sábado, 18 de dezembro de 2010

OAB: uma corporacao de oficio que sobrevive (abusivamente), as nossas custas

Não que eu seja contra um exame de qualificação dos egressos de cursos superiores, já que as Faculdades (e não só as "tabajaras") estão despejando analfabetos funcionais (de diversas "profissões") nos mercados de trabalho. Acho até que, se é para ser explorado por alguma guilda medieval, alguma casta de marajás pendurados numa regalia corporativa que há muito deveria ter sido extinta, melhor ser explorado por alguém que sabe ler e escrever, e que conhece um pouquinho acima do que nós mesmos conhecemos sobre as leis do país, do que seríamos capazes de fazer sem alguma dedicação especializada.
O que não suporto é ter de entregar minhas causas, que eu mesmo poderia defender, se assim o desejasse, a algum corporativo obrigatório que cobra um pedágio absurdo apenas para repetir obviedades. Para os casos mais graves -- se eu matar algum personagem da República, por exemplo -- reconheço que necessitaria de um rábula experto em filigramas jurídicas e malandragens processuais (como acontece com todos esses ladrões de colarinho branco que ficam livres a despeito de tudo).
O que é absurdo é a imposição de um "adevogado" mesmo quando as partes estão de acordo com a solução a ser adotada judicialmente (como no caso de um divórcio com mútuo consentimento, por exemplo), quando fazemos o papel de idiotas inúteis, em face da esperteza corporativa desse instrumento extrator da riqueza alheia que é a OAB e seus meninos amestrados.
Sou a favor da extinção de todas as Ordens e corporações de ofício, e a introdução de exames nacionais de qualificação, que podem ser organizados pelos poderes públicos ou por associações de interesse, que atesta, simplesmente, o quão incompetentes (ou não) são aqueles que se submetem aos exames. Mas que não exista uma reserva de mercado, um monopólio medieval, um cartel organizado para extrair da sociedade mais do que ela estaria disposta a pagar num regime de livre concorrência entre togados de diversos níveis.
Abaixo, um artigo e um comentário sobre a guilda em questão.
A decisão do desembargador citado no começo do artigo parece se dever ao fato de que seu filho foi reprovado pela quarta vez nos exames da OAB. Ou seja, ele também pode estar atuando não em defesa da sociedade, mas para beneficiar seu rebento, que deve ser um desses incompetentes diplomados.
Paulo Roberto de Almeida

O corporativismo da OAB

Rodrigo Constantino
Sábado, 18 de dezembro de 2010

Está em pauta novamente a questão do exame obrigatório para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), depois que o desembargador Vladimir Souza Carvalho, do Tribunal Federal Regional em Recife, determinou que todos os bacharéis em Direito tenham seus nomes inscritos nos quadros da OAB mesmo sem prestar o exame de admissão. Por lei, o advogado só pode exercer sua profissão se passar no exame da OAB. O desembargador considerou isto inconstitucional.

O argumento dos representantes da OAB em defesa de sua reserva de mercado são os mesmos de sempre: milhares de alunos se formam todo ano em faculdades de Direito, e é preciso filtrá-los de alguma forma, "proteger" a sociedade dos alunos formados que não estão preparados para atuar como advogados. Mas ocorre que esse argumento é muito fraco.

Em primeiro lugar, se fosse para ter qualquer tipo de filtro regulatório legal, este teria que ser nas próprias universidades. Ora, como pode um aluno passar nas matérias durante cinco anos de faculdade e ainda assim não estar preparado para exercer sua profissão? Algo muito errado teria ocorrido já na faculdade, com seu critério de aprovação. Portanto, aqueles que depositam fé na burocracia, em sua capacidade de separar o joio do trigo com base em critérios isentos e justos (uma fé para lá de ingênua, diga-se de passagem), o MEC deveria ser a escolha, para que as faculdades tivessem que responder pela obrigação de formar somente alunos capacitados. Particularmente, acho temerário depositar tanto poder nos burocratas do MEC, e prefiro a opção dos psicanalistas, de fugir do reconhecimento "oficial" de profissão, para não ter que ficar sob o controle do governo, que invariavelmente leva a mediocridade aonde vai.

