ela.

O que foi feito dela? Confesso que ignoro.
O expediente da Revista 200 indica (ou indicava) que "é uma publicação periódica do Grupo de Trabalho do Bicentenário da Independência do Gabinete do Ministro de Estado

Site: http://www.itamaraty.gov.br/revista200 (mas uma tentativa de acesso foi frustrada)

Erro 404  - Artigo não encontrado - Pedimos desculpas pelo inconveniente, mas a página que você estava tentando acessar não existe neste endereço. Se você está certo que o endereço informado está correto mas está encontrando um erro, por favor entre em contato. Obrigado.

E-mail: 200@itamaraty.gov.br (não devolve, mas deve estar desativado).


Como eu colaborei com a revista, com um artigo sobre Hipólito da Costa, que considero o primeiro estadista da nação, consegui um exemplar, a partir do qual elaborei uma pequena amostra do que é a revista, que coloquei nestes dois links da plataforma Academia.edu:
e

Meu artigo publicado no n. 1, e até aqui ÚNICO, foi este aqui: 

 3317. “Hipólito da Costa: o primeiro estadista do Brasil”, Brasília, 8 agosto 2018, 25 p. Artigo sobre o primeiro jornalista independente do Brasil como homem de Estado, para a revista 200, do projeto Bicentenário, sob editoria do embaixador Carlos Henrique Cardim. Revisto em 27/08/2018; resumido para fins de publicação


“Hipólito da Costa: o primeiro estadista do Brasil”, publicado em versão abreviada na revista 200 (Brasília: MRE, ano I, n. 1, outubro-dezembro de 2018, pp. 186-211). 



Divulgado em versão completa no blog Diplomatizzando (3/010/2018; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2018/10/hipolito-jose-da-costa-o-primeiro.html) e em Academia.edu (link: https://www.academia.edu/s/23837e7fa3/hipolito-da-costa-o-primeiro-estadista-do-brasil-2018).


O que aconteceu com a revista? 
Não sabemos!
O que se está pensando em fazer para as comemorações do Bicentenário da Independência?
Não sabemos!
Aliás, não existe nem Ministério da Cultura, nem cultura, para sermos mais precisos...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 20 de fevereiro de 2020


quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Posse do embaixador Carlos Henrique Cardim no IHG-DF

