quarta-feira, 7 de abril de 2010

2038) Descendo à terra: para uma diplomacia comercial efetiva

Uma análise do jornalista do Estadão, que começa com um diagnóstico da política industrial (supondo-se que ela exista).

Os dois mundos de Lula
Rolf Kuntz
O Estado de S. Paulo, Quarta-feira, 7 de abril de 2010

O presidente Lula ouviu ontem o relato de mais um fracasso. Nenhuma das grandes metas fixadas para 2010 na impropriamente chamada Política de Desenvolvimento Produtivo será alcançada: o investimento não chegará a 21% do PIB; o Brasil não aumentará sua participação no comércio internacional; o gasto privado com inovação tecnológica ficará abaixo do projetado em 2008; não haverá, na exportação, o desejado aumento da presença das pequenas empresas. O quadro foi a atração principal de um almoço no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no Rio. Um dia antes, ele havia cobrado, em reunião ministerial, medidas urgentes para expansão do financiamento às exportações. Segundo ele, os chineses vêm conquistando mercados nas barbas dos brasileiros e é preciso reagir.

Se o presidente precisasse de números para reforçar a cobrança, poderia ter citado um relatório divulgado no mesmo dia pela Cepal, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe. O documento contém um balanço da competição entre China e Brasil em 11 mercados ou blocos. Na disputa pela venda de produtos similares, o Brasil teve um ganho de US$ 13,6 bilhões entre 1995 e 2008. A China, um aumento de US$ 512,5 bilhões.

O presidente Lula exigiu financiamentos. Isso é pouco. Os países mais eficientes no comércio têm políticas de competitividade. O Brasil tem um arremedo de política industrial. Nos últimos dez anos a maior taxa de investimento em máquinas, equipamentos e construções ocorreu em 2008: 18,7% do Produto Interno Bruto. Todos os competidores importantes investem mais de 30% em capital físico. Os chineses, mais de 40%. Os brasileiros poderiam ser bem mais competitivos do que hoje mesmo sem chegar perto desse nível.

Mas o investimento físico é só uma parte da diferença. Os países mais dinâmicos no comércio têm políticas educacionais muito mais sérias e produtivas. No Brasil, os números mais animadores indicam o esforço de universalização. Houve um empenho, acentuado a partir dos anos 90, para eliminar o analfabetismo. Mas a baixa eficiência do sistema é evidenciada por fatos bem conhecidos.

Cerca de 20% dos brasileiros com idade igual ou superior a 15 anos são analfabetos funcionais. Empresários de vários setores queixam-se da escassez de mão de obra. Há muita gente em busca de trabalho, mas falta pessoal com um mínimo de qualificação. É desastrosa a formação básica em linguagem, matemática e ciências. No Brasil, o governo tem cuidado principalmente da multiplicação de vagas e de jovens diplomados, mesmo que os diplomas sejam obtidos em cursos de baixo nível e não abram perspectivas profissionais. Nos países com políticas sérias, procurou-se, nos últimos 30 anos, formar pessoal para participar efetivamente da produção e do crescimento econômico.

Na semana passada, o presidente disse ter feito uma revolução na educação. Deve ter sido um revolução com resultados comparáveis aos do PAC, o emperrado Programa de Aceleração do Crescimento. Essa é uma das características interessantes do presidente Lula: ele cobra resultados concretos de seus auxiliares, mas seu discurso político trata quase sempre de um mundo de fantasia. Tem sido assim com a imaginária política industrial, com a política educacional e com a diplomacia Sul-Sul.

Essa diplomacia atribui prioridade a parcerias com latino-americanos e outros emergentes. Mas são prioridades unilaterais. O governo brasileiro trabalhou contra as negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Mas outros países da região não deixaram de buscar acordos com os Estados Unidos.

Com ou sem acordo, vários desses países têm tido acesso preferencial do mercado dos Estados Unidos. O Brasil não tem. Ao mesmo tempo, países latino-americanos têm concedido facilidades comerciais tanto aos Estados Unidos quanto aos chineses, enquanto o Brasil, nos acordos com os parceiros da região, sempre concede muito mais do que recebe.

O avanço chinês mais ameaçador para os brasileiros ocorreu na América Latina. Segundo a Cepal, a China teve um ganho de US$ 36,5 bilhões nas vendas ao mercado latino-americano, entre 1995 e 2008, nas áreas de competição com o Brasil. O Brasil perdeu US$ 698 milhões. A China avançou até na Argentina, sócia do Mercosul, onde as exportações brasileiras são sujeitas a barreiras protecionistas. Com um pouco mais de realismo, Lula cobraria não só financiamentos à exportação, mas também uma política industrial efetiva, uma reforma tributária para valer e uma diplomacia econômica sem fantasia. Mas para isso seria necessária uma iluminação como a de São Paulo, ao cair do cavalo na Estrada de Damasco.

