Não é a primeira vez que sou convidado para ser patrono de uma turma de bachareis em relações internacionais, também chamados internacionalistas.
Nesta quarta-feira, 25 de março de 2009, foram os formando do 2o. semestre de 2008 da Universidade Católica de Brasília.
Abaixo, o texto guia que serviu para minha preleção nessa ocasião.
Elogio da Persistência
Paulo Roberto de Almeida
Alocução de patrono da turma de Relações internacionais
(2º semestre de 2008) da Universidade Católica de Brasília
(25/03/2008, 20h, Auditório da UCB)
Diretora do Curso de RI: Profa. Tânia Maria Pechir Gomes Manzur
Paraninfo: Prof. Rodrigo Pires Campos
Padrinho: José Romero Pereira Júnior
Profs. Homenageados: Egidio Lessinger, Flavio Cardoso, Francisco Wollman
Funcionária homenageada: Valesca Gomes de Souza Matos
Oradora, Juramentista e Homenageadoras dos pais e dos mestres, além dos membros da Comissão de Formatura,
Meus caros novos internacionalistas, desta vez com um canudo acompanhando a designação, o que lhes dá plena legitimidade para ostentar orgulhosamente o título conquistado.
Estas minhas palavras foram colocadas sob o signo da persistência, tanto minha, ao insistir em complementar meu trabalho profissional com algumas horas noturnas dedicadas ao trabalho de pesquisa e redação de ensaios em temas internacionais, como, sobretudo, de vocês, ao insistirem num curso que correspondia às mais nobres aspirações de cada um. De fato, meu texto leva por título “Elogio da Persistência” e vocês tiveram, justamente, a persistência requerida para conquistar um título formal.
Num mundo em constante mutação, tão incerto e cambiante, agora agitado por crises financeiras, logo transformada em crise econômica de grande magnitude, cujas duração, intensidade e abrangência não estão ainda indefinidas, podendo inclusive levar a uma depressão cujo último grande exemplo remonta oitenta anos atrás, devemos saudar a persistência de um punhado de jovens, agora não mais que duas dezenas, que iniciaram, continuaram e, finalmente, concluíram o curso que constituiu a escolha original de vocês.
Meu primeiro elogio, portanto, vai para vocês mesmos, que persistiram no empreendimento, mesmo sentindo crescer, a cada momento, as incertezas e indefinições quanto ao vosso futuro profissional. Vocês são vencedores, na plena acepção do termo. Meus sinceros parabéns, portanto, e isto vai dito de todo o coração.
Meu segundo elogio vai para todos aqueles que contribuíram para o final exitoso da jornada que vocês empreenderam alguns anos atrás: os pais certamente, num sentido amplo, o que inclui toda a família, sem esquecer cachorro, gato e passarinho, este hoje mais raro, num mundo politicamente correto e cada vez mais controlador de velhos hábitos politicamente incorretos. Não importa: todos aqueles que cercam vocês, nas lides da semana e nos fins de semana, incluindo namorados, namoradas, companheiros, ficantes e outras companhias ocasionais, contribuíram, cada qual ao seu modo, para o final feliz de uma longa caminhada que parecia interminável no meio do caminho. A todos eles, vocês oferecem sorrisos no dia de hoje, e recebem em troca beijos, abraços, apertos de mão e outros gestos carinhosos de cumprimentos. Todos eles foram importantes e vocês sabem disso.
Um terceiro e grande elogio deve ser dirigido aos que mais diretamente foram responsáveis pela formação de vocês, num sentido amplo: os professores certamente, como todo o respeito que eles merecem, mas também os funcionários, as bibliotecárias, os empregados da lanchonete, o guarda do estacionamento (se houver), a rede de internet da Faculdade (nem sempre tão rápida quanto desejável), o Google, a Wikipédia, e com esses programas tudo aquilo que ajudou a confeccionar os trabalhos acadêmicos, o copiar e colar e todos aqueles expedientes utilizados para convencer os professores que vocês de fato fizeram uma pesquisa original e altamente inovadora...
Alguns ainda ficam me devendo copyright, os meus direitos de autor (com royalties a 5%), pois eu sei que se vocês me convidaram para estar aqui esta noite, foi porque se utilizaram eventualmente de alguns dos meus textos, voluntariamente disponíveis na internet, com a intenção, justamente, de servir ao enriquecimento intelectual de jovens como vocês, interessados na cultura e no saber, e que vêm se abastecer no meu site, como se faz regularmente com um carro no posto de combustível...
Mas acredito que não foi por remorso que vocês me convidaram, e sim por sincera admiração, como descubro por vezes pela correspondência eletrônica de algum aluno mais ousado, ou talvez interessado em alguma ajuda extra para um trabalho. Eu sei, mesmo sem controlar ou contar os acessos ao meu site, que meus textos, penosamente trabalhados nessas noites de horas extras na pesquisa e na redação, são utilizados para finalidades nobres na atividade acadêmica. Mas eles estão ali para isso mesmo. Só me desculpo por não colocar um número ainda maior deles em acesso total, mas é para não fazer concorrência desleal aos meus editores, que poderiam não achar graça em gastar com papel e tinta e depois descobrir todos eles sob a forma de bits and bytes livremente disponíveis no meu site. A isto se dá o nome de propriedade intelectual, embora vários deles, talvez a maior parte, não me pertençam, pois as idéias neles desenvolvidas também foram coletadas em minhas leituras noite adentro. Na verdade, eu também fico devendo copyright a muitos outros estudiosos nesta área de estudos cada vez mais ampla e diversificada.
Devemos, portanto, também fazer um elogio a todos esses autores distantes, muitos deles estrangeiros, mas que frequentaram nossas leituras e que passaram por nossas teclas de control-c e control-v, provando que tudo na vida se aproveita, tudo se transforma e renasce sob novas formas... Esses sites de revistas e jornais com temas internacionais fazem hoje parte do cenário acadêmico, tanto quanto os professores e os livros impressos, e o meu trabalho representa apenas uma gota d’água nesse oceano de conhecimento.
Obviamente, eu fico particularmente feliz pelo fato de vocês terem se lembrado deste professor indireto e virtual, e de terem arriscado a idéia de convidá-lo para partilhar um pouco da alegria de vocês nesta noite. Para mim isso é especialmente gratificante, pois que sou normalmente tímido e reservado, preferindo ficar no meu canto com os livros e a internet, a circular muito pelos centros de ensino. A rigor, eu nem deveria dedicar-me a atividades acadêmicas, posto que esta não é minha atividade principal ou meu ganha-pão tradicional, a não ser pelo lado da pesquisa e da elaboração de textos, eventualmente publicados.
Mas se eu me dedico também um pouco ao ensino e à orientação, é porque a docência e a direção de trabalhos acadêmicos representam um complemento indispensável aos esforços de leitura, de síntese e de redação de novos textos nessas áreas de minha predileção. Sem a necessidade de apresentar problemas complexos de forma inteligível aos mais jovens, sem a obrigação de resumir o que aprendemos nos livros para mentes curiosas, sem as cobranças surpreendentes e as indagações provocadoras dos alunos, muito do conhecimento adquirido ficaria enterrado entre dois neurônios do meu cérebro, sem aproveitamento útil em escala mais ampla. Pessoalmente, sem a necessidade estrita de dar aulas, eu o faço por prazer intelectual e até por motivo de interação social, sem o que eu permaneceria enterrado nos livros como aqueles eremitas de caverna, com longas barbas e cabelos brancos...
Por esses e outros motivos, sou eu quem deve agradecer a vocês esta homenagem e esta oportunidade de conhecer, diretamente, alguns de meus leitores secretos. Não vou cobrar copyright de ninguém, apenas dizer que fico especialmente feliz de saber que meu esforço solitário possa ter servido a alguma finalidade útil, ainda que fosse para terminar rapidamente um trabalho de última hora. Não tenho muito a acrescentar em termos de lições de vida ou de recomendações de carreira: algumas de minhas preleções nesse sentido já são conhecidas de vocês nesses mergulhos no meu site algo caótico, em busca de alguma coisa mais utilitária.
As principais lições vocês certamente já aprenderam: a honestidade intelectual no esforço de pesquisa e elaboração de trabalhos; o esforço próprio engajado na busca de conhecimentos originais e na exposição bem fundamentada dos argumentos e pontos de vista que vocês defenderam ao longo da jornada acadêmica; a solidariedade e a amizade com os colegas de estudo; o respeito pelos mestres; o carinho agora devolvido aos pais, que se esforçaram muito para que vocês chegassem até aqui (inclusive no que se refere à conta poupança); o reconhecimento aos técnicos da Google, da Microsoft ou da Apple, que facilitaram tanto essa coisa de copiar e colar; enfim, a consciência moral que vocês têm o direito de exibir, posto que vocês certamente mereceram o título que agora levam para casa, e que é o início de uma nova jornada de trabalho e de estudos, já que o ciclo de atividades nunca cessa em sua dinâmica ascensional.