O embaixador Carlos Henrique Cardim tomou posse, nesta quarta-feira 27/11/2019, como novo membro do Instituto Histórico e Geográfico do DF, na cadeira que tem como patrono o diplomata do Império, Duarte da Ponte Ribeiro. A saudação de acolhimento foi feita por mim, que sou da cadeira Tobias Barreto.
Abaixo, meu texto de saudação.
Paulo Roberto de Almeida
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Caro presidente Ronaldo Poletti, por meio de quem cumprimento todos os demais membros de nosso Instituto.
Caro amigo, colega, companheiro de aventuras intelectuais, Carlos Henrique Cardim, professor, diplomata, editor, mas sobretudo, grande intelectual e homem de pensamento.
Tenho especial prazer, neste dia, em recepcionar nosso mais novo membro, sobretudo porque ele promete ser aqui o mesmo empreendedor de grandes aventuras intelectuais que ele tem sido, no âmbito universitário e no ambiente diplomático, desde que chegou a Brasília, na hoje distante década dos setenta, mais exatamente em 1976, numa das turmas do Instituto Rio Branco, nossa academia diplomática. Eu ingressei um ano depois dele, mas pela via de um dos concursos diretos realizados naquela década, atualmente descontinuados. 
Meu prazer também se explica pelo fato de que ele pertence à mesma tribo que eu, a dos sociólogos, hoje menos valorizada, mas que já teve um dos seus na presidência da República. Como eu, também, ele sempre manteve dupla militância, na academia e na diplomacia: desde sua chegada a Brasília é professor do Instituto de Ciência Política da UnB, sendo ainda um dos fundadores do curso de Relações Internacionais, o mais antigo no nível da graduação, atualmente exibindo excelência no mestrado e doutorado nessa área. 
Mais importante ainda, foi Decano de Extensão da UnB, numa das fases mais ativas e brilhantes das atividades extracurriculares da universidade, inclusive porque, como presidente do Conselho Editorial da Editora da UnB, no período de 1978 a 1983, foi o direto responsável pela tradução e edição brasileira de aproximadamente 500 títulos em todas as vertentes das ciências humanas e sociais, clássicos do pensamento ocidental, da antiga Grécia aos internacionalistas contemporâneos, passando pelo Renascimento, Iluminismo e pelo liberalismo clássico.
Mais precisamente, ele foi o coordenador da “Coleção Pensamento Político”, com 70 volumes, da “Biblioteca Básica Brasileira”, e promotor da edição pela UnB da obra de Max Weber Economia e Sociedade e “Clássicos UnB”. Nestas coleções figuram primeiras edições no Brasil, além do clássico de Weber, os Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio de Maquiavel, A Guerra do Peloponeso de Tucídides, e títulos de Karl Popper e Ortega y Gasset. Cardim ainda criou na UnB os Cursos de Extensão à Distância que atingiram cerca de 30 mil alunos. Foi Editor das revistas Documentação e Atualidade Política DAP, Relações Internacionais, Humanidades, Di&oa cute;genes, Parcerias Estratégicas, do Centro de Estudos Estratégicos da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, assim como dos Arquivos do Ministério da Justiça, e, ainda, da revista Diplomacia Estratégia Política (DEP), trilíngue, voltada para os países da América do Sul.
Finalmente, deu início a uma obra ainda em aberto, a revista 200, centrada no bicentenário da independência do Brasil, com a qual tive o prazer de colaborar, seja como simples autor, seja como facilitador de alguns trabalhos editoriais, enquanto diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais do Itamaraty. Aliás, fomos colegas nessa direção, mas o Cardim duplamente, pois foi por duas vezes diretor do IPRI, tendo editado, numa das vezes, a coleção “Clássicos do IPRI”, em cooperação com a Editora da UnB. A revista 200, infelizmente, teve uma única edição, em função das mudanças ocorridas no Itamaraty, mas acredito que ela deva merecer continuidade, de uma forma ou de outra.
Cardim escreveu uma profusão de artigos e ensaios, especialmente sobre o Barão do Rio Branco, tendo editado um livro sobre o grande diplomata, nosso patrono, por ocasião do centenário de sua posse no Itamaraty, fruto de um seminário memorável em 2002. Escreveu sobre outro diplomata, o historiador Varnhagen, quem visitou este planalto central, para reconhecer os locais da futura capital, em 1862, quando era ministro em Viena. Também estudou a carreira e as atividades políticas e diplomáticas de Rui Barbosa, a quem dedicou provavelmente a sua melhor obra: A Raiz das Coisas. Rui Barbosa: o Brasil no mundo, publicada em livro pela Editora Civilização Brasileira, depois de ter sido uma tese no Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco.
Como diplomata, Cardim serviu na Argentina, Chile, Venezuela, Estados Unidos e Paraguai, e foi embaixador do Brasil junto ao Reino da Noruega, cumulativamente com a República da Islândia. Foi ainda assessor do ministro e deputado Marco Maciel na Casa Civil da Presidência da República, assim como assessor internacional do Ministério do Esporte e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inteligência. O Centro de Estudos Estratégicos, do qual foi diretor, se transferiu da Secretaria de Assuntos Estratégicos para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Cardim já é membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, da Academia Brasiliense de Letras, do Conselho Superior de Altos Estudos da FIESP, da Associação Nacional de Escritores e do Conselho Editori al do Se nado, onde ele colaborou com a edição de obras importantes do pensamento brasileiro.
Dentre as atividades que reputo as mais importantes na longa carreira acadêmica e diplomática do então jovem diplomata Carlos Henrique Cardim encontra-se a de organizador dos famosos “Encontros da UnB”, um série de convites a altas personalidades da cultura mundial, que permitiu a vinda ao Brasil, na Universidade de Brasília, muitos pela primeira e única vez, de importantes intelectuais, para seminários dedicados individualmente a suas carreiras, obras e pensamento, dos quais resultaram vários livros com os depoimentos apresentados. Entre os intelectuais convidados, estão os seguintes: Raymond Aron, Karl Deutsch, Gilberto Freyre, John Kenneth Galbraith, Henry Kissinger (que chegou a ficar encurralado por estudantes raivosos num dos auditórios), Norberto Bobbio, Maurice Duverger, Miguel Reale, Ernst Gellner, Giovanni Sartori, Robert Dahl, Mario Vargas Llosa, Afonso Arinos de Mello Franco, René Dubos, Roberto Campos e Leszek Kolakowski. Como editor na UnB, organizou o livro Bobbio no Brasil, e editou o Dicionário de Política do grande intelectual italiano com a colaboração de Nicola Mateucci.
O mais relevante, para nossa cerimônia, do meu ponto de vista, é o fato de que o embaixador Cardim teve a grande sorte, uma honra para qualquer profissional da carreira, de ter como patrono de sua cadeira o grande Duarte da Ponte Ribeiro, um dos maiores diplomatas do Império, também conhecido como “fronteiro-mor”, uma espécie de Indiana Jones da Diplomacia, uma vida de missões extremamente desafiadoras na América andina e depois na construção da seção de mapas do Itamaraty, como chefe da sua divisão de fronteiras. Mas deixo ao Cardim relatar as qualidades do patrono da sua cadeira.
Seja bem vindo caro amigo, grande intelectual, embaixador Carlos Henrique Cardim.

