O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

segunda-feira, 18 de março de 2024

inteligência artificial: um novo mundo, uma nova linguagem que se abre à humanidade - Silvio Meira

DO MAUR´ICIO DAVID:

 

Conheci o Silvio Meira através do meu então amigo Roberto Mangabeira Unger, professor da Harvard University, de quem fui, a seu convite, Secretário-Geral do Instituto Desenvolvimento com Justiça que junto criamos em 2001. Sonhávamos, quando criamos este Instituto, com a possibilidade de construção de um Brasil melhor, mais justo e mais humano. Tempos depois (na verdade, anos depois...) o Mangabeira foi convidado a assumir a Secretaria/Ministério de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e, criador de utopias que é, liderou a preparação de um grande projeto para pensar o Brasil e, em dado momento, organizou aqui no Rio (no Copacabana Palace, o Mangabeira sempre pensa grande...), um colóquio para debater algumas das idéias-chave com que vinha trabalhando. A esta altura, já de volta ao BNDES depois de passar um tempo na CEPAL, em Santiago do Chile, fui convidado pelo Mangabeira para participar desta reunião, da qual o Silvio Meira participou também como conferencista. A esta altura eu já ouvira falar dele e tivera oportunidade de ler alguns dos seus trabalhos. Ouvi com atenção então as palavras do Silvio Meira. Agora, acabo de receber cópia desta entrevista dele, publicada em forma digital no dia de hoje . É de arrepiar esta entrevista do Silvio Meira, o maior futurólogo brasileiro, cientista-chefe da tds.company, professor emérito da Universidade Federal de Pernambuco e um dos fundadores do Porto Digital, o centro de excelência em inovação do Recife. Pena que, próximo do ocaso da minha vida, não poderei viver este futuro utópico que Silvio Meira sinaliza. Resta-me a esperança de que os meus netos (e futuros bisnetos...) o possam ( quiçás os meus filhos e noras, talvez), bem como alguns dos meus contados leitores...

E deixo-lhes a leitura desta entrevista, talvez inspiradora para este final-de-semana...

MD

 

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Silvio Meira: “Estamos na era da pedra lascada da IA, mas o futuro chega em 800 dias”

 

