Transcrevo, apenas. Mais adiante pretenderia comentar esta questão, com a qual estou de acordo no conceito geral, no seu princípio filosófico, digamos assim, mas que reputo irrealizável e até inexequível no plano do próprio entendimento conceitual do que seja uma democracia, ou que esse "animal" possa ser exportado ou importado...
Is a League of Democracies a Good Idea?
Thomas Carothers
Carnegie Endowment
Policy Brief No. 59 May 2008
Influential policy experts on both sides of the U.S. political aisle are proposing a “League of Democracies” as a way for the next administration to restore the credibility of U.S. foreign policy priorities and put democracy promotion efforts back on track. However, in a policy brief, Is a League of Democracies a Good Idea?, Thomas Carothers argues that the proposal rests on a false assumption that democracies share sufficient common interests to work effectively together on a wide range of global issues.
Although the proposed “League of Democracies” reflects a useful recognition of the need to rebuild credibility through greater multilateralism, such a league could aggravate rather than alleviate global sensitivities over U.S. democracy promotion and the U.S. global security agenda. Carothers outlines steps the next U.S. president should take to bolster democracy promotion and foreign policy in general.
Recommendations for the next U.S. President:
* Opt for more flexible, case-by-case partnerships to fit specific issues and contexts.
* Make clear that the United States does not intend to use military force or other means to overthrow governments in the name of democracy.
* Reverse policies that produce U.S. abuses of the rule of law and of basic civil liberties at home and abroad.
* Push not only hostile autocrats, but autocratic allies such as Pakistan and Egypt, to take serious steps toward greater openness and political reform.
* Commit to strengthening existing multilateral institutions that deal with democracy issues, such as the United Nations, the Organization of American States, and the Organization for Security and Co-operation in Europe.
“The idea for a League of Democracies reflects a valid concern with the fact that the overall state of democracy in the world is troubled and that alternative power centers with an authoritarian character are gaining in strength. The best way to respond to this new context and to rebuild the legitimacy of the United States as a global actor is not to circle the ideological wagons. Instead it is to make the United States a better global citizen on numerous fronts and get the country’s own economic and political houses in order.”
About the Author
Thomas Carothers is vice president for studies at the Carnegie Endowment. A leading authority on democratization and democracy promotion, he has researched and worked on democracy-building programs around the world for 20 years with many U.S., European, and international organizations. He has written numerous books on democracy promotion including most recently Confronting the Weakest Link: Aiding Political Parties in New Democracies and Promoting the Rule of Law Abroad: In Search of Knowledge.
Para ler o texto em sua integralidade, em arquivo pdf, siga este link.
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
sexta-feira, 16 de janeiro de 2009
quinta-feira, 15 de janeiro de 2009
1007) O tamanho (relativo) do Mercosul
Os deputados brasileiros acabam de dar o primeiro golpe de picareta no edificio igualitário do Mercosul, propondo uma representação proporcional do corpo parlamentar do bloco, o que vai ser dificil de engolir pelos demais paises.
Em todo caso, alguém imagina que o Mercosul precisa de 175 representantes para discutir os problemas do bloco?
-------------
Parlasul voltará a discutir número de representantes por País
A composição do Parlamento do Mercosul (Parlasul) voltará a ser discutida no próximo dia 9 de fevereiro, em reunião da Mesa Diretora do Parlamento.
O presidente do Parlasul, deputado Dr. Rosinha (PT-PR), afirmou que é preciso haver acordo sobre o número de parlamentares que cada país-membro terá. Ele disse que, se não houver esse acordo, a eleição direta para os representantes do Parlamento em 2010 está ameaçada.
"Como não tomamos essa definição ainda, eu temo que não dê tempo de, na eleição de 2010, elegermos diretamente todos os parlamentares do Parlamento do Mercosul e acabar sendo por indicação indireta, como é hoje", disse Dr. Rosinha.
Há dois anos, Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai tentam chegar a um acordo sobre a composição do Parlamento. Atualmente, cada um dos quatro países têm 18 representantes. A Venezuela, que está em fase de adesão, tem nove representantes.
A proposta do Brasil é para que o País tenha 75 representantes; Argentina, 33; Paraguai e Uruguai, 18 cada um; e a Venezuela, 27, totalizando 171 parlamentares. O Paraguai defende a manutenção de 18 parlamentares para cada País, em um total de 90, e é o único país do bloco que já escolheu seus representantes de forma direta. Em fevereiro, o Paraguai assume a presidência do Parlasul, que hoje está com o Brasil.
Em todo caso, alguém imagina que o Mercosul precisa de 175 representantes para discutir os problemas do bloco?
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Parlasul voltará a discutir número de representantes por País
A composição do Parlamento do Mercosul (Parlasul) voltará a ser discutida no próximo dia 9 de fevereiro, em reunião da Mesa Diretora do Parlamento.
O presidente do Parlasul, deputado Dr. Rosinha (PT-PR), afirmou que é preciso haver acordo sobre o número de parlamentares que cada país-membro terá. Ele disse que, se não houver esse acordo, a eleição direta para os representantes do Parlamento em 2010 está ameaçada.
"Como não tomamos essa definição ainda, eu temo que não dê tempo de, na eleição de 2010, elegermos diretamente todos os parlamentares do Parlamento do Mercosul e acabar sendo por indicação indireta, como é hoje", disse Dr. Rosinha.
Há dois anos, Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai tentam chegar a um acordo sobre a composição do Parlamento. Atualmente, cada um dos quatro países têm 18 representantes. A Venezuela, que está em fase de adesão, tem nove representantes.
A proposta do Brasil é para que o País tenha 75 representantes; Argentina, 33; Paraguai e Uruguai, 18 cada um; e a Venezuela, 27, totalizando 171 parlamentares. O Paraguai defende a manutenção de 18 parlamentares para cada País, em um total de 90, e é o único país do bloco que já escolheu seus representantes de forma direta. Em fevereiro, o Paraguai assume a presidência do Parlasul, que hoje está com o Brasil.
1006) Forum Social Mundial: comentarios adicionais...
Fórum Social Mundial: bom para o turismo de massa
(Addendum em 28.01.02: Breves comentários sobre o Fórum Social Mundial, no seguimento de meu artigo publicado no dia 26.01.2002, objeto do post anterior.)
O FSM constitui, sem dúvida alguma, um enorme sucesso do ponto de vista mediático, uma vez que conseguiu reunir número expressivo de participantes de vários continentes e de vários espectros ideológicos, geralmente identificados com a esquerda anti-globalizadora. Esse sucesso, paradoxalmente, deve ser creditado inteiramente à globalização, em especial às novas formas de comunicação pela Internet e de disseminação de notícias por boletins eletrônicos. Torna-se irônico constatar, assim, que os anti-globalizadores revoltam-se, ingenuamente, contra as próprias condições que tornaram esse movimento não apenas possível e viável, como bem sucedido em termos de organização e de propaganda.
Trata-se, igualmente, de um grande sucesso para os governos respectivos da cidade de Porto Alegre e do estado do Rio Grande do Sul, ambos dominados pelo Partido dos Trabalhadores, plenamente identificado com a causa da anti-globalização. Esse sucesso não deveria manifestar-se em qualquer tipo de apoio politico à atual campanha eleitoral em que o PT se encontra engajado (uma vez que o Foro é, em princípio, a-partidário), mas em um grande retorno turístico para a capital gaúcha, numa época em que seus habitants desertam a cidade em troca das praias do litoral, escapando ao forte verão urbano e à própria morosidade da época de férias. Os comerciantes e hoteleiros – assim como as autoridades locais de coleta de impostos – devem estar plenamente satisfeitos com as receitas auferidas pelo convescote de alguns milhares de visitants estrangeiros.
Em termos substantivos, porém, não se pode acreditar que os resultados do FSM tenham feito avançar um milímetro sequer a resolução de alguns problemas graves que afetam a humanidade como um todo – desigualdades persistentes entre países pobres e ricos e, nacionalmente, entre estratos sociais, deterioração das condições de vida e de meio ambiente em determinados países e regiões, perigos decorrentes do armamentismo, da criminalidade organizada, da corrupção política, discriminação com base em critérios raciais, religiosos ou étnicos – ou mesmo problemas conjunturais que afetam alguns países em desenvolvimento, particularmente (crises financeiras, falta de acesso a mercado para algumas produções primárias, falta de oportunidades educacionais).
Os anti-globalizadores partem da idéia falsa de que a globalização produz miséria e desigualdade, quando são precisamente os países mais inseridos nesse processo que lograram escapar de níveis mais preocupantes de pobreza. Eles também preconizam o apoio a políticas comerciais protecionistas e a políticas agrícolas subvencionistas, quando se trata de dois fatores que têm impedido os países em desenvolvimento de usufruir de melhores condições de acesso aos mercados internacionais, a tecnologias modernas e a níveis mais altos de produtividade (e portanto de maior bem estar).
Suas recomendações são ou paliativos sem qualquer efeito sistêmico de maior impacto (perdão da dívida dos países pobres altamente endividados, defesa do meio ambiente), ou são claramente negativos do ponto de vista da disseminação tecnológica e da inserção produtiva dos países pobres na economia mundial. Desse ponto de vista, Porto Alegre não representou grandes avanços conceituais ou práticos.
