segunda-feira, 22 de março de 2010

1900) Retaliacoes comerciais Brasil-EUA - Marcelo de Paiva Abreu

Muito bravo, quando atacado, defende-se
Marcelo de Paiva Abreu*
O Estado de S. Paulo, 22.03.2010

Em 2002 o Brasil iniciou procedimentos, na Organização Mundial do Comércio (OMC), para obrigar os Estados Unidos à reformulação de sua política de financiamento às exportações de algodão, pois resultavam em redução dos preços mundiais. Isso afetava desfavoravelmente os demais exportadores de algodão, inclusive países africanos muito pobres como Benin, Burkina Fasso, Chade e Mali.

Em agosto do ano passado houve decisão final da OMC homologando a vitória do Brasil, quatro anos depois da primeira decisão. Quem tiver ânimo pode consultar os calhamaços eletrônicos que registram as sucessivas derrotas dos Estados Unidos nos vários foros de decisão da organização durante esse longo período em http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/cases_e/ds267_e.htm.

De acordo com as regras da OMC, o Brasil foi autorizado a retaliar, aumentando as tarifas sobre US$ 591 milhões de bens importados dos Estados Unidos e suspendendo pagamentos relativos à propriedade intelectual até US$ 238 milhões.

Embora a Rodada Uruguai, concluída em 1994, tenha resultado em melhoria do sistema de solução de controvérsias, o avanço foi modesto. Retaliar aumentando tarifas sobre bens significa que o fornecedor retaliado, que era supostamente o que oferecia menor preço, é deslocado por outro supridor menos eficiente. Retaliar em propriedade intelectual poderá afetar fluxos futuros de investimento.

Ou seja, para atingir os Estados Unidos é preciso, em alguma medida, dar um tiro no próprio pé, penalizando o consumidor brasileiro e comprometendo investimentos.

A lista de produtos definida pelo governo brasileiro inclui US$ 318 milhões de importações de trigo - mais da metade da retaliação permitida -, com elevação de direitos de 10% para 30%. Há quem veja nessa opção uma barretada aos produtores nacionais de trigo, que há muito tempo andam pressionando por aumento de proteção.

As reações norte-americanas incluíram desde queixas sobre o açodamento brasileiro - depois de oito anos de protelações, boa parte delas gerada pelos Estados Unidos - até ameaças destemperadas.

Que os senadores dos Estados algodoeiros norte-americanos, com destaque para a senadora pelo Arkansas Blanche Lincoln, presidente da Comissão de Agricultura, brandissem a ameaça de exclusão do Brasil do Sistema Geral de Preferências (SGP), programa de preferências tarifárias para países em desenvolvimento, não é surpreendente. Causa mais espécie a declaração do novo embaixador dos Estados Unidos no Brasil, que, em vez de se dedicar a encontrar uma saída para as dificuldades bilaterais, mencionou possíveis represálias dos Estados Unidos.

É certo que as trapalhadas da diplomacia brasileira em relação a Irã, Honduras e Cuba não contribuem para criar clima para uma solução de compromisso. Mas as acusações norte-americanas ao Brasil fazem lembrar o delicioso aforismo: Esse animal é muito bravo, quando atacado, defende-se.

Depois de oito anos, não restava ao Brasil alternativa senão tratar de implementar a decisão da OMC, que culmina uma grande vitória da diplomacia econômica brasileira. Mas fica a impressão de que o timing das decisões brasileiras deveria ter levado em conta que um negaceio mais prolongado quanto à retaliação poderia facilitar resultados positivos. Em especial quando se reconhece que dificilmente o governo dos Estados Unidos terá condições de promover, antes de 2012, a aprovação de reforma da Farm Bill que atenda aos interesses algodoeiros prejudicados. Mas, em face da disparidade de poder de barganha, não é fácil tornar a retaliação crível.

É improvável que os Estados Unidos não façam um gesto concreto, combinado com promessas quanto a medidas futuras, que permita a suspensão das sanções brasileiras. Sabe-se que o entusiasmo de Washington pelo sistema de regras comerciais multilaterais não é grande, mas custa acreditar que haja disposição para apostar de forma acintosa na desmoralização do sistema de solução de controvérsias.

Do ponto de vista brasileiro, a OMC é importante, pois aos países com poder de barganha modesto interessa que exista uma polícia com credibilidade que os defenda das truculências dos mais fortes. É também relevante lembrar que - do ponto de vista dos consumidores - a credibilidade das disciplinas multilaterais é essencial para conter as demandas dos lobbies protecionistas internos.

*DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNIVERSIDADE DE CAMBRIDGE, É PROFESSOR TITULAR NO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC-RIO

1899) Politica Externa - Fabio Wanderley Reis

Política externa, de novo
Fábio Wanderley Reis
Valor Econômico, 22.03.2010

De repente, como assinalei aqui algum tempo atrás, temos a política externa como assunto relevante. As perplexidades que o assunto envolve me têm levado a evocar certa sequência de um desses filmes americanos sobre brancos vivendo entre índios (Um homem chamado cavalo, se não me engano), em que o heroi e narrador, a propósito da experiência de participar com seus hospedeiros, em duro combate, da resistência ao ataque de outra tribo, comenta, não sei mais exatamente em que termos, o sentimento produzido pelo fato de tratar-se de defender a família e a comunidade, no sentido mais concreto e primordial, da ameaça imediata e dramática do grupo estranho - o inimigo, sem ambiguidades. Essa situação extrema é talvez o caso mais simples de política externa: trata-se quase da mera autodefesa pessoal, envolvendo em grau mínimo a dilatação ou expansão do amor próprio de que fala Leopardi em algum de seus escritos.

Comunidades mais amplas e complexas, incluindo as cidades-Estado clássicas da Grécia antiga e a Roma republicana, transformaram esse sentimento na virtude cívica do cidadão solidário e disposto, no limite, a dar a vida pela coletividade. Aí já estava presente, porém, a mescla em que a coerção difusa ou direta por parte da coletividade se mistura com a demanda de lealdade e das disposições subjetivas adequadas por parte do cidadão. O nacionalismo moderno exacerbou, de maneira com frequência trágica, essa mescla e seus efeitos, produzindo guerras em que as vidas de milhões foram solidariamente, ou ao menos disciplinadamente diante da coerção, dadas em nome de desígnios definidos como sendo os da coletividade nacional como tal.

De todo modo, em livro recente sobre a Europa do pós-guerra, Tony Judt, como outros autores bem antes dele, aponta na expansão do welfare state a motivação de reparação a populações solidárias das quais havia sido civicamente exigido tudo e que passam a receber e a desfrutar civilmente (essas não são expressões de Judt) de direitos mais e mais amplos. O que leva a pensar no caso do Brasil. Apesar do longo escravismo e da herança elitista, e do papel cumprido pelo Estado quanto a esses traços negativos, é tênue entre nós a memória (ou a ideia) de um Estado empenhado em cobrar o dever cívico levado ao ponto de dar a vida em guerras. Temos claramente o predomínio inconteste de uma concepção civil de cidadania, em que o cidadão não é senão o titular de direitos, e mesmo o que possa existir de senso de dever cívico não se aproxima sequer remotamente da ideia de morrer em guerra. Concepção que provavelmente tem mesmo conexão importante com a crise ética de que tanto falamos na atualidade brasileira, com suas manifestações em diferentes níveis.

Seja como for, como ver a questão da política externa? De repente, como disse, tomamos consciência (alguns mais do que outros...) de que somos internacionalmente relevantes, ou assim nos contam, e é preciso ter uma política externa. De que se trata, que objetivos buscar?