Daqui a 800 dias, a inteligência artificial atingirá a complexidade da filosofia. Não são meses nem semanas. São dias. Isso significa que os líderes empresariais que ficarem esperando para ver se “esse negócio de IA” vai dar certo, daqui a três anos não vão mais conseguir entender o cenário competitivo. Vai ser tudo rápido demais. A profecia é de Silvio Meira, o cientista-chefe da tds.company, professor emérito da Universidade Federal de Pernambuco e um dos fundadores do Porto Digital, o centro de excelência em inovação do Recife. Silvio também está no conselho de empresas como o Magazine Luiza, MRV, Tempest e CI&T. “Entre a escrita Linear B (a forma mais antiga do grego que se conhece) e Platão, demorou 1.200 anos,” diz Meira“Entre a Inteligência Artificial online e o equivalente a um Platão contemporâneo, vai levar alguma coisa como 1.200 dias. Não é 1.200 meses, nem 1.200 semanas. É 1.200 dias.” Já estamos por volta do dia 400, levando em conta o lançamento do ChatGPT. Um lançamento épico, que já entrou para a História como o sistema de informação que mais rápido atingiu 100 milhões de usuários. “100 milhões de pessoas fazendo sabe o quê? Treinando um sistema de informação. De graça,” diz Silvio. Mesmo com a IA já tendo caminhado um terço da escala imaginada por ele, Silvio mesmo diz que estamos ainda na idade da pedra lascada da IA. Quando o ChatGPT foi lançado, o modelo era capaz de processar 4 mil tokens. O token é uma medida que define a quantidade de informação à qual o modelo de IA pode prestar atenção de forma a manter uma interação coerente com as pessoas. Mais recentemente o Google lançou o Gemini, com capacidade de 700 mil tokens. É token suficiente para processar 60% de toda a Enciclopédia Britânica. Até 2030, Meira diz que serão bilhões de tokens, capazes de entender todo o conteúdo em português criado no mundo em todos os tempos. E em 2040, serão trilhões de tokens. Enquanto isso, as empresas ainda precisam entender o básico: a inteligência artificial não é uma ferramenta. Ela é uma extensão da inteligência, e isso significa que as pessoas não podem ser substituídas. Também vai significar uma transformação dos negócios, a ponto de criarmos o mercado de uma só pessoa. Silvio não mede as palavras para fazer seu ponto. Nem com as pequenas… “Se você é uma empresa pequena e não está usando a inteligência artificial que está na nuvem que é aberta, que não vai lhe dar trabalho de treinamento, de configuração, de segurança, você é um idiota.” Nem com as grandes… “Se você é uma grande empresa, um banco, uma grande rede de varejo, grande negócio de finanças, grande sistema universitário e você está usando um negócio de Inteligência Artificial que está na nuvem, você é um idiota também.” É difícil entender, mas Silvio usa até as carroças para tentar explicar tudo nesta conversa com o Brazil Journal. Qual tem sido a reação mais recorrente das pessoas à inteligência artificial? Susto combinado com histeria. De fora da área de computação, todo mundo achando que houve um big bang. Mas para quem acompanha de perto, esse assunto está sendo falado pelo menos nos últimos 20 anos. O que estava faltando era talvez o que a gente pudesse chamar de cola, do ponto de vista científico. Como se fosse uma amarração. Computação já estava nas empresas desde a década de 50 e do ponto de vista da sociedade em geral ela passou 45 anos escondida. Quando que a computação aparece para as pessoas? Em 1995. Por quê? Porque publicou-se o código na internet. A internet não é um ambiente de comunicação. Ela é um ambiente de conectividade, que habilita você a publicar código na internet. Muitos algoritmos ao mesmo tempo. E aí o que a gente viu em 2022 foi a publicação de Inteligência Artificial online que levou ao sistema de informação que teve mais rápido 100 milhões de usuários em toda a história do universo. 100 milhões de pessoas fazendo sabe o quê? Treinando um sistema de informação. Vou dizer de novo, não é usando esse sistema. É treinando. E de graça. E depois você mandou as pessoas pagarem para treinar um sistema que vai ser usado depois. Nós estamos numa espécie de idade da pedra lascada da computação inteligente. Não parece tão primitivo assim. Vou fazer um paralelo com a escrita. O que a gente conhece como alfabeto, não com hieróglifos e coisas parecidas, tem 3.500 anos. E depois evoluiu para a Linear B. Entre a linear B, em 1.500 antes de Cristo, e Platão demorou 1.200 anos. Mas entre a Inteligência Artificial online e o equivalente a um Platão contemporâneo, vai levar algo como 1.200 dias. Não é 1.200 meses nem 1.200 semanas. É 1.200 dias! Estamos chegando num ponto onde eu posso chegar para uma inteligência artificial e dizer, “faça uma teoria para mim, para isso, para esse cenário aqui e faça uma teoria que serve para esse tipo de objetivo.” E ela faz. Entendeu? Isso é uma coisa que não se esperava que tivesse acontecendo agora e aí sim, tem uma surpresa, até para o pessoal da área. Que conhece esse assunto há muito tempo. Tem um ‘puta que pariu’ aqui. Mas temos a questão dos erros, das alucinações. Isso vai acabar então? Os erros não vão acabar e justamente eles vão criar um conjunto muito grande de oportunidades para evolução. A gente nunca vai ter um modelo capaz de entender um universo como um todo, isso é computacionalmente impossível. Não tem essa história de vamos fazer um troço que entende o mundo todinho e nos diz a resposta para o sentido da vida. Mas vai fazer com que a gente continue evoluindo em larga escala e numa velocidade que talvez a gente nunca tenha visto. Isso está acontecendo com o Gemini, do Google? O ChatGPT saiu tão na frente e saiu tão do nada que ninguém esperava que aquilo acontecesse. O que aconteceu é que a Microsoft pulou direto na oportunidade, foi lá e botou US$ 10 bilhões em um movimento defensivo. Só para a gente lembrar, lá no começo, a Microsoft fez a mesma coisa com o Facebook, ela olhou assim e pensou eu nunca vou fazer isso então eu vou entrar aqui. Ela comprou uma cláusula de bloquear investimentos de outros. Ninguém pode comprar Facebook porque a Microsoft não deixaria, ela tem uma opção de compra para ela mesmo. E ela fez a mesma coisa com a OpenAI. E aí o que aconteceu com Google, Facebook, Apple? Eles têm que lançar alguma coisa. No caso do Google, isso é ainda mais dramático porque muda o seu modelo de negócio. Imagina você e eu fazendo a seguinte pergunta: Me explica a história das línguas escritas. O Google me responde com 50.000 links. O ChatGPT me explica a história das línguas escritas em uma resposta. Mas em que ponto estamos na sua escala de evolução da IA? Nós estamos alguma coisa como 400 dias depois do ponto de partida. E ainda estamos confundindo um bocado de coisa, a começar pelo que é inteligência humana. Até bem pouco tempo, tínhamos duas dimensões dessa inteligência da sociedade: a inteligência de cada um de nós e a inteligência social, que é a inteligência dos grupos ou de rede de pessoas. E aí vem a inteligência artificial. Ela não é uma tecnologia. Ela não é uma plataforma. Ela é uma nova dimensão da inteligência, e eu acho que as pessoas estão se perdendo aqui ao achar que tem uma ferramenta em que você bota os processos como eles já existem. Não. A gente agora tem um outro conjunto de inteligências a nosso dispor, se a gente assim quiser, que além de ser cada um de nós e nós em rede, são agentes inteligentes e desincorporados. Onde estamos é só o começo. Porque o que define a competência desses agentes inteligentes é uma medida chamada tokens por interação. Qual é a quantidade máxima de informação à qual o modelo pode prestar atenção de forma coerente, que mantém um fluxo de informação como se duas pessoas estivessem conversando? Estamos hoje em milhares de tokens por interação. A versão atual de Gemini, a paga, trabalha com 700 mil tokens. Em um ano e meio evoluímos para centenas de milhares de tokens. Se você for ver o que Gemini é capaz, ele é capaz de fazer coisas do outro mundo. Mas estou falando do outro mundo mesmo, comparado com o que o ChatGPT faz. Por quê? Porque a zona de atenção dele é muito maior. Ele processa um conjunto muito maior de dados. A zona de contexto informacional é do tamanho de 60% da Enciclopédia Britânica inteira. Nós estamos falando de 40 milhões de palavras. E estamos indo para um modelo de bilhões de tokens onde ele captura quase toda a informação relevante já produzida pela humanidade. Então o contexto conversacional com esses modelos, por exemplo, ali no fim da década, olhando para 2030, essa inteligência vai estar acessível no interface conversacional, não é no laboratório da Nasa ou da Google ou da Microsoft. Então você vai ter o equivalente, por exemplo, a toda a literatura em língua portuguesa, tudo que os jornais já publicaram, tudo que já foi feito em português no mundo inteiro vai estar disponível no interface conversacional para você elaborar coisas com ela. No médio prazo, nós estamos falando de 2040, vai haver modelos que lidam com trilhões de tokens por interação. Esses modelos vão começar a fazer completamente sozinhos os modelos de mundo. E na medida em que o mundo for mudando ao redor deles, eles vão estendendo não probabilisticamente, ou seja, eles não vão chutar as respostas com uma certa probabilidade, eles vão mudar as regras, eles próprios, para entender o que é esse novo mundo que está lá fora. E como as empresas estão lidando? As empresas tendem a simplificar dramaticamente a IA e começam a ter uns problemas não triviais. Quer ver um? O chatbot habilitado por Inteligência Artificial da Air Canada. Ele foi colocado online para tirar pessoas da frente de atendimento e reduzir custos de atendimento 24 horas. O que fez o chatbot? Pariu, do nada, uma política de reembolso para um cliente. E o cliente exigiu o cumprimento. A causa foi parar na Justiça e a Air Canada alegou que foi um erro de sistema. A Justiça disse que não tem nada de erro de sistema, que a empresa botou o robô no ar e tinha que pagar ao cliente, de acordo com a política de reembolso que o chatbot criou. Qual é o problema? O problema é que a empresa não entendeu o que é a IA. Se você resolver botar na linha de frente um robô, de repente, o cliente vai fazer perguntas que podem levar a respostas completamente estapafúrdias, pelas quais o negócio vai ser responsabilizado. As empresas não entenderam que você não está olhando para algum ambiente de processamento de informação clássico, que é determinístico como quando você bota o CRM, um sistema de estoque ou de logística em que você escreve algumas regras para esse comportamento digital. O que a gente está falando aqui agora é um sistema que você não sabe a priori o que ele vai responder. Eu mesmo tenho vários agentes inteligentes – robozinhos que eu criei – que escrevem texto, e um deles é especialista em Direito. Outro dia ele me surpreendeu criando um pedaço da Constituição Brasileira. Eu tinha entregue a ele a Constituição todinha – e mesmo assim ele inventou um trecho. Então tem uma diferença fundamental aqui. Isso não é um sistema de informação exato, é um sistema de informação criativo e esse problema da criatividade é o que vai fazer a diferença. Os líderes empresariais devem estar todos de cabelo em pé sem saber o que fazer. A oportunidade agora não é você dizer, ‘eu vou demitir o meu call center e botar um agente IA.’ Muito longe disso. A oportunidade agora é descobrir como eu posso usar pessoas e agentes inteligentes em redes. Não substituir trabalhos repetitivos cognitivos por IA. Isso pode aumentar a complexidade dos problemas das empresas. A questão é expandir a inteligência. Porque se for uma substituição simples, o próprio CEO poderá ser substituído em algum momento. Este é um ponto que deixa todo mundo nervoso, já que a IA substitui um nível técnico mais elevado. Não estamos falando do chão de fábrica como em outras revoluções tecnológicas, não é? O que a gente descobriu é que o funcionário de chão de fábrica é muito difícil de ser substituído. Por exemplo, o motorista nas ruas de Nova Déli ou na periferia do Rio de Janeiro, São Paulo e Recife. Essas pessoas são extremamente difíceis de serem substituídas. Por quê? Porque elas trabalham com o contexto mutante e muito difícil de ser codificado. Imagina você ser um carro autônomo na Maré, no Rio de Janeiro, ou no Complexo do Alemão… É totalmente diferente das ruas, das cidades, do interior da Alemanha, onde tudo é previsível. Todas as placas de trânsito têm o mesmo tamanho, e inclusive ficam na mesma altura. Mas em que contexto as empresas vão usar a IA? A gente vai começar a usar a inteligência artificial para criar mercados de uma pessoa. Eu vou conseguir capturar tanta informação sobre a pessoa e manter essa informação coerente com um discurso interativo, que eventualmente cada pessoa poderá ser tratada como um mercado de propósito específico. Não haverá mais categorias “professores universitários que têm 70 anos”. Vai ter a categoria Silvio Meira. E o tipo de atendimento que eu vou ter é totalmente diferente do tipo de atendimento que outro professor de computação – que também tem 70 anos e mora no Recife no mesmo bairro que eu – vai ter. Eu tenho uma lei para empresas e nuvens. Se você é uma micro pequena e média empresa e você não está na nuvem você é um idiota. Se você é uma empresa grande ou gigantesca, e você está numa nuvem pública de alguém, você também é um idiota. Tem uma coisa aí básica que é o seguinte: se você é uma empresa pequena e resolve processar a sua própria informação, você é um idiota completo, está perdendo tempo com um negócio que é totalmente irrelevante para você. Mas se você é um negócio que faz milhares ou milhões, dezenas de milhares, milhões de transações por dia na nuvem, você é um idiota porque você está jogando fora uma oportunidade de negócio, não só de você participar da nuvem com essas empresas ou fazer serviço para essas empresas que são menores, de pequeno porte. Para a inteligência artificial é a mesma coisa. Se você é uma empresa pequena e não está usando a inteligência artificial que está na nuvem aberta, que não vai lhe dar trabalho de treinamento, de configuração, de segurança, você é um idiota. Se você é uma grande empresa, um banco, uma grande rede de varejo, grande negócio de finanças, grande sistema universitário e você está usando um negócio de Inteligência Artificial que está na nuvem, você é um idiota também. Por quê? Porque isso tem custo de transação. Você paga por token consumido e produzido nas interfaces. As empresas no Brasil estão efetivamente fazendo alguma coisa ou só olhando por enquanto? Tem muita gente fazendo muita coisa. Todas as empresas onde eu estou no conselho estão trabalhando com modelos de Inteligência Artificial, seja design de soluções, seja na entrega das soluções, seja no desenvolvimento de soluções. Não tem ninguém parado não. Mas o ambiente que eu estou vendo em todos os lugares, onde está sendo feito de maneira responsável, é de aprendizado, de experimentação e de uso com cautela, para ver como esses modelos se comportam do ponto de vista de três coisas: de eficácia, se resolve ou não resolve o problema sem criar um outro problema; de eficiência, resolver muito mais rapidamente; e de economia, custo. Mas o fato é, quem estiver parado agora esperando para ver se essa coisa vai funcionar no futuro, achando que agora a IA não resolve nada para sua empresa e vai dar uma olhada só daqui três anos, aí sim, esses têm um problema porque lá na frente vão ter que dar saltos de anos e não vão conseguir entender o cenário competitivo. Se já é difícil entender agora.. É isso. Do jeito que está, já é complicadíssimo. Daqui para frente, vai ficar muito mais complicado. As empresas, de todos os portes e todos os mercados, que vão ter mais sucesso com inteligência artificial são aquelas que vão entender que inteligências artificiais não vieram para substituir pessoas, mas para trabalhar junto com pessoas e grupos de pessoas em prol de modelos de negócios de resolução de problemas. Se eu posso fazer com que cada pessoa trabalhe por dez, eu tenho que ir atrás de 10 vezes mais mercado – e não demitir. Se eu demitir as pessoas do call center, tenho que contratar TI para operar a inteligência artificial que vai conversar com os clientes. Quem souber dar esse salto para o futuro usando Inteligência Artificial para empoderar, para estender, para aumentar a capacidade e o alcance das suas pessoas – mudando também simultaneamente o nível das pessoas – vai sobreviver lá na frente. O que nós estamos falando agora é de sobreviver. Só para comparar, algumas empresas que digitalizaram seus modelos de negócio nos últimos 25 anos quebraram. Por que fizeram o quê? Pegaram o modelo de negócio analógico e botaram só uma capa digital. Às vezes só fica mais caro de executar o modelo de negócio. As que sobreviveram, cresceram e se tornaram gigantes foram aquelas que transformaram o modelo de negócio. Você pega o Magazine Luiza, onde eu estou no conselho. Lá em 2011, a empresa começou o processo de transformação digital. Transformou funções, métodos, fundações e reescrever do zero digitalmente. O resultado é uma companhia hoje 50 vezes maior do que quando esse processo começou. Não é uma coisa que você pegou e disse ‘ah, vamos informatizar a loja do Magazine Luiza.’ Não. Transformar a loja, transformar o vendedor. Transformar o digital do magalu. Transformar lojista. E aí você faz um negócio completamente diferente. Se o mercado entende ou não entende, isso é outro problema, completamente diferente. O erro que as pessoas podem incorrer com inteligência artificial é exatamente o de pegar os seus processos de negócios pré-IA e artificializar. Você precisa estar ciente que tem uma nova dimensão da Inteligência e começar do zero. E é muito difícil para as empresas pensarem. Se já foi difícil com a digitalização.. Mas se você não pensa a partir do zero, você continua executando no passado. Na vasta maioria das empresas contemporâneas, você não tem garantia para o ano que vem do orçamento que você teve no ano passado. Não pode ter, porque senão você não muda, você não vai atrás de melhoria de processo, você não vai atrás de mudança de nada. Então o que está acontecendo agora é uma mudança radical no contexto das inteligências, tem uma nova dimensão das inteligências, quem não tentar entender isso não vai sobreviver nos próximos 15 anos. Isso você pode escrever com todas as letras: ou as pessoas e as empresas entendem Inteligência Artificial como uma nova dimensão da inteligência, não como um conjunto de ferramentas, de plataformas de tecnologias, ou elas não vão sobreviver. Tem um ponto de partida aqui que foi a mudança de paradigma da tração animal para o motor a combustão. Você sabe quantas fábricas de carroças, carruagens e ônibus puxados a cavalo conseguiram com sucesso construir um automóvel, uma caminhonete e um ônibus movido no motor a combustão? Zero. Porque eles ficaram olhando para o motor e dizendo ah, mas esse negócio é barulhento, quebra muito, precisa de posto de gasolina. E o pessoal do motor a combustão foi lá devagarzinho, faz o motor um pouco melhor, faz o motor um pouco menos de barulhento, faz um motor que quebra menos, faz um motor que consome menos combustível, começa a instalar posto de gasolina… Essa transição levou cerca de 30 anos. Quando foi que a internet começou? 1995. Aconteceu tanta coisa de lá para cá que a gente pensa que foi em 1915. Mas foi em 95. No ano que vem a gente vai comemorar 30 anos da internet comercial. Mas ela só virou banda larga em 2005, a gente só tem smartphone desde 2007. Se a gente olhar, só tem 15 anos de internet de verdade, os próximos 15 anos que vão ser acelerados por Inteligência Artificial é que vão ser os anos de impacto mesmo da internet, porque aí o jogo vai mudar completamente. Quem ainda sobrevivia mesmo estando escondido da internet, da tecnologia da Informação em algum lugar, não vai sobreviver e isso é fato. Como já disse Peter Drucker, o objetivo final da inovação é sobreviver. Não é criar um produto, mudar processo, nada disso. É sobreviver.