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Carlos Henrique Cardim toma posse no IHG-DF, 27/11/2019

Na próxima quarta-feira terei o prazer de recepcionar meu amigo, colega, grande intelectual, o embaixador Carlos Henrique Cardim, como mais novo membro do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal.
Ele tem como patrono um "diplomata a cavalo", Duarte da Ponte Ribeiro, um dos promotores do uti possidetis, defendido por Alexandre de Gusmão no tratado de Madri (1750), como base para as negociações brasileiras de fronteiras no século XIX.

Estou escrevendo minha alocução de acolhimento.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 25/11/209

sábado, 9 de novembro de 2019

Duarte da Ponte Ribeiro: um diplomata a cavalo

Meu colega e amigo, o embaixador Carlos Henrique Cardim, deve tomar posse no próximo dia 27 de novembro como mais novo membro do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, e eu deve fazer a apresentação.

Minha preleção será breve e se restringirá à trajetória intelectual de Cardim, possivelmente o maior editor universitário do Brasil, ao ter dirigido a Editora da UnB numa das fases mais gloriosas de sua existência, organizando a tradução e a publicação de centenas das obras mais importantes do pensamento político, histórico e filosófico mundial.
Como o seu patrono será Duarte da Ponte Ribeiro, o diplomata brasileiro de origem portuguesa que se distinguiu no século XIX como o grande "fronteiro-mor" da diplomacia brasileira, lembrei-me de um artigo que eu havia preparado em 2005 e que nunca foi publicado na íntegra, mas apenas em versão resumida no boletim da ADB.
Permito-me reproduzi-lo abaixo, e aqui vai a ficha do trabalho: 
1381. “Um diplomata a cavalo: Duarte da Ponte Ribeiro”, Brasília, 28 jan. 2005, 6 p. Publicado, em versão reduzida, no Boletim ADB (Brasília: Associação dos Diplomatas Brasileiros, a. XII, n. 48, jan/mar. 2005, p. 16-19; link: http://www.adb.org.br/boletim/ADB-48.pdf; http://www.adb.org.br/). Relação de Publicados n. 548.

Um diplomata a cavalo: Duarte da Ponte Ribeiro

Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org)