O melhor filtro que existe ainda é o próprio mercado. Não é por acaso que um advogado formado pela Pontifícia Universidade Católica (PUC), por exemplo, não tem o mesmo "valor de mercado" que outro formado por qualquer faculdade de fundo de quintal. É o próprio mercado que está selecionando os melhores, sem ajuda alguma de burocratas "clarividentes". No limite, não há porque um auto-didata ser impedido de atuar como advogado também, sob conta e risco do seu cliente. Devo ser livre para escolher qualquer um como meu advogado, desde que seja responsável por isso.

Mas, digamos que ainda assim a OAB represente um bom filtro para descartar os advogados ruins (assumindo que uma prova seja capaz disso). Tudo bem. Não tem problema. A OAB pode continuar existindo e aplicando exames, e somente os aprovados poderão usar a placa "aprovado pela OAB", ou algo do tipo. Desde que não seja uma condição sine qua non para advogar. Em outras palavras: se a aprovação pela OAB realmente tem valor de mercado e é eficaz para selecionar somente os mais aptos, então o próprio mercado vai reconhecer isso, e o exame será feito de forma voluntária. Que advogado não vai querer o carimbo OAB em seu currículo?

Com a proteção legal da reserva de mercado da OAB, fica parecendo que a Ordem não se garante, não confia tanto em sua eficiência naquilo que se propõe, e por isso demanda a proteção legal de seu monopólio. Não sou advogado, e sim economista, mas ocorre algo similar em minha área: tenho que pagar mais de R$ 300 por ano ao Corecon para ser reconhecido como "economista" legalmente, e isso para um bando de socialistas defensores de Hugo Chávez! Reconheço que a OAB não é tão ruim assim, mas nada justifica a obrigatoriedade do exame. Será que membros do alto escalão da OAB são sócios nos cursinhos que acabam virando febre entre aqueles que precisam passar na prova para validar cinco anos de faculdade? A suspeita é legítima.

Por fim, há algo que a OAB claramente não consegue filtrar: a ética dos bacharéis em Direito. O que tem de advogado aprovado pela Ordem atuando como cúmplice dos traficantes e assassinos! Não estou falando aqui do direito de defesa de qualquer um no Estado de Direito, mas da cumplicidade mesmo, de advogados mancomunados com o crime, agindo como pombo-correio dos bandidos. Talvez a OAB devesse dedicar mais tempo para limpar sua casa desta sujeira em vez de lutar para preservar seu monopólio corporativista.
posted by Rodrigo Constantino at
==========
Comentário de um entendido:

Rodrigo,
Também sou contra a obrigatoriedade do exame da OAB para exercer a advocacia. E acrescento que, através de algumas manobras legais dos últimos anos, esse exame vem se impondo, de forma indireta, até mesmo nos concursos para juiz e promotor, que passaram a exigir experiência jurídica dos candidatos, o que, na maioria dos casos, significa ter sido advogado.

Mas esse corporativismo doentio está no próprio DNA da OAB. Ela foi criada por decreto em 1931 e continuou existindo por decreto até 1963, o que é uma completa aberração jurídica, uma verdadeira ditadura corporativa que perdurou por 32 anos e continua ainda hoje. Um conselho profissional — que tem peso social enorme, interferindo na vida dos cidadãos — não pode ser imposto por decreto autocrático do Presidente, mas tão-somente por lei aprovada no Parlamento.
 
Há algum tempo, escrevi um artigo, "Pelo Controle Externo da OAB" em que explico, em detalhes, a verdadeira ditadura que a OAB exerce sobre toda a sociedade brasileira. Ele foi aceito e publicado pela revista jurídica Jus Navigandi e pode ser lido aqui: http://jus.uol.com.br/revista/texto/4999/pelo-controle-externo-da-oab

Abraços.