Como vocês, eu também sou persistente, e essa é, provavelmente, uma das principais virtudes que devemos cultivar, incessantemente, sem querer ser redundante. Persistência na busca de nossos objetivos maiores, na realização dos nossos sonhos, na correção dos aspectos mais deletérios da vida política e social do Brasil na atualidade, posto que esta é a nossa sociedade, e, por pior que ela pareça hoje, por mais desalento que possamos ter em face de tantas patifarias cotidianas, de tantos crimes impunes e de tantas quebras de decoro justamente naqueles escalões mais altos, devemos ser persistentes em tentar transformar o País em algo melhor do que isso que existe atualmente, e tentar legar a nossos filhos e netos um Brasil mais justo, menos corrupto, economicamente mais avançado, mais globalizado, mais internacional, enfim, mais parecido, justamente, com o que admiramos em outros povos e nações, aqueles que possuem um índice de felicidade bruta mais elevado do que o nosso.
Foi para isso, finalmente, que vocês estudaram. Não apenas para atingir objetivos individuais de lucro e riqueza, pois que para isso existem os cursos de administração, de direito, de engenharia. O internacionalista é, antes de tudo, um idealista, mesmo quando ele adere à escola realista de relações internacionais: todos nós queremos um mundo mais justo e solidário, todos nós desejamos contribuir com nosso grão de conhecimento e de esforço individual para transformá-lo numa plataforma de sonhos, num porto mais seguro, numa morada mais próspera e pacífica do que o cenário algo caótico que ainda existe atualmente.
Vocês já sabem o que devem ou deveriam fazer, ainda que não saibam, exatamente, o que vão fazer da vida, ou como vão ganhar dinheiro, ou com quais instrumentos e ferramentas vão transformar o mundo. O quê fazer, salvar o mundo, vocês provavelmente já sabem, em grande medida, pelo menos, ainda que possam discutir como fazer isso. Em todo caso, eu fico muito feliz de saber que mais uma tribo de internacionalistas vai ser solta no mundo: alguns serão futuros colegas na diplomacia ou na academia; outros serão batalhadores em empresas privados; ou então concurseiros bem sucedidos, se tornarão servidores estáveis em agências públicas. Em qualquer hipótese, vocês são pessoas dignas do título que passam a ostentar desde hoje e certamente merecedoras das homenagens que seus familiares e amigos vão lhes prestar nestes dias.
Enfim, sejam felizes na vida pessoal e profissional, amem o trabalho de vocês, sejam amados pelos que os cercam e por todos aqueles que partilharão um pouco ou muito de suas vidas, façam do Brasil e do mundo lugares melhores do que eles são hoje, pois este é todo o sentido, não apenas da profissão de vocês, mas de nossas vidas como cidadãos do País e do mundo. Sobretudo, persistam no caminho iniciado alguns anos atrás, para poderem dizer aos amigos e filhos: eu lutei, mantive a fé, persisti nos meus ideais e aqui estou, feliz e realizado.
Muita felicidade e muito obrigado pela oportunidade que me foi dada. Vamos dar um grande viva pela persistência de vocês e os parabéns a todas e a todos...
Brasília, 22 de março de 2009
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
quarta-feira, 25 de março de 2009
terça-feira, 24 de março de 2009
1039) Uma petição a favor do livre comércio
Pessoalmente, não tenho ilusões de que manifestos ou petições assinados por intelectuais produzam qualquer efeito prático sobre os decisores, isto é, os políticos que adotam medidas protecionistas. Em 1930, mais de 1.000 economistas -- entre eles muitos famosos, como Frank Taussig, Irving Fisher e vários outros -- encaminharam uma petição ainda mais alarmista do que aquela que figura abaixo para o presidente Hoover, que no entanto assinou e promulgou a Smoot-Hawley e dai foi a catástrofe protecionista.
Em todo caso, leiam a carta do organizador e a petição, aqui abaixo.
Volto depois, com meus comentários.
Join the Petition for Free Trade
Dear Friends,
In cooperation with the International Policy Network and a worldwide group of think tanks, we are circulating this petition to combat recent moves toward harmful economic nationalism. I urge you to sign it. It is not yet a public effort, but please do share it with your colleagues, friends, and professional contacts. The first unveiling of this petition will be April 1st before the G20 meetings in London. It is a part of a much broader campaign that will be mobilized around the world to alert the public to the dangers of attempts to block trade and to revive positive efforts toward increasing freedom of trade. We will have a series of videos on the benefits of trade, booklets, public events, and much more, available in a multitude of languages.
Besides English, this petition will soon be available in over 20 languages. (Please see below). We are working toward an authentically worldwide effort on behalf of freedom of trade. Your help toward that end will be greatly appreciated.
If you would like more information, please contact my colleague David Archer.
Cordially,
Dr. Tom G. Palmer
Vice President for International Programs
General Director, Atlas Global Initiative for Free Trade, Peace, and Prosperity
See below for more languages
Click here to Sign the Petition
Free Trade Is the Best Policy
The specter of protectionism is rising. It is always a dangerous and foolish policy, but it is especially dangerous at a time of economic crisis, when it threatens to damage the world economy. Protectionism’s peculiar premise is that national prosperity is increased when government grants monopoly power to domestic producers. As centuries of economic reasoning, historical experience, and empirical studies have repeatedly shown, that premise is dead wrong. Protectionism creates poverty, not prosperity. Protectionism doesn’t even “protect” domestic jobs or industries; it destroys them, by harming export industries and industries that rely on imports to make their goods. Raising the local prices of steel by “protecting” local steel companies just raises the cost of producing cars and the many other goods made with steel. Protectionism is a fool’s game.
But the fact that protectionism destroys wealth is not its worst consequence. Protectionism destroys peace. That is justification enough for all people of good will, all friends of civilization, to speak out loudly and forcefully against economic nationalism, an ideology of conflict, based on ignorance and carried into practice by protectionism.
Two hundred and fifty years ago, Montesquieu observed that “Peace is the natural effect of trade. Two nations who differ with each other become reciprocally dependent; for if one has an interest in buying, the other has an interest in selling; and thus their union is founded on their mutual necessities.”
Trade’s most valuable product is peace. Trade promotes peace, in part, by uniting different peoples in a common culture of commerce – a daily process of learning others’ languages, social norms, laws, expectations, wants, and talents.
Trade promotes peace by encouraging people to build bonds of mutually beneficial cooperation. Just as trade unites the economic interests of Paris and Lyon, of Boston and Seattle, of Calcutta and Mumbai, trade also unites the economic interests of Paris and Portland, of Boston and Berlin, of Calcutta and Copenhagen – of the peoples of all nations who trade with other.
A great deal of rigorous empirical research supports the proposition that trade promotes peace.
Perhaps the most tragic example of what happens when that insight is ignored is World War II.
International trade collapsed by 70 percent between 1929 and 1932, in no small part because of America’s 1930 Smoot-Hawley tariff and the retaliatory tariffs of other nations. Economist Martin Wolf notes that “this collapse in trade was a huge spur to the search for autarky and Lebensraum, most of all for Germany and Japan.”
The most ghastly and deadly wars in human history soon followed.
By reducing war, trade saves lives.
Trade saves lives also by increasing prosperity and extending it to more and more people. The evidence that freer trade promotes prosperity is simply overwhelming. Prosperity enables ordinary men and women to lead longer and healthier lives.
And with longer, healthier lives lived more peacefully, people integrated into the global economy have more time to enjoy the vast array of cultural experiences brought to them by free trade. Culture is enriched by contributions from around the world, made possible by free trade in goods and in ideas.
Without a doubt, free trade increases material prosperity. But its greatest gift is not easily measured with money. That greatest gift is lives that are freer, fuller, and far less likely to be scalded or destroyed by the atrocities of war.
Accordingly, we the undersigned join together in a plea to the governments of all nations to resist the calls of the short-sighted and the greedy to raise higher the barriers to trade. In addition, we call on them to tear down current protectionist barriers to free trade. To each government, we say: let your citizens enjoy not only the fruits of your own fields, factories, and genius, but also those of the entire globe. The rewards will be greater prosperity, richer lives, and enjoyment of the blessings of peace.
Click here to Sign the Petition
Voltei, como diria um famoso colunista:
Sem ilusoes. Podemos até assinar, mas o impacto desse tipo de peticao é minimo, irrisorio, para nao dizer nulo.
Em primeiro lugar, porque ninguem está lutando a favor ou contra o livre comercio, enquanto doutrina ou enquanto politica setorial.
Em segundo lugar, porque o protecionismo seletivo e localizado, que está sendo aplicado atualmente por um numero consideravel de paises, não está se opondo ao livre comercio, e sim a um regime multilateral de comercio que possue inumeras brechas, atraves das quais os governos implementam pequenas medidas de protecao dos empregos locais e da producao nacional.