 

Um novo livro terminado: Vidas Paralelas: Rubens Ricupero e Celso Lafer nas relações internacionais do Brasil - Paulo Roberto de Almeida

Falta revisar e editar...


 Vidas Paralelas: Rubens Ricupero e Celso Lafer nas relações internacionais do Brasil

Paulo Roberto de Almeida

Índice 

1. Prefácio

2. Uma história intelectual: paralelas que se cruzam 

1. Uma nota pessoal sobre minhas afinidades eletivas 

2. Por que uma história intelectual paralela?

3. Por que vidas paralelas numa história intelectual?

4. Quão “paralelos” são Rubens Ricupero e Celso Lafer?

5. A importância de Ricupero e de Lafer nas relações internacionais do Brasil

6. O sentido ético de uma vida dedicada à construção do Brasil

 

3. Rubens Ricupero: um projeto para o Brasil no mundo 

1.     Do Brás italiano para o Rio de Janeiro cosmopolita

2.     Um começo desconcertante na vida diplomática

3.     Uma carreira progressivamente ascendente, pela via amazônica

4.     Afinidades eletivas com base no estudo do Brasil e no conhecimento do mundo

5.     Professor de diplomatas e de universitários, no Instituto Rio Branco e na UnB

6.     O assessor internacional e o Diário de Bordo da viagem de Tancredo Neves

7.     O Brasil no sistema multilateral de comércio 

8.     O mais importante plano de estabilização da história econômica brasileira

9.     Unctad: a batalha pela redução das desigualdades globais

10.  Um pensador internacionalista, o George Kennan brasileiro

11.  A figura incontornável de Rio Branco, o paradigma da ação diplomática

12.  Brasil: um futuro pior que o passado?

13.  O Brasil foi construído pela sua diplomacia? De certo modo, sim

14.  Quais as grandes leituras de Rubens Ricupero? 

 

4. Celso Lafer: um dos pais fundadores das relações internacionais no Brasil

1.     A abertura de asas de um intelectual promissor

2.     A tese de Cornell sobre o Plano de Metas de JK

3.     Irredutível liberal: ensaios e desafios

4.     As relações econômicas internacionais: reciprocidade de interesses

5.     A trajetória de Celso Lafer nas relações internacionais do Brasil

6.     Direitos humanos: a dimensão moral do trabalho intelectual

7.     Um diálogo permanente com Hannah Arendt

8.     Norberto Bobbio: afinidades eletivas com o sábio italiano

9.     A aventura da revista Política Externa e seu papel no cenário editorial

10.  A diplomacia na prática: a primeira experiência na chancelaria, 1992

11.  A diplomacia na prática: a segunda experiência na chancelaria, 2001-2002

12.  No templo dos imortais: um “intelectual militante” e um “observador participante”

13.  O judaísmo laico de Lafer e a unidade espiritual do mundo de Zweig

14.  Uma coletânea dos mais importantes artigos num amplo espectro intelectual

 

5. Paralelas convergentes: considerações finais

 

Bibliografia geral

 (Brasília, 17 de março de 2024, 251 p.)


CASABLANCA: o nascimento de um clássico - história de um dos filmes mais famosos de todos os tempos

Mauricio David me envia o texto, que sempre quis ler e nunca consegui... 

CASABLANCA: o nascimento de um clássico 

Em 26 de novembro de 1942, Casablanca estreava em Nova York. O longa-metragem foi lançado em plena Segunda Guerra Mundial (1939-1945), que ainda estava longe de ter um fim. A première do filme foi antecipada devido a um fato histórico. Alguns dias antes, em 8 de novembro de 1842, as tropas aliadas (que se opunham à Alemanha de Hitler) invadiram a cidade marroquina de Casablanca que, até então, estava sob a regência da França de Vichy, de influência nazista. A publicidade vinda dessa invasão foi um dos fatores que contribuíram para a ótima bilheteria que o longa-metragem teve nos Estados Unidos.   

Devido à guerra, o filme demorou a ser exibido na Europa. Na Itália, ele estreou em 1946, na França, em 1947, na Áustria, em 1948, e na Alemanha Ocidental, apenas em 1952, em uma versão com cortes. Na Alemanha Oriental, Casablanca estreou diretamente na televisão, somente em 1983! Os brasileiros, por sua vez, puderam conferir o longa-metragem menos de um mês após sua estreia nos Estados Unidos, em 7 de dezembro de 1942. O filme foi produzido por Hal B. Wallis, importante nome do estúdio Warner Bros. As filmagens de Casablanca duraram menos de três meses (o início das filmagens já havia sido adiado em mais de um mês) e foram feitas quase inteiramente em estúdio. Casablanca foi quase todo filmado em sequência, ou seja, seguindo os acontecimentos da trama, o que é bastante raro. Isso se explica pelo fato de que apenas parte do roteiro estava pronto no início das filmagens.

Casablanca conta a história de Rick Blaine, um americano amargo e cínico que vive e trabalha em Casablanca, onde tem um badalado café. Rick’s Café é frequentado tanto por nazistas, funcionários franceses, quanto por refugiados e criminosos. Um belo dia, Ilsa Lund, o grande amor do passado de Rick, aparece em seu bar ao lado do marido, Victor Laszlo, herói da resistência tcheca. O reencontro dos ex-amantes reacende o amor entre eles. O filme foi indicado a oito Oscars e levou três estatuetas: Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Roteiro. 

Em 2006, o Sindicato de Roteiristas dos Estados Unidos elegeu o roteiro do filme como o melhor de todos os tempos. Ironicamente, o roteiro foi terminado a duras penas, somente durante as filmagens. Muitas vezes, mudanças eram realizadas no próprio set, pouco antes das cenas serem rodadas. Escrito por pelo menos quatro roteiristas (dos quais apenas Howard Koch e os gêmeos Julius e Philip Epstein foram creditados), o filme é a adaptação da peça Everybody Comes to Rick's, escrita por Murray Burnett e Joan Alison no final dos anos 30. É curioso acrescentar que a peça não havia sido produzida e que ela só estreou nos palcos numa montagem recente, em 1991, em Londres. A origem da trama de Casablanca é inclusive desconhecida por muitos. Em uma entrevista nos anos 70, Ingrid Bergman, estrela do filme, afirmou desconhecer que o filme tenha sido baseado numa peça. 

A recepção de Casablanca na época de seu lançamento foi extremamente positiva, com excelentes críticas que elogiavam, sobretudo, a maneira com a qual o filme combinava humor, melodrama, romance e História. Ainda que seja considerado um dos maiores filmes de todos os tempos e que esteja em praticamente todas as listas feitas nesse sentido, o longa tem alguns surpreendentes detratores. Pauline Kael afirmou que Casablanca não chega a ser um grande filme e que é o romantismo presente nele que o faz particularmente atraente. Jonathan Rosenbaum, outro crítico americano, disse que Casablanca é um filme feito às pressas e que é qualitativamente inferior a Uma Aventura na Martinica (1944), que seria um spin-off do clássico de 1942. O filme de 1944 foi dirigido por Howard Hawks e também foi estrelado por Humphrey Bogart.

Em um artigo de 1975, o grande semiólogo italiano Umberto Eco vai ainda mais longe e explica por que considera Casablanca um filme medíocre, esteticamente falando. Dentre os problemas apontados pelo estudioso, estão a fraca verossimilhança psicológica dos personagens e as reviravoltas que ocorrem sem razões plausíveis. Ele acrescenta que os defeitos do filme se devem à maneira com a qual o roteiro foi escrito, à medida que as filmagens avançavam, o que fez com que os roteiristas acumulassem todos os clichês de Hollywood.

O sucesso de Casablanca pode ser considerado como o resultado de uma combinação de golpes do destino ou acidentes de percurso. Além da questão do roteiro, alterado até o último minuto, algumas anedotas provam que o filme era destinado a ser um clássico. A canção "As Time Goes By", de Herman Hupfeld, escrita em 1931, era citada na peça Everybody Comes to Ricky’s. Max Steiner, o compositor da trilha sonora do filme, queria, no entanto, retirar a música e substituí-la por uma composição original. A substituição só não foi realizada por que Ingrid Bergman já havia cortado o cabelo bem curto para o filme Por Quem os Sinos Dobram? (1943), e não poderia, portanto, refazer as cenas. Para a nossa sorte, a canção não foi alterada e é considerada hoje uma das melhores músicas do cinema (segundo lugar em votação realizada pelo AFI).

Em um comunicado de imprensa durante a pré-produção do filme, a Warner Bros. havia anunciado que o ator Ronald Reagan (que se tornaria presidente americano quatro décadas depois) interpretaria Rick. Reagan, no entanto, teve que se apresentar ao exército para dar continuidade a seu serviço militar. Felizmente, o papel acabou ficando com Humphrey Bogart. A principio, Ingrid Bergman também não daria vida a Ilsa Lund e outras atrizes foram consideradas para o papel. Bergman tinha contrato exclusivo com o produtor David O. Selznick. Foi necessário enviar os irmãos Epstein para convencer o poderoso produtor a ceder Bergman para o projeto. Selznick se manteve inflexível, até que Julius desistiu e disse: “Quem se importa! (Casablanca) é uma porcaria como Algiers (filme de 1938) mesmo!” Foi quando Selznick concordou com o empréstimo da atriz.