=========
Este pequeno pos-script foi escrito em janeiro de 2002, pouco depois do piquenique de Porto Alegre, então uma capital alternativa...
(Addendum em 28.01.02: Breves comentários sobre o Fórum Social Mundial, no seguimento de meu artigo publicado no dia 26.01.2002, objeto do post anterior.)
O FSM constitui, sem dúvida alguma, um enorme sucesso do ponto de vista mediático, uma vez que conseguiu reunir número expressivo de participantes de vários continentes e de vários espectros ideológicos, geralmente identificados com a esquerda anti-globalizadora. Esse sucesso, paradoxalmente, deve ser creditado inteiramente à globalização, em especial às novas formas de comunicação pela Internet e de disseminação de notícias por boletins eletrônicos. Torna-se irônico constatar, assim, que os anti-globalizadores revoltam-se, ingenuamente, contra as próprias condições que tornaram esse movimento não apenas possível e viável, como bem sucedido em termos de organização e de propaganda.
Trata-se, igualmente, de um grande sucesso para os governos respectivos da cidade de Porto Alegre e do estado do Rio Grande do Sul, ambos dominados pelo Partido dos Trabalhadores, plenamente identificado com a causa da anti-globalização. Esse sucesso não deveria manifestar-se em qualquer tipo de apoio politico à atual campanha eleitoral em que o PT se encontra engajado (uma vez que o Foro é, em princípio, a-partidário), mas em um grande retorno turístico para a capital gaúcha, numa época em que seus habitants desertam a cidade em troca das praias do litoral, escapando ao forte verão urbano e à própria morosidade da época de férias. Os comerciantes e hoteleiros – assim como as autoridades locais de coleta de impostos – devem estar plenamente satisfeitos com as receitas auferidas pelo convescote de alguns milhares de visitants estrangeiros.
Em termos substantivos, porém, não se pode acreditar que os resultados do FSM tenham feito avançar um milímetro sequer a resolução de alguns problemas graves que afetam a humanidade como um todo – desigualdades persistentes entre países pobres e ricos e, nacionalmente, entre estratos sociais, deterioração das condições de vida e de meio ambiente em determinados países e regiões, perigos decorrentes do armamentismo, da criminalidade organizada, da corrupção política, discriminação com base em critérios raciais, religiosos ou étnicos – ou mesmo problemas conjunturais que afetam alguns países em desenvolvimento, particularmente (crises financeiras, falta de acesso a mercado para algumas produções primárias, falta de oportunidades educacionais).
Os anti-globalizadores partem da idéia falsa de que a globalização produz miséria e desigualdade, quando são precisamente os países mais inseridos nesse processo que lograram escapar de níveis mais preocupantes de pobreza. Eles também preconizam o apoio a políticas comerciais protecionistas e a políticas agrícolas subvencionistas, quando se trata de dois fatores que têm impedido os países em desenvolvimento de usufruir de melhores condições de acesso aos mercados internacionais, a tecnologias modernas e a níveis mais altos de produtividade (e portanto de maior bem estar).
Suas recomendações são ou paliativos sem qualquer efeito sistêmico de maior impacto (perdão da dívida dos países pobres altamente endividados, defesa do meio ambiente), ou são claramente negativos do ponto de vista da disseminação tecnológica e da inserção produtiva dos países pobres na economia mundial. Desse ponto de vista, Porto Alegre não representou grandes avanços conceituais ou práticos.
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Este pequeno pos-script foi escrito em janeiro de 2002, pouco depois do piquenique de Porto Alegre, então uma capital alternativa...
1005) Forum Social Mundial: antecipando as conclusoes
Em previsão da próxima edição anual do jamboree antiglobalizador, andei dando uma olhada no que, exatamente, eu havia escrito em antecipação de outros eventos do gênero. Encontrei uma peça escrita antes do segundo encontro em Porto Alegre, em janeiro de 2002. Nela eu antecipava as conclusões que eu imaginava seriam aprovadas naquele encontro. Engano meu, pelo menos quanto a conclusões, mas eu estava certo quanto ao conteúdo das "idéias" que estariam sendo ali veiculadas.
Não creio que, sete anos depois, as (poucas) idéias (se ouso usar este conceito inteligente para tão pobres assertivas) dos antiglobalizadores tenha mudado muito: ao contrário, elas permanecem rigorosamente as mesmas.
Por prova, e antecipando-me ao próximo encontro do Fórum Social Mundial de Belém, a realizar-se mais no final deste mês de janeiro de 2009, em Belém, transcrevo aqui meu artigo publicado pouco antes do encontro de Porto Alegre.
A esquerda jurássica marca encontro em Porto Alegre
Paulo Roberto de Almeida
O Estado de São Paulo, 26 janeiro 2002
Num momento em que até os socialistas franceses, bem conhecidos pelos infantilismos com que ainda alimentam seu proverbial anti-imperialismo (doublé de um anti-americanismo primário), arejam suas idéias e publicam livros que ousam constestar algumas das idées reçues (falsos conceitos) de um credo vetusto, num momento em que o bom senso econômico parece enfim ter penetrado o cérebro embotado de alguns anti-capitalistas arcaicos, num momento, emfim, em que até no Brasil o debate político-eleitoral parece encaminhar-se para um pouco de racionalidade, soam estranhos alguns dos slogans que vêm sendo agitados em preparação ao Foro de Porto Alegre.
Pomposamente designado como “Foro Social Mundial” (como se o tradicional foro econômico de Davos fosse infenso ao debate das questões sociais), o jamboree alternativo de Porto Alegre promete muito frisson e pouca sensatez, num mundo já sacudido por impulsos fundamentalistas e ataques simplistas ao neoliberalismo. Até os socialistas franceses que prometem desembarcar en masse, já não dispõem das antigas certezas e não contam mais com a unanimidade do pensamento único socialista.
Recentemente, três (ex-?)esquerdistas franceses, da ala moderna da tecnocracia socialista, publicaram livros que ousam nadar contra a corrente da qual emergiram. Com efeito, Pascal Lamy (atual comissário europeu para questões comerciais) e Jean Pisani-Ferry, com L’Europe de nos volontés (A Europa que nós queremos) e Dominique Strauss-Kahn (ex-ministro socialista da economia), com La flamme et la cendre (A chama e a cinza), acabam de revelar sua discordância (discreta, é verdade) em relação a alguns dos tabus mais entranhados nessa mesma esquerda: o papel do Estado, a extensão do setor público, a defesa da (famigerada, para nós) Política Agrícola Européia e, quelle horreur!, a chamada “exceção cultural”, também conhecida na indústria do audio-visual como exception française. Em seus respectivos livros, eles reconhecem a dificuldade especificamente francesa de aceitar a revisão de algumas idéias bem entranhadas na ideologia estatizante que caracterizou desde sempre o socialismo francês. O francês típico, até mais do que o socialista, tem realmente um bloqueio mental em relação aos chamados droits acquis, também conhecidos entre nós como “direitos adquiridos” (lembram-se perene arenga com que os nossos socialistas e estatocratas agitam a defesa de solenes “princípios constitucionais”?).
Posso estar errado, mas creio que esses três tecnocratas modernistas da esquerda francesa não acompanharão a meia dúzia de seus outros colegas de ministério e dezenas de outros expoentes da gauche française no périplo deste final de mês em Porto Alegre, que promete converter-se temporariamente numa filial da Rive Gauche. Mas o que exatamente eles poderiam vir fazer na capital do socialismo moreno?: veicular suas teses contestadoras das velhas idées reçues da maior parte dos participantes naquele convescote? Que ousadia!. Eles seriam tremendamente vaiados e praticamente escorraçados pelos anti-globalizadores de todos os matizes que estarão reunidos em Porto Alegre, não para lançar as sementes de uma nova reflexão crítica sobre a globalização e eventuais políticas reformistas de cunho social, mas sim para confirmar a aceitação acrítica das mesmas banalidades de sempre.
Estarei exagerando na crítica premonitória? Não creio. Em todo caso, anotemos desde já algumas das “conclusões” e rsoluções que resultarão do piquenique de Porto Alegre e marquemos encontro em fevereiro para conferir a lista efetiva das meias verdades que dali emergirão. Em Porto Alegre, a vanguarda do atraso aprovará, aclamará, confirmará as seguintes contribuições geniais para a análise dos tempos modernos (atenção, a lista não é exaustiva):
1) A globalização produz inevitavelmente crises, desigualdades e retrocesso social, como “demonstrado” pelas turbulências financeiras dos anos 90, pela divergência cada vez maior entre países pobres e ricos e pelo aumento da concentração de renda em todos eles.
2) A estagnação e o colapso de países outrora ricos (como a Argentina) foram provocados pela adesão às regras do “consenso de Washington”, isto é, pela adesão acrítica e incondicional às políticas neoliberais, a começar pela fixação do câmbio, recomendada e sustentadas pelo FMI; essas mesmas políticas também estão causando recessão e retrocessos sociais em outros países da América Latina, a começar pelo próprio Brasil.