Nas manifestações desencontradas e confusas do debate a respeito, há quem diga, por exemplo, que é preciso separar diplomacia de ideologia, o que redundaria em separar política de ideologia e reclamar tratamento burocrático, presume-se, para a fixação das políticas a serem perseguidas em diferentes áreas: será isso possível ou desejável? (Em estudo recente de Amaury de Souza sobre a política externa brasileira, a questão de decisões democráticas a respeito dos problemas é inteiramente substituída pelo levantamento das opiniões de uma tecnocrática comunidade brasileira de política externa amplamente composta de peritos...) Mas a política e a ideologia irrompem inconsistentemente, como é fatal, de diversos modos: veja-se, a respeito de Bolívia e Petrobrás, a cobrança de atenção realista (vale dizer, egoística) aos interesses nacionais (ou se trataria então de solidariedade nacional?); que, contudo, convive com a cobrança idealista de atenção para os direitos humanos a propósito de Cuba e do Irã... Por outro lado, como acomodar a eventual postura afirmativa ou agressiva sobre os direitos humanos com a postura relativa a supostos valores como os envolvidos nas ideias de soberania e autodeterminação?

Isso aponta para o miolo enovelado das dificuldades. O respeito aos direitos humanos, entendidos amplamente, é, sem dúvida, um muito bom motivo para que se reexaminem os princípios de soberania e autodeterminação, como aliás vem ocorrendo incipientemente diante de casos de genocídio e limpeza étnica. O reexame se ajusta, além disso, ao problema geral das relações entre autonomia coletiva e autonomia individual, no qual sobressai, se a autonomia é um valor, o absurdo de se pretender assegurar a autonomia coletiva (de um país, estado ou entidade coletiva qualquer) em circunstâncias em que ela se torna a garantia de que será possível justamente privar os membros individuais da coletividade em questão (ou parte deles) da autonomia e dos direitos correspondentes. Mas é preciso lembrar que a postura supostamente atenta aos direitos humanos envolve com frequência a responsabilização de uma entidade coletiva como tal pelos crimes de seus ditadores: além do que nos lembram de forma mais imediatamente trágica, por exemplo, os milhares de civis iraqueanos mortos na guerra a Saddam Hussein, a líder civil iraniana Shirin Ebadi, Prêmio Nobel da Paz, nos advertia há pouco de que sanções mais fortes contra o Irã atingiriam a população iraniana - como acontece há muito no caso de Cuba.

Parece claro que a autodeterminação soberana que rege o sistema internacional desde Westfália tem de ser qualificada e mudada. O diabo é que isso requer que sejamos capazes de entronizar com vigor apropriado princípios legais transnacionais (viva a OMC!), o que envolve penosa construção institucional (e ideológica...) mundial.

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras.
E-mail: fabiowr@uai.com.br

domingo, 21 de março de 2010

1898) Samuel Pinheiro Guimaraes - entrevista sobre questoes do TNP (entre outros temas)

Entrevista publicada neste domingo, seguida de crítica neste mesmo dia, por jornalista conhecido...

''Quem invadiu o Iraque não tem moral para cobrar o Irã''
Roberto Simon
O Estadao de S.Paulo, Domingo, 21 de março de 2010

Diante de duas cúpulas internacionais sobre a questão nuclear, ideólogo da política externa de Lula afia críticas a 'potências que não cumprem TNP, mas exigem dos outros'

Ex-número 2 do Itamaraty e sucessor do ministro Mangabeira Unger na Secretaria de Assuntos Estratégicos, Samuel Pinheiro Guimarães ataca "potências nucleares que não cumprem o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP)", mas exigem de países desarmados, como Brasil e Irã, "o estrito respeito de suas obrigações". A dois meses de duas grandes cúpulas sobre a questão nuclear, uma em Washington, outra em Nova York, o ideólogo da política externa do governo Luiz Inácio Lula da Silva questionou ao Estado a decisão brasileira de aderir ao TNP, em 1998, e afirmou que nem um compromisso dos poderosos em reduzir significativamente seus arsenais poderá fazer o Brasil assinar o chamado "protocolo adicional" do tratado. Guimarães coordena atualmente o esforço interministerial para conduzir o programa nuclear brasileiro. Tentando se esquivar de questões sobre política externa ("Não me ocupo mais disso"), o ministro deu sua opinião sobre a suposta "partidarização" do Itamaraty e negou acusações de envolvimento na crise hondurenha.

Por que o Brasil não assina o protocolo adicional do TNP?
O Brasil tem a sexta maior reserva de urânio do mundo e o conhecimento completo do ciclo de enriquecimento. Nossa Constituição obriga o uso de tecnologia nuclear somente para fins pacíficos e é preciso lembrar que o TNP, do qual somos signatários, tem duas partes. De um lado, o compromisso dos países nucleares de promover seu próprio desarmamento - e completo. De outro, países não nuclearmente armados se comprometem a não desenvolver a bomba, mas têm o direito a programas para fins pacíficos, incluindo com enriquecimento de urânio. A primeira parte do TNP não foi cumprida, mas os desenvolvidos exigem dos outros o cumprimento estrito de suas obrigações.

O presidente Barack Obama prometeu cortes drásticos nos arsenais americanos. EUA e Rússia estão prestes a concluir um acordo que substituirá o START e terá reduções significativas, e nos próximos meses haverá duas cúpulas sobre o tema. Há sinais claros de desarmamento. Isso não pode mudar a posição brasileira?
Mas existe ainda outro problema, a da redução de ogivas e de aperfeiçoamento da letalidade do armamento. Deveríamos ter um protocolo adicional para países que continuam a desenvolver armamento nuclear e não cumprem suas obrigações. Quem não cumpre o TNP não tem moral para cobrar os outros. Sem contar que há países armados dos quais não se exige nada, muitos nem signatários do TNP são.

O sr. se refere a Israel?
Tire suas conclusões.

O sr. já escreveu que o "TNP é apresentado como uma vitória pacifista e progressista", mas na verdade trata-se de "uma violência unilateral". O sr. mantém essa visão?
Usei essa expressão "violência unilateral"? Estranho. De todo modo, o TNP visa impedir uma guerra nuclear, não apenas a "proliferação horizontal". Não se pode partir do princípio de que são os desarmados que ameaçam a paz internacional. Isso não é lógico.

O País aderiu ao pacto sob o governo de FHC. Foi um erro?
O Brasil, já em 1998, era um dos poucos que tinha em sua Constituição a obrigação de desenvolver atividades nucleares apenas para fins pacíficos. Só se justifica nossa participação no TNP na medida em que potências nucleares reduzam e eliminem arsenais.

Mas o sr. não se arriscaria a dizer que foi um erro assinar o tratado.
Não é que não me arriscaria. Mas é preciso observar a Constituição. E qualquer tratado em que o Brasil não esteja em igualdade de condições não corresponde ao princípio de igualdade soberana entre os Estados. O TNP é um tratado desigual.

Existe, então, a possibilidade de o Brasil denunciar o tratado?
De maneira nenhuma.

O sr. disse que quem não cumpre o TNP não tem "autoridade moral" para exigir dos outros. O presidente Lula usou uma expressão semelhante para se referir ao caso iraniano, disse que as potências "não tem superioridade moral para cobrar o Irã".
Eu concordo com o presidente. E lhe acrescento: antes da segunda guerra do Iraque (em 2003), foi propalado em todos os países que Bagdá tinha armas de destruição em massa e, por isso, seria uma ameaça internacional. Diziam que armas iraquianas destruiriam capitais europeias em segundos. O sr. Colin Powell (então secretário de Estado dos EUA) discursou com fotos no Conselho de Segurança da ONU. O Iraque foi invadido e não foi descoberta nenhuma arma de destruição em massa. Isso dá moral a alguém?

