quarta-feira, 17 de junho de 2009

1162) Pausa para a Metafisica...

Recebo cada mensagem surpreendente...
Geralmente são alunos (folgados, talvez) pedindo ajuda para algum trabalho escolar ou até universitário. Preciso colocar um aviso no meu site e blogs, dizendo que não estou aberto a esse tipo de assessoria.
Mas, esta demanda abaixo é especial, pois adentra no terreno da Metafísica:

On 17/06/2009, at 17:30, Jose wrote:

Boa tarde,
Venho pelo presente solicitar informaçoes sobre auxilio metafisico, dentro de sua área de atuaçao, se possivel.
Agradecido,
José Carlos

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Pois bem, sem muito tempo para adentar nos arcanos da metafísica, respondi simplesmente isto:

Nao é meu departamento. Cuido de coisas materiais. Para a metafisica contate um departamento de filosofia.
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Paulo Roberto de Almeida
pralmeida@mac.com www.pralmeida.org
http://diplomatizzando.blogspot.com/

Après coup, como diriam os franceses, eu realizei que poderia ter sido mais simpático, mais receptivo e, sem fazer qualquer ironia, tentar esclarecer as dúvidas metafísicas do meu distinto correspondente.
Eu precisaria começar perguntando sobre o que seria um "auxilio metafisico, dentro de [minha] área de atuaçao", que não sei bem qual seja se a diplomacia, se a academia.
Nesta última, obviamente, estaríamos totalmente dentro da matéria, mas ainda não conheço alguma especialidade aparentada com "economia metafísica".
Não digo que não possa existir, pois a economia é uma disciplina abrangente, ambiciosa, voluntariamente predisposta a se meter em tudo, inclusive no amor e nas demais paixões humanas, e pode-se perfeitamente, portanto, conceber uma especialidade de tal teor filosófico para a velha ciência lúgubre... Vou pensar nisso.

Se fosse com a diplomacia, having second thoughts, como diriam os americanos, teria tudo a ver: metafísica se encaixa bem na maior parte dos discursos diplomáticos, e até em alguns tratados e protocolos bizarros, como na integração sul-americana, por exemplo. Não há nada mais metafísico do que o Tratado da Alba, e recomendo a quem ainda não o leu, que procure conhecer. Fica bem do lado de qualquer tratado wittgeinsteiniano, ou talvez kirkeggardiano, talvez até nietszcheano, quem sabe...
Em todo caso, caberia explorar essa possibilidade de se ter uma diplomacia metafísica, como aliás já deve ocorrer em vários experimentos aqui por perto.
Vou pensar no assunto e se tiver tempo vou escrever novamente ao meus metafísico interlocutor, agradecendo pala sugestão, e pedindo cessão de copyright pela idéia.

terça-feira, 16 de junho de 2009

1161) O custo da democracia brasileira (melhor, o alto custo dos parlamentares brasileiros)

Essa nota do Eduardo Graeff foi feita em torno de um problema "para lamentar", não querendo fazer um infame trocadilho com nossas despesas (inúteis) com representantes políticos que pouco representam (menos a si mesmos).
Para achar o Brasil, os interessados terão de abrir o link abaixo e ir muito longe, mas muito longe mesmo na escala comparativa de governança e custo dos congressistas. A nossa situação é tão ruim que ela se situa literalmente fora do mapa.
Ainda vou escrever algo sobre isso. (PRA)

Custo-benefício ruim
Eduardo Graeff, 15/06/09

Este gráfico compara o salário básico de um deputado e a qualidade do governo em vários países (clique a figura para abrir a página).

Quanto mais longe do centro do gráfico, maior o salário do deputado em relação ao PIB per capita do país.
Quanto mais longe da linha de base no sentido anti-horário, pior o governo. A avaliação dos governos leva em conta três índices: o Índice de Democracia da The Economist, o Índice de Desenvolvimento Humano da ONU e o Índice de Percepção de Corrupção da Transparência Internacional.

É ruim de achar o Brasil no gráfico. Estamos lá longe do centro na direção das 10:30 horas.
Um deputado brasileiro custa 22 vezes o PIB per capita. Um deputado europeu, menos de 4 vezes. Isso significa que o esforço do cidadão brasileiro para manter um deputado é cinco vezes maior do que o esforço de um cidadão europeu.