3) A soberania nacional precisa ser defendida contra o projeto imperialista de uma zona de livre comércio hemisférica, imposta contra a vontade dos povos latino-americanos pelo capital monopolista americano, que pretende nivelar o terreno para criar um espaço econômico ampliado para a “acumulação ampliada de capital”.
4) Deve-se, sim, defender a legitimidade de políticas públicas de “reserva de mercado” e de apoio a uma “agricultura multifuncional”, inclusive e principalmente os generosos subsídios estatais que marcam essa invenção genial de políticos de direita e tecnocratas de esquerda que é a Política Agrícola Comum.
5) O racismo, a discriminação contra a mulher, a opressão dos povos periféricos e o próprio terrorismo fundamentalista são o resultado da globalização e de um processo histórico marcado pela ocupação imperialista, que insiste em preservar “estruturas de dominação”, inclusive mediante o “terrorismo de Estado”.
6) Mas, como demonstrado pelo Foro de Porto Alegre, um outro mundo é possível e políticas alternativas são, não apenas desejáveis como, necessárias. Essas políticas passam pela promoção dos direitos humanos à frente dos direitos do capital e os fluxos especulativos desse parasita social devem ser adequadamente controlados e reprimidos, se possível pela aplicação universal da Tobin Tax.
Essas são, em síntese, algumas das meias verdades e das velhas mentiras que resultarão do rendez-vous de Porto Alegre. Não acredita? Marquemos rendez-vous em fevereiro para verificar a lista das resoluções (uma comparação com os debates do Foro Econômico Mundial, que este ano se reune em Nova York, não seria despropositada).
Paulo Roberto de Almeida é sociólogo, com especialização em
relações internacionais (www.pralmeida.org).
[Washington: 854: 24.01.02]
Publicado n’O Estado de São Paulo (Sábado, 26 janeiro 2002, seção “Espaço Aberto”; link).
Relação de publicados nº 300.
Não creio que, sete anos depois, as (poucas) idéias (se ouso usar este conceito inteligente para tão pobres assertivas) dos antiglobalizadores tenha mudado muito: ao contrário, elas permanecem rigorosamente as mesmas.
Por prova, e antecipando-me ao próximo encontro do Fórum Social Mundial de Belém, a realizar-se mais no final deste mês de janeiro de 2009, em Belém, transcrevo aqui meu artigo publicado pouco antes do encontro de Porto Alegre.
A esquerda jurássica marca encontro em Porto Alegre
Paulo Roberto de Almeida
O Estado de São Paulo, 26 janeiro 2002
Num momento em que até os socialistas franceses, bem conhecidos pelos infantilismos com que ainda alimentam seu proverbial anti-imperialismo (doublé de um anti-americanismo primário), arejam suas idéias e publicam livros que ousam constestar algumas das idées reçues (falsos conceitos) de um credo vetusto, num momento em que o bom senso econômico parece enfim ter penetrado o cérebro embotado de alguns anti-capitalistas arcaicos, num momento, emfim, em que até no Brasil o debate político-eleitoral parece encaminhar-se para um pouco de racionalidade, soam estranhos alguns dos slogans que vêm sendo agitados em preparação ao Foro de Porto Alegre.
Pomposamente designado como “Foro Social Mundial” (como se o tradicional foro econômico de Davos fosse infenso ao debate das questões sociais), o jamboree alternativo de Porto Alegre promete muito frisson e pouca sensatez, num mundo já sacudido por impulsos fundamentalistas e ataques simplistas ao neoliberalismo. Até os socialistas franceses que prometem desembarcar en masse, já não dispõem das antigas certezas e não contam mais com a unanimidade do pensamento único socialista.
Recentemente, três (ex-?)esquerdistas franceses, da ala moderna da tecnocracia socialista, publicaram livros que ousam nadar contra a corrente da qual emergiram. Com efeito, Pascal Lamy (atual comissário europeu para questões comerciais) e Jean Pisani-Ferry, com L’Europe de nos volontés (A Europa que nós queremos) e Dominique Strauss-Kahn (ex-ministro socialista da economia), com La flamme et la cendre (A chama e a cinza), acabam de revelar sua discordância (discreta, é verdade) em relação a alguns dos tabus mais entranhados nessa mesma esquerda: o papel do Estado, a extensão do setor público, a defesa da (famigerada, para nós) Política Agrícola Européia e, quelle horreur!, a chamada “exceção cultural”, também conhecida na indústria do audio-visual como exception française. Em seus respectivos livros, eles reconhecem a dificuldade especificamente francesa de aceitar a revisão de algumas idéias bem entranhadas na ideologia estatizante que caracterizou desde sempre o socialismo francês. O francês típico, até mais do que o socialista, tem realmente um bloqueio mental em relação aos chamados droits acquis, também conhecidos entre nós como “direitos adquiridos” (lembram-se perene arenga com que os nossos socialistas e estatocratas agitam a defesa de solenes “princípios constitucionais”?).
Posso estar errado, mas creio que esses três tecnocratas modernistas da esquerda francesa não acompanharão a meia dúzia de seus outros colegas de ministério e dezenas de outros expoentes da gauche française no périplo deste final de mês em Porto Alegre, que promete converter-se temporariamente numa filial da Rive Gauche. Mas o que exatamente eles poderiam vir fazer na capital do socialismo moreno?: veicular suas teses contestadoras das velhas idées reçues da maior parte dos participantes naquele convescote? Que ousadia!. Eles seriam tremendamente vaiados e praticamente escorraçados pelos anti-globalizadores de todos os matizes que estarão reunidos em Porto Alegre, não para lançar as sementes de uma nova reflexão crítica sobre a globalização e eventuais políticas reformistas de cunho social, mas sim para confirmar a aceitação acrítica das mesmas banalidades de sempre.
Estarei exagerando na crítica premonitória? Não creio. Em todo caso, anotemos desde já algumas das “conclusões” e rsoluções que resultarão do piquenique de Porto Alegre e marquemos encontro em fevereiro para conferir a lista efetiva das meias verdades que dali emergirão. Em Porto Alegre, a vanguarda do atraso aprovará, aclamará, confirmará as seguintes contribuições geniais para a análise dos tempos modernos (atenção, a lista não é exaustiva):
1) A globalização produz inevitavelmente crises, desigualdades e retrocesso social, como “demonstrado” pelas turbulências financeiras dos anos 90, pela divergência cada vez maior entre países pobres e ricos e pelo aumento da concentração de renda em todos eles.
2) A estagnação e o colapso de países outrora ricos (como a Argentina) foram provocados pela adesão às regras do “consenso de Washington”, isto é, pela adesão acrítica e incondicional às políticas neoliberais, a começar pela fixação do câmbio, recomendada e sustentadas pelo FMI; essas mesmas políticas também estão causando recessão e retrocessos sociais em outros países da América Latina, a começar pelo próprio Brasil.
3) A soberania nacional precisa ser defendida contra o projeto imperialista de uma zona de livre comércio hemisférica, imposta contra a vontade dos povos latino-americanos pelo capital monopolista americano, que pretende nivelar o terreno para criar um espaço econômico ampliado para a “acumulação ampliada de capital”.
4) Deve-se, sim, defender a legitimidade de políticas públicas de “reserva de mercado” e de apoio a uma “agricultura multifuncional”, inclusive e principalmente os generosos subsídios estatais que marcam essa invenção genial de políticos de direita e tecnocratas de esquerda que é a Política Agrícola Comum.
5) O racismo, a discriminação contra a mulher, a opressão dos povos periféricos e o próprio terrorismo fundamentalista são o resultado da globalização e de um processo histórico marcado pela ocupação imperialista, que insiste em preservar “estruturas de dominação”, inclusive mediante o “terrorismo de Estado”.
6) Mas, como demonstrado pelo Foro de Porto Alegre, um outro mundo é possível e políticas alternativas são, não apenas desejáveis como, necessárias. Essas políticas passam pela promoção dos direitos humanos à frente dos direitos do capital e os fluxos especulativos desse parasita social devem ser adequadamente controlados e reprimidos, se possível pela aplicação universal da Tobin Tax.
Essas são, em síntese, algumas das meias verdades e das velhas mentiras que resultarão do rendez-vous de Porto Alegre. Não acredita? Marquemos rendez-vous em fevereiro para verificar a lista das resoluções (uma comparação com os debates do Foro Econômico Mundial, que este ano se reune em Nova York, não seria despropositada).
Paulo Roberto de Almeida é sociólogo, com especialização em
relações internacionais (www.pralmeida.org).
[Washington: 854: 24.01.02]
Publicado n’O Estado de São Paulo (Sábado, 26 janeiro 2002, seção “Espaço Aberto”; link).
Relação de publicados nº 300.
terça-feira, 13 de janeiro de 2009
1004) Da arte de ser contrarianista
Certos textos nos deixam saudades, e a eles retornamos ocasionalmente, ou ao acaso da organização de trabalhos e papéis, que todo final ou começo de ano enseja. Pois bem, reorganizando agora meus trabalhos publicados ou originais, deparei com um ensaio que leva o título acima.