Em terceiro lugar, porque a alternativa ao protecionismo aberto, que nao está sendo praticado por ninguem -- salvo por um ou outro governo muito estupido, como o argentino -- é apenas o comercio administrado estilo GATT-OMC, ou seja, nada de muito diferente do que temos hoje.
O processo no mundo real, em tempos normais, se dá atraves de complicadas negociacoes que permitem uma liberalizacao progressiva e muito limitada, reduzindo algumas tarifas e disciplinando algumas tantas praticas, ao mesmo tempo em que oferece escape clauses e salvaguardas suficientes para os governos praticarem aquilo que sempre praticaram: protecionismo seletivo, disfarcado de ajuda setorial, em tons de cinza...
Em tempos anormais, como os nossos, o protecionismo setorial tende a se elevar um pouco acima das praticas correntes, apenas isso.
Nao será uma peticao que fará os governos mudarem de atitude.
Pode-se assinar por principio, mas sem a ilusao de que isso faça alguma diferença...
Como regra de principio, todo economista sensato é a favor do livre comercio.
Como regra de principio, todo politico sensato diz que é a favor do livre comercio, mas pratica protecionismo seletivo.
Só os mais estupidos (ou muito sinceros) sao a favor do protecionismo aberto.
-------------
Paulo Roberto de Almeida
pralmeida@mac.com
Em todo caso, leiam a carta do organizador e a petição, aqui abaixo.
Volto depois, com meus comentários.
Join the Petition for Free Trade
Dear Friends,
In cooperation with the International Policy Network and a worldwide group of think tanks, we are circulating this petition to combat recent moves toward harmful economic nationalism. I urge you to sign it. It is not yet a public effort, but please do share it with your colleagues, friends, and professional contacts. The first unveiling of this petition will be April 1st before the G20 meetings in London. It is a part of a much broader campaign that will be mobilized around the world to alert the public to the dangers of attempts to block trade and to revive positive efforts toward increasing freedom of trade. We will have a series of videos on the benefits of trade, booklets, public events, and much more, available in a multitude of languages.
Besides English, this petition will soon be available in over 20 languages. (Please see below). We are working toward an authentically worldwide effort on behalf of freedom of trade. Your help toward that end will be greatly appreciated.
If you would like more information, please contact my colleague David Archer.
Cordially,
Dr. Tom G. Palmer
Vice President for International Programs
General Director, Atlas Global Initiative for Free Trade, Peace, and Prosperity
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Free Trade Is the Best Policy
The specter of protectionism is rising. It is always a dangerous and foolish policy, but it is especially dangerous at a time of economic crisis, when it threatens to damage the world economy. Protectionism’s peculiar premise is that national prosperity is increased when government grants monopoly power to domestic producers. As centuries of economic reasoning, historical experience, and empirical studies have repeatedly shown, that premise is dead wrong. Protectionism creates poverty, not prosperity. Protectionism doesn’t even “protect” domestic jobs or industries; it destroys them, by harming export industries and industries that rely on imports to make their goods. Raising the local prices of steel by “protecting” local steel companies just raises the cost of producing cars and the many other goods made with steel. Protectionism is a fool’s game.
But the fact that protectionism destroys wealth is not its worst consequence. Protectionism destroys peace. That is justification enough for all people of good will, all friends of civilization, to speak out loudly and forcefully against economic nationalism, an ideology of conflict, based on ignorance and carried into practice by protectionism.
Two hundred and fifty years ago, Montesquieu observed that “Peace is the natural effect of trade. Two nations who differ with each other become reciprocally dependent; for if one has an interest in buying, the other has an interest in selling; and thus their union is founded on their mutual necessities.”
Trade’s most valuable product is peace. Trade promotes peace, in part, by uniting different peoples in a common culture of commerce – a daily process of learning others’ languages, social norms, laws, expectations, wants, and talents.
Trade promotes peace by encouraging people to build bonds of mutually beneficial cooperation. Just as trade unites the economic interests of Paris and Lyon, of Boston and Seattle, of Calcutta and Mumbai, trade also unites the economic interests of Paris and Portland, of Boston and Berlin, of Calcutta and Copenhagen – of the peoples of all nations who trade with other.
A great deal of rigorous empirical research supports the proposition that trade promotes peace.
Perhaps the most tragic example of what happens when that insight is ignored is World War II.
International trade collapsed by 70 percent between 1929 and 1932, in no small part because of America’s 1930 Smoot-Hawley tariff and the retaliatory tariffs of other nations. Economist Martin Wolf notes that “this collapse in trade was a huge spur to the search for autarky and Lebensraum, most of all for Germany and Japan.”
The most ghastly and deadly wars in human history soon followed.
By reducing war, trade saves lives.
Trade saves lives also by increasing prosperity and extending it to more and more people. The evidence that freer trade promotes prosperity is simply overwhelming. Prosperity enables ordinary men and women to lead longer and healthier lives.
And with longer, healthier lives lived more peacefully, people integrated into the global economy have more time to enjoy the vast array of cultural experiences brought to them by free trade. Culture is enriched by contributions from around the world, made possible by free trade in goods and in ideas.
Without a doubt, free trade increases material prosperity. But its greatest gift is not easily measured with money. That greatest gift is lives that are freer, fuller, and far less likely to be scalded or destroyed by the atrocities of war.
Accordingly, we the undersigned join together in a plea to the governments of all nations to resist the calls of the short-sighted and the greedy to raise higher the barriers to trade. In addition, we call on them to tear down current protectionist barriers to free trade. To each government, we say: let your citizens enjoy not only the fruits of your own fields, factories, and genius, but also those of the entire globe. The rewards will be greater prosperity, richer lives, and enjoyment of the blessings of peace.
Click here to Sign the Petition
Voltei, como diria um famoso colunista:
Sem ilusoes. Podemos até assinar, mas o impacto desse tipo de peticao é minimo, irrisorio, para nao dizer nulo.
Em primeiro lugar, porque ninguem está lutando a favor ou contra o livre comercio, enquanto doutrina ou enquanto politica setorial.
Em segundo lugar, porque o protecionismo seletivo e localizado, que está sendo aplicado atualmente por um numero consideravel de paises, não está se opondo ao livre comercio, e sim a um regime multilateral de comercio que possue inumeras brechas, atraves das quais os governos implementam pequenas medidas de protecao dos empregos locais e da producao nacional.
Em terceiro lugar, porque a alternativa ao protecionismo aberto, que nao está sendo praticado por ninguem -- salvo por um ou outro governo muito estupido, como o argentino -- é apenas o comercio administrado estilo GATT-OMC, ou seja, nada de muito diferente do que temos hoje.
O processo no mundo real, em tempos normais, se dá atraves de complicadas negociacoes que permitem uma liberalizacao progressiva e muito limitada, reduzindo algumas tarifas e disciplinando algumas tantas praticas, ao mesmo tempo em que oferece escape clauses e salvaguardas suficientes para os governos praticarem aquilo que sempre praticaram: protecionismo seletivo, disfarcado de ajuda setorial, em tons de cinza...
Em tempos anormais, como os nossos, o protecionismo setorial tende a se elevar um pouco acima das praticas correntes, apenas isso.
Nao será uma peticao que fará os governos mudarem de atitude.
Pode-se assinar por principio, mas sem a ilusao de que isso faça alguma diferença...
Como regra de principio, todo economista sensato é a favor do livre comercio.
Como regra de principio, todo politico sensato diz que é a favor do livre comercio, mas pratica protecionismo seletivo.
Só os mais estupidos (ou muito sinceros) sao a favor do protecionismo aberto.
-------------
Paulo Roberto de Almeida
pralmeida@mac.com
1038) Concurso para a carreira diplomatica: resultados da 1a. Fase
EDITAL DE 24 DE MARÇO DE 2009
CONCURSO DE ADMISSÃO À CARREIRA DE DIPLOMATA
O DIRETOR-GERAL DO INSTITUTO RIO BRANCO, no uso de suas atribuições legais e regimentais, torna públicos o resultado final na Prova Objetiva e a convocação para a Segunda Fase dos candidatos ao Concurso Público de Admissão à Carreira de Diplomata.
1 Resultado final na Prova Objetiva e convocação para a Segunda Fase – prova escrita de Português, na seguinte ordem: número de inscrição, nome do candidato em ordem alfabética e nota final na Prova Objetiva.
neste link
2 DA SEGUNDA FASE: PROVA ESCRITA DE PORTUGUÊS
2.1 Data e horário: a prova escrita de Português terá a duração de 5 horas e será aplicada no dia 29 de março de 2009, às 14 horas (horário oficial de Brasília/DF), nos locais determinados a seguir. (mesmo link acima)
3 DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
3.1 As justificativas de alteração do gabarito oficial preliminar da Prova Objetiva, em razão das interposições de recursos feitas pelos candidatos, estarão disponíveis para consulta a partir do dia 26 de março de 2009, no endereço eletrônico http://www.cespe.unb.br/concursos/diplomacia2009.