Mas o caso do Irã é muito distinto do iraquiano. Hoje sabe-se, por exemplo, que iranianos esconderam uma usina nuclear por anos na cidade de Qom. O sr. realmente acredita que Teerã negocia de boa-fé?
Não participamos diretamente das negociações. O Brasil acredita no diálogo e defende que o uso da força é improdutivo. Não podemos partir do princípio de que há países responsáveis e outros irresponsáveis. Mas não quero falar de política externa, quem se encarrega disso é o Ministério das Relações Exteriores.

Em 2001, o então chanceler Celso Lafer o destituiu do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais do Itamaraty depois que o sr. veio a público criticar a Alca. Como o sr. vê, hoje, esse episódio?
Cumpri o que achei que devia fazer. Julguei que se tratava de um momento de perigo à soberania brasileira. Por isso dei minha opinião.

Ao olhar para trás, o sr. acredita que essa posição foi correta?
Corretíssima. A adoção de um acordo como Alca - com tarifas a zero, impossibilidade de controle de fluxo de capitais, total abertura - teria levado, por exemplo, à privatização de todo sistema financeiro. Privatizariam o BNDES, Banco do Brasil, Petrobrás; instrumentos que foram de grande importância na crise financeira. Há muitos anos, um sociólogo brasileiro disse: "o Brasil não é mais um país subdesenvolvido, é um país injusto." (A frase iniciava o plano de governo de FHC). Esse pensamento denota que podemos ter políticas econômicas de países desenvolvidos. Isso tem uma implicação horrível do ponto de vista de conhecimento da realidade.

A política externa está excessivamente partidarizada? Como o sr. vê, por exemplo, o fato de o chanceler Celso Amorim ter se filiado ao PT?
Outros chanceleres foram de partidos. Ou não? Nesse Ministério das Relações Exteriores, nenhum funcionário que exerceu cargos importantes em outros governos foi prejudicado. Basta ver onde estão servindo. Não houve perseguição.

Há ex-funcionários que fazem forte oposição, como o embaixador Rubens Barbosa.
Mas esses são aposentados. E têm todo direito de fazer oposição. Eu não tenho oposição à oposição (risos). Esse é um debate saudável e o fato de ele ter crescido reflete o próprio êxito da política externa. Não se discute tema desimportante.

O ex-chanceler mexicano Jorge Castañeda afirmou que foi o sr. quem arquitetou a volta do presidente deposto Manuel Zelaya a Honduras.
Não conheço o ex-chanceler. Nunca o vi na minha vida e não tenho a menor ideia de onde ele tirou isso. Se me lembro bem do texto, ele diz algo como "isso (a volta de Zelaya) é algo que só pode ter saído da cabeça de Pinheiro Guimarães".

E o sr. avalia que o retorno de Zelaya foi bom para Honduras?
Não falo de política externa.

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UM PERIGO CHAMADO SAMUEL
Reinaldo Azevedo, 21/03/10

A destrambelhada política externa brasileira tem o seu animador circense: o Megalonanico Celso Amorim. E tem o seu Cérbero:, Marco Aurélio Top Top Garcia, o Rei do Tártaro. Mas o Cérebro é Samuel Pinheiro Guimarães, ex-número 2 do Itamaraty e sucessor de Mangabeira Unger na Sealopra. Ele é o homem que planejou a guinada do Itamaraty para a esquerda.
Em última instância, é o autor intelectual daquela patetice a que todos assistimos no Oriente Médio: Lulinha, filho de mãe que nasceu analfabeta e contaminado desde o nascimento pelo vírus da paz, levou a israelenses e palestinos o seu plano de paz. Teve uma idéia genial: “Por que todos não se sentam à volta de uma mesa e fazem a paz ‘que nem quando’ eu era sindicalista?” Mais um pouco, sugeriria aos convivas algumas rodadas de Black Label, “que nem quando” ele negociava duro com o Grupo 14 da Fiesp…
Em sua mesa ecumênica — desde que Israel fosse condenado —, Lula propôs meter, calculem!, o Irã. Mahamoud Abbas, presidente da Autoridade Nacional Palestina, teve outra idéia: “Lula, peça a Ahmadinejad que pare de financiar os terroristas do Hamas…” Foi um vexame sensacional!
Mas me desviei um pouco! Volto a Samuel. Poucos se dão conta de que este senhor vociferou quando o Brasil aderiu ao TNP, Tratado de Não-Proliferação Nuclear. O homem não gosta desse negócio. Quando vemos o Brasil no apoio obstinado ao Irã, é preciso pensar que estamos sob a influência daquele que não nos queria assinar o TNP. Sim, vocês entenderam: se o Irã chega à sua bomba, outros se sentirão compelidos a fazer o mesmo. E tenho cá para mim que Samuel pode se perguntar: “Por que não a gente?”.

O Estadão deste domingo traz uma entrevista de Pinheiro Guimarães a Roberto Simão. Seguem trechos. Volto depois:

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Ex-número 2 do Itamaraty e sucessor do ministro Mangabeira Unger na Secretaria de Assuntos Estratégicos, Samuel Pinheiro Guimarães ataca “potências nucleares que não cumprem o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP)”, mas exigem de países desarmados, como Brasil e Irã, “o estrito respeito de suas obrigações”. A dois meses de duas grandes cúpulas sobre a questão nuclear, uma em Washington, outra em Nova York, o ideólogo da política externa do governo Luiz Inácio Lula da Silva questionou ao Estado a decisão brasileira de aderir ao TNP, em 1998, e afirmou que nem um compromisso dos poderosos em reduzir significativamente seus arsenais poderá fazer o Brasil assinar o chamado “protocolo adicional” do tratado. Guimarães coordena atualmente o esforço interministerial para conduzir o programa nuclear brasileiro. Tentando se esquivar de questões sobre política externa (”Não me ocupo mais disso”), o ministro deu sua opinião sobre a suposta “partidarização” do Itamaraty e negou acusações de envolvimento na crise hondurenha.
Por que o Brasil não assina o protocolo adicional do TNP?
O Brasil tem a sexta maior reserva de urânio do mundo e o conhecimento completo do ciclo de enriquecimento. Nossa Constituição obriga o uso de tecnologia nuclear somente para fins pacíficos e é preciso lembrar que o TNP, do qual somos signatários, tem duas partes. De um lado, o compromisso dos países nucleares de promover seu próprio desarmamento - e completo. De outro, países não nuclearmente armados se comprometem a não desenvolver a bomba, mas têm o direito a programas para fins pacíficos, incluindo com enriquecimento de urânio. A primeira parte do TNP não foi cumprida, mas os desenvolvidos exigem dos outros o cumprimento estrito de suas obrigações.
O presidente Barack Obama prometeu cortes drásticos nos arsenais americanos. EUA e Rússia estão prestes a concluir um acordo que substituirá o START e terá reduções significativas, e nos próximos meses haverá duas cúpulas sobre o tema. Há sinais claros de desarmamento. Isso não pode mudar a posição brasileira?
Mas existe ainda outro problema, a da redução de ogivas e de aperfeiçoamento da letalidade do armamento. Deveríamos ter um protocolo adicional para países que continuam a desenvolver armamento nuclear e não cumprem suas obrigações. Quem não cumpre o TNP não tem moral para cobrar os outros. Sem contar que há países armados dos quais não se exige nada, muitos nem signatários do TNP são.
O sr. se refere a Israel?
Tire suas conclusões.
(…)
O ex-chanceler mexicano Jorge Castañeda afirmou que foi o sr. quem arquitetou a volta do presidente deposto Manuel Zelaya a Honduras.
Não conheço o ex-chanceler. Nunca o vi na minha vida e não tenho a menor ideia de onde ele tirou isso. Se me lembro bem do texto, ele diz algo como “isso (a volta de Zelaya) é algo que só pode ter saído da cabeça de Pinheiro Guimarães”.
E o sr. avalia que o retorno de Zelaya foi bom para Honduras?
Não falo de política externa.