Comecei a ler e acho que ele merece nova transcrição, pelo menos parcial.
A arte de ser contrarianista
Por Paulo Roberto de Almeida
Já me defini, em algum trabalho anterior, como um “contrarianista”, isto é, alguém que procura ver as “coisas da vida” com um olhar cético, sempre interrogando os fundamentos e as razões de por quê as coisas são daquele jeito e não de outro, ou de como elas poderiam ser ainda melhores do que são, aparentemente a um menor custo para a sociedade ou atendendo a critérios superiores de racionalidade e de instrumentalidade. Ou seja, em linguagem da economia política, o contrarianista é um indivíduo que está sempre procurando aumentar as externalidades positivas e diminuir as negativas, sempre efetuando cálculos de custo-oportunidade do capital empregado, sobre o retorno mais eficiente possível, adequando os meios disponíveis ao princípio da escassez.
O contrarianista não é, a despeito do que muitos possam pensar, um ser que sempre é “do contra”, um caráter negativo ou pessimista. Ao contrário, trata-se, para ele, de buscar otimizar os recursos existentes, indagando continuamente como fazer melhor, eventualmente mais barato, com os parcos meios existentes. Esta é a minha concepção do contrarianismo, uma arte difícil de ser exercitada, mais difícil ainda de ser compreendida. Eu a definiria, segundo uma lição que aprendi ainda na adolescência, como um exercício de “ceticismo sadio”, ou seja, o espírito crítico que não se compraz, simplesmente, em negar as “coisas” como elas são, mas que se esforça, em toda boa-vontade, para que elas sejam ainda melhores do que são, questionando sua forma de ser atual e propondo uma organização que possa ser ainda mais funcional do que a existente.
Por isso mesmo, pretendo, neste curto ensaio, tecer algumas considerações sobre a arte de ser contrarianista, o que, confesso, não é fácil. Sempre nos arriscamos a ser incompreendidos, em aparecer como puramente negativos ou derrotistas, quando o que se busca, na verdade, é reduzir o custo das soluções “humanamente produzidas” (elas sempre são falhas). Talvez, a melhor forma de se demonstrar, na prática, a arte do contrarianismo, seria elaborar uma série de manuais de sentido contrário, isto é, em lugar dos How to do something, escrever sobre “como não fazer” determinadas coisas. Como eu exercito muito freqüentemente a resenha de livros, creio que não seria difícil oferecer algumas observações sobre essa prática corriqueira da vida cotidiana.
(...)
Curiosos, interessados, podem ler o resto neste link.
Comecei a ler e acho que ele merece nova transcrição, pelo menos parcial.
A arte de ser contrarianista
Por Paulo Roberto de Almeida
Já me defini, em algum trabalho anterior, como um “contrarianista”, isto é, alguém que procura ver as “coisas da vida” com um olhar cético, sempre interrogando os fundamentos e as razões de por quê as coisas são daquele jeito e não de outro, ou de como elas poderiam ser ainda melhores do que são, aparentemente a um menor custo para a sociedade ou atendendo a critérios superiores de racionalidade e de instrumentalidade. Ou seja, em linguagem da economia política, o contrarianista é um indivíduo que está sempre procurando aumentar as externalidades positivas e diminuir as negativas, sempre efetuando cálculos de custo-oportunidade do capital empregado, sobre o retorno mais eficiente possível, adequando os meios disponíveis ao princípio da escassez.
O contrarianista não é, a despeito do que muitos possam pensar, um ser que sempre é “do contra”, um caráter negativo ou pessimista. Ao contrário, trata-se, para ele, de buscar otimizar os recursos existentes, indagando continuamente como fazer melhor, eventualmente mais barato, com os parcos meios existentes. Esta é a minha concepção do contrarianismo, uma arte difícil de ser exercitada, mais difícil ainda de ser compreendida. Eu a definiria, segundo uma lição que aprendi ainda na adolescência, como um exercício de “ceticismo sadio”, ou seja, o espírito crítico que não se compraz, simplesmente, em negar as “coisas” como elas são, mas que se esforça, em toda boa-vontade, para que elas sejam ainda melhores do que são, questionando sua forma de ser atual e propondo uma organização que possa ser ainda mais funcional do que a existente.
Por isso mesmo, pretendo, neste curto ensaio, tecer algumas considerações sobre a arte de ser contrarianista, o que, confesso, não é fácil. Sempre nos arriscamos a ser incompreendidos, em aparecer como puramente negativos ou derrotistas, quando o que se busca, na verdade, é reduzir o custo das soluções “humanamente produzidas” (elas sempre são falhas). Talvez, a melhor forma de se demonstrar, na prática, a arte do contrarianismo, seria elaborar uma série de manuais de sentido contrário, isto é, em lugar dos How to do something, escrever sobre “como não fazer” determinadas coisas. Como eu exercito muito freqüentemente a resenha de livros, creio que não seria difícil oferecer algumas observações sobre essa prática corriqueira da vida cotidiana.
(...)
Curiosos, interessados, podem ler o resto neste link.
segunda-feira, 12 de janeiro de 2009
1003) De volta ao problema do terrorismo islamico
A terrivel guerra sendo conduzida atualmente (janeiro de 2009) entre as Forças de Defesa de Israel e os terroristas-guerrilheiros do Hamas, na Faixa de Gaza, com imensas perdas humanas e materiais, me levou a novamente refletir sobre a natureza das ameaças atuais às sociedades que cultivam os valores humanos, a vida, o respeito aos direitos fundamentais, e aqueles que colocam em perigo esses mesmos valores.
Lembrei-me de um velho trabalho, escrito e publicado há praticamente dois anos, que talvez permaneça ainda válido.
Ei-lo:
Uma quarta guerra mundial?
Paulo Roberto de Almeida
Os historiadores, os cientistas sociais, os atores políticos e até os simples cidadãos sabem exatamente o que é o terrorismo, ainda que possam divergir quanto à sua exata definição, ou discordar, em função de suas sociedades de origem e de suas preferências ideológicas, quanto ao seu papel na presente etapa da humanidade, supostamente promotora do respeito aos direitos humanos e da legalidade internacional sob a égide da ONU e de convenções internacionais.
Qualquer que seja a definição que possamos dar ao fenômeno terrorista, uma modalidade específica se destaca na atualidade: o terrorismo islâmico-fundamentalista. Não há nenhuma dúvida de que ele constitui uma terrível realidade contemporânea da qual talvez não tenhamos (mas deveríamos ter) a dimensão e a consciência exatas do que ela significa na história da humanidade. Está se constituindo uma modalidade de terrorismo político-religioso sem qualquer precedente na história da humanidade, que promete ficar conosco durante muito tempo ainda: o terrorismo islâmico-fundamentalista, uma nova espécie de barbárie, que precisa ser chamada pelo que ela é, efetivamente.
Essa modalidade de terrorismo está sendo identificado, por alguns analistas, como sendo a Quarta Guerra Mundial (a terceira sendo constituída pela Guerra Fria, que terminou com a implosão do comunismo, que não foi obviamente destruído pelo capitalismo, mas foi eliminado por sua própria incompetência econômica e tecnológica). Alguns dos problemas para definir a sua especificidade e que dificultam sua compreensão e o seu combate eficaz derivam, talvez, dessa própria característica: a de que ele venha sendo designado como uma ameaça militar e que os meios de combatê-lo seriam basicamente de ordem tática. A própria escolha dos termos pode influenciar a estratégia de combate ao terrorismo, como revelado, por exemplo, na preferência do governo Bush por caracterizar suas iniciativas nessa área como sendo a war on terror. Vejamos, contudo, quais são algumas dessas especificidades e por que pode ser extremamente difícil lidar com essa nova realidade.
Esse novo terrorismo, de base inegavelmente e inquestionavelmente (é preciso que se o diga) islâmico-fundamentalista, visa simplesmente a causar o maior número de mortos, de forma indiscriminada (mesmo entre os próprios seguidores da religião islâmica), em nome de objetivos muito difusos, mas que todos têm a ver com a recusa da modernidade ocidental, com a rejeição das conquistas do iluminismo (que foi ocidental, mas é propriamente universal).
Esse terrorismo islâmico-fundamentalista é profundamente reacionário e obscurantista, e alguns observadores o acusaram de fascista, mas não creio que esse conceito apreenda suas características peculiares. O fascismo tem a ver com uma determinada noção de um regime político, com a conquista do Estado e a obtenção de objetivos políticos, econômicos e sociais. O terrorismo islâmico-fundamentalista é mais uma negação do que existe do que a construção de uma nova sociedade.
Esse terrorismo se baseia num estoque infindável de pessoas-bomba, de todos os gêneros e idades. Não é incomum assistir-se, na TV, reportagens que mostram alguma mãe de um pequeno candidato a menino-bomba (existem garotos de dez anos sendo treinados para isso) dizendo se sentir orgulhosa de ver seu filho sendo treinado para ser um combatente contra o inimigo sionista e americano. Pode ser patético, mas é revelador de um certo estado de espírito.