José Maria e Silva

Bolivar no muere - Nao, no que depender do Mercosul

Assinada durante a cúpula do Mercosul de dezembro de 2010:


DECLARAÇÃO ESPECIAL DOS ESTADOS PARTES DO MERCOSUL E ESTADOS ASSOCIADOS SOBRE A COMEMORAÇÃO DO DESAPARECIMENTO FÍSICO DO LIBERTADOR SIMÓN BOLÍVAR

A Presidenta e os Presidentes dos Estados Partes do Mercosul e Estados Associados, reunidos por ocasião da XL Reunião Ordinária do Conselho do Mercado Comum, recordaram com respeito e admiração a memória do Libertador Simón Bolívar, na data em que se comemora o CLXXX aniversário de seu desaparecimento físico.

Destacaram, nesse sentido, os feitos emancipatórios do Libertador que, junto a uma plêiade de próceres e heroínas da independência latino-americana, assentaram as bases para a construção de nossas Repúblicas e Estados para a consolidação da região como um pólo de poder autônomo.

Comprometeram-se, finalmente, a continuar o caminho traçado pelo Libertador na construção de uma Pátria Grande que conjugue a justiça social com a liberdade, a paz e a soberania regional.

=========== 

Se cabe a paráfrase, para os peronistas, como para bolivarianos (e associados), Bolivar no muere...
Essa tal de "Pátria Grande" corre o risco de "bolivarianizar-se" ao exagero...
Certamente já dever ter um busto de El Libertador na sede do Mercosul, oferecido por quem se sabe... 
Agora, uma outra questão, que como a acima, não tem nenhuma importância, para ninguém, aliás, a não ser para a linguagem pomposa dos comunicados presidenciais. Lê-se ao começo desta: 
A Presidenta e os Presidentes dos Estados Partes do Mercosul e Estados Associados...
Agora serão pelo menos duas presidentas, o que não deixa de ser interessante observar para saber como isso irá se refletir nos comunicados e nas falas.
 Apenas perda de tempo...

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Mercosul: 20 anos para tras em 2012 - o caso dos acordos de investimentos

Inacreditável: o Mercosul possuia -- talvez ainda, mas nunca se sabe, pode estar escondido em alguma gaveta -- dois acordos específicos para tratar de investimentos intra e extra-Mercosul, os protocolos de Colonia e de Buenos Aires, assinados em 1992-93.
Nunca foram colocados em vigor, por oposição principlamente do PT, que julgava esses acordos -- e os APPIs bilaterais -- "nocivos ao interesse nacional".
Agora pretendem negociar novos acordos de investimentos.
Resta saber qual o modelo, e porque esse atraso de 20 anos para fazer algo que já deveria ter sido feito 20 anos atrás...
Paulo Roberto de Almeida

Mercosul quer acabar com exceções tarifárias em 10 anos
DCI, 17.12.2010

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, comemorou o estabelecimento do cronogramas de eliminações de exceções às tarifas externas comuns no Mercosul em dez anos. "Nós sabemos que isso não é algo simples porque ao eliminar exceções precisamos de medidas compensatórias e tem de haver prazos, mas isso será feito", disse, depois de participar da reunião do Conselho do Mercado Comum.

"O entendimento de que é necessário consolidar o Mercosul como união aduaneira passou para todos os países de uma forma muito clara e foi apoiado por todos, com o estabelecimento do prazo de dez anos para ser completado", comentou Amorim. O ministro reconheceu dificuldades para que sejam eliminadas as exceções tarifárias, mas ressalvou que "os países que fazem parte da união aduaneira têm mais a ganhar do que aqueles que têm exceções à união aduaneira". Ele destacou também a necessidade de adoção de políticas industriais, de integração industrial durante todo esse processo e lembrou que ontem foram assinados acordos nesse sentido.

"Era uma coisa totalmente absurda que nós negociássemos com a União Europeia e quase negociamos na Alca acordos que têm mais profundidade do que os acordos que existem entre nós. Então houve decisão importante de antecipar todas as listas de restrições e garantir que não serão criadas novas restrições", declarou Amorim, ao dizer que "isso é mais do que se negociou na Organização Mundial do Comércio".