3.1.1 O CESPE/UnB não arcará com prejuízos advindos de problemas de ordem técnica dos
computadores, falhas de comunicação, congestionamento das linhas de comunicação, bem como de outros fatores, de responsabilidade do candidato, que impossibilitem a visualização das justificativas.
3.2 O resultado provisório da Segunda Fase será anunciado na sede do IRBr, em Brasília, às 16 horas (horário oficial de Brasília/DF), na data provável de 6 de maio de 2009, e divulgado via Internet, no endereço eletrônico http://www.cespe.unb.br/concursos/diplomacia2009, até as 20 horas desse mesmo dia.
FERNANDO GUIMARÃES REIS
Diretor Geral
CONCURSO DE ADMISSÃO À CARREIRA DE DIPLOMATA
O DIRETOR-GERAL DO INSTITUTO RIO BRANCO, no uso de suas atribuições legais e regimentais, torna públicos o resultado final na Prova Objetiva e a convocação para a Segunda Fase dos candidatos ao Concurso Público de Admissão à Carreira de Diplomata.
1 Resultado final na Prova Objetiva e convocação para a Segunda Fase – prova escrita de Português, na seguinte ordem: número de inscrição, nome do candidato em ordem alfabética e nota final na Prova Objetiva.
neste link
2 DA SEGUNDA FASE: PROVA ESCRITA DE PORTUGUÊS
2.1 Data e horário: a prova escrita de Português terá a duração de 5 horas e será aplicada no dia 29 de março de 2009, às 14 horas (horário oficial de Brasília/DF), nos locais determinados a seguir. (mesmo link acima)
3 DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
3.1 As justificativas de alteração do gabarito oficial preliminar da Prova Objetiva, em razão das interposições de recursos feitas pelos candidatos, estarão disponíveis para consulta a partir do dia 26 de março de 2009, no endereço eletrônico http://www.cespe.unb.br/concursos/diplomacia2009.
3.1.1 O CESPE/UnB não arcará com prejuízos advindos de problemas de ordem técnica dos
computadores, falhas de comunicação, congestionamento das linhas de comunicação, bem como de outros fatores, de responsabilidade do candidato, que impossibilitem a visualização das justificativas.
3.2 O resultado provisório da Segunda Fase será anunciado na sede do IRBr, em Brasília, às 16 horas (horário oficial de Brasília/DF), na data provável de 6 de maio de 2009, e divulgado via Internet, no endereço eletrônico http://www.cespe.unb.br/concursos/diplomacia2009, até as 20 horas desse mesmo dia.
FERNANDO GUIMARÃES REIS
Diretor Geral
segunda-feira, 23 de março de 2009
1037) A volta da energia nuclear
Um post sobre o retorno à matriz energética de uma velha conhecida...
A volta da energia nuclear
Roberto Belisário
É impressionante como algumas coisas mudam rápido. Quem se lembra da oposição ferrenha de boa parte das pessoas às usinas nucleares de até alguns anos atrás? Em 2000, o governo alemão chegou a aprovar uma lei que exige o desmonte de todas as instalações nucleares do país até 2020. Pois bem, agora, em nome do combate ao aquecimento global ou por medo dos preços do petróleo ou de “apagões” energéticos, parece que elas estão sendo reabilitadas pelo mundo todo.
O número de pessoas na União Européia que apóiam o uso da energia nuclear subiu de 37% em 2005 para 44% em 2008 e os opositores caíram de 55% para 45%, segundo uma matéria da revista britânica The Economist de 19 de maio. Em fevereiro, a Itália e a Suécia anunciaram que voltarão a construir usinas nucleares (a Suécia parara um ano depois do acidente de Three Miles Island, nos EUA, em 1979, e a Itália um ano depois do de Tchernobyl, na Ucrânia, em 1986). Na Alemanha, a primeira-ministra Angela Merkel é favorável ao fim da lei de seu país contra as usinas – mas o outro partido da coalizão de seu governo apóia a lei, então nada deve mudar por lá ainda.
O que aconteceu?
(...)
Para continuar lendo o artigo em sua integralidade, clique aqui.
A volta da energia nuclear
Roberto Belisário
É impressionante como algumas coisas mudam rápido. Quem se lembra da oposição ferrenha de boa parte das pessoas às usinas nucleares de até alguns anos atrás? Em 2000, o governo alemão chegou a aprovar uma lei que exige o desmonte de todas as instalações nucleares do país até 2020. Pois bem, agora, em nome do combate ao aquecimento global ou por medo dos preços do petróleo ou de “apagões” energéticos, parece que elas estão sendo reabilitadas pelo mundo todo.
O número de pessoas na União Européia que apóiam o uso da energia nuclear subiu de 37% em 2005 para 44% em 2008 e os opositores caíram de 55% para 45%, segundo uma matéria da revista britânica The Economist de 19 de maio. Em fevereiro, a Itália e a Suécia anunciaram que voltarão a construir usinas nucleares (a Suécia parara um ano depois do acidente de Three Miles Island, nos EUA, em 1979, e a Itália um ano depois do de Tchernobyl, na Ucrânia, em 1986). Na Alemanha, a primeira-ministra Angela Merkel é favorável ao fim da lei de seu país contra as usinas – mas o outro partido da coalizão de seu governo apóia a lei, então nada deve mudar por lá ainda.
O que aconteceu?
(...)
Para continuar lendo o artigo em sua integralidade, clique aqui.
domingo, 22 de março de 2009
1036) Livro sobre a crise internacional e o Brasil
Gostaria de recomendar a todos um livro recentemente lancado sobre a crise economica internacional e o Brasil:
Como Reagir à Crise?: Políticas Econômicas para o Brasil
Edmar L. Bacha | Ilan Goldfajn [Organizadores]
AUTORES: Alkimar R. Moura, André Lara Resende, Antônio de Pádua Bittencourt Neto, Armando Castelar Pinheiro, Arminio Fraga Neto, Beny Parnes, Daniel L. Gleizer, Dionísio Dias Carneiro, Edmar L. Bacha, Flávio Fucs, Francisco L. Lopes, Gustavo H. B. Franco, Ilan Goldfajn, João Cesar Tourinho, Mônica Baumgarten De Bolle, Pedro Malan, Sylvio Heck, Tamara Wajnberg, Theodoro Messa, Thomas Wu.
Link para o livro
SUMÁRIO
Introdução 4
Edmar Bacha
Ilan Goldfajn
Cenários e Avaliações Gerais
Aonde queremos chegar 7
Pedro Malan
A dimensão da crise 12
Francisco L. Lopes
Como responder ao trade-off risco vs. eficiência? 16
Dionisio Dias Carneiro
Monica Baumgarten de Bolle
O desembarque da crise no Brasil: 10 idéias 21
Gustavo H. B. Franco
Políticas Macroeconômicas
O choque externo e a resposta possível 26
Edmar L. Bacha
Opções para a política macroeconômica 29
Arminio Fraga Neto
Como reagir à crise: política fiscal 32
Beny Parnes
Ilan Goldfajn
Política Monetária, Liquidez e Crédito
Metas inflacionarias e crise externa: o que fazer? Um resumo 37
Dionisio Dias Carneiro
Monica Baumgarten de Bolle
Liquidez e juros são políticas independentes? 42
Flavio Fucs
Thomas Wu
Bancos públicos: bombeiros na crise ou emprestadores de primeira
instância? 47
Armando Castelar Pinheiro
Liquidez: empoçamento? 53
Sylvio Heck
Considerações acerca da política de provisão de liquidez 56
Daniel L. Gleizer
Política Cambial
Mercados cambial e de crédito brasileiros: danos e reações propostas 63
João Cesar Tourinho
Políticas cambiais em períodos de crise 67
Antônio de Pádua Bittencourt Neto
Tamara Wajnberg
Sistema Financeiro
A crise e o desenho do sistema financeiro 73
André Lara Resende
Crise e regulação do sistema financeiro brasileiro 80
Theodoro Messa
A microestrutura dos mercados faz alguma diferença? 83
Alkimar R. Moura
Sobre os Autores 87
Sobre a Instituição 92
Como Reagir à Crise?: Políticas Econômicas para o Brasil
Edmar L. Bacha | Ilan Goldfajn [Organizadores]
AUTORES: Alkimar R. Moura, André Lara Resende, Antônio de Pádua Bittencourt Neto, Armando Castelar Pinheiro, Arminio Fraga Neto, Beny Parnes, Daniel L. Gleizer, Dionísio Dias Carneiro, Edmar L. Bacha, Flávio Fucs, Francisco L. Lopes, Gustavo H. B. Franco, Ilan Goldfajn, João Cesar Tourinho, Mônica Baumgarten De Bolle, Pedro Malan, Sylvio Heck, Tamara Wajnberg, Theodoro Messa, Thomas Wu.