Comento

Dois mais dois são quatro. A fala de Guimarães sugere o óbvio: o apoio do Brasil à “negociação com o Irã” é apoio à bomba do Irã. O diplomata usa o TNP, que despreza, para igualar moralmente Israel e Irã. É mesmo? Um não ameaça destruir ninguém; o outro PROMETE destruir. Um se defende de ataques terroristas; o outro financia e pratica terrorismo em três países; um é uma democracia; o outro, uma ditadura teocrática.
E ANTES QUE ME TORREM A PACIÊNCIA: Israel ocupa territórios que conquistou quando reagiu a uma aliança que buscava destruí-lo. Nem por isso eu acho que não deva negociar a devolução.
Eu escrevi: “NEGOCIAR” — vale dizer, COM CONDIÇÕES! E o fim do terror é uma delas. Sem isso, nada feito. Sem isso, Israel não tem de trocar território por paz coisa nenhuma porque seria o mesmo que trocar território por terrorismo. Quem quiser maiores explicações que veja o que aconteceu na Faixa de Gaza… Israel deixou a região, e o Hamas tomou conta. Acaboui expulsando até a Fatah de lá.
Pinheiro Guimarães explicita a “boa-vontade” de Lula no Oriente Médio e sua aguda visão sobre a “paz”. Segundo o seu raciocínio, com a bomba, fica tudo mais fácil. Ah, sim: referindo-se aos EUA, afirma que “quem invadiu o Iraque não tem moral para cobrar o Irã”. É a fala que foi parar na machete da página. Digamos que os EUA tenham cometido um erro (não acho, já escrevi!!!), isso implica que não se deve impor limites ao Irã? Mais: desta feita, nem Rússia nem China estão com o Brasil…

É a esta gente que está entregue a política externa.

1897) Apartheid em construcao: ministro racista defende cotas com base em mentira historica e antropologica

Já que estamos lendo o corrosivo Janer Cristaldo (ver post anterior), vamos também transcrever esta crônica sobre uma das maiores mentiras que se propagam abusivamente para transformar o Brasil em país negro, e não mais mestiço ou mulato...

MINISTRO RACISTA DEFENDE COTAS PARA O LEGISLATIVO
Janer Cristaldo
Sábado, 20 de março de 2010

Desde há muito tenho denunciado a mentira racial de que o Brasil é a segunda nação negra do mundo, depois da Nigéria. Mal foi eleito, o Supremo Apedeuta saiu arrotando urbi et orbi este sofisma. Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores e mandalete oficial, prestou-se a corroborar a safadeza: “Como declarou o presidente Lula, o estreitamento das relações com a África constitui para o Brasil uma obrigação política, moral e histórica. Com 76 milhões de afrodescendentes, somos a segunda maior nação negra do mundo, atrás da Nigéria, e o governo está empenhado em refletir essa circunstância”.

Ora, segundo o IBGE, no censo de 1999, a população negra do Brasil era de apenas 5,4%. Com o acréscimo de 39,9% do contingente de mulatos, o Brasil estaria perto de ser definido como um país majoritariamente negro, como aliás é hoje considerado por muitos americanos e europeus. É o efeito de um monstrengo jurídico, de autoria do senador Paulo Paim, o projeto de lei n° 3.198/2000, também chamado de Estatuto da Igualdade Racial. De uma só tacada, Paulo Paim extermina legalmente os mulatos do território pátrio: “Para efeito deste Estatuto, consideram-se afro-brasileiros as pessoas que se classificam como tais e/ou como negros, pretos, pardos ou definição análoga”.

Nesta armadilha de Paim, acabou caindo até mesmo o lúcido El País, que diz em sua edição de hoje:

“El Gobierno de Brasil, el segundo país con mayor población negra del mundo, tras Nigeria, ha emprendido una serie de medidas destinadas a acabar con las desigualdades raciales, desde las políticas de cuotas en las universidades públicas a medidas destinadas a promover el acceso a la salud y a los servicios básicos de esta población, pasando por la inclusión de la historia afrobrasileña en la educación primaria”.

Como fez o Planalto, o jornal espanhol extingue o mulato no Brasil. Em entrevista com Edson Santos, ministro de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, transcreve suas bobagens. Ao mesmo tempo em que se contradiz: “En los últimos años ha aumentado el porcentaje de brasileños que se definen como negros o mulatos hasta alcanzar el 50,6% de la población, según datos del Instituto Brasileño de Geografía y Estadística (IBGE)”.

Quer dizer: agora temos negros e mulatos. Mas para afirmar que o Brasil é a segunda maior população negra do mundo, os mulatos são dispensados. El País parece ter aderido a one drope rule, definição ianque que divide a população do país em preto e branco e abole legalmente a miscigenização.

Para o ministro racista, a relação com a África, por conta do tráfico de escravos, foi muito mais intensa que com os demais países da Europa. Além de omitir que os chefes de tribos africanos foram grandes responsáveis pelo tráfico, ao vender escravos ao Ocidente, Edson Santos passa a idéia de que nossa cultura foi formatada pela cultura escravagista da África e não pelas idéias de Estado de direito, liberdade, igualdade e democracia provindas da Europa. Segundo o ministro, o Brasil deve aos negros 350 anos de sua economia, porque apoiados no trabalho escravo. Ora, ocorre que o Brasil república não conheceu a instituição da escravatura. A Lei Áurea é de 1888 - coincidentemente da mesma época em que nos EUA vigiam as hediondas leis Jim Crow. A república foi proclamada em 1889. Se os negros querem indenização, a conta deve ser enviada a Portugal.

Mas o melhor da entrevista vem agora. Ao afirmar que 50% da população brasileira se declara negra – o que é grossa mentira – deplora que só 5% da representação parlamentar seja composta por negros. “Há 513 deputados no Congresso e só há vinte que se declaram negros. No Senado são 81 senadores e há dois que se declaram negros. Somos ainda uma exceção à regra da composição do Parlamento brasileiro”.

Que regra? Pelo que me consta, fora a eleição por voto, não há regra alguma que defina a composição do Parlamento. No fundo, o que o ministro está defendendo é estender a política de cotas na universidade ao Legislativo.

Isso sem falar que a representação negra no Parlamento, conforme os dados do IBGE, corresponde quase que exatamente ao percentual da população negra no Brasil.

- Enviado por Janer @ 2:01 AM

1896) O assalto ao seu, ao meu, ao nosso dinheiro, para bobagens em papel...