Paul Heinred, que interpreta o marido de Ilsa, também foi emprestado por Selznick. O ator se viu obrigado a fazer o filme contra sua vontade. Dizem que Heinred temia interpretar um papel secundário, pois atrapalharia sua carreira de galã. Uma das falas mais famosas do filme também é resultado de um golpe do destino. "Here's looking at you, kid" teria sido improvisada por Bogart em uma das cenas do filme. Rumores, no entanto, dizem que ela foi inventada quando o ator assistia a Ingrid Bergman jogar poker com membros da equipe. Por fim, Michael Curtiz não era a primeira opção do produtor Hal B. Wallis para dirigir o filme. Wallis queria William Wyler, que teve que declinar pois estava envolvido em outros projetos.

É interessante constatar pelos depoimentos sobre o filme que a maioria dos envolvidos na produção de Casablanca não acreditava estar fazendo algo extraordinário e, sim, mais um filme dos mais de 100 lançados a cada ano em Hollywood na época. Surpreendendo a todos, Casablanca veio a se tornar um dos maiores sucessos comerciais de todos os tempos da Warner Bros.

Michael Curtiz, ou Manó Kertész Kaminer, nasceu na Hungria em 1886. O diretor fez cerca de 50 filmes na Europa até ser convidado por Jack Warner, em 1926, para trabalhar nos Estados Unidos, onde sua carreira se consolidou. Curtiz é um dos cineastas mais importantes e prolíficos da Era de Ouro de Hollywood. Sua filmografia é a síntese da natureza espetacular do cinema clássico. Nela, encontramos vários personagens típicos do folclore hollywoodiano: o pirata, o fora-da-lei, o boxeador, o gângster, o cowboy etc. Curtiz dirigiu do musical ao filme de terror, passando pelo melodrama, pelo filme de capa e espada, pelo filme noir, pelo bíblico, entre outros. Curtiz tem no currículo nada menos que 170 créditos como diretor! O cineasta trabalhou para a Warner até o início dos anos 50. Ele era considerado o “faz-tudo” dos produtores Jack Warner e Hal Wallis, mas sua extrema produtividade não diminuía a qualidade de suas obras. Curtiz é um dos grandes responsáveis pela criação do estilo Warner, ou seja, por ter dado ao estúdio uma identidade própria.

Casablanca é visto como um dos maiores filmes do diretor, mas ele dirigiu outros clássicos inesquecíveis como: As aventuras de Robin Hood (1938­), Alma em suplício (1945), O Gavião do Mar (1940), A Canção da Vitória (1942) e Natal branco (1954). Além de ser conhecido pela sua dificuldade com a língua inglesa, o que gerava diversas confusões nos sets de filmagem, Curtiz era famoso por sua personalidade forte, sua rigidez, seu espírito incansável e seu perfeccionismo. O diretor costumava ter uma relação bem difícil com os seus atores. Diz-se que, certa vez, ele ofendeu Bette Davis e ela se recusou a trabalhar com ele novamente. 

Curtiz não era o único estrangeiro nas filmagens de Casablanca. Podemos até mesmo dizer que os sets de filmagem eram uma verdadeira Torre de Babel. Para se ter uma ideia, dos atores creditados no filme apenas três eram nascidos nos Estados Unidos: Humphrey Bogart, Dooley Wilson e Joy Page. Ingrid Bergman era sueca, Paul Henreid era austríaco, Claude Rains era inglês, Madeleine LeBeau era francesa e Conrad Veidt era alemão. Este último, que interpreta o Major Strasser no filme, interpretou diversos vilões nazistas durante sua carreira em Hollywood. Na vida real, o ator era um ferrenho opositor do regime nazista, tendo sido obrigado a fugir da Alemanha em 1933, pois seu assassinato já havia sido encomendado. Aliás, muitos dos atores que interpretaram nazistas no filme eram de fato judeus alemães que haviam se exilado nos Estados Unidos. Na cena onde é cantada "La Marseillaise", houve uma real comoção nos sets, já que muitos dos figurantes também tinham escapado da perseguição política e não conseguiram deixar de se emocionar. 

Humphrey Bogart costumava dizer que Casablanca era a melhor obra de sua filmografia. Sem dúvida, o clássico de 1942 representou uma reviravolta em sua carreira. Até então, o ator era identificado a papéis de detetive ou de gângster. A partir de Casablanca, Bogart se transformou no arquétipo do herói romântico, aparentemente cínico e frio, mas que, no fundo, possui um bom coração. A maravilhosa Ingrid Bergman, por sua vez, que já havia chamado a atenção em Intermezzo (1936), faz de Ilsa uma de suas mais marcantes personagens. É interessante lembrar que até a filmagem da última cena, não se sabia ao certo com quem Ilsa terminaria: se com Rick ou com Victor Laszlo. A decisão sobre o final do filme foi uma das mais complicadas que os roteiristas tiveram que tomar. No início das filmagens, Bergman perguntou a Curtiz por quem sua personagem era apaixonada e ele respondeu para ela interpretar “entre os dois”, ou seja, para conferir certa ambiguidade aos sentimentos de Ilsa, justificando qualquer que fosse a decisão tomada para o final do filme.

Casablanca completa 82 anos em 2024. O filme, que é considerado por muitos o mais romântico da história do cinema, é também um dos mais amados de todos os tempos. Algumas obras parecem ser destinadas ao sucesso. Diversos fatores contribuíram para a fabricação desta obra-prima: desde a criação tumultuada do roteiro, até a escalação do ótimo elenco, passando pela grande direção de Michael Curtiz. Por muito pouco, Casablanca poderia ser um filme completamente diferente. Para nossa sorte, ao final, todos estavam no lugar certo, na hora certa. Até mesmo o espectador dos anos 2000 terá dificuldade em não se encantar pelo olhar apaixonado de Ingrid Bergman, ou admirar o humor ácido de Humphrey Bogart ou mesmo se emocionar ao ver a cena de "La Marseillaise". Casablanca é e continuará sendo uma das melhores histórias de amor e sacrifício já contadas no cinema. 

Algumas frases famosas de Casablanca:

- "Tantos bares, em tantas cidades em todo o mundo, e ela tinha que entrar logo no meu."

- "Beije-me. Beije-me como se essa fosse a última vez."

- "Nós sempre teremos Paris."

- "Este é o começo de uma bela amizade."

- “Isso foi o barulho de um canhão ou o meu coração que deu um salto?"

- “Prendam os suspeitos de sempre!”

 

domingo, 17 de março de 2024

Desafios internos e externos ao Brasil e ao mundo - Paulo Roberto de Almeida

Desafios internos e externos ao Brasil e ao mundo

Paulo Roberto de Almeida

Existe hoje um claro desafio das grandes autocracias ao sistema democrático de liberdades econômicas e políticas criado desde 1945. Ele está na base dos atuais conflitos no mundo. De que lado está se posicionando o presente governo brasileiro? Esta é a questão diplomática mais relevante.

A pretensão de Lula de liderar um diáfano “Sul Global”, manipulado pelos interesses nacionais da China, coloca o Brasil do lado das autocracias que estão destruindo a governança mundial. Isso retira autonomia e neutralidade à política externa e nos torna caudatários de ditaduras.