Em troca desse esforço, o cidadão brasileiro recebe um governo bem pior que os da Europa, Estados Unidos, Japão e Coréia do Sul, um pouco pior que o do México, um pouco melhor que os da Argentina, Botswana, África do Sul, Turquia e Tailândia.

Nosso governo não chega a ser um desastre comparado com o de outros países da América Latina, África e Ásia.
Mas a relação custo-benefício, digamos, tem muito que melhorar
<http://www.eagora.org.br/arquivo/custo-beneficio-ruim/>

1160) Comparacoes educacionais Europa-EUA

EUA X EUROPA! DADOS DO NÍVEL EDUCACIONAL
(Comparações Transatlânticas. Peter Baldwin. Los Angeles, 10.06.2009).

1. As diferenças dos dois lados do Atlântico são o contrário do que se imagina. A porcentagem de americanos formados em universidades e escolas secundárias é mais alta do que em qualquer país europeu. Os americanos adultos são melhor educados do que os adultos da Europa. E os EUA gastam mais dinheiro por criança, em todos os níveis da educação, do que qualquer país do oeste da Europa.

2. Os europeus costumam acreditar que as boas escolas americanas são particulares e servem apenas à elite. Mas a educação americana é menos privatizada do que a da maioria dos sistemas europeus. A educação pública foi um dos primeiros programas sociais a receber financiamento público massivo nos EUA. E os americanos, descobriu-se, leem. Para os padrões europeus, a porcentagem de americanos analfabetos é mediana. Há mais jornais per capita nos EUA do que em qualquer lugar da Europa, fora a Escandinávia, Suíça e Luxemburgo.

3. A longa tradição de bibliotecas públicas com bom financiamento nos EUA significa que o leitor médio americano tem uma oferta de livros melhor do que seus colegas da Alemanha, Inglaterra, França, Holanda, Áustria e os países do Mediterrâneo. O americano médio usou mais livros de biblioteca do que seus colegas na Alemanha, Áustria, Noruega, Irlanda, Luxemburgo, França e por todo o Mediterrâneo. Os americanos compram mais livros per capita do que qualquer europeu. E eles também escrevem mais livros per capita do que as nações europeias.

1159) Brics: what do they have to offer to the world?

Brazil Is the Odd BRIC Out
Mac Margolis
Newsweek, Saturday, June 13, 2009

Brazil, Russia, India and China have been slow to embrace the BRIC acronym, coined in 2001 to describe the four giant emerging markets. But now they’re trying to convert their collective bulk into clout. This week BRIC leaders will meet in Russia to discuss an ambitious agenda that includes overhauling the international financial system and enlarging the United Nations Security Council. The powwow is being billed as a test of whether the BRICs can shift the global power equation. But perhaps the biggest test will be for Brazil, which has always been the outlier of the four: it’s the slowest-growing, expanding at half the rate that China and India have over the past decade; it alone has no nuclear weapons; it’s more enthusiastic about free trade than Russia and China are; and it sided with the U.S. against India in favor of opening agricultural markets. Even as the BRICs unite, Brazil is touting advantages over its outsize peers, including its strong democracy and peaceful foreign relations. When the four meet, the real issue may not be whether the West will listen, but whether the BRICs can agree on what to say.

That was the note by the reprter. I (PRA) could just add:
Not just something valuable to say, but also, what can they offer to the world in terms of a better economic por political alternatives: market economies, convertible and inflation-free currencies, free capital flows, valuable tchnology and know-how, peace and security, what do they have in their basket?

1158) Pausa para o humor: Blogueiro se faz de mulher e engana filho de Fidel Castro

Não deixa de ser gozado, hilariante, ou irônico, segundo se interprete o que ocorreu. Um dia, quando Cuba virar um país normal, ambos vão se encontrar e dar risadas de tudo isso. Por enquanto, só Miami ri, a ilha (pelo menos sua parte oficial) não deve ter achado nada engraçado...