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SUMÁRIO
Introdução 4
Edmar Bacha
Ilan Goldfajn
Cenários e Avaliações Gerais
Aonde queremos chegar 7
Pedro Malan
A dimensão da crise 12
Francisco L. Lopes
Como responder ao trade-off risco vs. eficiência? 16
Dionisio Dias Carneiro
Monica Baumgarten de Bolle
O desembarque da crise no Brasil: 10 idéias 21
Gustavo H. B. Franco
Políticas Macroeconômicas
O choque externo e a resposta possível 26
Edmar L. Bacha
Opções para a política macroeconômica 29
Arminio Fraga Neto
Como reagir à crise: política fiscal 32
Beny Parnes
Ilan Goldfajn
Política Monetária, Liquidez e Crédito
Metas inflacionarias e crise externa: o que fazer? Um resumo 37
Dionisio Dias Carneiro
Monica Baumgarten de Bolle
Liquidez e juros são políticas independentes? 42
Flavio Fucs
Thomas Wu
Bancos públicos: bombeiros na crise ou emprestadores de primeira
instância? 47
Armando Castelar Pinheiro
Liquidez: empoçamento? 53
Sylvio Heck
Considerações acerca da política de provisão de liquidez 56
Daniel L. Gleizer
Política Cambial
Mercados cambial e de crédito brasileiros: danos e reações propostas 63
João Cesar Tourinho
Políticas cambiais em períodos de crise 67
Antônio de Pádua Bittencourt Neto
Tamara Wajnberg
Sistema Financeiro
A crise e o desenho do sistema financeiro 73
André Lara Resende
Crise e regulação do sistema financeiro brasileiro 80
Theodoro Messa
A microestrutura dos mercados faz alguma diferença? 83
Alkimar R. Moura
Sobre os Autores 87
Sobre a Instituição 92
quarta-feira, 18 de março de 2009
1035) END, but not The End...
Estratégia Nacional de Defesa: comentários dissidentes
Paulo Roberto de Almeida
A Estratégia Nacional de Defesa (END), divulgada pelo governo brasileiro em dezembro de 2008, mereceu, de imediato, comentários diversos de observadores e especialistas, e algumas avaliações superficiais na imprensa. A maior parte dos comentários apresentou um tom positivo, posto se tratar de uma iniciativa no sentido da transparência e da abertura de um debate com a sociedade, em geral, e com os estudiosos da área em particular. Sem pretender me colocar entre estes últimos, desejo oferecer, igualmente, alguns comentários preliminares sobre o documento em questão, baseados inteiramente em minhas primeiras impressões de leitura, sem que eu tenha tido a oportunidade, até este momento (11 de fevereiro de 2009), de conhecer opiniões ou análises mais fundamentadas sobre tal documento, ou, pessoalmente, de efetuar eu mesmo um exame mais aprofundado do mesmo.
Reconheço, de imediato, as mesmas características positivas no fato de que “um” documento – quaisquer que sejam suas qualidades intrínsecas – sobre esse aspecto importante da vida nacional (com repercussões internacionais) tenha sido divulgado. Pretendo, contudo, ressaltar, ou destacar, apenas aspectos que me parecem problemáticos nesse documento, sem desconsiderar que ele possa, de fato, apresentar uma contribuição relevante para um debate qualificado nessa área, ademais de suas implicações práticas para a defesa nacional e a política externa do Brasil. Meus comentários, como já indicado no subtítulo, prenunciam uma posição mais crítica do que favorável, e até num sentido iconoclasta, mas sem qualquer espírito destrutivo, ou puramente negativo, preservando, ao contrário, minha tradicional honestidade intelectual e, tanto quanto possível, minha objetividade analítica.
1. Características gerais
Uma leitura, mesmo superficial, do documento em questão, permite detectar, antes de mais nada, uma filosofia geral, não muito diferente daquela que perpassa a vida nacional em outras esferas de orientação política ou econômica. Trata-se de um documento que coloca o princípio da independência nacional como vetor absoluto de qualquer posicionamento em matéria de segurança e defesa. Independentemente, portanto, de suas outras qualidades setoriais, e até de planejamento global dessa importante interface das relações do Brasil – e essas outras qualidades existem, mas não serão enfatizadas aqui –, cabe destacar em primeiro lugar esse elemento gaullien, ou gaulliste, do documento, que pode ser resumido em alguns poucos conceitos: a filosofia global do documento, a que mais revela a visão do mundo (Weltanschauung) de seus formuladores, portanto, é a do soberanismo e, sobretudo, a do nacionalismo.
Não há muita novidade nesse particular, pois que o Brasil sempre foi, desde o início da República, pelo menos, um país essencialmente soberanista e nacionalista; esta última característica foi bem mais acentuada a partir da era Vargas. Esse aspecto, normal e até ‘obrigatório’ para os defensores oficiais da pátria, apresenta outro problema ao tratar do planejamento, produção e utilização de “bens” de defesa, quaisquer que sejam eles, posto que o elemento básico de ‘edifício securitário e dissuasório’ passou a ser o da autonomia absoluta, quaisquer que sejam os custos explícitos e implícitos – ou seja, o custo-oportunidade, em linguagem econômica – dessas opções fundamentais da estratégia ‘nacional’ de defesa (e o qualificativo central assume aqui toda a sua carga de obrigatoriedade, em sentido estrito e lato).
Esta outra característica, econômica, deve ser sublinhada de imediato e com a maior ênfase, pois que implicando em toda uma problemática que não tem tanto a ver com a substância em si das escolhas básicas em matéria de estratégia, mas decisiva na definição dos meios. Ela é a seguinte: independentemente dessas escolhas, é um fato que o documento em si não foi feito por economistas, não recebeu uma análise de algum ‘espírito econômico’, nem pretende prestar contas de seus custos econômicos para o país e a sociedade. Simplificando ao extremo – mesmo sob o risco de ver o documento transformado em caricatura dele mesmo – eu diria que o documento é completamente anti-econômico, não apenas por propor uma estratégia grandiosa, inalcançável no plano dos recursos disponíveis, mas sobretudo por propor um caminho de realização dessa estratégia que não leva em conta o princípio básico da escassez de recursos, ou se o leva, o faz apenas como uma espécie de gradualismo orçamentário.
Existe, obviamente, uma razão de ordem prática, ou seja, econômica, para que a END não possa ser aplicada; ou mesmo que, se ela for eventualmente aplicável – viabilizada pelos procedimentos legislativos e orçamentários em um Estado democrático normal –, ela não consiga ser colocada em vigor em toda a sua plenitude. Para que isso ocorra, seria provavelmente necessário mais do que um PIB inteiro – sem que um valor preciso possa ser de fato estimado – para que toda a imensa ambição da END seja integralmente implementada. Não se pretende no espaço limitado deste comentário elaborar a propósito da total anti-economicidade da END; apenas confirmar que essa característica não se prende apenas ao documento, mas perpassa o conjunto de atitudes e de políticas econômicas brasileiras desde muito tempo, estando, portanto, entranhadas, na própria ‘ideologia nacional desenvolvimentista’, subjacente a todo o documento. Qualquer que seja a postura política que se possa ter em relação a essa ‘ideologia’, e sua interação com a END (qualquer que seja ela, esta, ou uma outra) uma abordagem metodologicamente apropriada a uma política nacional tão importante quanto esta não poderia dispensar uma rigorosa análise econômica de sua efetividade e adequação a uma estratégia nacional de desenvolvimento econômico e tecnológico (e, por extensão, social).
Esta não é, contudo, a objeção maior que se possa fazer ao documento, e ao modo de pensar de seus formuladores, ainda que ela seja decisiva no plano dos meios e das possibilidades. Essa objeção tem a ver com a sua inocuidade ou, ao menos, a sua inadequação aos propósitos prioritários que o próprio documento estabelece.
2. Características específicas
A outra grande deficiência do documento é o fato de que, mesmo sendo a END hipoteticamente implementável – supondo-se que existissem meios infinitos e nenhum constrangimento orçamentário – ela não teria os efeitos que seus propositores pretendem, ou apenas teria ‘certos’ efeitos, característicos, precisamente, de sua concepção fundamental: soberanista, nacionalista, autonomista no mais alto grau, ignorando não apenas a interdependência econômica contemporânea, como também os propósitos maiores da política externa brasileira, seja em sua dimensão regional, seja em seus objetivos multilaterais e internacionais.
A END pretende dar prioridade a duas ‘Amazônias’, a verde e a azul, como se os principais problemas da defesa, da segurança ou da estratégia dissuasória do Brasil estivessem concentrados nessas duas regiões. Aliás, o documento falha em identificar claramente onde estariam essas ameaças, como se o conceito de defesa não implicasse em seu complemento necessário: contra o quê, exatamente, ou contra quem? As ameaças são classificadas como difusas; mas aqui e ali perpassa a idéia de que seria uma potência (ou uma coalizão de potências) dotada de meios ofensivos superiores (um claro eufemismo para os EUA e países europeus). Não se considera, por exemplo, que os centros nevrálgicos da economia e das decisões nacionais se encontram distribuídos em uma faixa litorânea de 200km ao longo da costa atlântica, ou que nossas fragilidades são bem mais internas do que externas.