O sempre corrosivo colunista Janer Cristaldo ataca virulentamente, mas desta vez em defesa do nosso dinheiro, que está sendo distribuído a amigos do poder de maneira absolutamente discriminatória.
Ainda que eu não defenda suas opiniões, creio que a denúncia é válida, pois nos mostra como está sendo gasto o dinheiro que é, literalmente, arrancado de nossos bolsos e do caixa das empresas.
O governo parece uma sociedade de amigos, para ajuda mútua, mas apenas para um pequeno rol de contemplados.
A medida subvencionista (apenas para os amigos do poder, claro), é claramente inconstitucional, pois se tratar de política discriminatória. Assim, qualquer cidadão lesado poderia levantar um caso judicial, e inevitavelmente o STF consideraria essa iniciativa inconstitucional, por premiar alguns e não o conjunto dos "premiáveis". A tristeza, no Brasil, é justamente isso: se o caso for levado aos tribunais, o será por alguém que se sentiu legitimamente discriminado, mas que também quer ter direito ao maná governamental.
Por outro lado, no plano estritamente econômico (sem mencionar que tudo isso acrescenta às despesas públicas, e portanto à carga fiscal, já exagerada no Brasil), pode levantar o argumento de que NENHUMA revista privada deveria receber subsídios públicos, por uma simples questão de regra do jogo: ou o veículo conta com aceitação geral, e vive de recursos próprios (vensas, assinaturas, eetc) e de publicidade paga, ou então não temos o dever, como cidadãos, de subsidiar algo que não nos interessa pessoalmente. Quem desejar fazê-lo pode fazer diretamente a sua contribuição, mas que pobres sejam obrigados a fazé-lo compulsoriamente por meio de impostos se trata de uma tremenda ilegalidade e empulhação.
Este é o Brasil...
Paulo Roberto de Almeida (21.-3.2010)

MINC FINANCIARÁ VAIDADES EM PAPEL
Janer Cristaldo
Quinta-feira, 18 de março de 2010

O contribuinte, que já financia o teatro e o cinema nacionais, passa agora a financiar revistas culturais. Leio no Estadão que um edital de apoio do Ministério da Cultura (MinC) está causando protestos no meio intelectual. Trata-se do Edital de Periódicos de Conteúdo Mais Cultura, lançado em 30 de setembro, e que teve 26 publicações habilitadas no último dia 19 de fevereiro. Dessas, apenas quatro serão escolhidas.

Tais revistas, que normalmente apenas são lidas pelos que nelas escrevem, só servem para afagar a vaidade de grupelhos regionais ou difundir ideologias. O edital destina-se a abastecer bibliotecas públicas, e pontos de cultura e de leitura, que desconheço o que sejam, mas ao que tudo indica servem para desencalhar publicações que ninguém lê. Dois milhões de reais serão destinados a publicações de “natureza cultural”. Foram escolhidas as revistasRolling Stone, Caros Amigos, Brasileiros, a Piauí, Le Monde Diplomatique(não confundir com Le Monde, que é gente de boa família) e a revista de inglês Speak Up.

Ora, a primeira é uma revista que difunde não cultura, mas o mundo do show-business. A segunda é um panfleto que reúne velhos comunossauros da alta classe média paulistana e já recebe subsídios da Petrobras e Banco do Brasil.Brasileiros, não conheço. A Piauí, eu a vejo amarelecer nas bancas sem que ninguém a compre. Quanto ao Monde Diplomatique, é a tradução do jornal homônimo francês, dirigido por Ignace Ramonet, outro velho comunossauro francês, defensor de Hugo Chávez, Fidel Castro, Evo Morales e demais viúvas de Moscou. Ou seja, o MinC vai patrocinar, com o meu, o seu, o nosso, um jornal francês que defende a escória da humanidade.

Os concorrentes não habilitados estão furiosos com os critérios do edital, afinal não conseguiram enfiar a mão em nosso bolso. Segundo o Estadão, diversas revistas alternativas importantes, que penam horrores para chegar a parcos leitores, não foram habilitadas. Gracinha! São alternativas e querem mamar nas tetas do Estado. A falta de apoio teria vitimado várias, caso da Ontem Choveu no Futuro, de Campo Grande, que só teve um número; a Entretanto, do Recife; a Babel, de Santos; a Etcetera e a Oroborus, de Curitiba, e a Pulsar, do Maranhão. Outras, como a Polichinelo do Pará e a Azougue e a Inimigo Rumor, do eixo Rio-São Paulo, resistem a duras penas.

Rodrigo Garcia Lopes, editor da Coyote, desconhecida revista de Londrina, que só existe graças a subsídios do município, está frustrado com o resultado. "O edital privilegia revistas comerciais, que estão no mercado, e acaba inviabilizando revistas de conteúdo realmente cultural, de criação. Será que aRolling Stone, a Speak Up e uma revista como a Piauí, que têm uma infraestrutura por trás, um instituto, realmente precisam de incentivo fiscal? É como se fizesse uma política agrária para o latifúndio e deixasse o pequeno agricultor morrer à míngua. Isso é um erro terrível, num governo popular e democrático como este."

Está querendo dizer que uma revistinha literária tem a mesma importância que a agricultura. Que poesia de meninos desocupados é tão importante quanto trigo ou soja. Alguém ouviu falar dessas revistas? Seus editores pretendem vender publicações que não têm leitores que as sustentem nem justifiquem suas existências. Ficarão mofando em bibliotecas, para afagar a vaidade de escritores sem público. Tudo isto nestes dias de Internet, em que uma publicação virtual tem custo zero e pode ser lida em qualquer lugar do mundo.

O MinC informou que pretende reavaliar o edital numa próxima edição, mas manteve a decisão da comissão julgadora. Também estuda ampliar o volume de recursos para o patrocínio da mediocridade nacional. Traduzindo: o contribuinte será assaltado com mais virulência para a difusão de vaidades em papel.

1895) Relacoes internacionais: oportunidades de emprego e perspectivas de carreira

De vez em quando, um jovem candidato à carreira, estudante de RI, me lembra um velho texto meu sobre o tema das profissões e carreiras, como este, desenterrado de um passado quase esquecido.

As relações internacionais como oportunidade profissional
Paulo Roberto de Almeida (2006)
(www.pralmeida.org)

Respostas a algumas das questões mais colocadas pelos jovens que se voltam para as carreiras de relações internacionais.

Questões:
1. Com quais expectativas o jovem ingressa no curso de relações internacionais?

PRA: Provavelmente, na maior parte dos casos, com a expectativa de tornar-se diplomata ou funcionário internacional, ou então animado pelo vago desejo (ou mesmo vontade concreta) de sair do Brasil, passar sua vida entre capitais européias e da América do Norte, fazer-se no mundo, enfim. Deve-se observar desde logo que o ingresso na diplomacia, na verdade, acaba ocorrendo para uma fração mínima dos ingressados nesses cursos, uma parte também relativamente pequena voltando-se para as próprias atividades acadêmicas ligadas às relações internacionais e a maior parte devendo inserir-se, de algum modo, no mercado de trabalho “normal”, isto é, do setor privado, altamente competitivo.

Aqueles muito jovens – digamos entre os 18 e 20 anos – ostentam uma visão relativamente romântica do que seja o mundo ou a projeção internacional do Brasil, não estando aqui excluídas motivações essencialmente idealísticas, no sentido da atuação em causas humanitárias, ecológicas, imbuídos que são do desejo de mudar o mundo ou de ajudar aqueles que são percebidos como “vítimas da globalização” ou de misérias ancestrais. Os mais “velhos” – que podem eventualmente ter iniciado o terceiro ciclo por algum outro curso e efetuado o desvio para relações internacionais no meio da rota – possuem expectativas mais concretas e realistas, eventualmente construídas a partir do exercício de alguma atividade profissional paralela aos estudos de terceiro ciclo, mas eles também podem estar imaginando ou aspirando por uma “vida diferente” da mesmice cotidiana em âmbito puramente nacional, algum relevante papel de “negociador”, de “funcionário” ou de “executivo internacional”. Ou seja, todos eles possuem altas expectativas em relação aos cursos e as oportunidades profissionais dele resultantes, sem talvez medir muito bem a distância que ainda separa o universo relativamente teórico do universo “mental” desses cursos e a realidade do mundo profissional, feita de muito esforço individual, salários nem sempre elevados como esperado e uma indefinição geral quanto ao exercício concreto das “generalidades” aprendidas nos bancos universitários.