Blogueiro se faz de mulher e dá trote em filho de Fidel Castro
Noticias MSN

Por oito meses, 'Claudia' trocou mensagens com Antonio Castro para 'expor estilo de vida opulento' de família de Fidel.
Um blogueiro cubano exilado em Miami criou uma personagem fictícia e trocou e-mails com o filho do líder cubano Fidel Castro, furando o cordão de segurança em torno da família presidencial de Cuba.
Luis Dominguez afirma ter usado a personagem para iniciar uma relação online com Antonio, de 40 anos de idade.Os dois trocaram fotografias e chegaram a planejar encontros em Varadero, em que Antonio serviria de "guia" para Claudia, segundo contou o blogueiro.
Ele se recusou a pedir desculpas pelo engano, afirmando que queria mostrar o "estilo de vida opulento" dos Castros.
As autoridades cubanas não comentaram as conversas online.

Segurança
Criar personagens para flertar na internet não é, exatamente, uma novidade. E qualquer jornalista que cobre a política cubana e a família Castro sabe da dificuldade em se obter acesso a eles.
Há décadas, a família Castro mantém um forte cordão de segurança a sua volta, em grande parte por conta das repetidas tentativas de remover o governo comunista da ilha.
Dominguez usou a suposta fraqueza de Antonio por jovens mulheres e esportes para se aproximar dele e criou Claudia, uma jornalista colombiana de 27 anos, especializada em esportes.
Claudia entrou em contato com Antonio dizendo que os dois haviam se conhecido em um evento esportivo e manteve uma relação com ele por oito meses.
Antonio contou a ela de sua vida em Cuba e suas viagens a outros países acompanhando seu tio Raúl, o presidente de Cuba, além de dar seus números de telefone e endereços de e-mail, mas não revelou nenhum segredo de Estado.
Mas Dominguez afirma que ao expor o que descreve como estilo de vida opulento da família Castro num país comunista, ele já cumpriu seus objetivos.
A troca de mensagens e algumas fotografias enviadas por Antonio foram publicadas no blog de Dominguez, Cuba al Descubierto. O blogueiro se recusou a pedir desculpas pela invasão de privacidade.
"Sou cubano e cubano americano e não pude voltar ao meu país desde que o deixei, em 1971", afirma ele.
"Eu uso qualquer ferramenta para tentar atingir essas pessoas. Em Cuba as pessoas são presas sem qualquer razão. Seus direitos são violados... Então, por que não posso fazer o mesmo com eles? Não tenho nenhum remorso."
As autoridades cubanas não fizeram qualquer comentário sobre as conversas online, mas Claudia afirma que a relação entre ela e Antonio Castro "esfriou".

domingo, 14 de junho de 2009

1157) Sarkozy pretende fazer o mundo adotar as regras laborais francesas

O presidente brasileiro pretende segui-lo no frenesi de adotar todas as convenções da OIT: um dos resultados pode ser o engessamento ainda maior de nosso ambiente laboral em virtude de regras muito rígidas, e portanto menos crescimento e mais desemprego no futuro...

Sarkozy promeut un nouvel ordre social mondial
Marc Landré
Le Figaro, 12/06/2009

Nicolas Sarkozy plaidera lundi pour que l'OIT occupe une plus grande place dans le processus de sortie de crise.

Le chef de l'Etat demandera lundi à Genève que l'Organisation internationale du travail occupe une place importante dans le dispositif de sortie de crise.
C'est un «discours très important» que le président de la République prononcera lundi à Genève, au siège de l'Organisation internationale du Travail (OIT), qui a décidé de consacrer une journée de sa 98ème session annuelle à un «sommet crise emploi» afin de proposer un «pacte mondial pour l'emploi».
Nicolas Sarkozy, seul chef d'Etat du G8 à avoir répondu positivement à l'invitation du l'OIT, entend y décliner sa vision d'un nouvel «ordre social mondial» et entamer, par la même occasion, une nouvelle séquence politique qui englobe aussi son intervention une semaine plus tard devant le Congrès. «Il va décrire le modèle social qu'il souhaite voir sortir de la crise, explique-t-on aujourd'hui à l'Elysée. Pour lui, les sujets sociaux doivent être traités de la même manière et avec la même importance que les questions économiques et financières.»