Para o ministro, "é claro que ainda vai se levar três ou quatro anos para se completar isso tudo, mas vai ser feito". Amorim admite que "naturalmente vai sempre surgir uma ou outra exceção, mas a regra será o tratamento nacional em serviço". Hoje, entre Brasil e Argentina existem 300 linhas de produtos de exceção à Tarifa Externa Comum (TEC), 150 para cada país. Com Uruguai são 125 exceções e com o Paraguai, 150.

O funcionário do governo argentino Luis Kreckler disse ainda que o Mercosul abriu conversações para acordos de livre-comércio com a Síria e a Autoridade Nacional Palestina. Segundo ele, representantes dos países do Mercosul assinaram acordos formais para a abertura dessas conversações nesta quinta-feira.

Os acordos se seguem ao recente reconhecimento de um Estado palestino nas fronteiras anteriores à Guerra dos Seis dias, de 1967, por Brasil, Argentina e Uruguai. Os EUA e Israel manifestaram oposição a essa posição, embora ela seja consistente com as resoluções da ONU sobre isso.

O ministro das Relações Exteriores disse também que o Brasil quer negociar a instalação de um acordo de proteção de investimentos com os países do Mercosul. Na reunião do Conselho do Mercado Comum, foram assinados vários acordos, um deles com o objetivo de abrir negociações de um acordo para promover investimentos em bens dentro do bloco. Como atualmente, os fluxos de investimentos dentro do Mercosul não contam com um marco específico próprio, se este acordo for assinado, ele dará amparo jurídico a empresas brasileiras que forem instaladas nestes países. O Brasil foi o principal articulador da assinatura deste acordo.

Ainda não há um prazo para que as negociações sejam concluídas. O novo acordo terá por objetivo promover e facilitar a realização de investimentos diretos entre os países do bloco, dando segurança para as empresas que estão realizando o investimento. Quando este acordo for assinado, deverá ser criada também uma entidade específica para resolver problemas entre os países, no caso de algum deles infringir uma regra. Esse tipo de acordo evitará rompantes de mandatários que, a exemplo dos presidentes venezuelano, Hugo Chávez, e da Bolívia, Evo Morales, nacionalizaram ou ameaçaram nacionalizar empresas em seus respectivos países.

Esse início de negociação para a instalação de um acordo de proteção de investimentos com os países do Mercosul foi aprovado, em Foz do Iguaçu, encontro que antecedeu à reunião de Cúpula, com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A presidente eleita, Dilma Rousseff, cancelou na última hora a sua participação no encerramento da Cúpula Social do Mercosul e no jantar oferecido pelo presidente Lula, que se despede dos seus colegas da região e passa a presidência pro tempore do bloco para o Paraguai.

A presidente da Argentina Cristina Kirchner não estará presente ao jantar, mas chegará para a reunião de hoje. Todos os presidentes da América do Sul foram convidados para a despedida de Lula. Hugo Chávez, no entanto, não estará presente, assim com Dilma Rousseff.

Mercosul: 30 anos em 2021 - uma uniao aduaneira?

Difícil dizer se o Mercosul, em 2021, ou seja, completando 30 anos de existência -- quase um balzaquiano, para quem lê romances de costumes -- será, ou não, uma união aduaneira, segundo o que se discutiu em sua última cúpula, em Foz do Iguaçu (dezembro de 2010).
Afinal de contas, isso que ele se propõe fazer em 2021, já deveria ter sido feito em 31.12.1994, ou seja, quinze anos atrás. Não é seguro que dando mais dez anos de prazo os países consigam fazer aquilo que eles não conseguiram fazer em 20 anos, e isso tendo estabelecidos novos prazos "n" vezes ao longo desse período. Quanto ao regime automotivo comum (pelo menos entre Brasil e Argentina), ele é discutido ainda antes de existir o Mercosul, na fase da integração bilateral de 1986 a 1991.