Aqueles que pensam, por experiência própria ou relato de terceiros, que a situação sanitária de certos postos está abaixo da crítica ou que as condições de vida, em geral, de determinados países deixam muito a desejar, bem fariam em ler, ou reler, a biografia de Duarte da Ponte Ribeiro, Um Diplomata do Império, do historiador José Antonio Soares de Souza (São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1952; Coleção Brasiliana 273). Trata-se, provavelmente, do mais versátil colega já conhecido nos anais da nossa história diplomática, um verdadeiro sobrevivente e um aventureiro involuntário de muitas das peripécias da nossa primeira diplomacia.
Sobreviveu à invasão de Portugal, onde nascera em 1795, pelas tropas de Junot, a serviço de Napoleão, e a muitas viagens de navio, logo após sua formação como médico, no Real Hospital Militar do Morro do Castelo, no Rio de Janeiro joanino. Cirurgião de bordo, a partir de 1811, sobreviveu a viagens tempestuosas, a meias rações de água, ao escorbuto e a uma terrível carneirada (febre de Angola), quase dado como morto após três dias de agonia. Logo depois da independência, em 1824, tendo decidido permanecer no Brasil e servir ao novo Estado, foi vítima de um terrível acidente: “uma espingarda de dois canos rebentara em suas mãos, causando-lhe a descarga despedaçamento da mão e braço esquerdos, perda de ossos, tétano conseqüente...”.
Médico renomado, mas impossibilitado agora de operar o bisturi com a destreza necessária, ele se transforma em diplomata praticamente por acaso. Tendo sido nomeado, em 1826, cônsul do Brasil na Espanha, deparou-se, entretanto, com a curiosa situação de não lhe ser dado o necessário exequatur, por não reconhecer o governo espanhol a independência do Brasil, devido à ocupação brasileira na Cisplatina. Acompanhado da mulher e cinco filhos (o último nascido em Lisboa), Ponte Ribeiro retornou portanto ao Brasil, sem ter conseguido cumprir sua primeira missão diplomática. Não tendo recebido passagens ou qualquer ajuda de custo da Secretaria dos Negócios Estrangeiros, viu-se na constrangedora situação de ser obrigado a vender as pratas da casa e o seu primeiro uniforme de diplomata, para poder custear as passagens de volta, ficando ainda devedor de um amigo de Lisboa em mais de 50 mil réis.
Em fevereiro de 1829, Duarte da Ponte Ribeiro era nomeado cônsul geral e encarregado de negócios no Peru. Embarcou numa fragata brasileira até Montevidéu, daí passou a Buenos Aires, com instruções de seguir por terra até o Chile: a Secretaria de Estado não tinha idéia, aparentemente, das dificuldades de um tal trajeto. Se encontrasse ambiente favorável nesse país, deveria entregar uma carta credencial que o acreditava igualmente como encarregado de negócios, interino, junto ao governo do Chile. Em abril, entretanto, com as “províncias unidas” ainda em situação de guerra civil, ele avisava o ministro brasileiro sobre a impossibilidade de prosseguir por terra, “enquanto o país não ficar sossegado dos montoneiros e dos índios selvagens”. Terminou viajando por mar, mas embarcando a partir de Montevidéu, numa fragata francesa, que fez o percurso pelo Cabo de Horn. Em agosto de 1829, depois de arrostar os tempestuosos mares do extremo sul, apresentava suas credenciais na capital do Peru.
Em 1830, empenhado em reduzir despesas, o ministro dos negócios estrangeiros, Francisco Carneiro de Campos, comunicava-lhe que o Império havia decidido reduzir o seu salário anual a dois contos e quatrocentos mil réis, e ainda advertia: “Escuso dizer a Vossa Mercê que qualquer excesso de despesa não será abonado”. Com a Regência, sua missão no Peru foi retirada em novembro de 1831, mas a comunicação só chegou a Lima em abril seguinte, após o que Ponte Ribeiro parte em direção ao Chile. Na capital chilena, Ponte arrostou sua conhecidíssima inimiga, pois, atacado de cólera-morbus e novamente desenganado, conseguiu escapar da morte, “desmentindo os prognósticos dos médicos”. Em agosto de 1832, ele já estava de volta à Corte, “longe dos apuros que passara com o miserável ordenado de 2:400$000”, mas também sem qualquer outro salário.
Nessa época, inexistia a carreira diplomática e Ponte Ribeiro permaneceu em disponibilidade sem nada receber, até que se lhe deparasse uma nova oportunidade de servir ao país. Essa lhe surge um ano depois, quando o ministro Silva Lisboa o nomeia encarregado de negócios no México, onde deveria informar que “o principal objeto da nossa gloriosa revolução, com tanta fortuna realizada em 7 de abril de 1831, fôra eximir-nos da influência portuguesa, não havendo sido senão nominal até aquela época a independência, que com tanto custo havíamos conseguido de uma metrópole que, por séculos, nos escravizara”.
