o que andou errado, o que se
deveria corrigir? (3)
Paulo Roberto de
Almeida
Professor,
diplomata, autor do livro:
Nunca Antes na
Diplomacia...
(Appris, 2014)
O desmantelamento do Mercosul
Uma das políticas mais inadequadas,
do ponto de vista dos interesses do Brasil, sob qualquer critério que se
julgue, foi o abandono da agenda comercial do Mercosul, em favor de uma agenda
política que poucos progressos trouxe ao bloco; ao contrário, fê-lo retroceder
tremendamente nos últimos dez anos. Dizer que o Mercosul não é só econômico ou
não é só comercial, e que ele deve também avançar nos terrenos político ou
social, não constitui apenas uma impropriedade semântica, mas representa um grave
prejuízo contra o bloco. O Mercosul é, antes de mais nada, um tratado de
integração comercial, e se fundamenta, basicamente, na abertura econômica
recíproca, na liberalização comercial e na plena integração produtiva do bloco
ao resto do mundo. É isso que está escrito em seu tratado constitutivo e é essa
agenda pela qual os países deveriam se bater em suas políticas comerciais e
industriais.
Nada disso se fez durante a
lula-década, ao contrário. Durante todo esse tempo, o bloco só recuou na
liberalização interna e na abertura externa, voltando a ser o avestruz temeroso
que os países do Cone Sul eram nos tempos pouco gloriosos do protecionismo
comercial e da introversão econômica. O
Mercosul avançou relativamente bem nos primeiros anos, mas logo deparou-se com
tarefas mais exigentes em liberalização e, sobretudo, em coordenação das
políticas econômicas e setoriais dos países membros, com o que diminuiu o
ímpeto original de caminhar rapidamente para um mercado comum. No meio do
caminho, o Mercosul enfrentou alguns percalços, mas poderia ter continuado a
avançar, se não fossem orientações totalmente contrárias ao espírito original
do Tratado de Assunção, que passaram a guiar as ações desses dois países, a
partir das administrações de Lula no Brasil e de Kirchner na Argentina, ambas
inauguradas em 2003. Desde então, o Mercosul só fez recuar no plano do comércio
e da abertura econômica, ainda que criando novos dispositivos de caráter
político e social, que não estavam contemplados no tratado original, a não ser
de modo muito vago e indireto.
O Mercosul foi concebido para um
país que pretendia, em sua origem, se inserir plenamente nos circuitos da
economia globalizada, não retrair-se defensivamente, como ele faz atualmente. É
um fato que o Brasil perde competitividade nos mercados internos, mas não por
culpa do Mercosul, e sim porque justamente o bloco deixou de ser uma alavanca
para a essa intenção, em função de fatores que derivaram inteiramente de
políticas nacionais, não de seus mecanismos e normas comerciais. O
Mercosul já foi acusado de provocar mais desvio do que criação de comércio, mas
atualmente parece ser bem mais afetado pelo segundo processo, uma vez que não
conseguiu efetivar praticamente nenhum acordo comercial significativo com
outros blocos ou países desde que foi teoricamente consolidado como união
aduaneira. A relutância da Argentina, e do próprio Brasil, em abrir-se em
esquemas mais profundos de liberalização comercial explica essa frustração, o
que tem preocupado a comunidade empresarial brasileira, ciente das perdas
implícitas a qualquer isolamento das grandes correntes de comércio.
Muitos dos problemas enfrentados
atualmente pelo Brasil têm a ver, justamente, com a agenda econômica. Eles
estão, na frente interna, no baixo crescimento, no recrudescimento da inflação,
na infraestrutura medíocre, na nossa insuficiente produtividade, que por sua
vez se reflete, no plano externo, na perda de competitividade da economia
brasileira, na chamada reprimarização da pauta exportadora – que diminuiu
bastante em sua composição – e na nossa dependência de alguns grandes
compradores dos produtos primários de exportação. O Brasil se tornou hoje bem
mais dependente da China do que ele jamais o foi, no passado, dos Estados
Unidos, país com o qual sempre mantivemos uma interface bastante diversificada,
feita das exportações as mais variadas, inclusive manufaturados, e que sempre
nos abasteceu de know-how, tecnologia, financiamentos, cooperação educacional,
e também filmes de Hollywood e, ultimamente, iPhones e iPads.
(Continua)
Paulo Roberto de Almeida
[Portland, ME: 31/05/2014; Hartford, CT:
19/06/2014]