Qual é a sociedade que produz uma mãe que pede, literalmente, que o seu filho converta a si mesmo em bomba humana, levando consigo o maior número possível de inimigos? Não creio que seja uma sociedade “normal”, mas esse tipo de predisposição para o martírio corresponde a um movimento determinado, o do fundamentalismo islâmico, que aparentemente conquistou muita gente. Existem, como se sabe, muitos “meninos-bomba” em preparação, da Palestina ao Paquistão, e talvez mais além.
Não nos enganemos: todos esses candidatos voluntários ao martírio pertencem a um arco civilizatório específico: o do islamismo decadente e fracassado, não enquanto religião, mas enquanto sociedades “normais”. Por várias razões – entre elas a autocracia política e a falta de modernização econômica e social, pelo próprio fracasso dessas sociedades e desses Estados autoritários em prover meios de vida decentes a uma massa considerável de jovens desesperançados (e alimentados no ódio ao Ocidente, como se ele fosse responsável pelos fracassos) –, o movimento do terrorismo fundamentalista-islâmico dispõe hoje de um estoque infinito de candidatos a pessoas-bomba.
O que o Hezbollah, o Jihad, o Hamas e outros movimentos assemelhados fazem hoje, da Palestina à Índia, passando pelo Iraque e pelo Afeganistão, é exatamente isso: uma nova modalidade de terrorismo inaceitável na perspectiva de qualquer nação civilizada na face da terra.
Sim, existe uma diferença entre esses bárbaros e os antigos terroristas, da fase anarquista, quase romântica. Os antigos anarquistas, geralmente de extração operária, faziam atentados isolados, visando diretamente aos soberanos (presidentes, reis, autoridades em geral), pois queriam combater o Estado, que viam como mal absoluto. Expunham-se pessoalmente e conseguiam, em alguns casos, o seu intento. Era uma tática terrorista numa estratégia mais ampla de luta política, mas algo desorganizada, geralmente condenada pelos demais grupos de esquerda.
Os bárbaros da atualidade explodem a tudo e a todos, matando inocentes sem contar, sem qualquer objetivo militar aparente, numa estratégia de terror pelo terror. Eles também se expõem pessoalmente – e como: na promessa mirífica do paraíso dado automaticamente aos mártires – mas seus objetivos são indiscriminados, atingindo inocentes e alguns “correligionários”.
Acho que a realidade terrível está exposta, claramente. A nova barbárie bateu à nossa porta e ela promete perdurar por longos anos à frente. As pessoas que se julgam conscientes e responsáveis deveriam tomar partido. A linha divisória está posta.
Eu fico assustado de ver como a esquerda brasileira, e talvez a esquerda mundial, ainda se permite aplaudir esse tipo de gesto, apenas porque ele se dirige, supostamente, contra o inimigo imperialista ou sionista. Não gostaria de constatar que a esquerda se colocou do lado dos bárbaros, absolutos, inaceitáveis a qualquer pretexto.
Por outro lado, não creio que a resposta a esse novo fenômeno tenha de ser basicamente militar, isto é, baseada no enfrentamento de grupos terroristas com o objetivo de aniquilá-los, fisicamente. Esse tipo de tática os converte, imediatamente, em guerreiros de um novo exército, os eleva à categoria de soldados de uma causa e lhes traz, ao mesmo tempo, responsabilidade e respeitabilidade (aos olhos dos que comungam das mesmas idéias). A estratégia correta, mas muito mais difícil – reconheço – seria vencê-los no terreno das idéias, demonstrar a profunda desumanidade que encarnam, o total niilismo dos procedimentos e resultados. Obviamente, a responsabilidade maior por este tipo de mensagem “desmanteladora” da legitimidade das idéias terroristas está, antes, com os líderes religiosos e os clérigos do Islã (em suas diversas correntes) do que com os responsáveis dos países ocidentais.
O fato é que, atualmente, existe algo de profundamente errado e vicioso nas atitudes dos líderes religiosos do Islã; sua responsabilidade pelo terrorismo fundamentalista islâmico não pode, de nenhuma maneira ser afastada. O simples fato de não condenar, de forma veemente, autores e planejadores, cada vez que um ato bárbaro é perpetrado, os converte em coniventes, para dizer o mínimo, com seus autores. Existe uma guerra, mas ela se passa no interior do Islã...
Brasília, 1712: 18 janeiro 2007; revisão 23 junho 2007.
Paulo Roberto de Almeida
Publicado originalmente em Via Política
24.06.2007
Lembrei-me de um velho trabalho, escrito e publicado há praticamente dois anos, que talvez permaneça ainda válido.
Ei-lo:
Uma quarta guerra mundial?
Paulo Roberto de Almeida
Os historiadores, os cientistas sociais, os atores políticos e até os simples cidadãos sabem exatamente o que é o terrorismo, ainda que possam divergir quanto à sua exata definição, ou discordar, em função de suas sociedades de origem e de suas preferências ideológicas, quanto ao seu papel na presente etapa da humanidade, supostamente promotora do respeito aos direitos humanos e da legalidade internacional sob a égide da ONU e de convenções internacionais.
Qualquer que seja a definição que possamos dar ao fenômeno terrorista, uma modalidade específica se destaca na atualidade: o terrorismo islâmico-fundamentalista. Não há nenhuma dúvida de que ele constitui uma terrível realidade contemporânea da qual talvez não tenhamos (mas deveríamos ter) a dimensão e a consciência exatas do que ela significa na história da humanidade. Está se constituindo uma modalidade de terrorismo político-religioso sem qualquer precedente na história da humanidade, que promete ficar conosco durante muito tempo ainda: o terrorismo islâmico-fundamentalista, uma nova espécie de barbárie, que precisa ser chamada pelo que ela é, efetivamente.
Essa modalidade de terrorismo está sendo identificado, por alguns analistas, como sendo a Quarta Guerra Mundial (a terceira sendo constituída pela Guerra Fria, que terminou com a implosão do comunismo, que não foi obviamente destruído pelo capitalismo, mas foi eliminado por sua própria incompetência econômica e tecnológica). Alguns dos problemas para definir a sua especificidade e que dificultam sua compreensão e o seu combate eficaz derivam, talvez, dessa própria característica: a de que ele venha sendo designado como uma ameaça militar e que os meios de combatê-lo seriam basicamente de ordem tática. A própria escolha dos termos pode influenciar a estratégia de combate ao terrorismo, como revelado, por exemplo, na preferência do governo Bush por caracterizar suas iniciativas nessa área como sendo a war on terror. Vejamos, contudo, quais são algumas dessas especificidades e por que pode ser extremamente difícil lidar com essa nova realidade.
Esse novo terrorismo, de base inegavelmente e inquestionavelmente (é preciso que se o diga) islâmico-fundamentalista, visa simplesmente a causar o maior número de mortos, de forma indiscriminada (mesmo entre os próprios seguidores da religião islâmica), em nome de objetivos muito difusos, mas que todos têm a ver com a recusa da modernidade ocidental, com a rejeição das conquistas do iluminismo (que foi ocidental, mas é propriamente universal).
Esse terrorismo islâmico-fundamentalista é profundamente reacionário e obscurantista, e alguns observadores o acusaram de fascista, mas não creio que esse conceito apreenda suas características peculiares. O fascismo tem a ver com uma determinada noção de um regime político, com a conquista do Estado e a obtenção de objetivos políticos, econômicos e sociais. O terrorismo islâmico-fundamentalista é mais uma negação do que existe do que a construção de uma nova sociedade.
Esse terrorismo se baseia num estoque infindável de pessoas-bomba, de todos os gêneros e idades. Não é incomum assistir-se, na TV, reportagens que mostram alguma mãe de um pequeno candidato a menino-bomba (existem garotos de dez anos sendo treinados para isso) dizendo se sentir orgulhosa de ver seu filho sendo treinado para ser um combatente contra o inimigo sionista e americano. Pode ser patético, mas é revelador de um certo estado de espírito.
Qual é a sociedade que produz uma mãe que pede, literalmente, que o seu filho converta a si mesmo em bomba humana, levando consigo o maior número possível de inimigos? Não creio que seja uma sociedade “normal”, mas esse tipo de predisposição para o martírio corresponde a um movimento determinado, o do fundamentalismo islâmico, que aparentemente conquistou muita gente. Existem, como se sabe, muitos “meninos-bomba” em preparação, da Palestina ao Paquistão, e talvez mais além.
Não nos enganemos: todos esses candidatos voluntários ao martírio pertencem a um arco civilizatório específico: o do islamismo decadente e fracassado, não enquanto religião, mas enquanto sociedades “normais”. Por várias razões – entre elas a autocracia política e a falta de modernização econômica e social, pelo próprio fracasso dessas sociedades e desses Estados autoritários em prover meios de vida decentes a uma massa considerável de jovens desesperançados (e alimentados no ódio ao Ocidente, como se ele fosse responsável pelos fracassos) –, o movimento do terrorismo fundamentalista-islâmico dispõe hoje de um estoque infinito de candidatos a pessoas-bomba.