2037) A arte de "desatrair" investimentos estrangeiros...

Bem, o neologismo se justifica, posto que ao mesmo tempo em que pretende atrair investimentos estrangeiros, já que seu país não possui expertise técnica ou capitais para explorar os recursos naturais e outras dotações econômicas do Equador, o presidente Correa emite sinais contraditórios, como revelado nesta informação:

O Equador solicitará a nulidade da sentença arbitral da Corte Permanente de Abritragem da Haia que obriga o Equador a pagar US$ 700 milhões à Chevron e anunciou que enviará carta aos demais membros da Unasul, solicitando apoio à causa equatoriana.
Além da Chevron, que move 2 processos contra o Equador, nove outras empresas estão processando o Estado equatoriano: Global Net, Ulysseas, Occidental, Murphy, Burlington, Repsol, Perenco, Vatadur e Quiport.


Isso faz um bocado de problemas para quem pretende desenvolver o país, criar empregos e riqueza. Creio que Chávez aprovaria os procedimentos de seu colega e amigo do Equador, mas talvez os capitalistas estrangeiros não tenham a mesma opinião...

Paulo Roberto de Almeida

2036) A coruja de Tocqueville - este que aqui escreve

Bem, apenas um assistente de Tocqueville, que acha a coruja um animal simpático.
Em todo caso, meu último trabalho publicado:

A coruja de Tocqueville: fatos e opiniões sobre o desmantelamento institucional do Brasil contemporâneo
Espaço Acadêmico (ano 9, n. 107, abril 2010; ISSN: 1519-6186; link: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/9800/5484).

Resumo: Anotações de um assistente de Tocqueville que, em sua missão de prospecção ao Brasil, constatou o desmantelamento das instituições públicas, como resultado de ações e iniciativas do próprio governo. São enunciados fatos que comprovam tal asserção e emitidas opiniões pessoais, sob a forma de notas de registro de viagem, que permitirão ao especialista em regimes democráticos concluir seu relatório de viagem, eventualmente sob a forma"de um "clássico revisitado", qual seja, uma análise das desventuras da democracia no maior país da América do Sul.

Para todo o sumário da Revista Espaço Acadêmico, em sua edição nº 107, abril de 2010, ver esta link de acesso: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/issue/current

2035) Diplomacia partidaria...

Amorim, Collor, Dilma, Serra...
Por Eduardo Bresciani
G1, Brasília - 7/04/2010

O ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, passou por uma saia justa nesta terça-feira (6) na Comissão de Relações Exteriores do Senado ao mencionar que a ex-ministra Dilma Rousseff é sua candidata à Presidência da República. Ele foi interrompido pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que afirmou que Amorim votou em José Serra (PSDB-SP) em 2002 e foi cotado para ser ministro em um governo do PSDB.

Tudo começou quanto Tasso dizia que o Brasil não tinha alcançado os principais objetivos de sua política externa: a vaga permanente do Conselho de Segurança das Organizações das Nações Unidas (ONU) e as negociações da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Amorim interrompeu o senador para dizer que os objetivos não eram somente do governo Lula. “Esses objetivos já eram antes, foram nossos e quem for eleito, espero que seja minha candidata…”, dizia quando foi interrompido por Tasso antes de terminar a frase. “Sua candidata?”, questionou o tucano em meio a burburinhos no plenário. “Sim, a candidata do meu partido”, respondeu Amorim. “Se fosse no governo anterior, o seu candidato seria o Serra. O senhor votou no Serra”, disse o tucano. Amorim não rebateu a afirmação de que deu seu voto ao tucano em 2002, quando Serra disputou a eleição contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O ministro continuou a ser provocado por Tasso. “Você quer que eu termine?”, indagou o tucano. O ministro disse que sim. Tasso então começou a dizer que Amorim esteve próximo de Serra em 2002 e seria ministro das Relações Exteriores em um eventual governo tucano. Mencionou ainda que o primeiro cargo de indicação que Amorim ocupou foi ainda no governo de Fernando Collor (PTB-AL). “O senhor foi cogitado e trabalhou para ser ministro das Relações Exteriores do Serra. O senhor, aliás, começou como ‘collorido’ na época do Collor”, disse Tasso.