Mercosul define prazos para eliminar distorções

Daniel Rittner - De Foz do Iguaçu
Valor Econômico17/12/2010

Às vésperas de completar 20 anos, o Mercosul ganhou um novo roteiro para aprofundar a integração entre seus quatro sócios e acabar com as aberrações no funcionamento como união aduaneira. Sem muitos acordos concretos para anunciar de imediato, os países do bloco definiram “metas graduais” para eliminar essas distorções até 2021, em um cronograma que só deverá terminar nas celebrações do 30º aniversário do Mercosul.
Em um projeto chamado de “ambicioso” pelo Itamaraty, foram estabelecidos objetivos como a livre circulação de pessoas – seguindo o modelo da União Europeia – e um calendário para acabar com as diferenças na aplicação da Tarifa Externa Comum (TEC). Hoje, embora devessem usar a mesma alíquota sobre as importações provenientes de fora do Mercosul, cada país tem numerosas exceções.
Entre os compromissos assumidos pelo bloco está a discussão de um regime automotivo comum até 2012 e a unificação das tarifas sobre bens de capital até o fim de 2013. Máquinas e equipamentos importados de terceiros países pagam atualmente 14% ao entrar no Brasil, mas a alíquota é zero na Argentina, que alega estimular assim a modernização de sua indústria.
“Nós sabemos que não é uma questão simples”, afirmou o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, referindo-se ao fim das distorções da TEC. “Há a necessidade de prazos e de medidas compensatórias, mas foi uma decisão apoiada por todos os sócios”, emendou. Para facilitar o cumprimento das promessas, Amorim disse que os países do bloco deverão aprimorar políticas de integração industrial.
Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai aprovaram também a criação do cargo de um “alto representante” do Mercosul, função para a qual ainda não houve nenhuma indicação. Depois da saída do ex-vice-presidente argentino Carlos “Chacho” Álvarez do cargo de presidente da comissão de representantes permanentes do bloco, os quatro sócios decidiram criar uma nova estrutura.
De acordo com comunicado distribuído pelo Itamaraty, deverá ser uma “personalidade de destaque, com mandato de três anos”, renovável por outro período de igual duração. O alto representante “terá funções de articulação política, formulação de propostas e representação das posições comuns do bloco”.
Amorim tratou de implodir qualquer especulação sobre a possibilidade de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ser designado para o cargo. “A minha opinião pessoal é que o presidente Lula está acima desse cargo”, afirmou.
O documento aprovado ontem, a partir de uma proposta preparada pelo Brasil durante o segundo semestre, antecipa em quatro anos – de 2015 para 2011 – o prazo para identificação de barreiras ao livre comércio de serviços dentro do Mercosul. Embora não haja garantia de um acerto para liberalizar os serviços no bloco, Amorim considerou o saldo positivo. “Era um absurdo negociarmos com a União Europeia e quase termos assinado na Alca [Área de Livre Comércio das Américas] acordo que não temos entre nós”, afirmou o ministro.
Em meio à despedida de Lula das reuniões de cúpula internacional, os países vizinhos deixaram de lado temas espinhosos e preferiram sublinhar as conquistas do colega brasileiro. A Argentina evitou levar às discussões técnicas uma série de barreiras que dizia ter identificado nas exportações ao Brasil. Havia expectativa dos presidentes de dar os parabéns pessoalmente à presidente eleita Dilma Rousseff, que acabou cancelando, de última hora, a breve participação que teria na cúpula de Foz do Iguaçu. Dilma tinha a previsão de jantar com os demais chefes de Estado antes de voltar a Brasília, onde será diplomada hoje no cargo. Porém, alegando dificuldades nas negociações para formar o ministério, suspendeu sua ida.
Além de compromissos de cunho comercial, os países do Mercosul também fizeram promessas e estabeleceram prazos para uma série de ações sociais, que foram batizadas de Estatuto da Cidadania. Há medidas como o estabelecimento de um padrão de cédula de identidade, a criação de um sistema de bolsas para incentivar a mobilidade estudantil e o barateamento das tarifas de telefonia móvel (roaming) para as pessoas que transitam entre países do bloco.
Ganhou destaque a promessa de unificar a emissão de placas dos veículos. O processo começará com veículos de transporte de carga e de passageiros, a partir de 2016. Dois anos mais tarde, em 2018, a unificação alcançará todos os carros que forem saindo das concessionárias. Com a “placa Mercosul”, os carros, caminhões e ônibus estarão sujeitos a multas de trânsito das quais conseguem escapar atualmente. “Mas a ideia da placa comum não é penalizar, é colocar o Mercosul na garagem de todos”, disse o subsecretário-geral de América do Sul, Antônio Simões.