Nicolas Sarkozy, qui sera accompagné notamment de Bernard Kouchner et de Brice Hortefeux, plaidera lundi pour que l'OIT occupe une plus grande place dans le processus de sortie de crise. C'est l'une des demandes fortes des syndicats français que le chef de l'Etat a reçus lundi dernier à l'Elysée afin de recueillir leurs demandes. «Il veut poursuivre la dynamique du G20 de Londres où il avait convaincu ses homologues d'inviter l'OIT à faire des propositions au sujet du nouvel ordre mondial qui doit sortir de la crise», précise l'un de ses collaborateurs. Nicolas Sarkozy pourrait à cet égard exiger que l'OIT occupe, au même titre que le FMI ou la Banque mondiale, un siège au prochain G20 qui se réunira le 24 septembre à Pittsburgh pour parler de l'après-crise.

Cerise sur le gâteau, le chef de l'Etat entend frapper un grand coup en demandant que les 182 pays membres de l'OIT ratifient les normes sociales promulguées par l'organisation. La France est aujourd'hui le deuxième pays dans le monde (derrière l'Espagne) qui a le plus ratifié de conventions de l'OIT. 123 sur 188 précisément ! A l'inverse, une cinquantaine de pays - parmi lesquels on trouve les Etats-Unis, le Japon, la Chine ou l'Inde - n'ont ratifié aucune des huit normes fondamentales, dont celles sur la liberté syndicale, l'élimination du travail forcé ou l'abolition du travail des enfants. «Le président regrette que l'on demande aux pays qui ont déjà ratifié le plus de conventions d'en faire toujours plus alors que certains pays, et non des moindres, n'en ont transposées aucune fondamentale aujourd'hui», confirme un proche du chef de l'Etat qui pourrait proposer d'appliquer des sanctions aux Etats récalcitrants. Nicolas Sarkozy pourrait aussi demander au gouvernement français de ratifier les dernières conventions de l'OIT non encore transposées dans le droit français. Histoire de montrer l'exemple…

sábado, 13 de junho de 2009

1156) Mais rumores sobre a morte do G8

Sobre a morte do G8 e a ascensão dos Brics:
comentários metodológicos

Paulo Roberto de Almeida

1. Informação inicial
Aparentemente, um novo debate público sobre temas de relações internacionais vai começar, à raiz das declarações do ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, em Paris, segundo o qual o G-8 morreu (12.06.2009). De acordo com suas palavras, após participar de um evento no Instituto de Estudos Políticos de Paris, o G8 “não representa mais nada”.
Ainda de acordo com Amorim: “Eu não sei como vai ser o enterro, às vezes o enterro ocorre lentamente. Hoje, por qualquer critério, economias como China, Brasil e Índia são economias importantes, que têm um efeito na economia mundial maior do que muitos outros que estão no G-8”. Segundo o mesmo despacho de agência, Amorim argumentou que o mundo está entrando em um período de ‘governança variável’, no qual “países como China, Brasil e Índia têm de estar em todos os temas”.
Finalmente, para o ministro, ao reunir tanto as principais economias avançadas quanto as emergentes, o G-20 “é um modelo melhor”, ainda que não tenha havido precisão quanto à natureza desse modelo: melhor em quê, ou para o quê, exatamente? O debate que está sendo lançado pelas declarações do ministro brasileiro é, portanto, sobre: (a) a morte anunciada do G8; (b) sua eventual substituição pelo G20; (c) se o G20 cumpriria melhor funções hoje supostamente desempenhadas pelo G7-G8.
Sem pretender penetrar na substância do problema, pois não tenho nenhuma participação em processos decisórios para propor o que quer que seja, minha intenção, nos comentários abaixo, é apenas a de qualificar esse debate, por meio de questões e esclarecimentos sobre o que vem a ser o G8, o G20, quais suas funções respectivas no sistema financeiro internacional – e, por extensão, na economia mundial – e sobre o que se poderia esperar dessa fase de transição entre um núcleo mais restrito de economias dominantes e a previsível redistribuição do poder econômico mundial.