Em sua resposta, Amorim disse ter “muita honra” dos cargos que ocupou no governo Fernando Henrique Cardoso, entre eles o de embaixador na Organização Mundial do Comércio, e confirmou ser amigo de Serra. Negou, no entanto, que seria ministro com o tucano. “Sou amigo pessoal e tenho grande estima pelo governador Serra. Se ele considerou meu nome, nunca me disse nada disso.” Tasso rebateu: “O Serra sabe esconder as coisas e você chamava ele de presidente Serra”.

Amorim não quis prolongar a discussão. Ele reafirmou que os objetivos da política externa seriam os mesmos independentemente da vitória de Dilma ou de Serra na disputa pela Presidência. Tasso ainda ironizou a filiação de Amorim ao PT. “Seu neopetismo é comovente, tenho que ficar tocado com ele.”

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Nenhum comentário pessoal, apenas, talvez, seja útil relembrar duas de minhas "Dez regras modernas da diplomacia".

1. Servir a pátria, mais do que aos governos, conhecer profundamente os interesses permanentes da nação e do povo aos quais serve; ter absolutamente claros quais são os grandes princípios de atuação do país a serviço do qual se encontra.
(...)
6. Afastar ideologias ou interesses político-partidários das considerações relativas à política externa do país.


Para ler todas elas, ver em meu site: http://www.espacoacademico.com.br/004/04almeida.htm

terça-feira, 6 de abril de 2010

2034) Ainda o assunto dos caças franceses: um cidadão de bom senso (e de coragem)

Admiro este cidadão, pronto a defender seus direitos cívicos e seu dinheiro (que é também o nosso).
Um Parlamento decente também investigaria o assunto em qualquer lugar do mundo...

MPF abre inquérito para investigar compra de caças
Por Nelia Marquez e Tânia Monteiro
Agência Estado, 6,04.2010

O Ministério Público Federal (MPF) em Brasília instaurou no dia 30 de março inquérito civil público para apurar as negociações em torno da compra dos 36 caças pelo governo brasileiro. A investigação foi pedida pelo procurador José Alfredo de Paula Silva com base em representação do cidadão Vinícius Vasconcelos.

Embora a operação de compra ainda não tenha sido formalizada pelo governo brasileiro, a portaria que instaurou o inquérito considera que a escolha pelos caças franceses já é uma decisão do governo brasileiro “por critério de política externa”.

De acordo com a portaria do MPF, o objeto da investigação é a preferência do governo brasileiro em “escolher o caça francês Rafale, desprezando as concorrentes Gripen (sueco) e super Hornet (norte-americano), cujas propostas tinham preços menores”. Conforme o texto, ao decidir pelos caças franceses, o governo desprezou o “princípio da economicidade”.

2033) Les gaulois resistent, encore et toujours... a l'Anglais

Esses irredutíveis (e ridículos) franceses e sua defesa da confusão linguística (cabe primeiro discordar do téitulo: não é a Europa que resiste, e sim os franceses):

Europa resiste à consagração do inglês como língua marítima


Parlamentares europeus estão resistindo à proposta da União Europeia de consagração do inglês como língua franca em todas as comunicações marítimas. Deputados de diferentes nacionalidades estão tentando inibir a regra, que "requer o uso do inglês como língua de trabalho" na navegação.

A iniciativa da União Europeia foi discutida no Comitê de Transporte do Parlamento Europeu. Os deputados Luis de Grandes Pascual (Espanha), Dominique Vlasto e Dominique Riquet (França) apresentaram reivindicações, pois, segundo eles, "nenhuma língua deve ser imposta como linguagem exclusiva de trabalho". Ainda segundo os políticos, "a questão é controversa, pois uma variedade de idiomas são utilizados indiscriminadamente no comércio internacional".

A introdução generalizada do inglês como língua obrigatória foi defendida pelo deputado belga Dirk Sterckx. "O uso de uma linguagem comum beneficiaria o transporte marítimo europeu e permitiria que a comunicação ocorresse de forma mais suave, causando menos confusão e atrasos administrativos", opinou.

Apesar do impasse causado, o inglês já é normalmente utilizado na comunicação entre os comandantes de navios e portos, órgãos oficiais e práticos. Porém, a documentação entregue às autoridades locais é muitas vezes apresentada na língua nativa.

Fonte : Guia Marítimo, 24/03/2010

2032) O imbroglio do pré-sal: uma confusao previsivel...