Os problemas principais, contudo, derivam do fato de que, em todos os vetores que a END considera como essenciais, o espacial, o cibernético e o nuclear, uma estratégia puramente nacional, autonomista e soberanista, como a proposta no documento, redundaria em custos indefinidos, prazos extremamente delongados ou impasses ou obstáculos tecnológicos previsíveis. As dificuldades não parecem impressionar os autores do documento, que desprezam ou minimizam a necessidade de cooperação externa no que se refere ao know-how para os primeiros dois vetores, ou colocam de lado os constrangimentos internacionais no que se refere ao vetor nuclear. O documento parte da suposição de que os parceiros externos, indefinidos, saberão se acomodar ao desejo brasileiro de obter acesso à tecnologia, sem o que essas parcerias presumivelmente não existirão.
Em outros trechos, onde se fala de ‘parceiros’, estes são identificados a países emergentes, com os quais se realizará outro dos objetivos prioritários do atual governo brasileiro: a reforma das instituições internacionais, em especial dos organismos econômicos. No plano internacional, justamente, o documento falha em vincular o outro grande objetivo internacional do governo brasileiro: a assunção de uma cadeira permanente no CSNU e o aumento da presença brasileira no cenário internacional. Se este é um objetivo factível – o que parece muito duvidoso – então a END não parece adaptada aos requisitos e necessidades de uma maior inserção do Brasil nas operações de peace-making e de peace-keeping da ONU, ou até de uma ação independente em determinados teatros especiais.
3. O problema regional e a questão hemisférica
O documento quase não trata das grandes prioridades da atual política externa brasileira: o reforço do Mercosul e a integração política e física da América do Sul; mas quando o faz, as menções são puramente retóricas, sem a perspectiva de uma integração real, igualitária. Os vizinhos são basicamente considerados como clientes potenciais da indústria brasileira de defesa, totalmente independente, cabe lembrar.
A integração seria algo puramente instrumental para viabilizar economias de escala para essa indústria, diluindo assim os custos entre um número maior de clientes, ou de dependentes (condição que se recusa para o próprio Brasil). O famoso Conselho de Defesa Sul-Americano – que não é bem de defesa, mas simplesmente de coordenação da segurança regional – parece ter sido criado para servir a esses mesmos objetivos, e sua característica mais realçada é a de que ele seria conduzido sem qualquer parceiro externo à própria região.
Esse ‘isolamento’ dos EUA – como se tal fosse possível – parece resultar de dois elementos combinados, a partir de dois vetores completamente diferentes: por um lado, a tradicional necessidade militar de definir ‘ameaças’ credíveis – e não se concebe qualquer outra ameaça efetiva na região, depois da normalização das relações com a Argentina – agora parcialmente coberta pela figura da ‘potência superior’; por outro lado, o anti-imperialismo infantil, e completamente démodé, de setores políticos da base de sustentação do governo e da esquerda acadêmica esclerosada.
Esse exclusivismo regional, à exclusão do grande irmão hemisférico, e a política de aproximação do Brasil com parceiros ‘emergentes’ ditos estratégicos – como a Índia, por exemplo – podem vir a ser fontes de problemas na estratégia brasileira de integração regional, na área política e de segurança, inclusive porque isso tem implicações para os problemas da cadeira no CSNU e da opção nuclear.
É relevante registrar que, para que o Brasil pudesse realizar seus objetivos regionais, sobretudo o da integração sub-regional e da sul-americana – que supostamente são os mais valorizados pela diplomacia brasileira e a própria base da cooperação regional no terreno da segurança, e talvez da defesa –, o Brasil precisaria utilizar-se muito mais dos elementos de soft power da economia do que aqueles de hard power, pelo lado da defesa. Na verdade, o Brasil já possui, teórica ou hipoteticamente, as condições potenciais para praticar soft power na região, não o fazendo, por razões históricas e políticas.
Esse soft power estaria baseado na abertura irrestrita do seu mercado interno a todos os vizinhos sul-americanos, de forma integral e incondicional – vale dizer, sem qualquer exigência de reciprocidade – e na concepção e implementação de imenso esforço de cooperação bilateral com cada um deles (acolhendo bolsistas no Brasil e desenvolvendo projetos nesses países); cabe considerar, ademais, o papel crucial do investimento direto brasileiro na região, essencialmente a cargo do setor privado (eventualmente estimulado por políticas governamentais) e de uma ou outra estatal (Petrobras). O fato é que o Brasil não exercerá esse soft power, seja porque o país é naturalmente protecionista, seja porque os arranjos do Mercosul não o permitiriam, nas atuais condições.
A questão hemisférica, por sua vez, tem a ver com as relações do Brasil com o ‘império’, atualmente considerado uma presença nitidamente não desejável na região, sequer como parceiro (a menos que seja como fornecedor complacente da tecnologia necessária à capacitação brasileira em defesa). Pode-se até conceber essa ‘opção’ como uma derivação lógica – ainda que não assumida publicamente, por notórias implicações políticas – da antiga tese do chanceler Rio Branco quanto a uma divisão de tarefas no hemisfério: o império fica com o norte (aqui compreendendo todo o Caribe e América Central) e o Brasil se ‘ocupa’ da América do Sul. Mesmo admitindo que esse tipo de ‘missão compartilhada’ seja admissível ou possível, na prática – com todos os problemas ligados a uma suposta liderança brasileira na região – ela não resolve nenhum dos demais problemas vinculados à presença internacional brasileira ou, sobretudo, ao CSNU, que passam inevitavelmente por uma ‘boa relação’ de cooperação ativa com o império (algo ainda não admitido até aqui).
4. Problemas residuais e conclusão provisória
Sem pretender aprofundar, neste momento, todos os problemas relevantes da END – inclusive o das ‘ferramentas’ que poderiam, ou não, ser funcionais para essa estratégia particular, entre elas o submarino nuclear, algum eventual porta-aviões ou outros instrumentos de projeção externa – caberia mencionar, mesmo rapidamente, dois outros problemas relevantes que também têm a ver mais com a ‘filosofia’ do documento do que propriamente com os meios e fins dessa concepção de defesa.
O primeiro tem a ver com a opção confirmada por um ‘serviço militar obrigatório’, aliás, acrescido de um recrutamento universal (quem não fosse aproveitado no ‘equalizador republicano’, iria para um equivalente civil). Esta opção parece decorrer mais de necessidades da força de terra, do que dos requerimentos das duas outras forças, que aparentemente se acomodariam – ou mesmo desejariam – a alternativa de forças totalmente profissionais e exclusivas. Opções de maior flexibilidade operacional recomendariam, provavelmente, a consideração da estratégia profissional para alguns tipos de missões militares (propriamente estratégicas), reservando-se o serviço universal para essa ocupação de ‘terreno republicano’ no grande espaço do Brasil ainda subdesenvolvido, como deseja certa ideologia pretensamente classista no documento. Aliás, o documento trai suas origens mais sociológicas do que propriamente institucionais ao mencionar expressamente o objetivo de incorporar todas as ‘classes sociais” a esse projeto pretensamente republicano: trata-se, provavelmente, da primeira vez que o Estado brasileiro trabalha com o conceito de classes sociais, em lugar de um equivalente verdadeiramente universal e igualitário, o de cidadãos, ao pretender formular uma política pública relevante.
O segundo problema tem a ver com a velha questão nuclear. Ademais de referir-se às possibilidades energéticas e tecnológicas do vetor nuclear, a END parece lamentar, em duas passagens, o abandono pelo Brasil dessa possibilidade ‘militar’: o Brasil “privou-se da faculdade de empregar a energia nuclear para qualquer fim que não seja pacífico”, e “proibiu-se a si mesmo o acesso ao armamento nuclear”, o que revela, provavelmente, alguma inclinação dos formuladores do documento. Inconsciente ou deliberadamente, esse tipo de linguagem pode representar uma eventual tentativa de deixar a opção aberta, caso novos desenvolvimentos internacionais, do lado do TNP, tornem viável ou factível alguma futura revisão constitucional no plano nacional. Esse ‘desejo secreto’ pode revelar-se problemático no plano internacional e até no regional, inclusive porque está expressamente dito que o Brasil “não aderirá a acréscimos ao TNP destinados a ampliar as restrições do Tratado sem que as potências nucleares tenham avançado na premissa central do Tratado: seu próprio desarmamento nuclear”. Essa posição é uma espécie de prolongamento da recusa do TNP mantida durante 30 anos pelos estrategistas – militares e diplomáticos – brasileiros em relação a esse vetor considerado fundamental de qualquer estratégia dissuasória no plano mundial.