2. Qualificando o debate
O G8, como sabem todos, é o grupo que reúne os sete países mais industrializados do mundo e a Rússia, esta convidada a integrar o antigo G7 – que existe desde meados dos anos 1970 – por razões bem mais políticas do que propriamente econômicas ou financeiras. Pode-se concordar com o ministro em que existem, hoje, economias emergentes – como a China, por exemplo, ou talvez o próprio Brasil – que são maiores do que alguns membros do atual G7, Canadá ou Itália, por exemplo. Também é um fato que a China, pelo seu PIB nominal – isto é, não per capita – já ultrapassou a maior parte do G7, à exceção do Japão (por enquanto). Não é seguro, entretanto, que essas economias emergentes sejam mais relevantes do que o atual G7, ou que elas possam cumprir o mesmo papel que o G7 desempenha atualmente.
Uma questão paralela, que pode ser abordada apenas entre parênteses, seria a de saber se cabe a um representante extra-G8, mas falando supostamente em nome de um dos membros desse mesmo grupo, a Rússia, decretar a morte do G8, o que suporia a concordância prévia desse membro com o seu suicídio parcial, como G8, para emergir apenas como G20, e dentro dele como Bric. Outra questão paralela seria a de saber se a maioria dos membros do G8, ou seja o G7, que já existe há certo tempo e aparentemente pretende continuar a se reunir neste formato exclusivo para questões financeiras (das quais a Rússia é parcial ou totalmente excluída), também concorda com esse suicídio coletivo, ou pelo menos com o abandono de seu formato de trinta anos, para passar a reunir-se apenas no âmbito do G20. Caberia, talvez, perguntar aos próprios interessados, mas fechemos o parênteses neste mesmo ponto.

3. O que define o G7, e deveria definir também o G8 (idealmente)
Qualquer que seja o julgamento que se possa fazer, hoje, sobre o G7 – e, por extensão, sobre o G8 – um fato deve ser salientado desde o início. O G7 foi formado por iniciativa francesa, no imediato seguimento da grande bagunça criada no sistema financeiro internacional pela decisão unilateral dos EUA de romper com os compromissos estabelecidos em Bretton Woods, de assegurar a conversibilidade do dólar em ouro, segundo o regime de paridades cambiais estáveis (mas ajustáveis) colocado sob a jurisdição do FMI. Rompido o vínculo, em 1971, e emendado o convênio constitutivo do FMI, em 1973, o mundo entrou numa fase de grande instabilidade monetária causada pela flutuação errática das moedas, que variavam reciprocamente entre si, tanto por força de movimentos especulativos, quanto pela ação nem sempre coordenada dos principais países detentores de moedas de reservas. As moedas de reserva são aquelas que integram, desde 1970, o instrumento contábil do FMI, o Direito Especial de Saque (ou SDR, na sigla em inglês), a saber: dólar americano, libra inglesa, iene japonês, franco francês e marco alemão, as duas últimas substituídas pelo euro desde 2002.
A convite do presidente francês Valery Giscard d’Estaing, representantes desses cinco países reuniram-se em 1975 no Palácio de Rambouillet para discutir modalidades de coordenação monetária – e por extensão de suas políticas macroeconômicas, se isso fosse possível – para evitar essas flutuações erráticas, que estavam perturbando o comércio, os investimentos e outros fluxos financeiros entre os países. Na impossibilidade de se definir um novo padrão monetário, e tendo havido um acordo de princípio para que as outras economias relevantes administrassem um processo controlado de desvalorização do dólar, se estabeleceu um compromisso de reuniões periódicas de cúpula para justamente proceder a um ajuste fino das economias avançadas e assim contribuir para a estabilidade macroeconômica e a retomada do crescimento. Reconheceu-se, logo em seguida, a importância de duas outras economias avançadas e houve acordo em sua incorporação a esse primeiro núcleo restrito da ‘oligarquia econômica’ mundial: o Canadá, já então intimamente vinculado à economia americana, e a Itália, que nesse período estava quase ultrapassando a Grã-Bretanha, pelo menos em termos de PIB nominal (aliás, no seguimento da decadência britânica, Hong-Kong ultrapassaria a metrópole, na década seguinte, em termos de renda per capita, como a confirmar quão transitórias são as glórias econômicas deste mundo).
Independentemente de quem deveria integrar, ou não, o núcleo restrito de economias avançadas, outra coisa é certa, e precisa ficar estabelecida desde já. Os princípios e valores em torno dos quais esses países estavam estabelecendo um mecanismo de consulta e de coordenação de políticas macroeconômicas (e outras, que vieram a ser agregadas ao núcleo principal) eram definidos em função de três grandes conjuntos de doutrinas políticas e de práticas governamentais: economias de mercado, democracias formais e respeito aos direitos humanos (ainda válidos, ao que parece).
Quaisquer que sejam os comentários que se possam fazer a respeito desses três elementos definidores, e os matizes em torno de qualquer um deles (pois as economias européias eram, por definição, bem mais dirigistas, nessa época, do que a dos EUA, inclusive a britânica, esta ainda em meio aos estertores do socialismo fabiano), eles estavam no centro das diretrizes que definem o pertencimento à OCDE, o clube de países ricos que tem como critério de inclusão, justamente, esses princípios e valores: economia de mercado, democracia formal e respeito aos direitos humanos.
A esse título, pode parecer estranho que a Rússia, recém saída de uma longa noite de totalitarismo comunista, em 1991, tenha sido admitida a participar, dois ou três anos depois, desse clube restrito de democracias capitalistas respeitadoras dos direitos humanos e de várias outras liberdades ‘burguesas’. A iniciativa se deveu à então líder britânica, Margareth Tatcher, que pretendia ‘amarrar’ a Rússia de Ieltsin – reconhecido como semi-democrata – ao Ocidente, e evitar, assim, qualquer retorno ao autoritarismo ou ao socialismo do passado.
Cabe a cada um dos leitores, certamente bem informados sobre a evolução e a situação atual da Rússia, julgar se ela merecia, então, e se ela merece, agora, esse crédito de confiança, tendo em vista as características por assim dizer ‘peculiares’ da Rússia pós-soviética (e alguns diriam, até, progressivamente czarista, novamente). Basta dizer que ela foi reconhecida como ‘economia de mercado’ apenas em 2002, no G7 de Kananaskis, quando até a China, formalmente socialista de mercado, já tinha uma maior predominância do setor privado na formação de seu PIB. A transição da Rússia para uma economia de mercado foi algo heterodoxo, para utilizar uma expressão neutra. Cabe também lembrar que, até hoje, a Rússia não foi incorporada à OCDE nem admitida na OMC, etapa esta que já foi cumprida pela China (que começou a negociar sua adesão ao GATT desde 1987).