Mercosul: 80 anos em 8? - dificil fazer mais...

Apenas algumas correções ao que vai na matéria abaixo, ou fruto da ignorância do repórter ou engano dos informantes:
1) Quanto ao título: o Mercosul é um projeto de integração econômica, começando pela liberalização comercial: uma avaliação dessas esferas seria interessante, ou deveríamos concluir que Lula deixa o Mercosul depois de enfraquecer a dimensão econômica do bloco?
2) A aproximação com a Bolívia comçou muito antes, e já em 1996, no primeiro governo FHC portanto, ela já tinha o status de Estado associado ao Mercosul. Não houve NENHUMA mudança nesse status desde então e caberia verificar se não houve nenhum recuo nas dimensões econômica e comercial, com a onda de renacionalizações e de restrições protecionistas começadas com o governo Morales, que aliás atuou muito contrariamente aos interesses brasileiros, na complacência do grande vizinho.
3) A Venezuela está em processo de tornar-se membro pleno desde muito tempo, aliás segundo uma figura esdrúxula que justamente não existe em nenhum instrumento jurídico do Mercosul: "membro pleno em processo de adesão" (sic). Isso simplesmente não existe. A Venezuela ainda não cumpriu nenhum dos requisitos essenciais para tornar efetiva essa incorporação, que seria simplesmente a aceitação da Tarifa Externa Comum, que deveria ser a sua única tarifa, bem como a adoção de normas de acesso ao seu mercado interno similares ao mecanismos existentes atualmente, o que tampouco é o caso. Não se vê como, portanto -- e independentemente da dimensão política, que recomenda aos membros do Mercosul serem democracias plenas -- a Venezuela poderia ser aceita no Mercosul sem cumprir regras mínimas do bloco.
4) Por outro lado, esta afirmação de um acadêmico consultado pelo jornal não faz nenhum sentido: "é necessário levar em conta que o Mercosul tem um grande adversário nos Estados Unidos: durante anos os países preferiram negociar um acordo com os Estados Unidos e não com o Mercosul". Os países? Quais países? Os outros da região? Talvez, pelo fato de serem os EUA o maior mercado do hemisfério, o mais aberto, o principal provedor de recursos, maior investidor, etc. As simple as that. O professor vai acusar os outros países de serem idiotas, e de preferirem os EUA em lugar do Mercosul?
5) No mesmo sentido vai esta frase: " "Nesse período, a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) era um projeto forte. Todos os países hesitavam em negociar isso, e negociavam sozinhos, mas o Mercosul se consolidou como opção comercial, econômica e política", considerou o chefe da diplomacia brasileira"
Mas os países não negociavam a Alca sozinhos: Mercosul e CAN, por exemplo, negociavam conjuntamente, da mesma forma que o Caricom. Quem negociava sozinho eram os membros do NAFTA (EUA, Canadá e México) e o Chile, mas todos os outros tinham blocos, com porta-vozes unificados. A consolidação do Mercosul como bloco político foi feita na cúpula das Américas de 1997, em Belo Horizonte, quando o princípio dos "building blocks", ou seja da preservação do Mercosul, foi lograda graças aos esforços do ministro Lampréia e do presidente FHC, com a compreensão de Clinton, que neste caso teve de desmentir sua negociadora comercial, a USTR Charlene Barshevisky. Ou seja, o chanceler atual, que foi quem aceitou a Alca em Miami, em 2004, esqueceu-se de como o processo se desenvolveu de fato.
6) ""Era uma coisa quase esquecida, e agora o fundo [FOCEM] já tem projetos num valor de alguns bilhões de dólares." Melhor seria falar de milhões de dóalers, não de bilhões, que parece um tanto exagerado.
Paulo Roberto de Almeida