Internamente, o regime democrático enfrenta dois desafios: o autoritarismo da extrema-direita e o sectarismo da esquerda no poder, ambos nefastos ao funcionamento das instituições de Estado. Essa polarização nos afasta de uma democracia saudável, criando tensões desnecessárias.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasilia, 17 de março de 2024

Abertura do país à competição externa já - Editorial, Folha de S. Paulo

Abertura do país à competição externa já

Editorial, Folha de S. Paulo (17/03/2024)

Protecionismo defendido pelo PT impõe produtos defasados e caros ao consumidor; exemplo a seguir é o do agronegócio

Enquanto a Comissão Europeia discute tarifas adicionais sobre a importação de carros elétricos chineses, soa corajosa a manifestação do principal executivo da montadora alemã Mercedes Benz.

Ola Källenius disse ao jornal britânico Financial Times que o caminho deveria ser o inverso. "Não elevem as tarifas, reduzam-nas", pois a melhor forma de lidar com a competição asiática é confrontá-la com "produtos melhores, tecnologia melhor, maior agilidade. Deixar a competição acontecer".

O debate europeu, sobre majorar um imposto de importação hoje fixado em 10%, parece uma amostra irrisória de protecionismo se comparado à situação brasileira.

Tão logo assumiu, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não só deu cabo da isenção tarifária para a importação de carros elétricos como estipulou uma cavalgada aduaneira que elevará essa barreira, escalonadamente, para 35% —o gravame típico para importar veículos no Brasil— em julho de 2026.

Bloqueia-se o acesso do consumidor brasileiro à via mais rápida e menos onerosa de modernização e descarbonização da frota.

Pior, elimina-se a competição externa e reforça-se o estímulo à baixa produtividade e à produção de bens de qualidade inferior à do mercado internacional.

Essa é, na essência, a proposta do programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover), que vigora como medida provisória desde dezembro do ano passado. A iniciativa promete presentear as montadoras com R$ 19 bilhões em abatimentos tributários até 2028.

Trata-se de um rótulo novo para um remédio antigo e comprovadamente ineficaz. A mentalidade da clausura, da "autonomia" industrial, permeia a política econômica brasileira há muitas décadas e tem no PT um intérprete obsequioso.

Submete-se o consumidor a produtos tecnologicamente defasados e caros em troca de lorotas a respeito de um desenvolvimento local que nunca acontece, como o provam reiteradas reedições dos programas protecionistas.

As tarifas brasileiras para importar máquinas são quatro vezes a média mundial. As para trazer manufaturas de fora, duas vezes. O Brasil é dos mais longevos campeões do protecionismo global, mas sua produtividade está estagnada há mais de quatro décadas.

O exemplo a seguir deveria ser o do agronegócio e da aviação: investir em capacitação humana e técnica e na adaptação às cadeias globais de produção. Abrir a economia ao choque competitivo externo.

É o melhor incentivo à produtividade. Foi a abertura dos mercados que levou China e outros asiáticos ao aumento da renda que tirou milhões de pessoas da pobreza.

Chega de locupletar meia dúzia de lobbies com dinheiro do contribuinte a pretexto de substituir importações. Chega de privar a sociedade de beneficiar-se da revolução tecnológica em curso no mundo.

É preciso abrir a economia brasileira, não fechá-la ainda mais como deseja o pensamento petista.

Um estranho método de leitura - Paulo Roberto de Almeida

 Um estranho método de leitura

Paulo Roberto de Almeida

 

Colegas acadêmicos ou diplomáticos que me conhecem sabem que eu sou um leitor compulsivo. Não tanto quanto Carmen Lícia, que sempre leu muito mais e bem mais rápido do que eu, mas ainda assim um leitor e um anotador – daí a maior lentidão na leitura – de alto desempenho. Durante muitos anos mantive uma seção permanente no boletim da Associação dos Diplomatas Brasileiros, chamada Prata da Casa, na qual em fazia quatro ou seis pequenas resenhas a cada número, apresentando e avaliando as obras elaboradas por diplomatas merecedoras de registro (e não apenas temas diplomáticos, mas também romances e poesia). Os frequentadores de meu blog Diplomatizzando também sabem que resenhas de livros, minhas ou de terceiros, constituem postagens muito frequentes nessa ferramenta, ao lado de matérias minhas ou retransmissões de outras fontes, sempre com comentários meus. 

Uma lista especial de meus trabalhos, feita muitos anos atrás, compilando unicamente os registros relativos às resenhas de livros, alcançou centenas de títulos, sendo que a coleção completa dos textos foi para mais de meio milhar de páginas. Desistir de compor uma obra unicamente com resenhas e artigos de resenhas, mas ainda assim fiz uma, selecionando os trabalhos mais interessantes e recolhendo as resenhas até o início dos anos 1990. Resultou num livro em edição de autor, feito apressadamente ao final de minha estada na embaixada em Paris, em dezembro de 1994 e impresso na própria embaixada (que tinha uma pequena gráfica no subsolo do elegante prédio da Cour Albert 1er: Vivendo com Livros (Paris: Editora Maíra, 1994, 406 pp.)

Depois disso, só voltei a essa prática de fazer compilações de resenhas depois de passar, a partir do início dos anos 2000, a resenhar sistematicamente os livros dos diplomatas, para fins da Seção “Prata da Casa” no boletim (hoje revista) da ADB. Por sugestão do próprio presidente da Fundação Alexandre de Gusmão, compilei as centenas de mini-resenhas feitas entre 2004 e 2014 e produzi alguns volumes consolidando estas resenhas, inclusive um grande livro com todo o material coletado sob este título Prata da Casa: os livros dos diplomatas (Hartford, 2014, mais de 600 p.); disponível no Academia.edu (link do livro: https://www.academia.edu/5763121/Prata_da_Casa_os_livros_dos_diplomatas_Edicao_de_Autor_2014_).

Sou reconhecidamente, portanto, um leitor voraz, com os problemas habituais de todo “colecionador” de livros: estantes abarrotadas, dificuldades de achar aqueles que eu sei que possuo, mas que, sem encontrar, preciso recorrer às minhas bibliotecas habituais para alguma consulta, passagem para os suportes digitais, etc. Tudo isso é conhecido, e comum a todos os grandes leitores. O que é menos conhecido é o meu método de selecionar livros e de começar novas leituras. Sempre começo pelo fim, não as conclusões, mas os índices, de nomes ou de matérias. É o que eu faço habitualmente, quando vou a livrarias ou a bibliotecas abertas, as que ainda existem. Nos Estados Unidos e na Europa, era o meu método favorito de escolher livros que vou comprar, emprestar para ler em casa, ou ler na própria livraria, o que fiz centenas de vezes nas boas livrarias americanas, numa mesa do café existente. Nenhum livro acadêmico publicado nesses países se permite vir a público sem um Index (ou mais de um).

No Brasil, mesmo os livros universitários não costumam vir acompanhados desses instrumentos, absolutamente necessários para uma leitura rigorosa dos temas mais relevantes, em uma obra de algumas centenas de páginas. Se consultarmos, por exemplo, um bom livro de estudos literários, comportando um índice onomástico, constataremos que as entradas nos nomes de Machado de Assis, Drummond, Mário de Andrade serão bem mais recorrentes e numerosas do que as de outros escritores conhecidos. O que fazer, então, com os livros que, mesmo sendo acadêmicos, não possuem índices temáticos? A solução fica sendo o recurso à bibliografia, para verificar as principais entradas relativas aos autores consultados.

Creio que todas as editoras brasileiras, sobretudo as acadêmicas, deveriam impor como obrigação a publicação de Indexes, que é por onde eu começo minhas leituras.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4607, 17 março 2024, 2 p.

 

 

Colaborações de Paulo Roberto de Almeida ao boletim e à revista da ADB (inéditas e publicadas)

 4606. “Colaborações de Paulo Roberto de Almeida ao boletim e à revista da ADB”, Brasília, 17 março 2024, 27 p. Divulgado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/116319372/4606_Colaborações_de_Paulo_Roberto_de_Almeida_ao_boletim_e_à_revista_da_ADB_2024_).