Tendo em vista, portanto, esses elementos definidores do G7 – pelo menos em sua fase inicial, mas supõe-se que o G8 cumpre o mesmo ritual –, o passo seguinte seria o de se perguntar se o G20 manifestaria a mesma adesão de princípio (e para todas as finalidades de ordem prática) aos princípios centrais dessa filosofia política e econômica: economia de mercado, democracia e respeito aos direitos humanos. Se as futuras declarações do G20 contiverem esses valores, excelente: estaremos certamente progredindo no cenário mundial e no terreno comum de uma mesma filosofia de base para as relações internacionais. Seria, entretanto, lamentável, algum retrocesso nesse terreno, pois isso indicaria que o mundo estaria caminhando para menos democracia, menos direitos humanos e mais economia dirigida, ou dirigista, o que não parece ser uma evolução positiva, a qualquer título.
Pode-se, igualmente, perguntar em que medida os Brics atendem a esses requisitos formais do antigo G7. Brasil e Índia são sempre definidos como duas grandes democracias, ainda que, na prática, essas democracias tenham, reconhecidamente, problemas identificados de qualidade das instituições públicas, de legitimidade da representação política, de densidade da participação popular e de inclusão social, tout court, tendo em vista as imensas desigualdade sociais exibidas por esses dois grandes países. Por outro lado, cabem dúvidas quanto à qualificação democrática da Rússia e da China, assim como o respeito de suas equipes dirigentes pelas formalidades dos direitos humanos. Quanto à economia de mercado, novamente Brasil e Índia parecem mais próximos do capitalismo do que as duas grandes economias ex-socialistas. Pode ser que os Brics tenham suas próprias definições em torno dos valores do G7 e da OCDE, mas caberia saber, finalmente, se todo mundo – e não apenas o G20 – estaria de acordo com essas definições.