A caminho da Inglaterra, para depois ir ao México, ele se demora em Portugal, em missão secreta, seguindo os passos do ex-imperador, para saber das possibilidades de sua volta ao Brasil. Em fevereiro de 1833 segue de paquete para a Inglaterra e daí partiu para Vera Cruz, aonde chegou em 28 de abril, depois de ter passado por São Domingos, Jamaica e Honduras. Fugiu do porto mexicano imediatamente, apressado e espavorido com receio do “vômito preto”, que matava de quinze a vinte pessoas por dia. Um de seus primeiros ofícios já consignava que “os negócios desta República (então dirigida pelo presidente Sant'Ana) chegaram ao último estado de complicação e oferecem o mais horroroso aspecto... Toda a República está hoje em revolução”. Em março de 1835, ele descreve um “violento terremoto” na capital do país: “No estado de Oaxaca apareceu um novo vulcão, vomitando lava, e se crê que ele produziu estes terremotos”.
Com todo vômito preto, vulcões e terremotos, Ponte Ribeiro só se demorou um ano e meio no México, pois em fevereiro de 1835 Manoel Alves Branco, o novo ministro, assinou sua carta revocatória, que só lhe chegou em outubro. Demorou um pouco para partir, por se achar doente, “com ulceração e infarto das glândulas da garganta”. Partiu de Vera Cruz em 8 de novembro e chegou a Filadélfia duas semanas depois, para novamente enfrentar sua velha conhecida: “Na mudança repentina de um país extremamente caloroso e outro coberto de neve, regressou a minha enfermidade de garganta, com uma pulmonia de que estive à morte”. Conseguiu resistir à morte, como ele disse, por que “preciso buscar pão para cinco filhos”.
Os meses que passou em Filadélfia, bloqueado pela neve e preso a uma cama, meditando sobre a morte e observando o começo da expansão americana em direção ao Texas e outras regiões, fizeram-no desconfiar pelo resto da vida dos americanos: “Deus livre o Império brasileiro de uma questão com os Estados Unidos, que sirva(-lhes) de pretexto para organizar expedições... Desculpa V.Exa. este desabafo contra os Yankees. Cuidado com eles...”. Na volta ao Brasil, ele ainda passou pela Inglaterra e por Lisboa.
Com 41 anos, a fase mais importante da vida de Duarte da Ponte Ribeiro estava começando ali, quando influenciaria decisivamente a futura demarcação dos limites do Brasil. O novo ministro dos negócios estrangeiros, Visconde de Abaeté, nomeou-o em junho de 1836 encarregado de negócios nas repúblicas da Bolívia e do Peru, junto com seu filho, de apenas 14 anos, designado adido de segunda classe nas mesmas repúblicas. A razão era puramente financeira, como explica Soares de Souza: “Elevara-se-lhe agora o ordenado para 3:200$000 (anuais), dando-se-lhe mais a quantia de 400$000 para os gastos da legação; porém exigiam-lhe outras despesas bem maiores, com a designação para a Bolívia e Peru. (...) O único alvitre de que se pôde lançar mão, para se remediar o mal, foi a nomeação de um dos filhos do encarregado de negócios para o cargo de adido, o que redundaria em aumento de vencimento para o pai. (...) Enganava-se redondamente, pois coisa nenhuma seria abonada ao rapaz até o fim da missão.”
A caminho da nova missão, acompanhado apenas pelo filho adido, demorou-se Ponte Ribeiro em Montevidéu e em Buenos Aires, onde freqüentou o Arquivo Militar, estudando os geógrafos antigos e copiando cartas e mapas. “Um mapa ou documento, que se referisse aos limites do Brasil, exercerá sobre ele irresistível atração. (...) Será qualquer coisa digna de todos os sacrifícios e a que o próprio furto se exculpará pela natureza do objeto furtado”. Em Buenos Aires, ele queria comprar de um dos comissários espanhóis encarregados de demarcar os limites do tratado de Santo Ildefonso, já velho e doente, quase na miséria, todos os trabalhos que possuía sobre essas demarcações. Informava ele ao ministro: “Ele está velho, enfermo e pobre; e por isso resolvido a vender mais barato: pede sete mil pesos fortes, mas estou bem persuadido que dará por cinco”. O Império, porém, foi mais uma vez sovina, negando-lhe qualquer dotação.
Duarte da Ponte Ribeiro deixou Buenos Aires, por terra, em outubro de 1836, empreendendo uma viagem de quase mil léguas, com recomendações dadas pelo próprio ditador Rosas. Percorreu, em diligência, a lombo de burro ou a cavalo, as províncias de Santa Fé, Córdoba, Santiago del Estero, Tucumã, Salta e Jujui, chegando a Chuquisaca, na Bolívia, em 30 de dezembro. Um amigo, na Secretaria de Estado, “não compreendia que se fizesse semelhante loucura”, mas podia Ponte “gabar-se de ser o brasileiro que mais viajara pelo continente americano”.