2. Em quais as áreas o bacharel em RI sai preparado para atuar?

PRA: Como ele é um generalista em especialidades “internacionais” ele poderá, supostamente, atuar em todas as áreas nas quais alguma competência vinculada ao seu terreno é requerida, seja no campo da análise e processamento de informações relativas aos diferentes cenários regionais e internacionais, seja na pesquisa e ensino acadêmico, nas áreas de relações internacionais das burocracias públicas – o que inclui a diplomacia tradicional, novas “diplomacias” em ministérios setoriais, assessorias internacionais de diversos órgãos etc. – e, provavelmente em maior “volume”, nas empresas privadas e nas chamadas ONGs que possuem ou aspiram possuir qualquer tipo de interface com o mundo exterior. O problema, aqui, é que as empresas requerem, em geral, uma competência mais específica e provavelmente mais especializada do que o conhecimento sintético das relações internacionais, a qualquer título. As empresas não estão minimamente preocupadas com a teoria institucionalista ou neo-realista das relações internacionais, tampouco com o funcionamento do Conselho de Segurança da ONU: elas desejam simplesmente vender ou fazer negócios com parceiros externos e por isso elas são mais suscetíveis de apelarem para profissionais especializados como economistas, advogados ou algumas outras profissionais mais “tradicionais”. Afinal de contas, trata-se de fazer uma prospecção de mercado ou de elaborar um contrato de cessão ou compra de direitos e outros ativos entre dois agentes privados, que devem rentabilizar seu tempo e seus recursos humanos e materiais, não havendo muito lugar para teorizações indevidas ou abstrações fora do campo essencialmente pragmático no qual atuam essas empresas.

Em outros termos, o bacharel de RI seria extremamente consciencioso se ele procurasse, de imediato, suprir suas carências em competências específicas buscando uma especialização dentro de seu campo de estudo, procurando estágios desde cedo ou mesmo fazendo algum outro curso paralelamente. Como para as demais especializações disciplinares, uma pós-graduação seria altamente recomendável, ou então uma outra via, mais racional, a formação de base numa profissão “normal” ou “tradicional” e uma pós ou estudos especializados em relações internacionais, eventualmente com orientação já definida para a área na qual o candidato a um bom emprego pretende atuar.

3. Qual o nome dado ao profissional depois de formado?

PRA: Não tenho certeza se o termo está consagrado, mas, aparentemente, seria “internacionalista” (uma expressão ainda não oficializada, diga-se de passagem, como a própria “profissão”, que não corre nenhum “risco” de ser regulamentada no futuro previsível). Em todo caso, melhor assim, do que algo estranho como “internacionalóide” ou “internacionaleiro”.

4. Existe a discussão sobre a relevância do curso para quem quer seguir carreira diplomática. É mesmo o melhor caminho ou o primeiro passo para o Instituto Rio Branco e o Itamaraty?

PRA: Não tenho certeza de que este seja o melhor caminho para os indivíduos que aspiram a ter alguma atividade já consagrada no circuito profissional, pois se trata de uma área relativamente nova, ainda não suficientemente “testada” nos mercados de trabalho. O que ocorreu, nos últimos anos, levado pelos ventos da globalização e da regionalização, foi um fenômeno “anormal” de expansão “geométrica” dos cursos de relações internacionais, provavelmente sem qualquer relação com a demanda efetiva do mercado. Havia uma demanda da parte dos jovens, atraídos pelo que parece ser um campo novo e talvez vasto – mas provavelmente não suficientemente “elástico” como o desejado pelos jovens – e as instituições privadas de ensino se encarregaram de satisfazer essa demanda por cursos de “aspecto” internacional.

Quanto à carreira diplomática, estrito senso, o recrutamento é altamente seletivo e a formação deveria ser, portanto, focada nas humanidades em geral, com um domínio igualmente satisfatório de ciências sociais aplicadas como economia e direito. Não é seguro que um curso de relações internacionais consiga dar todas as competências requeridas, mas ele é provavelmente o que mais estaria dentro do “campo” da diplomacia profissional. Acontece, porém – e isso precisa ficar muito claro aos jovens aspirantes à carreira – que, sendo o recrutamento caracterizado pela “hecatombe” de 90% dos candidatos, os “não-entrantes” precisam “sobreviver”, de alguma forma, nas profissões normais, requeridas pelo mercado, e aqui o nicho das relações internacionais ainda é relativamente difícil.

Pode-se dizer, de uma maneira geral, que o curso, in abstracto, é relevante, mas os cursos, tomados concretamente, diferem muito entre si pela qualidade das matérias oferecidas, pela competência dos professores contratados, pela disponibilidade de recursos didáticos e materiais, etc.

Parece ocorrer, atualmente, com os cursos de relações internacionais, algo semelhante ao que se passou, em outras épocas, com os cursos de ciências sociais, de psicologia, de jornalismo, que passaram a atrair multidões de jovens sem um perfil muito definido quanto à carreira desejada ou suas aspirações concretas. O modismo, como tudo a cada época, um dia vem abaixo… Mas é também possível que os patamares de demanda sejam mantidos ou até ampliados, pois há certas “modas” que não passam, seja por uma demanda regular – como ocorre hoje com os cursos de jornalismo – seja porque a globalização é mesmo irrefreável e contínua, um “universo em expansão”...

5. O que diferencia o curso de RI dos cursos de comércio exterior e de direito e economia internacionais?

PRA: Não existem cursos de “economia internacional”, apenas de economia, tout court, assim como no direito, embora os egressos desses cursos possam buscar, nos últimos semestres, algum tipo de especialização informal dentro desses campos em suas respectivas áreas. Comércio exterior se apresenta hoje como uma orientação relativamente técnica, algo assim como “contador”, embora seja uma área que requeira e deva contar com estudos aperfeiçoados, que aliás podem estar dentro de alguns cursos de relações internacionais – que assim exibiriam especializações mais para “ciência política” ou mais para economia internacional, segundo o gosto do cliente.

Acredito mesmo que no decurso da sedimentação necessária e natural dos cursos de relações internacionais nas diferentes regiões do país, essas orientações geográfico-espaciais ou essas inclinações temáticas acabarão emergindo progressivamente. Ou seja, pode-se conceber cursos de relações internacionais voltados para o agronegócio nas principais regiões produtoras de commodities demandadas pelo mercado mundial, cursos voltados para a diplomacia e a pesquisa nas ciências sociais em algumas grandes capitais, outros cursos voltados para o comércio exterior e a integração regional nas regiões mais “expostas” aos processos sub-regionais de integração e assim por diante.

6. O aumento de ofertas para o curso de RI em diversas faculdades públicas e particulares poderia significar que a procura é alta para a carreira?

PRA: A procura ainda é alta por uma espécie de ilusão dos jovens quanto ao “charme” e a oferta de empregos nessa área, pelo efeito do já mencionado “modismo”, ou porque o Brasil está mesmo deslumbrado com a globalização, ingressante tardio – e incompleto – que foi nos grandes circuitos da interdependência global. Não imagino que a demanda venha a se manter nos próximos anos, seja porque haverá um “plafonnement” e queda ulterior, seja porque o ritmo de crescimento tenderá a diminuir, ao descobrirem, muitos egressos, que os cursos não são assim tão “funcionais” para as necessidades de uma carreira concreta, seja porque a oferta, como sempre ocorre, supera a demanda efetiva. Não deve ocorrer, aqui, nenhum “keynesianismo” avant la lettre, pois o governo não parece estar em condições de garantir demanda efetiva numa área que não aparece como prioritária em termos de recursos humanos.

Resumindo: a procura, a jusante, não é alta, mas sim está ocorrendo um crescimento da oferta de cursos para atender uma demanda pré-existente, a montante, portanto. O mercado deverá ajustar oferta e procura dentro em breve. De toda forma, não existe UMA carreira de relações internacionais, e sim diferentes “carreiras” – ou melhor, oportunidades de emprego – que vão se ajustando aos nichos existentes, muito diversos entre si. Como a profissão não é regulamentada, nem tem chances de sê-lo muito em breve, persistirá essa relativa indefinição do que é “carreira” ou “especialização” em relações internacionais.