4. Quais as funções do G7, que deveriam, também, ser cumpridas pelo G20?
Cabe agora entrar no que seria o núcleo duro do G7, ou seja, sua função como ‘oligarquia econômica’ mundial, ou numa definição mais amena, seu papel positivo no equilíbrio da economia mundial para fins de crescimento, desenvolvimento, além da defesa daqueles mesmos valores que são reconhecidos, em princípio, como relevantes e importantes na vida das democracias modernas. Provavelmente, nem todos os membros da G7 pretenderiam fazer como a China, atualmente, que determinou a instalação de filtros nos computadores vendidos em seu território, teoricamente para coibir transmissão de pornografia ou violência gratuita...
Enfim, o mais importante, cabe insistir, é o papel do G7 na economia mundial, que talvez não seja tão relevante quanto no passado, pois as velhas locomotivas já não andam tão rápidas quanto antigamente, ou não têm mais o mesmo peso no conjunto da economia mundial. É certo que a China hoje representa parte substancial do consumo mundial de commodities e outras matérias primas: um terço disto, um quarto daquilo, enfim, influenciando decisivamente mercados e preços mundiais, e contribuindo para o crescimento de muitas outras economias, asiáticas certamente, mas também do próprio Brasil e vários países africanos. A Rússia também se tornou um fornecedor estratégico, talvez incontornável (pelo menos no curto prazo) de energia para a Europa, sobretudo gás e petróleo, estando inclusive em condições de ditar os seus termos (o que significa fazer certa chantagem sobre seus consumidores dependentes). A China também se tornou a principal financiadora dos déficits americanos, tendo comprado Treasury bonds à razão de 700 bilhões de dólares (o Brasil também, mas em escala mais modesta, cerca de 140 bilhões, apenas). Tudo isso é muito importante, mas não é o essencial.
O essencial é que os países do G7, com alguns outros membros do BIS – Banco Internacional de Compensações, na Basiléia – são o que se chama de emprestadores de última instância, ou seja, estendem crédito para países necessitados, diretamente ou via FMI, sendo também os provedores das moedas internacionais de reserva, hoje ainda excessivamente concentradas no dólar (embora com tendência à substituição parcial por outras divisas, ou pelo DES do FMI). Cabe perguntar, assim, se os países do Bric, ou outros membros do G20, estariam em condições de desempenhar esse papel, o que significa, esclareçamos imediatamente, dispor de moedas livremente conversíveis, ausência de restrições a movimentos de capitais e um conjunto de regras quanto à utilização desses recursos para evitar o que se chama de moral hazard, ou irresponsabilidade na gestão das transações correntes.
Dos quatro Brics, a China parece ser o único país em condições de influenciar decisivamente – para o bem ou para o mal – a economia mundial, pelo seu peso econômico já constatado, pela importância das suas reservas e pelo seu papel nos circuitos manufatureiros mundiais. Nenhum dos outros três possui essa capacidade – de disruption, podemos dizer – que exibe a China, embora no conjunto eles também possam ser decisivos em determinados mercados, ainda que eu não se visualize nenhum em particular, para esse conjunto. Digamos que eles possuem certa capacidade obstrutora sobre alguns dos temas da agenda mundial, mas ainda não parecem exibir grande capacidade propositiva ou um papel decisivo para o encaminhamento de alguns dos grandes problemas do sistema internacional.
E quais seriam esses grandes problemas? Bem, além da própria estabilidade e da retomada do crescimento, eles são, justamente, os das moedas de reserva, da capacidade de financiamento, do meio ambiente, do terrorismo, da segurança e da paz. Como encaminhar, por exemplo, o problema da Coréia do Norte? Talvez os Brics tenham suas próprias sugestões. Como administrar o problema também nuclear do Irã? Como resolver os conflitos do Oriente Médio? E os da África? Os da pobreza na América Latina e em todas as demais regiões pobres? O que fazer com o narco-tráfico, a delinquência transfronteiriça, o crime organizado, o aquecimento global?
Sobre todos esses problemas os Brics e o G20 teriam de oferecer soluções. Não apenas no papel, ou retoricamente, mas soluções factíveis, práticas, implementáveis e eficazes...
Com a palavra, os sucessores do G7...

Brasília, 13 de junho de 2009

Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...