Finalmente, cabe registrar, mais uma vez, o aspecto positivo da divulgação da END, pelo simples fato de existir e de permitir debates públicos em torno de ‘uma’ END e, sem pretender retomar um chavão que diria que ‘uma outra END é possível’, sublinhe-se apenas que ela começa o debate sobre onde, e com que instrumentos, o Brasil quer chegar em matéria de defesa e de segurança estratégica. Com a atual conformação nacionalista, soberanista, autonomista e arrogantemente tutelar no plano regional, sem mencionar a rejeição preventiva da ‘cooperação imperial’, pode-se legitimamente perguntar se jamais o Brasil chegará ao ponto indicado na END. A grande ambição da atual END é, provavelmente, o ideal do ponto de vista dos militares: pergunta-se apenas se ela é factível e se é essa a END que interessa ao Brasil, como nação integrada à região e ao mundo. O tema permanece sob exame.
Brasília, 11 de fevereiro de 2009
Paulo Roberto de Almeida
A Estratégia Nacional de Defesa (END), divulgada pelo governo brasileiro em dezembro de 2008, mereceu, de imediato, comentários diversos de observadores e especialistas, e algumas avaliações superficiais na imprensa. A maior parte dos comentários apresentou um tom positivo, posto se tratar de uma iniciativa no sentido da transparência e da abertura de um debate com a sociedade, em geral, e com os estudiosos da área em particular. Sem pretender me colocar entre estes últimos, desejo oferecer, igualmente, alguns comentários preliminares sobre o documento em questão, baseados inteiramente em minhas primeiras impressões de leitura, sem que eu tenha tido a oportunidade, até este momento (11 de fevereiro de 2009), de conhecer opiniões ou análises mais fundamentadas sobre tal documento, ou, pessoalmente, de efetuar eu mesmo um exame mais aprofundado do mesmo.
Reconheço, de imediato, as mesmas características positivas no fato de que “um” documento – quaisquer que sejam suas qualidades intrínsecas – sobre esse aspecto importante da vida nacional (com repercussões internacionais) tenha sido divulgado. Pretendo, contudo, ressaltar, ou destacar, apenas aspectos que me parecem problemáticos nesse documento, sem desconsiderar que ele possa, de fato, apresentar uma contribuição relevante para um debate qualificado nessa área, ademais de suas implicações práticas para a defesa nacional e a política externa do Brasil. Meus comentários, como já indicado no subtítulo, prenunciam uma posição mais crítica do que favorável, e até num sentido iconoclasta, mas sem qualquer espírito destrutivo, ou puramente negativo, preservando, ao contrário, minha tradicional honestidade intelectual e, tanto quanto possível, minha objetividade analítica.
1. Características gerais
Uma leitura, mesmo superficial, do documento em questão, permite detectar, antes de mais nada, uma filosofia geral, não muito diferente daquela que perpassa a vida nacional em outras esferas de orientação política ou econômica. Trata-se de um documento que coloca o princípio da independência nacional como vetor absoluto de qualquer posicionamento em matéria de segurança e defesa. Independentemente, portanto, de suas outras qualidades setoriais, e até de planejamento global dessa importante interface das relações do Brasil – e essas outras qualidades existem, mas não serão enfatizadas aqui –, cabe destacar em primeiro lugar esse elemento gaullien, ou gaulliste, do documento, que pode ser resumido em alguns poucos conceitos: a filosofia global do documento, a que mais revela a visão do mundo (Weltanschauung) de seus formuladores, portanto, é a do soberanismo e, sobretudo, a do nacionalismo.
Não há muita novidade nesse particular, pois que o Brasil sempre foi, desde o início da República, pelo menos, um país essencialmente soberanista e nacionalista; esta última característica foi bem mais acentuada a partir da era Vargas. Esse aspecto, normal e até ‘obrigatório’ para os defensores oficiais da pátria, apresenta outro problema ao tratar do planejamento, produção e utilização de “bens” de defesa, quaisquer que sejam eles, posto que o elemento básico de ‘edifício securitário e dissuasório’ passou a ser o da autonomia absoluta, quaisquer que sejam os custos explícitos e implícitos – ou seja, o custo-oportunidade, em linguagem econômica – dessas opções fundamentais da estratégia ‘nacional’ de defesa (e o qualificativo central assume aqui toda a sua carga de obrigatoriedade, em sentido estrito e lato).
Esta outra característica, econômica, deve ser sublinhada de imediato e com a maior ênfase, pois que implicando em toda uma problemática que não tem tanto a ver com a substância em si das escolhas básicas em matéria de estratégia, mas decisiva na definição dos meios. Ela é a seguinte: independentemente dessas escolhas, é um fato que o documento em si não foi feito por economistas, não recebeu uma análise de algum ‘espírito econômico’, nem pretende prestar contas de seus custos econômicos para o país e a sociedade. Simplificando ao extremo – mesmo sob o risco de ver o documento transformado em caricatura dele mesmo – eu diria que o documento é completamente anti-econômico, não apenas por propor uma estratégia grandiosa, inalcançável no plano dos recursos disponíveis, mas sobretudo por propor um caminho de realização dessa estratégia que não leva em conta o princípio básico da escassez de recursos, ou se o leva, o faz apenas como uma espécie de gradualismo orçamentário.
Existe, obviamente, uma razão de ordem prática, ou seja, econômica, para que a END não possa ser aplicada; ou mesmo que, se ela for eventualmente aplicável – viabilizada pelos procedimentos legislativos e orçamentários em um Estado democrático normal –, ela não consiga ser colocada em vigor em toda a sua plenitude. Para que isso ocorra, seria provavelmente necessário mais do que um PIB inteiro – sem que um valor preciso possa ser de fato estimado – para que toda a imensa ambição da END seja integralmente implementada. Não se pretende no espaço limitado deste comentário elaborar a propósito da total anti-economicidade da END; apenas confirmar que essa característica não se prende apenas ao documento, mas perpassa o conjunto de atitudes e de políticas econômicas brasileiras desde muito tempo, estando, portanto, entranhadas, na própria ‘ideologia nacional desenvolvimentista’, subjacente a todo o documento. Qualquer que seja a postura política que se possa ter em relação a essa ‘ideologia’, e sua interação com a END (qualquer que seja ela, esta, ou uma outra) uma abordagem metodologicamente apropriada a uma política nacional tão importante quanto esta não poderia dispensar uma rigorosa análise econômica de sua efetividade e adequação a uma estratégia nacional de desenvolvimento econômico e tecnológico (e, por extensão, social).
Esta não é, contudo, a objeção maior que se possa fazer ao documento, e ao modo de pensar de seus formuladores, ainda que ela seja decisiva no plano dos meios e das possibilidades. Essa objeção tem a ver com a sua inocuidade ou, ao menos, a sua inadequação aos propósitos prioritários que o próprio documento estabelece.
2. Características específicas
A outra grande deficiência do documento é o fato de que, mesmo sendo a END hipoteticamente implementável – supondo-se que existissem meios infinitos e nenhum constrangimento orçamentário – ela não teria os efeitos que seus propositores pretendem, ou apenas teria ‘certos’ efeitos, característicos, precisamente, de sua concepção fundamental: soberanista, nacionalista, autonomista no mais alto grau, ignorando não apenas a interdependência econômica contemporânea, como também os propósitos maiores da política externa brasileira, seja em sua dimensão regional, seja em seus objetivos multilaterais e internacionais.
A END pretende dar prioridade a duas ‘Amazônias’, a verde e a azul, como se os principais problemas da defesa, da segurança ou da estratégia dissuasória do Brasil estivessem concentrados nessas duas regiões. Aliás, o documento falha em identificar claramente onde estariam essas ameaças, como se o conceito de defesa não implicasse em seu complemento necessário: contra o quê, exatamente, ou contra quem? As ameaças são classificadas como difusas; mas aqui e ali perpassa a idéia de que seria uma potência (ou uma coalizão de potências) dotada de meios ofensivos superiores (um claro eufemismo para os EUA e países europeus). Não se considera, por exemplo, que os centros nevrálgicos da economia e das decisões nacionais se encontram distribuídos em uma faixa litorânea de 200km ao longo da costa atlântica, ou que nossas fragilidades são bem mais internas do que externas.
Os problemas principais, contudo, derivam do fato de que, em todos os vetores que a END considera como essenciais, o espacial, o cibernético e o nuclear, uma estratégia puramente nacional, autonomista e soberanista, como a proposta no documento, redundaria em custos indefinidos, prazos extremamente delongados ou impasses ou obstáculos tecnológicos previsíveis. As dificuldades não parecem impressionar os autores do documento, que desprezam ou minimizam a necessidade de cooperação externa no que se refere ao know-how para os primeiros dois vetores, ou colocam de lado os constrangimentos internacionais no que se refere ao vetor nuclear. O documento parte da suposição de que os parceiros externos, indefinidos, saberão se acomodar ao desejo brasileiro de obter acesso à tecnologia, sem o que essas parcerias presumivelmente não existirão.