O que o Hezbollah, o Jihad, o Hamas e outros movimentos assemelhados fazem hoje, da Palestina à Índia, passando pelo Iraque e pelo Afeganistão, é exatamente isso: uma nova modalidade de terrorismo inaceitável na perspectiva de qualquer nação civilizada na face da terra.
Sim, existe uma diferença entre esses bárbaros e os antigos terroristas, da fase anarquista, quase romântica. Os antigos anarquistas, geralmente de extração operária, faziam atentados isolados, visando diretamente aos soberanos (presidentes, reis, autoridades em geral), pois queriam combater o Estado, que viam como mal absoluto. Expunham-se pessoalmente e conseguiam, em alguns casos, o seu intento. Era uma tática terrorista numa estratégia mais ampla de luta política, mas algo desorganizada, geralmente condenada pelos demais grupos de esquerda.
Os bárbaros da atualidade explodem a tudo e a todos, matando inocentes sem contar, sem qualquer objetivo militar aparente, numa estratégia de terror pelo terror. Eles também se expõem pessoalmente – e como: na promessa mirífica do paraíso dado automaticamente aos mártires – mas seus objetivos são indiscriminados, atingindo inocentes e alguns “correligionários”.
Acho que a realidade terrível está exposta, claramente. A nova barbárie bateu à nossa porta e ela promete perdurar por longos anos à frente. As pessoas que se julgam conscientes e responsáveis deveriam tomar partido. A linha divisória está posta.
Eu fico assustado de ver como a esquerda brasileira, e talvez a esquerda mundial, ainda se permite aplaudir esse tipo de gesto, apenas porque ele se dirige, supostamente, contra o inimigo imperialista ou sionista. Não gostaria de constatar que a esquerda se colocou do lado dos bárbaros, absolutos, inaceitáveis a qualquer pretexto.
Por outro lado, não creio que a resposta a esse novo fenômeno tenha de ser basicamente militar, isto é, baseada no enfrentamento de grupos terroristas com o objetivo de aniquilá-los, fisicamente. Esse tipo de tática os converte, imediatamente, em guerreiros de um novo exército, os eleva à categoria de soldados de uma causa e lhes traz, ao mesmo tempo, responsabilidade e respeitabilidade (aos olhos dos que comungam das mesmas idéias). A estratégia correta, mas muito mais difícil – reconheço – seria vencê-los no terreno das idéias, demonstrar a profunda desumanidade que encarnam, o total niilismo dos procedimentos e resultados. Obviamente, a responsabilidade maior por este tipo de mensagem “desmanteladora” da legitimidade das idéias terroristas está, antes, com os líderes religiosos e os clérigos do Islã (em suas diversas correntes) do que com os responsáveis dos países ocidentais.
O fato é que, atualmente, existe algo de profundamente errado e vicioso nas atitudes dos líderes religiosos do Islã; sua responsabilidade pelo terrorismo fundamentalista islâmico não pode, de nenhuma maneira ser afastada. O simples fato de não condenar, de forma veemente, autores e planejadores, cada vez que um ato bárbaro é perpetrado, os converte em coniventes, para dizer o mínimo, com seus autores. Existe uma guerra, mas ela se passa no interior do Islã...
Brasília, 1712: 18 janeiro 2007; revisão 23 junho 2007.
Paulo Roberto de Almeida
Publicado originalmente em Via Política
24.06.2007
domingo, 11 de janeiro de 2009
1002) Dez novas regras de diplomacia: um interesse persistente
Meu texto mais acessado na internet, que reproduzo abaixo novamente, foi escrito de maneira atabalhoada, entre uma viagem de carro nos EUA e uma ida e volta de avião ao Brasil, com base numa leitura anterior de um velho livro, como relatado abaixo. Como eu sempre carrego uma caderneta de notas comigo, apenas nos intervalos de viagem, ou durante o trajeto de avião, encontrava tempo para colocar no papel minhas reflexões sobre a atividade diplomática.
Trata-se, provavelmente, do texto que mais tocou os jovens candidatos à carreira ou mesmo os simples curiosos pelo assunto, pois que recebo continuamente comentários a respeito, alguns postados diretamente no blog.
Tendo em vista esse interesse continuado, faço nova postagem desse texto neste momento, para dizer que ele não teve, jamais, a pretensão de servir de guia para ninguém, constituindo, tão somente uma reflexão pessoal sobre o assunto, a partir de um livro mais que centenário. Mas, tendo em vista as reações despertadas, vou pensar em escrever algo mais elaborado a esse respeito.
Ele vai aqui transcrito em sua versão mais sintética, tendo uma versão maior sido publicada na revista Espaço Acadêmico (ano 1, nº 4, setembro 2001; ISSN: 1519.6186).
Dez Regras Modernas de Diplomacia
Paulo Roberto de Almeida
Quinta-feira, 22 de Dezembro de 2005
Este ensaio breve sobre as novas regras da diplomacia, me foi inspirado pela leitura de um livro de um diplomata português do século XIX: Frederico Francisco de la Figanière: Quatro regras de diplomacia (Lisboa: Livraria Ferreira, 1881, 239 p.). Ao lê-lo, passei a redigir imediatamente algumas regras mais adaptadas ao século XXI. O trabalho foi escrito originalmente entre Chicago (em 22 de julho de 2001) e depois novamente em viagem de São Paulo a Miami e daí a Washington (em 12 de agosto de 2001). Foi publicado originalmente na série “Cousas Diplomáticas” (nº 1), da revista eletrônica Espaço Acadêmico, e espero poder ampliá-lo assim que me for dada oportunidade.
Reflexões rápidas para futuro desenvolvimento...
1. Servir a pátria, mais do que aos governos, conhecer profundamente os interesses permanentes da nação e do povo aos quais serve; ter absolutamente claros quais são os grandes princípios de atuação do país a serviço do qual se encontra.
O diplomata é um agente do Estado e, ainda que ele deva obediência ao governo ao qual serve, deve ter absoluta consciência de que a nação tem interesses mais permanentes e mais fundamentais do que, por vezes, orientações momentâneas de uma determinada administração, que pode estar guiada — mesmo se em política externa isto seja mais raro — por considerações “partidárias” de reduzido escopo nacional. Em resumo, não seja subserviente ao poder político, que, como tudo mais, é passageiro, mas procure inserir uma determinada ação particular no contexto mais geral dos interesses nacionais.
2. Ter domínio total de cada assunto, dedicar-se com afinco ao estudo dos assuntos de que esteja encarregado, aprofundar os temas em pesquisas paralelas.
Esta é uma regra absoluta, que deve ser auto-assumida, obviamente. Numa secretaria de estado ou num posto no exterior, o normal é a divisão do trabalho, o que implica não apenas que você terá o controle dos temas que lhe forem atribuídos, mas que redigirá igualmente as instruções para posições negociais sobre as quais seu conhecimento é normalmente maior do que o do próprio ministro de estado ou o chefe do posto. Mergulhe, pois, nos dossiês, veja antigos maços sobre o assunto (a poeira dos arquivos é extremamente benéfica ao seu desempenho funcional), percorra as estantes da biblioteca para livros históricos e gerais sobre a questão, formule perguntas a quem já se ocupou do tema em conferências negociadoras anteriores, mantenha correspondência particular com seu contraparte no posto (ou na secretaria de estado), enfim, prepare-se como se fosse ser sabatinado no mesmo dia.
3. Adotar uma perspectiva histórica e estrutural de cada tema, situá-lo no contexto próprio, manter independência de julgamento em relação às idéias recebidas e às “verdades reveladas”.
Em diplomacia, raramente uma questão surge do nada, de maneira inopinada. Um tema negocial vem geralmente sendo “amadurecido” há algum tempo, antes de ser inserido formalmente na agenda bilateral ou multilateral. Estude, portanto, todos os antecedentes do assunto em pauta, coloque-o no contexto de sua emergência gradual e no das circunstâncias que presidiram à sua incorporação ao processo negocial, mas tente dar uma perspectiva nova ao tema em questão. Não hesite em contestar os fundamentos da antiga posição negociadora ou duvidar de velhos conceitos e julgamentos (as idées reçues), se você dispuser de novos elementos analíticos para tanto.
4. Empregar as armas da crítica ao considerar posições que devam ser adotadas por sua delegação; praticar um ceticismo sadio sobre prós e contras de determinadas posições; analisar as posições “adversárias”, procurando colocá-las igualmente no contexto de quem as defende.
Ao receber instruções, leia-as com o olho crítico de quem já se dedicou ao estudo da questão e procure colocá-las no contexto negocial efetivo, geralmente mais complexo e matizado do que a definição de posições in abstracto, feita em ambiente destacado do foro processual, sem interação com os demais participantes do jogo diplomático. Considerar os argumentos da parte adversa também contribui para avaliar os fundamentos de sua própria posição, ajudando a revisar conceitos e afinar seu próprio discurso. Uma saudável atitude cética — isto é, sem negativismos inconseqüentes — ajuda na melhoria constante da posição negociadora de sua chancelaria.
5. Dar preferência à substância sobre a forma, ao conteúdo sobre a roupagem, aos interesses econômicos concretos sobre disposições jurídico-abstratas.