Colaborações de Paulo Roberto de Almeida ao boletim e à revista da ADB

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Lista consolidada, de publicados e inéditos, em 17/03/2024

 

 

368. “RBPI: Mantendo uma revista pioneira”, Brasília: 23 julho 1993, 3 p. Apresentação da revista para o Boletim da Associação dos Diplomatas Brasileiros. Publicado no Boletim ADB (Brasília: n. 5, setembro de 1993, p. 5). Relação de Publicados n. 146.

 

430. “A política externa nas eleições presidenciais: a plataforma de um governo PT”, Paris, 18 maio 1994, 4 p. Texto sobre as posições do PT em matéria de política externa, mencionando texto de Lula publicado no Boletim ADB. Inédito. Divulgado no blog Diplomatizzando (30/03/2022; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2022/03/uma-analise-do-que-seria-politica.html).

 

476. “O Serviço Exterior Francês”, Paris, 13 março 1995, 9 p. Versão revista e resumida do trabalho anterior. Publicado no Boletim ADB (Brasília: Associação dos Diplomatas Brasileiros, Ano III, n° 21, 03/1995, p. 2-5). Relação de Publicados n. 177.

 

508. “A Ideologia da Política externa: sete teses idealistas (e razoavelmente provocadoras) sobre a inserção internacional do Brasil”, Porto Alegre, 28 dezembro 1995, 4 p.; revisão em Brasília: 14 janeiro 1996, 5 p. Argumentos contestadores sobre alguns princípios (ou mitos) da política externa: objetivos nacionais permanentes, independência e interesse nacionais, graduação e condição de país em desenvolvimento, integração regional e entrada em determinados foros, imagem externa e o mito da “excelência” do Itamaraty. Encaminhado à ADB em 14.01.96. Revisto, com base em sugestões do Emb. Sérgio Bath, Presidente da ADB, em 18.01.96 e novamente em 04.02.96. Publicado, na versão original, sob o título de “Sete teses idealistas sobre a inserção internacional do Brasil”, no Boletim ADB (Brasília: ano III, n° 27, jan-fev-mar 1996, p. 4-6). Republicado no livro Relações internacionais e política externa do Brasil: dos descobrimentos à globalização (Porto Alegre: UFRGS, 1998). Reelaborado em 2001 sob nº 813. Relação de Publicados n° 187.

 

    (...)

 

3412. “Prata da Casa, outubro de 2018 a fevereiro de 2019”, Brasília, 20 fevereiro 2019, 6 p. Resenhas dos seguintes livros para a Revista da ADB: 1) Christófolo, João Ernesto: Princípios Constitucionais de Relações Internacionais: significado, alcance e aplicação (Belo Horizonte: Del Rey, 2019, 684 p.; ISBN: 978-85-384-0532-0); 2) Barbosa, Rubens: Um diplomata a serviço do Estado: na defesa do interesse nacional: depoimento ao Cpdoc (Rio de Janeiro: FGV Editora, 2018; 300 p.; ISBN: 978-85-225-2078-7); 3) Almeida, Paulo Roberto de (org.): A Constituição Contra o Brasil: ensaios de Roberto Campos sobre a Constituinte e a Constituição de 1988 (São Paulo: LVM Editora, 2018; 448 p.; ISBN: 978-85-93751-39-4); 4) Raffaelli, Marcelo: Guerras europeias, revoluções americanas: Europa, Estados Unidos e a independência do Brasil e da América Espanhola (São Paulo: Três Estrelas, 2018; 380 p.; ISBN: 978-85-68493-54-0); 5) Villafañe G. Santos, Luís Cláudio: Juca Paranhos, o barão do Rio Branco (São Paulo: Companhia das Letras, 2018, 560 p.; ISBN: 978-85-359-3152-5); 6) Lima, Sergio Eduardo Moreira; Farias; Rogério de Souza (orgs.): A palavra dos chanceleres na Escola Superior de Guerra (1952-2012) (Brasília: Funag, 2018; 738 p.; ISBN: 978-85-7631-780-7; coleção Política externa brasileira); 7) Cardim, Carlos Henrique (editor): Revista 200do Grupo de Trabalho do Bicentenário da Independência (Brasília: Ministério das Relações Exteriores, n. 1, outubro-dezembro de 2018, 236 p.); 8) Paiva, Maria Eduarda (editora-chefe): Juca: diplomacia e humanidades (revista do curso de formação em diplomacia do IRBr, n. 10, 2018, 220 p.; ISSN: 1984-6800); 9) Fortuna, Felipe: O rugido do sol: poemas (Rio de Janeiro: Pinakotheke, 2018; 126 p.; ISBN: 978-85-7191-106-2); 10) Lozardo, Ernesto: OK, Roberto, você venceu: o pensamento econômico de Roberto Campos (Rio de Janeiro: Topbooks, 2018; 352 p.; ISBN: 978-85-7475-280-8); 11) Merquior, José Guilherme: O Marxismo Ocidental (tradução Raul de Sá Barbosa; 1a edição; São Paulo: É Realizações, 2018, 352 p.; ISBN: 978-85-8033-343-5); 12) Temer, Michel: O Brasil no mundo: abertura e responsabilidade: escritos de diplomacia presidencial (2016-2018) (Brasília: Funag, 2018, 409 p.; ISBN: 978-85-7631-791-3). Publicado na Revista da ADB, Associação dos Diplomatas Brasileiros (ano XX, n. 99, outubro de 2018-fevereiro de 2019, p. 40-45; ISSN: 0104-8503). Disponível no site da ADB. Divulgado antecipadamente no blog Diplomatizzando (20/02/2019; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/02/prata-da-casa-os-livros-dos-diplomatas.html). Relação de Publicados n. 1311.

 

3482. “Prata da Casa, março a junho de 2019”, Brasília, 26 junho 2019; Catalão, 4 novembro 2019, 4 p.; Notas sobre os seguintes livros: (1) Lampreia, Luiz Felipe: Diplomacia brasileira: palavras, contextos e razões (Rio de Janeiro: Lacerda, 1999, 420 p.; ISBN: 85-7384-043-0); (2) Amorim, Celso: Breves narrativas diplomáticas (São Paulo: Benvirá, 2013, 168 p.; ISBN: 978-85-8240-025-8); (3) Amorim, Celso: Discursos, palestras e artigos do chanceler Celso Amorim, 2003-2010 (Brasília: Ministério das Relações Exteriores, 2011, 2 vols.; 316 p. e 260 p.; ISBN: 978-85-60123-01-8); (4) Amorim, Celso: Teerã, Ramalá e Doha: memórias da política externa ativa e altiva (São Paulo: Benvirá, 2015, 520 p.; ISBN: 978-85-8240-171-2); (5) Danese, Sérgio: A escola da liderança: ensaios sobre a política externa e a inserção internacional do Brasil (Rio de Janeiro: Record, 2009, 278 p.; ISBN: 978-85-01-08595-5); (6) Lafer, Celso: Relações internacionais, política externa e diplomacia brasileira: pensamento e ação (Brasília: Funag, 2018, 2 vols., 1437 p.; 1º. vol., ISBN: 978-85-7631-787-6; 762 p.; 2o. vol., ISBN: 978-85-7631-788-3, 675 p.); (7) Almeida, Paulo Roberto de: Contra a corrente: Ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil (2014-2018) (Curitiba: Appris, 2019, 247 p.; ISBN: 978-85-473-2798-9); (8) Almeida, Paulo Roberto de:Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty (Boa Vista: Editora da UFRR, 2019, 165 p., ISBN: 978-85-8288-201-6: livro impresso; ISBN: 978-85-8288-202-3: livro eletrônico). Postado antecipadamente no blog pessoal,  Diplomatizzando (link:  https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/11/prata-da-casa-minhas-mini-resenhas.html). Publicado (menos as resenhas 7 e 8) na Revista da ADB (Brasília: Associação dos Diplomatas Brasileiros, ano XXVI, n. 100, julho a dezembro de 2019, p. 46-48; ISSN: 0104-8503)]. Divulgada no blog Diplomatizzando (20/12/2019; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/12/prata-da-casa-resenhas-de-livros-de.html). Relação de Publicados n. 1324.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 17/03/2024