Em outros trechos, onde se fala de ‘parceiros’, estes são identificados a países emergentes, com os quais se realizará outro dos objetivos prioritários do atual governo brasileiro: a reforma das instituições internacionais, em especial dos organismos econômicos. No plano internacional, justamente, o documento falha em vincular o outro grande objetivo internacional do governo brasileiro: a assunção de uma cadeira permanente no CSNU e o aumento da presença brasileira no cenário internacional. Se este é um objetivo factível – o que parece muito duvidoso – então a END não parece adaptada aos requisitos e necessidades de uma maior inserção do Brasil nas operações de peace-making e de peace-keeping da ONU, ou até de uma ação independente em determinados teatros especiais.
3. O problema regional e a questão hemisférica
O documento quase não trata das grandes prioridades da atual política externa brasileira: o reforço do Mercosul e a integração política e física da América do Sul; mas quando o faz, as menções são puramente retóricas, sem a perspectiva de uma integração real, igualitária. Os vizinhos são basicamente considerados como clientes potenciais da indústria brasileira de defesa, totalmente independente, cabe lembrar.
A integração seria algo puramente instrumental para viabilizar economias de escala para essa indústria, diluindo assim os custos entre um número maior de clientes, ou de dependentes (condição que se recusa para o próprio Brasil). O famoso Conselho de Defesa Sul-Americano – que não é bem de defesa, mas simplesmente de coordenação da segurança regional – parece ter sido criado para servir a esses mesmos objetivos, e sua característica mais realçada é a de que ele seria conduzido sem qualquer parceiro externo à própria região.
Esse ‘isolamento’ dos EUA – como se tal fosse possível – parece resultar de dois elementos combinados, a partir de dois vetores completamente diferentes: por um lado, a tradicional necessidade militar de definir ‘ameaças’ credíveis – e não se concebe qualquer outra ameaça efetiva na região, depois da normalização das relações com a Argentina – agora parcialmente coberta pela figura da ‘potência superior’; por outro lado, o anti-imperialismo infantil, e completamente démodé, de setores políticos da base de sustentação do governo e da esquerda acadêmica esclerosada.
Esse exclusivismo regional, à exclusão do grande irmão hemisférico, e a política de aproximação do Brasil com parceiros ‘emergentes’ ditos estratégicos – como a Índia, por exemplo – podem vir a ser fontes de problemas na estratégia brasileira de integração regional, na área política e de segurança, inclusive porque isso tem implicações para os problemas da cadeira no CSNU e da opção nuclear.
É relevante registrar que, para que o Brasil pudesse realizar seus objetivos regionais, sobretudo o da integração sub-regional e da sul-americana – que supostamente são os mais valorizados pela diplomacia brasileira e a própria base da cooperação regional no terreno da segurança, e talvez da defesa –, o Brasil precisaria utilizar-se muito mais dos elementos de soft power da economia do que aqueles de hard power, pelo lado da defesa. Na verdade, o Brasil já possui, teórica ou hipoteticamente, as condições potenciais para praticar soft power na região, não o fazendo, por razões históricas e políticas.
Esse soft power estaria baseado na abertura irrestrita do seu mercado interno a todos os vizinhos sul-americanos, de forma integral e incondicional – vale dizer, sem qualquer exigência de reciprocidade – e na concepção e implementação de imenso esforço de cooperação bilateral com cada um deles (acolhendo bolsistas no Brasil e desenvolvendo projetos nesses países); cabe considerar, ademais, o papel crucial do investimento direto brasileiro na região, essencialmente a cargo do setor privado (eventualmente estimulado por políticas governamentais) e de uma ou outra estatal (Petrobras). O fato é que o Brasil não exercerá esse soft power, seja porque o país é naturalmente protecionista, seja porque os arranjos do Mercosul não o permitiriam, nas atuais condições.
A questão hemisférica, por sua vez, tem a ver com as relações do Brasil com o ‘império’, atualmente considerado uma presença nitidamente não desejável na região, sequer como parceiro (a menos que seja como fornecedor complacente da tecnologia necessária à capacitação brasileira em defesa). Pode-se até conceber essa ‘opção’ como uma derivação lógica – ainda que não assumida publicamente, por notórias implicações políticas – da antiga tese do chanceler Rio Branco quanto a uma divisão de tarefas no hemisfério: o império fica com o norte (aqui compreendendo todo o Caribe e América Central) e o Brasil se ‘ocupa’ da América do Sul. Mesmo admitindo que esse tipo de ‘missão compartilhada’ seja admissível ou possível, na prática – com todos os problemas ligados a uma suposta liderança brasileira na região – ela não resolve nenhum dos demais problemas vinculados à presença internacional brasileira ou, sobretudo, ao CSNU, que passam inevitavelmente por uma ‘boa relação’ de cooperação ativa com o império (algo ainda não admitido até aqui).
4. Problemas residuais e conclusão provisória
Sem pretender aprofundar, neste momento, todos os problemas relevantes da END – inclusive o das ‘ferramentas’ que poderiam, ou não, ser funcionais para essa estratégia particular, entre elas o submarino nuclear, algum eventual porta-aviões ou outros instrumentos de projeção externa – caberia mencionar, mesmo rapidamente, dois outros problemas relevantes que também têm a ver mais com a ‘filosofia’ do documento do que propriamente com os meios e fins dessa concepção de defesa.
O primeiro tem a ver com a opção confirmada por um ‘serviço militar obrigatório’, aliás, acrescido de um recrutamento universal (quem não fosse aproveitado no ‘equalizador republicano’, iria para um equivalente civil). Esta opção parece decorrer mais de necessidades da força de terra, do que dos requerimentos das duas outras forças, que aparentemente se acomodariam – ou mesmo desejariam – a alternativa de forças totalmente profissionais e exclusivas. Opções de maior flexibilidade operacional recomendariam, provavelmente, a consideração da estratégia profissional para alguns tipos de missões militares (propriamente estratégicas), reservando-se o serviço universal para essa ocupação de ‘terreno republicano’ no grande espaço do Brasil ainda subdesenvolvido, como deseja certa ideologia pretensamente classista no documento. Aliás, o documento trai suas origens mais sociológicas do que propriamente institucionais ao mencionar expressamente o objetivo de incorporar todas as ‘classes sociais” a esse projeto pretensamente republicano: trata-se, provavelmente, da primeira vez que o Estado brasileiro trabalha com o conceito de classes sociais, em lugar de um equivalente verdadeiramente universal e igualitário, o de cidadãos, ao pretender formular uma política pública relevante.
O segundo problema tem a ver com a velha questão nuclear. Ademais de referir-se às possibilidades energéticas e tecnológicas do vetor nuclear, a END parece lamentar, em duas passagens, o abandono pelo Brasil dessa possibilidade ‘militar’: o Brasil “privou-se da faculdade de empregar a energia nuclear para qualquer fim que não seja pacífico”, e “proibiu-se a si mesmo o acesso ao armamento nuclear”, o que revela, provavelmente, alguma inclinação dos formuladores do documento. Inconsciente ou deliberadamente, esse tipo de linguagem pode representar uma eventual tentativa de deixar a opção aberta, caso novos desenvolvimentos internacionais, do lado do TNP, tornem viável ou factível alguma futura revisão constitucional no plano nacional. Esse ‘desejo secreto’ pode revelar-se problemático no plano internacional e até no regional, inclusive porque está expressamente dito que o Brasil “não aderirá a acréscimos ao TNP destinados a ampliar as restrições do Tratado sem que as potências nucleares tenham avançado na premissa central do Tratado: seu próprio desarmamento nuclear”. Essa posição é uma espécie de prolongamento da recusa do TNP mantida durante 30 anos pelos estrategistas – militares e diplomáticos – brasileiros em relação a esse vetor considerado fundamental de qualquer estratégia dissuasória no plano mundial.
Finalmente, cabe registrar, mais uma vez, o aspecto positivo da divulgação da END, pelo simples fato de existir e de permitir debates públicos em torno de ‘uma’ END e, sem pretender retomar um chavão que diria que ‘uma outra END é possível’, sublinhe-se apenas que ela começa o debate sobre onde, e com que instrumentos, o Brasil quer chegar em matéria de defesa e de segurança estratégica. Com a atual conformação nacionalista, soberanista, autonomista e arrogantemente tutelar no plano regional, sem mencionar a rejeição preventiva da ‘cooperação imperial’, pode-se legitimamente perguntar se jamais o Brasil chegará ao ponto indicado na END. A grande ambição da atual END é, provavelmente, o ideal do ponto de vista dos militares: pergunta-se apenas se ela é factível e se é essa a END que interessa ao Brasil, como nação integrada à região e ao mundo. O tema permanece sob exame.
Brasília, 11 de fevereiro de 2009
domingo, 15 de março de 2009
1034) Concurso para a carreira diplomática
Provas aplicadas em 8 de março e gabaritos (preliminares, pendentes de alguma revisão eventual) encontram-se disponíveis no seguinte link do CESPE, que organizou a primeira fase do concurso:
http://www.cespe.unb.br/concursos/DIPLOMACIA2009/
http://www.cespe.unb.br/concursos/DIPLOMACIA2009/
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