Os puristas do direito e os partidários da “razão jurídica” hão de me perdoar a deformação “economicista”, mas os tratados internacionais devem muito pouco aos sacrossantos princípios do direito internacional, e muito mais a considerações econômicas concretas, por vezes de reduzido conteúdo “humanitário”, mas dotadas, ao contrário, de um impacto direto sobre os ganhos imediatos de quem as formula. Como regra geral, não importa quão tortuosa (e torturada) sua linguagem, um acordo internacional representa exatamente — às vezes de forma ambígua — aquilo que as partes lograram inserir em defesa de suas posições e interesses concretos. Portanto, não lamente o estilo “catedral gótica” de um acordo específico, mas assegure-se de que ele contém elementos que contemplem os interesses do país.
6. Afastar ideologias ou interesses político-partidários das considerações relativas à política externa do país.
A política externa tende geralmente a elevar-se acima dos partidos políticos, bem como a rejeitar considerações ideológicas, mas sempre somos afetados por nossas próprias atitudes mentais e algumas “afinidades eletivas” que podem revelar-se numa opção preferencial por um determinado tipo de discurso, “mais engajado”, em lugar de outro, supostamente mais “neutro”. Poucos acreditam no “caráter de classe” da diplomacia, mas eventualmente militantes “classistas” gostariam de ajudar na “inflexão” política ou social de determinadas posições assumidas pelo país internacionalmente, sobretudo quando os temas da agenda envolvem definição de regras que afetam agentes econômicos e expectativas de ganhos relativos para determinados setores de atividade. Deve-se buscar o equilíbrio de posições e uma definição ampla, verdadeiramente nacional, do que seja interesse público relevante.
7. Antecipar ações e reações em um processo negociador, prever caminhos de conciliação e soluções de compromisso, nunca tentar derrotar completamente ou humilhar a parte adversa.
O soldado e o diplomata, como ensinava Raymond Aron, são os dois agentes principais da política externa de um Estado — embora atualmente outras forças sociais, como as ONGs e os homens de negócio, disputem espaço nos mecanismos decisórios burocráticos — mas, à diferença do primeiro, o segundo não está interessado em ocupar território inimigo ou destruir sua capacidade de resistência. Ainda que, em determinadas situações negociais, o interesse relevante do país possa ditar alguma instrução do tipo “vá ao plenário com todas as suas armas (argumentativas) e não faça prisioneiros”, o confronto nunca é o melhor método para lograr vitória num processo negociador complexo. A situação ideal é aquela na qual você “convence” as outras partes negociadoras de que aquela solução favorecida por seu governo é a que melhor contempla os interesses de todos os participantes e na qual as partes saem efetivamente convencidas de que fizeram o melhor negócio, ou pelo menos deram a solução possível ao problema da agenda.
8. Ser eficiente na representação, ser conciso e preciso na informação, ser objetivo na negociação.
Considere-se um agente público que participa de um processo decisório relevante e convença-se de que suas ações terão um impacto decisivo para sua geração e até para a história do país: isto já é um bom começo para dar dignidade à função de representação que você exerce em nome de todos os seus concidadãos. Redija com clareza seus relatórios e seja preciso nas instruções, ainda que dando uma certa latitude ao agente negocial direto; não tente fazer literatura ao redigir um anódino memorandum, ainda que um mot d’esprit aqui e ali sempre ajuda a diminuir a secura burocrática dos expedientes oficiais. Via de regra, estes devem ter um resumo inicial sintetizando o problema e antecipando a solução proposta, um corpo analítico desenvolvendo a questão e expondo os fundamentos da posição que se pretende adotar, e uma finalização contendo os objetivos negociais ou processuais desejados. No foro negociador, não tente esconder seus objetivos sob uma linguagem empolada, mas seja claro e preciso ao expor os dados do problema e ao propor uma solução de compromisso em benefício de todas as partes.
9. Valorize a carreira diplomática sem ser carreirista, seja membro da corporação sem ser corporativista, não torne absolutas as regras hierárquicas, que não podem obstaculizar a defesa de posições bem fundamentadas.
Geralmente se entra na carreira diplomática ostentando certo temor reverencial pelos mais graduados, normalmente tidos como mais “sábios” e mais preparados do que o iniciante. Mas, se você se preparou adequada e intensamente para o exercício de uma profissão que corresponde a seus anseios intelectuais e responde a seu desejo de servir ao país mais do que aos pares, não se deixe intimidar pelas regras da hierarquia e da disciplina, mais próprias do quartel do que de uma chancelaria. Numa reunião de formulação de posições, exponha com firmeza suas opiniões, se elas refletem efetivamente um conhecimento fundamentado do problema em pauta, mesmo se uma “autoridade superior” ostenta uma opinião diversa da sua. Trabalhe com afinco e dedicação, mas não seja carreirista ou corporativista, pois o moderno serviço público não deve aproximar-se dos antigos estamentos de mandarins ou das guildas medievais, com reservas de “espaço burocrático” mais definidas em função de um sistema de “castas” do que do próprio interesse público. A competência no exercício das funções atribuídas deve ser o critério essencial do desempenho no serviço público, não o ativismo em grupos restritos de interesse puramente umbilical.
10. Não faça da diplomacia o foco exclusivo de suas atividades intelectuais e profissionais, pratique alguma outra atividade enriquecedora do espírito ou do físico, não coloque a carreira absolutamente à frente de sua família e dos amigos.
A performance profissional é importante, mas ela não pode ocupar todo o espaço mental do servidor, à exclusão de outras atividades igualmente valorizadas socialmente, seja no esporte, seja no terreno da cultura ou da arte. Uma dedicação acadêmica é a que aparentemente mais se coaduna com a profissão diplomática, mas quiçá isso represente uma deformação pessoal do autor destas linhas. Em todo caso, dedique-se potencialmente a alguma ocupação paralela, ou volte sua mente para um hobby absorvente, de maneira a não ser apenas um “burocrata alienado”, voltado exclusivamente para as lides diplomáticas. Sim, e por mais importante que seja a carreira diplomática para você, não a coloque na frente da família ou de outras pessoas próximas. Muitos se “sentem” sinceramente diplomatas, outros apenas “estão” diplomatas, mas, como no caso de qualquer outra profissão, a diplomacia não pode ser o centro exclusivo de sua vida: os seres humanos, em especial as pessoas da família, são mais importantes do que qualquer profissão ou carreira.
Postado por Paulo R. de Almeida em 22.12.05 no Blog Paulo Roberto de Almeida
Trata-se, provavelmente, do texto que mais tocou os jovens candidatos à carreira ou mesmo os simples curiosos pelo assunto, pois que recebo continuamente comentários a respeito, alguns postados diretamente no blog.
Tendo em vista esse interesse continuado, faço nova postagem desse texto neste momento, para dizer que ele não teve, jamais, a pretensão de servir de guia para ninguém, constituindo, tão somente uma reflexão pessoal sobre o assunto, a partir de um livro mais que centenário. Mas, tendo em vista as reações despertadas, vou pensar em escrever algo mais elaborado a esse respeito.
Ele vai aqui transcrito em sua versão mais sintética, tendo uma versão maior sido publicada na revista Espaço Acadêmico (ano 1, nº 4, setembro 2001; ISSN: 1519.6186).
Dez Regras Modernas de Diplomacia
Paulo Roberto de Almeida
Quinta-feira, 22 de Dezembro de 2005
Este ensaio breve sobre as novas regras da diplomacia, me foi inspirado pela leitura de um livro de um diplomata português do século XIX: Frederico Francisco de la Figanière: Quatro regras de diplomacia (Lisboa: Livraria Ferreira, 1881, 239 p.). Ao lê-lo, passei a redigir imediatamente algumas regras mais adaptadas ao século XXI. O trabalho foi escrito originalmente entre Chicago (em 22 de julho de 2001) e depois novamente em viagem de São Paulo a Miami e daí a Washington (em 12 de agosto de 2001). Foi publicado originalmente na série “Cousas Diplomáticas” (nº 1), da revista eletrônica Espaço Acadêmico, e espero poder ampliá-lo assim que me for dada oportunidade.
Reflexões rápidas para futuro desenvolvimento...
1. Servir a pátria, mais do que aos governos, conhecer profundamente os interesses permanentes da nação e do povo aos quais serve; ter absolutamente claros quais são os grandes princípios de atuação do país a serviço do qual se encontra.
O diplomata é um agente do Estado e, ainda que ele deva obediência ao governo ao qual serve, deve ter absoluta consciência de que a nação tem interesses mais permanentes e mais fundamentais do que, por vezes, orientações momentâneas de uma determinada administração, que pode estar guiada — mesmo se em política externa isto seja mais raro — por considerações “partidárias” de reduzido escopo nacional. Em resumo, não seja subserviente ao poder político, que, como tudo mais, é passageiro, mas procure inserir uma determinada ação particular no contexto mais geral dos interesses nacionais.
2. Ter domínio total de cada assunto, dedicar-se com afinco ao estudo dos assuntos de que esteja encarregado, aprofundar os temas em pesquisas paralelas.