Divulgado na plataforma Academia.edu, link: https://www.academia.edu/116319372/4606_Colaborações_de_Paulo_Roberto_de_Almeida_ao_boletim_e_à_revista_da_ADB_2024_


sábado, 16 de março de 2024

Os impactos desastrosos da interferência do governo na Petrobras e na Vale - Juliana Machado e Pedro Gil (Veja)


Os impactos desastrosos da interferência do governo na Petrobras e na Vale

Gestão Lula mexe na distribuição de dividendos da petroleira e embaralha a sucessão do presidente da Vale. Péssimo para as empresas, pior para o Brasil

Por Juliana Machado e Pedro Gil

Veja, 16 março 2024


Poucas empresas na história do Brasil, talvez nenhuma, foram tão maltratadas pelos governantes de ocasião quanto a Petrobras. Desde a sua criação, em 1953, pelo presidente Getúlio Vargas, a petrolífera tem sido alvo de pressões políticas que frequentemente determinam os caminhos que ela deverá seguir. Foi assim com o próprio Getúlio, que inventou a campanha “o petróleo é nosso”, e com os governos militares, que fizeram a estatal trabalhar a favor do slogan “Brasil grande”. Os governos petistas, contudo, têm especial predileção por mexer com a companhia. Nos dois primeiros mandatos do presidente Lula e na gestão Dilma, o esquema conhecido como petrolão custou aos cofres da Petrobras, segundo investigação da Polícia Federal, prejuízos estimados em 43 bilhões de reais. Apesar das péssimas experiências no passado, o PT decidiu novamente usar a empresa como instrumento político — com impactos econômicos, mais uma vez, desastrosos.

Há alguns dias, a estatal anunciou, em conjunto com a apresentação do balanço do quarto trimestre, que não pagará dividendos extraordinários aos acionistas, ou seja, não distribuirá recursos acima do mínimo estabelecido no seu estatuto social. A decisão tomada pelo conselho de administração atendeu a um pedido do presidente Lula e contrariou avaliações técnicas feitas por boa parte dos diretores e conselheiros da empresa, incluindo o seu próprio presidente, Jean Paul Prates. A inapropriada ingerência de Lula fez a Petrobras perder, em apenas um dia, 56 bilhões de reais em valor de mercado em razão da queda de 10% do valor de suas ações na bolsa de valores. “A Petrobras faz política social ao pagar impostos e royalties e ao gerar empregos e investimentos”, afirma Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura “Agora, o governo quer voltar ao passado com uma política que nunca deu certo.”

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O argumento de Lula para cortar o pagamento de dividendos é que os recursos que seriam distribuídos aos acionistas voltarão ao Brasil na forma de investimentos feitos pela Petrobras. Trata-se de uma visão torta — os gestores da empresa, e não o presidente da República, deveriam estabelecer o destino do dinheiro e a partir de critérios meramente técnicos. Note-se também que o próprio governo federal sai perdendo. “O governo está tentando aumentar a arrecadação, mas nega receber os dividendos da empresa que poderiam ser usados para ajudar a fechar as contas do país”, disse a VEJA Roberto Castello Branco, ex-presidente da Petrobras. “É uma decisão irracional.” Castello Branco conhece bem a mão pesada dos políticos. Ele foi demitido do comando da companhia pelo então presidente Jair Bolsonaro, que o instava a reduzir o preço dos combustíveis. O executivo resistiu quanto pôde. “Essas pressões prejudicam o ambiente de negócios e afugentam investidores”, afirma. “Iniciativas intervencionistas são perniciosas para a avaliação de riscos.”

O cenário de ingerência não está restrito à petrolífera. A Vale, outra empresa estratégica para os políticos, também tem sofrido com o barulho provocado por Lula, que tentou emplacar o ex-ministro Guido Mantega no comando da companhia e com suas atitudes tem embaralhado o processo sucessório do atual presidente, Eduardo Bartolomeo. No caso da Vale, as investidas de Lula são ainda mais chocantes. Trata-se de uma empresa de controle privado, que não deveria dar satisfação aos palpiteiros de Brasília. Lula, de fato, tem provocado estragos com seu jeito peculiar de fazer política. Em carta de renúncia apresentada aos colegas, o conselheiro independente da Vale José Luciano Penido afirmou que a transição na mineradora vem sendo conduzida “de forma manipulada, não atende ao melhor interesse da empresa, e sofre evidente e nefasta influência política”.

Sob os ruídos políticos, e mais queda de preço do minério de ferro, a Vale recentemente viu evaporar 69 bilhões de reais em valor de mercado desde a cotação mais alta de suas ações. Ou seja, quem tem recurso investido na empresa perdeu dinheiro. “Minha impressão é que incomoda ao Penido não só a intervenção do governo, mas os interesses de cada um dos acionistas que têm representantes no conselho e olham para si próprios e para suas empresas, como é o caso de Cosan, Bradespar e Mitsui”, afirma um gestor de ações de uma grande casa. “É uma empresa disfuncional no modelo de governança.”

Não é difícil ver os impactos danosos das ingerências políticas em empresas que deveriam caminhar com as próprias pernas. Como gigantes da bolsa, ao ser abaladas, Petrobras e Vale acabam afastando investidores locais e estrangeiros e contaminando, assim, todo o mercado — juntas, suas ações representam 24% do Ibovespa, principal índice da bolsa de valores. Para ter ideia, em 2024 o indicador está no campo negativo, enquanto as bolsas nos Estados Unidos, Europa e Japão alcançaram recentemente as suas máximas históricas. Outro dado alarmante é a debandada de investidores estrangeiros da bolsa brasileira, que deveria atrair capital de risco. Em 2024, eles já sacaram 21 bilhões de reais da B3 — e o ano mal começou. Para efeito de comparação, a bolsa registrou em 2023 captação positiva de 56 bilhões de reais.

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A desvalorização das ações das empresas e a consequente perda de bilhões de dólares em valor de mercado afetam as suas capacidades de competir com rivais estrangeiros. No caso da Petrobras, a ação já é historicamente negociada com um nível de “desconto” maior em relação a pares globais, incorporando os riscos de uma companhia com controle compartilhado com o governo. Nos últimos dias, os problemas dessa mistura ficaram evidentes. Enquanto os governantes teimarem em achar que grandes empresas existem para servir aos seus interesses políticos, o mundo corporativo brasileiro e o desenvolvimento do país estarão ameaçados.

 

 

Do que escapamos: da burrice incomensurável - Paulo Roberto de Almeida

 Depois de passar horas, madrugada adentro, ouvindo depoimentos e análises, a ÚNICA conclusão possível é esta: o Brasil escapou de uma DITADURA DOS IMBECIS!

"UOL News 1ª Edição com Fabíola Cidral, Josias, Tales e Reale Jr: COMPLETO | 15/03/24 - YouTube" https://m.youtube.com/watch?v=YxTvD-3AGBA 

Como democrata liberal, sou contra regimes de esquerda ou de direita, mas o que me deixaria realmente constrangido, envergonhado em face do mundo, seria ser governado por estúpidos irremediáveis.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 16/03/2024