Em 3 de janeiro de 1837, ele já entrava em funções, transformando-se em cronista dos lances políticos e guerreiros que se desdobravam nas repúblicas do Peru, Bolívia e Chile. Os complicados conflitos do Rio da Prata, “não se comparavam em complexidade à pavorosa luta que desencadeara o Marechal Santa Cruz, ao impor a federação Peru-Bolívia”. O Marechal era o político mais poderoso dos Andes e pretendia, num futuro próximo, “dirigir todas as repúblicas do Pacífico”. Descendente de incas e de nobres espanhóis, falava as línguas indígenas, era possuidor de inteligência, tinha habilidade política e perfeito conhecimento dos homens, mas “a dissimulação, a desmedida vaidade e ambição ilimitada, reduziram-no à craveira comum dos demais ditadores”. 
A Bolívia parecia a Santa Cruz demasiado acanhada, mas ao Chile não convinha essa união. Quando Ponte Ribeiro apresentou-se na Bolívia, já o Chile se movimentava contra o Marechal, oferecendo-se o diplomata brasileiro como mediador, em nome do Império. “Teria sido das mais calmas a estada de Ponte Ribeiro na Bolívia, se não fôra a feição peculiar ao governo boliviano de não estacionar por muito tempo no mesmo local. (...) Escarrapachado no lombo de um burro, teve o diplomata brasileiro de segui-lo por caminhos escabrosos, que na estação de chuvas se tornavam intransitáveis”.
Saído de Chuquisaca em 19 de março de 1837, com o vice-presidente, chegou Ponte Ribeiro em 5 de abril a La Paz, onde estava o Marechal Santa Cruz, que ostentava os seguintes títulos: “Gran Ciudadano, Restaurador y Presidente de Bolívia, Capitan General de los Ejercitos, General de Brigada de Colombia, Gran Mariscal Pacificador del Peru, Supremo Protector de los Estados Sur y Nor-Peruanos”. Agora ia descer Ponte até o Pacífico, já que em Tacna os plenipotenciários dos dois países discutiam as bases da federação. Logo em seguida ele foi agraciado pelo Marechal com a Legião de Honra Boliviana, pois “se ha hecho acreedor a la gratitud nacional, por el vivo interés que toma en la prosperidad de estos Estados”.
No dia 28 de maio, ele já era recebido em Lima, em audiência pública pelo próprio Santa Cruz, agora no papel de presidente do Peru. A dominação não era tolerada pelos peruanos, mas era imposta por seus três generais: um alemão, outro irlandês e o terceiro inglês. Ponte estava no centro de todos os enredos, quer da política interna do país, quer da guerra declarada pelo Chile. “E se não fôra a mesquinhez do ordenado que lhe pagava o governo imperial, em desproporção ao custo de vida na capital peruana, não lhe teriam sido desagradáveis os sete anos de permanência em Lima”. Ele assistiu ainda à invasão de Lima por tropas chilenas, em agosto de 1838, tendo o Marechal Santa Cruz procurado convencê-lo da necessidade de uma aliança do Império com o Peru e da cessão de dois navios de guerra para sua inexistente armada.
Foi no quadro dessas conversações, que também envolviam questões de limites e um tratado de amizade, comércio e navegação, que se firmou, primeiro no espírito de Ponte Ribeiro, depois nos documentos e ofícios que ele despachava para a Secretaria de Estado, o princípio do uti possidetis, em contraposição ao tratado de 1777, como a base essencial para a resolução das pendências de fronteiras deixadas em aberto pela herança colonial luso-castelhana. Num projeto de tratado de comércio com a confederação Peru-Bolívia, que Ponte Ribeiro discutiu com o Marechal, figurava claramente o princípio do uti possidetis como referencial para a demarcação dos limites. Esta foi, provavelmente, a primeira vez que o Brasil utilizou-se do conceito em negociação com um estado vizinho, o que Ponte Ribeiro teve de sustentar incisivamente junto a seus superiores, face a instruções contrárias, e manifestamente inadequadas, do Rio de Janeiro.
A vida que levava Ponte Ribeiro em Lima era sóbria: evitava jantares, “alegando doença de estômago e regimes alimentares, mas na verdade para evitar retribuições que os seus ordenados não comportavam”. Como informa ainda Soares de Souza, “a única despesa extraordinária de Ponte Ribeiro no Peru consistia na compra de documentos raros”. O Império lhe dava muitos títulos - cavaleiro, comendador, depois barão - mas lhe recusava um salário condigno. “Afinal, excogitava ele, para que tanta luta, tanto estudo, tantas privações, tanto trabalho? para chegar onde chegou: a miséria! Para isso não fôra preciso enfrentar mares, tempestades, navios à vela, caminhos escabrosos e lombos de burro. Bastava-lhe ter ficado na Corte, onde os próprios negros tinham vida melhor”.
Tirante os navios à vela e o lombo dos burros, alguma semelhança entre esse quadro desolador com situações, salários ou episódios atuais? Talvez mera coincidência...

Brasília, 28 janeiro 2005
Publicado, em versão reduzida, no Boletim da
Associação dos Diplomatas Brasileiros
(Brasília: ADB, ano XII, nº 48, Jan-Mar 2005, p. 16-19)