7. O jovem passou a se interessar mais por assuntos relacionados ao mundo?

PRA: Certamente. O bebê já nasce ouvindo teclado de computador, e a internet, como as demais tecnologias de informação, permeia a vida das pessoas desde tenra idade. Não há como escapar, hoje, dos apelos do mundo. Mesmo que algum jovem não tenha o mínimo interesse por “coisas” do mundo, o mundo vem inevitavelmente até ele, pelos mais diferentes caminhos e meios. Ninguém escapa…

8. Os atentados de 11 de Setembro e as subseqüentes guerras no Afeganistão e no Iraque podem ter tido alguma influência no aumento de interesse por Relações Internacionais?

PRA: Provavelmente, mas não mais do que MP3, celular, internet de modo geral. Há hoje uma crescente interpenetração entre o nacional e o mundial, todo dia franquias estrangeiras vêem se estabelecer no Brasil, as viagens internacionais são cada vez mais freqüentes e acessíveis, o inglês tornou-se obrigatório para o simples exercício (e vício) preguiçoso do “cut and paste” para os trabalhos escolares, enfim, o mundo vem até nós, aos borbotões. É natural que cresçam e apareçam as profissões e especializações ligadas às relações internacionais, mas os interesses e as oportunidades são ainda muito difusos.

9. Certos cursos, como direito e administração, são opções de vestibular para muitos adolescentes que não sabem exatamente o que querem fazer da vida. Por abranger muitas áreas, a carreira de RI não acaba atraindo mais jovens indecisos?

PRA: Exatamente: direito e administração oferecem amplas possibilidades para todos os tipos de vocações, por vezes sequer diretamente relacionadas com os campos temáticos dessas duas áreas. As RI podem, também, oferecer muitas possibilidades, mas, à diferença das duas primeiras, elas não constituem uma profissão reconhecida, “testada” no mercado e expressamente demandadas pelos mercados ou pelas empresas. Essa pequena diferença pode ser decisiva na inserção profissional dos jovens: entre o certo de uma profissão tradicional e o incerto de um campo novo, talvez seja o caso de ficar com o certo. O problema é que o Brasil é um país dotado de muito pouco empreendedorismo, a despeito da tremenda flexibilidade de sua mão-de-obra, revelada na grande capacidade adaptativa e nos esquemas informais que permeiam os mercados de trabalho (existem vários, do mais inserido ao totalmente informal). Uma pesquisa na escola média revelaria, provavelmente, que poucos jovens aspiram lançar o seu próprio negócio, a maior parte deles estando voltada para cursinho ou estudo para algum concurso, qualquer um, em carreira dotada de estabilidade.

Esse problema da “indecisão” dos jovens pode hoje estar levando muito deles para as RI, assim como no passado os jovens “revolucionários” eram atraídos pela sociologia – segundo Mário de Andrade, a “arte de salvar rapidamente o Brasil” – e as jovens casadoiras eram levadas a fazer psicologia, esperando marido… Hoje se faz RI, porque protestar contra a “globalização perversa” virou esporte quase obrigatório entre os jovens…

10. Com tanta oferta de cursos, há espaço suficiente para o profissional em RI no mercado?

PRA: Certamente tem ocorrido certa “inflação” de cursos, mas nisso os próprios demandantes levam a culpa: eles “pediram” e os empresários da educação correram para atender essa demanda do mercado de estudantes. Esses “industriais da educação” não estão minimamente preocupados com o espaço do “profissional” de RI – se é possível chamá-lo assim – no mercado de trabalho, esse não é o “departamento” deles. Sua função é a de apenas “fornecer” aquilo que lhes é pedido: um curso e um canudo, depois cada um que se vire como puder num mercado indefinido. Ou seja, num estamos num “supply side economics of international relations”, mas essencialmente num mercado demandante por cursos e canudos, o resto fica ao sabor do próprio mercado…

11. O mercado e as empresas estão preparados para entender o que é profissional de RI?

PRA: A pergunta deve ser completamente invertida: nem os mercados, nem a fortiori as empresas precisam estar “preparados para entender o que é profissional de RI”. Essa não é função deles. Sua única função é recrutar competências para o exercício de atividades profissionais específicas e os requerimentos são estritos: ou o profissional se adapta e atende ao que lhe é demandado, ou então ele pode procurar outro emprego. Por isso, volto a insistir: as empresas, na maior parte das vezes, não querem intelectuais brilhantes que sabem discorrer sobre o Conselho de Segurança da ONU ou o último livro do Keohane, elas querem alguém que saiba redigir um contrato, negociar um acordo com parceiro de outro país, fazer uma boa prospecção de mercado, trazer negócios, lucros e resultados, ponto. Este é o mercado, que deve ocupar pelo menos 80% dos egressos dos cursos de RI, qualquer que seja o seu número (o resto indo para os governos e as academias).

Quem deve entender as (e de) empresas e o (de) mercado são esses profissionais, que se não souberem lidar com essas realidades, se auto-excluem dos melhores empregos nesses mercados. Não é uma questão de preferência, é assim, ponto. As empresas não vão à cata de jovens egressos dos cursos de RI, eles é que devem tentar se oferecer para elas.

Os jovens precisam, desde o início, tomar consciência de que, ao receber o canudo, ao saírem das faculdades, não vai haver uma fileira de “head hunters” esperando por eles na calçada, não haverá sequer um mísero recrutador esperando por eles para dizer: “Venha, meu jovem, tenho um emprego esperando por você!”. Isso simplesmente não vai acontecer. Ou eles se preparam, desde o segundo ou terceiro ano, fazendo estágios, montando empresas juniores com seus colegas, pesquisando por conta própria novos nichos de mercado, ou eles vão ficar de canudo na mão reclamando da vida.

Se eu fosse um jovem, hoje, e não um diplomata com 28 anos de carreira, mas ainda disposto a diversificar no privado (ensino e pesquisa, eventualmente consultoria), eu me perguntaria: “qual é o meu nicho no mercado futuro, o que o Brasil ou o mundo me reserva, dentro de dois ou três anos?” Uma breve pesquisa de internet me daria a resposta em 5 minutos, ou a minha própria vontade e vocação determinariam o meu destino imediato. Abstraindo-se a própria carreira diplomática – excessivamente restrita para servir de “colocação” para um grande número de jovens – e algumas outras carreiras no serviço público – analistas de comércio exterior ou de inteligência – e nas academias, o que sobra, obviamente, como “opção” são as empresas, grandes e pequenas. Eu até diria que o “profissional” de RI poderia montar a sua própria, mas o empreendedorismo individual ainda é muito pouco desenvolvido no Brasil.

Nessa perspectiva, é óbvio que um jovem paulistano precisa ter uma visão “global business”, é evidente que um jovem do “cerrado central” precisa pensar no Brasil como o grande fornecedor mundial – o que ele já é, mas será cada vez mais – de produtos do agronegócio, é evidente que aqueles que amam praia, sol, florestas e montanhas encontrarão excelentes oportunidades no turismo de massa ou especializado, está mais do que claro que o Brasil tem um imenso campo em todas as áreas nas novas energias renováveis, na exploração dos recursos naturais, na conformação de um espaço integrado na América do Sul. Se eu fosse jovem e quisesse ganhar muito dinheiro, eu já estaria estudando todas essas oportunidades. Tudo isso É relações internacionais, tudo isso é interdependência global, tudo isso é globalização. Quanto antes o jovem se preparar, e não ficar passivamente esperando o fim do curso para depois pensar no que vai fazer, será melhor para ele e para suas famílias.