Parece que a intenção não era criar confusão; apenas fazer publicidade em torno das supostas bondades do governo federal com um dinheiro que ainda não estava disponível, nem se sabe bem quando vai estar. Excesso de demagogia e intenções políticas costumam representar confusão na certa.

Lula foi o culpado
Por Mailson da Nóbrega
O Estado de S.Paulo, 6/04/2010

A decisão da Câmara de distribuir os royalties do petróleo com todos os estados e municípios, em detrimento das regiões produtoras, foi uma reprise de conhecido filme. Dava para perceber que isso poderia acontecer. Os parlamentares têm incentivos irresistíveis para transferir recursos permanentes às suas bases. Não enxergam seus efeitos negativos. Olham o interesse eleitoral. Muitos esperam virar heróis.

A mudança das regras de exploração do pré-sal continha muitos riscos, inclusive o de uma desastrosa repartição dos recursos. Lula colheu, pois, a tempestade dos ventos que semeou. A derrota foi acachapante: 369 deputados, dos quais 270 governistas, votaram a favor da emenda de Ibsen Pinheiro e Humberto Souto, os dois deputados que propuseram a “gracinha”, como o presidente chamou a tungada. Ele deveria saber que em questões como esta as lealdades se esfumaçam.

A maioria dos sistemas tributários modernos concentra a receita no governo central, ao qual costumam caber os impostos sobre o consumo e a renda, que têm ao mesmo tempo maior potencial de arrecadação e menor poder de distorção sobre a atividade econômica. Nessa esfera de governo a arrecadação costuma superar o gasto. Regiões menos desenvolvidas, ao contrário, precisam contar com a ajuda do governo central para se aproximar da situação das áreas ricas. Como fazer isso de forma permanente e justa não é trivial. Há sempre o risco de excessos prejudiciais a todos.

No Brasil, a partilha federativa dos recursos, que tinha entre seus propósitos o de promover a redução das desigualdades regionais, nasceu em 1965. Emenda constitucional de então destinou aos governos subnacionais 20% do imposto de renda e do IPI: 10% para o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e 10% para o Fundo de Participação dos Municípios (FPM). As regiões menos desenvolvidas recebem proporcionalmente mais.

Em 1969, a partilha se reduziu à metade, mas foi restabelecida entre 1976 e 1980. De 1981 a 1984, passou para 26%: 12,5% para o FPE e 13,5% para o FPM. De 1985 a 1988, foi para 31%: 14% para o FPE e 17% para o FPM. Com a Constituição de 1988, saltou para 47%: 21,5% para o FPE, 22,5% para o FPM e 3% para financiar o setor produtivo das regiões menos desenvolvidas. E mais 10% do IPI para estados exportadores. Em apenas oito anos, a partilha pulou de 10% para 47% do IR e de 10% para 57% do IPI. Perdeu-se qualquer senso de medida. A União foi churrasqueada à míngua de líderes. E em 2007 a partilha subiu para 48% (1% a mais para o FPM). Parece interminável, não?

Ao mesmo tempo, foram aumentadas as despesas obrigatórias do governo federal com o INSS, os funcionários públicos e a educação. O grave desequilíbrio foi atenuado pela elevação brutal dos tributos, com a resultante piora de sua qualidade. Para cobrir o buraco, a União recorreu a tributos não partilháveis, as contribuições. Mesmo assim, a situação piorou: menor capacidade de investimento, maiores ineficiências e abalo no potencial de crescimento. A partilha pro-duziu mais salários de servidores, corrupção e gastos correntes do que investimentos nos estados e municípios.

Essas lições não foram aprendidas por Lula. Era questão de tempo. O Congresso iria à farra com os recursos do pré-sal. Ficara fácil. O governo não tinha estratégia para neutralizar o apetite dos parlamentares. Lula preferiu ignorar a história. Guiou-se pela ideologia estatizante e por objetivos eleitorais. A discussão sobre o pré-sal foi feita a portas fechadas. O Congresso foi atropelado com o regime de urgência para apreciar os respectivos projetos de lei.

E o imbróglio continuou. Com o propósito de compensar os estados produtores, os senadores Francisco Dornelles e Renato Casagrande propuseram diminuir a parcela da União nesses recursos. Dos mais de 25% antes previstos para o governo federal, restarão menos de 10%. A pulverização dos recursos levará a novos desperdícios.

Uma saída seria deixar a decisão para depois das eleições, o que acabaria ficando para o próximo governo. Haveria tempo para uma discussão saudável e responsável sobre o regime de exploração e os recursos. O mal teria vindo para o bem.

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Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...