Esta é uma regra absoluta, que deve ser auto-assumida, obviamente. Numa secretaria de estado ou num posto no exterior, o normal é a divisão do trabalho, o que implica não apenas que você terá o controle dos temas que lhe forem atribuídos, mas que redigirá igualmente as instruções para posições negociais sobre as quais seu conhecimento é normalmente maior do que o do próprio ministro de estado ou o chefe do posto. Mergulhe, pois, nos dossiês, veja antigos maços sobre o assunto (a poeira dos arquivos é extremamente benéfica ao seu desempenho funcional), percorra as estantes da biblioteca para livros históricos e gerais sobre a questão, formule perguntas a quem já se ocupou do tema em conferências negociadoras anteriores, mantenha correspondência particular com seu contraparte no posto (ou na secretaria de estado), enfim, prepare-se como se fosse ser sabatinado no mesmo dia.
3. Adotar uma perspectiva histórica e estrutural de cada tema, situá-lo no contexto próprio, manter independência de julgamento em relação às idéias recebidas e às “verdades reveladas”.
Em diplomacia, raramente uma questão surge do nada, de maneira inopinada. Um tema negocial vem geralmente sendo “amadurecido” há algum tempo, antes de ser inserido formalmente na agenda bilateral ou multilateral. Estude, portanto, todos os antecedentes do assunto em pauta, coloque-o no contexto de sua emergência gradual e no das circunstâncias que presidiram à sua incorporação ao processo negocial, mas tente dar uma perspectiva nova ao tema em questão. Não hesite em contestar os fundamentos da antiga posição negociadora ou duvidar de velhos conceitos e julgamentos (as idées reçues), se você dispuser de novos elementos analíticos para tanto.
4. Empregar as armas da crítica ao considerar posições que devam ser adotadas por sua delegação; praticar um ceticismo sadio sobre prós e contras de determinadas posições; analisar as posições “adversárias”, procurando colocá-las igualmente no contexto de quem as defende.
Ao receber instruções, leia-as com o olho crítico de quem já se dedicou ao estudo da questão e procure colocá-las no contexto negocial efetivo, geralmente mais complexo e matizado do que a definição de posições in abstracto, feita em ambiente destacado do foro processual, sem interação com os demais participantes do jogo diplomático. Considerar os argumentos da parte adversa também contribui para avaliar os fundamentos de sua própria posição, ajudando a revisar conceitos e afinar seu próprio discurso. Uma saudável atitude cética — isto é, sem negativismos inconseqüentes — ajuda na melhoria constante da posição negociadora de sua chancelaria.
5. Dar preferência à substância sobre a forma, ao conteúdo sobre a roupagem, aos interesses econômicos concretos sobre disposições jurídico-abstratas.
Os puristas do direito e os partidários da “razão jurídica” hão de me perdoar a deformação “economicista”, mas os tratados internacionais devem muito pouco aos sacrossantos princípios do direito internacional, e muito mais a considerações econômicas concretas, por vezes de reduzido conteúdo “humanitário”, mas dotadas, ao contrário, de um impacto direto sobre os ganhos imediatos de quem as formula. Como regra geral, não importa quão tortuosa (e torturada) sua linguagem, um acordo internacional representa exatamente — às vezes de forma ambígua — aquilo que as partes lograram inserir em defesa de suas posições e interesses concretos. Portanto, não lamente o estilo “catedral gótica” de um acordo específico, mas assegure-se de que ele contém elementos que contemplem os interesses do país.
6. Afastar ideologias ou interesses político-partidários das considerações relativas à política externa do país.
A política externa tende geralmente a elevar-se acima dos partidos políticos, bem como a rejeitar considerações ideológicas, mas sempre somos afetados por nossas próprias atitudes mentais e algumas “afinidades eletivas” que podem revelar-se numa opção preferencial por um determinado tipo de discurso, “mais engajado”, em lugar de outro, supostamente mais “neutro”. Poucos acreditam no “caráter de classe” da diplomacia, mas eventualmente militantes “classistas” gostariam de ajudar na “inflexão” política ou social de determinadas posições assumidas pelo país internacionalmente, sobretudo quando os temas da agenda envolvem definição de regras que afetam agentes econômicos e expectativas de ganhos relativos para determinados setores de atividade. Deve-se buscar o equilíbrio de posições e uma definição ampla, verdadeiramente nacional, do que seja interesse público relevante.
7. Antecipar ações e reações em um processo negociador, prever caminhos de conciliação e soluções de compromisso, nunca tentar derrotar completamente ou humilhar a parte adversa.
O soldado e o diplomata, como ensinava Raymond Aron, são os dois agentes principais da política externa de um Estado — embora atualmente outras forças sociais, como as ONGs e os homens de negócio, disputem espaço nos mecanismos decisórios burocráticos — mas, à diferença do primeiro, o segundo não está interessado em ocupar território inimigo ou destruir sua capacidade de resistência. Ainda que, em determinadas situações negociais, o interesse relevante do país possa ditar alguma instrução do tipo “vá ao plenário com todas as suas armas (argumentativas) e não faça prisioneiros”, o confronto nunca é o melhor método para lograr vitória num processo negociador complexo. A situação ideal é aquela na qual você “convence” as outras partes negociadoras de que aquela solução favorecida por seu governo é a que melhor contempla os interesses de todos os participantes e na qual as partes saem efetivamente convencidas de que fizeram o melhor negócio, ou pelo menos deram a solução possível ao problema da agenda.
8. Ser eficiente na representação, ser conciso e preciso na informação, ser objetivo na negociação.
Considere-se um agente público que participa de um processo decisório relevante e convença-se de que suas ações terão um impacto decisivo para sua geração e até para a história do país: isto já é um bom começo para dar dignidade à função de representação que você exerce em nome de todos os seus concidadãos. Redija com clareza seus relatórios e seja preciso nas instruções, ainda que dando uma certa latitude ao agente negocial direto; não tente fazer literatura ao redigir um anódino memorandum, ainda que um mot d’esprit aqui e ali sempre ajuda a diminuir a secura burocrática dos expedientes oficiais. Via de regra, estes devem ter um resumo inicial sintetizando o problema e antecipando a solução proposta, um corpo analítico desenvolvendo a questão e expondo os fundamentos da posição que se pretende adotar, e uma finalização contendo os objetivos negociais ou processuais desejados. No foro negociador, não tente esconder seus objetivos sob uma linguagem empolada, mas seja claro e preciso ao expor os dados do problema e ao propor uma solução de compromisso em benefício de todas as partes.
9. Valorize a carreira diplomática sem ser carreirista, seja membro da corporação sem ser corporativista, não torne absolutas as regras hierárquicas, que não podem obstaculizar a defesa de posições bem fundamentadas.
Geralmente se entra na carreira diplomática ostentando certo temor reverencial pelos mais graduados, normalmente tidos como mais “sábios” e mais preparados do que o iniciante. Mas, se você se preparou adequada e intensamente para o exercício de uma profissão que corresponde a seus anseios intelectuais e responde a seu desejo de servir ao país mais do que aos pares, não se deixe intimidar pelas regras da hierarquia e da disciplina, mais próprias do quartel do que de uma chancelaria. Numa reunião de formulação de posições, exponha com firmeza suas opiniões, se elas refletem efetivamente um conhecimento fundamentado do problema em pauta, mesmo se uma “autoridade superior” ostenta uma opinião diversa da sua. Trabalhe com afinco e dedicação, mas não seja carreirista ou corporativista, pois o moderno serviço público não deve aproximar-se dos antigos estamentos de mandarins ou das guildas medievais, com reservas de “espaço burocrático” mais definidas em função de um sistema de “castas” do que do próprio interesse público. A competência no exercício das funções atribuídas deve ser o critério essencial do desempenho no serviço público, não o ativismo em grupos restritos de interesse puramente umbilical.
10. Não faça da diplomacia o foco exclusivo de suas atividades intelectuais e profissionais, pratique alguma outra atividade enriquecedora do espírito ou do físico, não coloque a carreira absolutamente à frente de sua família e dos amigos.
A performance profissional é importante, mas ela não pode ocupar todo o espaço mental do servidor, à exclusão de outras atividades igualmente valorizadas socialmente, seja no esporte, seja no terreno da cultura ou da arte. Uma dedicação acadêmica é a que aparentemente mais se coaduna com a profissão diplomática, mas quiçá isso represente uma deformação pessoal do autor destas linhas. Em todo caso, dedique-se potencialmente a alguma ocupação paralela, ou volte sua mente para um hobby absorvente, de maneira a não ser apenas um “burocrata alienado”, voltado exclusivamente para as lides diplomáticas. Sim, e por mais importante que seja a carreira diplomática para você, não a coloque na frente da família ou de outras pessoas próximas. Muitos se “sentem” sinceramente diplomatas, outros apenas “estão” diplomatas, mas, como no caso de qualquer outra profissão, a diplomacia não pode ser o centro exclusivo de sua vida: os seres humanos, em especial as pessoas da família, são mais importantes do que qualquer profissão ou carreira.
Postado por Paulo R. de Almeida em 22.12.05 no Blog Paulo Roberto de Almeida
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