Desse ponto de vista, acho, particularmente, que os cursos, atuais, das faculdades voltadas para esse campo, e seus respectivos professores, estão muito pouco preparados para atender essa demanda. Trata-se de uma demanda real, não daqueles requisitos prosaicos de uma grade curricular tradicional, que copia passivamente a inércia “humanistóide” dos cursos tradicionais das universidades públicas – em ciências sociais em geral, mas fazendo uma combinação de direito, história, economia e ciência política – que, elas, parecem não ter nenhum compromisso com os mercados reais. Talvez os jovens não encontrem o curso ideal nem nas faculdades privadas nem nas públicas. O melhor, então, seria que eles “construam”, sozinhos, e de maneira absolutamente auto-didática (se possível com os colegas), os seus próprios “cursos”. Talvez eles não sejam melhores, em qualidade imediata, do que aqueles oferecidos oficialmente pelas instituições de ensino, mas eles certamente serão mais adaptados e estarão mais conformes às aspirações e necessidades dos próprios jovens.

Acho que é hora de deixar de ser passivos: arregacem as mangas, jovens, mãos à obra, construam suas próprias vidas!

Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org)
Brasília, 22-23 de março de 2006

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Eis o que me escreveu uma jovem estudante, em 19.03.2010:

Caro Paulo Roberto,

Li por acaso seu texto [acima] escrito em 2006. Gostei bastante. Não imaginava que já houvesse alguem que tivesse escrito sobre o (que poderíamos chamar de) DRAMA de um recém formado em relações internacionais. Na verdade formo em RI em junho deste ano, mas já me adiantei em começar a pós em Direito Internacional, pensando assim me especializar em uma área e futuramente apostar nela.

Hoje depois da aula da Pós-graduação (85% são alunos do segmento de Direito, e não de RI), houve uma feira na faculdade de empresas fazendo banco de talentos, buscando jovens para encaixar nas vagas de estágio/emprego e etc. É sim uma frustração não poder ser aceita em NENHUM ramo, porque as vagas requerem o preenchimento dos quadrinhos limitados a cursos "tradicionais" como direito, contábeis, administração...é o feijão com arroz sem muita complicação.

Isso não tira o meu orgulho em estar formando no curso, até porque desde o início já sabia que o campo das RI´s em relação a emprego é limitado, e quase sempre nosso futuro é "catar" as vagas dos de administração, economia, ciência política, direito e afins.

Me resta seguir em frente, na esperança de que ao menos os alunos do futuro possam ser mais "procurados" ao invés de ter que "procurar" tanto.
No mais, vou continuar na luta, e (como você disse) "arregaçando as mangas", pois quem não procura não acha. Quem não constrói seus futuro e não vai atrás, não colhe nada. E isso é simples como uma expressão matemática.

Muitíssimo obrigada...

sábado, 20 de março de 2010

1894) Diplomacia para o Oriente Medio: ajustando o foco

Internacional
No tropeço, aprende-se a andar
Diogo Schelp
Revista Veja, edição 2157 - 24 de março de 2010

CHOQUE DE REALIDADE - A visita de Lula ao Oriente Médio foi marcada por uma agenda equivocada. O que o presidente ouviu de israelenses e palestinos serve de lição para a diplomacia de seu governo

Para um aluno atento, o Oriente Médio é a escola ideal para aprender algo da arte de mediar conflitos. Na semana passada, Lula tornou-se o primeiro chefe de estado brasileiro a visitar Israel e, induzido por seus áulicos da política externa, acreditou que estava ali para ensinar. Lula fez o papel ridículo de costume no cenário internacional. A diferença é que desta vez o palco era privilegiado e a região, um barril de pólvora que desafia a diplomacia mundial há gerações. "O vírus da paz está comigo desde o útero da minha mãe", disse Lula em encontro com empresários, em Jerusalém. O que ele ouviu de israelenses e palestinos mostrou que todos estão vacinados contra esse vírus e cansados de retórica de má qualidade. Como até o chanceler Celso Amorim foi obrigado a reconhecer em sua escala na Síria, a excursão petista de cinco dias à Terra Santa foi um fracasso. Segundo Amorim, sua "megalomania" não chegava ao ponto de levá-lo a acreditar que o Brasil tivesse alguma influência na solução do conflito.

Uma a uma, as teses da diplomacia brasileira a respeito do processo de paz no Oriente Médio foram derrubadas pelos fatos. A primeira a cair foi a da neutralidade brasileira. Em Ramallah, Lula colocou flores no mausoléu do líder palestino Yasser Arafat. Um dia antes, por decisão de seu assessor Marco Aurélio Garcia, o presidente ofendeu os israelenses ao se recusar a prestar homenagem semelhante no túmulo de Theodor Herzl, fundador do sionismo. O episódio deixou clara a preferência do governo Lula pela causa palestina. A segunda tese a cair foi a da diplomacia de sindicato – algo como "só o diálogo liberta". "Quando eu fazia uma greve, o pior erro que a gente cometia era dizer que não ia conversar com o empresário", disse Lula, recordando seus tempos de metalúrgico no ABC paulista. O presidente usou o exemplo para reforçar a ideia de que é preciso incluir outros países, como o Irã, nas negociações entre árabes e israelenses. Nas conversas com políticos e autoridades de Israel e da Cisjordânia, no entanto, o presidente brasileiro descobriu que nenhum lado do conflito quer a interferência do Irã. Os israelenses temem os planos dos aiatolás de construir a bomba atômica. Os árabes, como deixou bem claro o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, são prejudicados pelo apoio financeiro do Irã ao Hamas, mistura de grupo terrorista e partido palestino. Em maio, Lula fará uma visita ao Irã. Se ele quiser ajudar, disse Abbas, o melhor a fazer é pedir ao governo iraniano que pare de se meter nos assuntos internos dos palestinos. "A insistência do Brasil em apoiar o Irã mostra que o país tem baseado sua política externa no antiamericanismo", disse a VEJA o advogado iraniano Payam Akhavan, ex-promotor do Tribunal Internacional de Haia.

A terceira tese da diplomacia brasileira a receber um choque de realidade refere-se ao papel dos Estados Unidos no processo de paz. Enquanto Lula tentava convencer seus interlocutores de que o Oriente Médio precisa é de uma dose de pacifismo brasileiro, um desentendimento entre Estados Unidos e Israel mostrou o que, na verdade, move as negociações: um pouco de pressão da superpotência. O governo americano irritou-se com o fato de que, há duas semanas, durante visita do vice-presidente americano Joe Biden, Israel anunciou a construção de 1 600 casas em Jerusalém Oriental – a parte da cidade santa reivindicada pelos árabes. A medida punha a perder a tentativa do governo americano de retomar as conversas entre palestinos e israelenses. "Israel recebe bilhões de dólares em ajuda financeira dos Estados Unidos. Nenhum outro país, e menos ainda o Brasil, tem em seu poder um instrumento de pressão como esse", disse a VEJA a historiadora norueguesa Hilde Henriksen, pesquisadora do Instituto Internacional para Pesquisas de Paz, em Oslo. Lula viu "mágica" no atrito entre Estados Unidos e Israel. Nada disso. Os governos dos dois países já divergiram outras vezes no passado – e, quase sempre, o resultado foi Israel se vendo na obrigação de rever políticas que prejudicavam os árabes. Na sexta-feira, Estados Unidos, Rússia, Nações Unidas e União Europeia deram um prazo de dois anos para que israelenses e palestinos cheguem a um acordo. Lula, o virótico da paz, não foi nem consultado.

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Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...