Lula deixa Mercosul depois de fortalecer a dimensão política do bloco
Correio Braziliense, 16/12/2010

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, se despede do Mercosul depois de oito anos de participação em seus fóruns, nos quais contribuiu para fortalecer a dimensão política e humana do bloco, consideraram analistas e diplomatas.

Lula passará a faixa de presidente no dia 1º de janeiro para sua sucessora, a economista Dilma Rousseff, e nesta sexta-feira vai presidir a XL Cúpula presidencial do Mercosul em um de seus últimos atos. A reunião marcará a sua saída de cena de um fórum para o qual contribuiu muito com seu próprio carisma e perspicácia política.

"O Mercosul é um projeto complexo, que tem fundamento na integração econômica, mas Lula deu a ele uma enorme dimensão política, em grande parte consequência de sua própria projeção", disse à AFP o cientista político Guilherme Carvalhido, da Universidade Veiga de Almeida.

Segundo este especialista, "com a saída de Lula de cena, a ausência dessa dimensão política certamente será sentida. Tudo indica que Rousseff mantenrá as políticas brasileiras, mas o carisma de Lula foi útil para o bloco".

Entre as marcas dos oito anos de Lula no Mercosul, Carvalhido mencionou a aproximação da Bolívia e da Venezuela do grupo formado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai desde 1991. A Bolívia é atualmente membro associado externo e a Venezuela está em processo de se tornar um membro pleno.

"Creio que a concordância entre Lula e Néstor Kirchner (ex-presidente argentino 2003-2007, falecido em outubro) foi muito importante em todo este processo, e ambos venceram muitas resistências", disse, lembrando que o ingresso da Venezuela, por exemplo, leva os limites do Mercosul até o Caribe.

Para Carvalhido, "é necessário levar em conta que o Mercosul tem um grande adversário nos Estados Unidos: durante anos os países preferiram negociar um acordo com os Estados Unidos e não com o Mercosul".

Ainda nesta quinta-feira, o ministro brasileiro das Relações Exteriores Celso Amorim disse em uma entrevista coletiva à imprensa que os oito anos de Lula como chefe de Estado do Brasil coincidiram com uma conjuntura difícil do Mercosur.

"Nesse período, a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) era um projeto forte. Todos os países hesitavam em negociar isso, e negociavam sozinhos, mas o Mercosul se consolidou como opção comercial, econômica e política", considerou o chefe da diplomacia brasileira.

Amorim destacou também o apoio que Lula sempre ofereceu ao Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul (Focem), de apoio a projetos de infraestrutura e sociais nas economias do bloco.

"Era uma coisa quase esquecida, e agora o fundo já tem projetos num valor de alguns bilhões de dólares. O Focem ressalta a necessidade de apoiar as economias mais frágeis", ressaltou Amorim.

A primeira participação de Lula em cúpulas presidenciais do Mercosul ocorreu no dia 18 de junho de 2003 em Assunção, e já em seu primeiro discurso fez um apelo a seus colegas da região para que consolidassem "o Mercosul que nossos povos querem".

Nessa oportunidade, Lula avaliou que faltava "ao Mercosul uma dimensão política, como se bastassem apenas as fórmulas econômicas", e por isso manifestou a sua convicção de que era necessário "fortalecer as agendas política, social e cultural do Mercosul".

Era necessário dar ao bloco "uma dimensão humana", disse Lula em seu primeiro discurso no Mercosul.

Agora que Lula se despede do Mercosul, o bloco discute a adoção de um Estatuto da Cidadania, que em um prazo de uma década se propõe a homogeneizar os direitos dos habitantes do bloco, incluindo padrões comuns para os documentos de identidade.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Livro (tendencioso) sobre a politica externa: partidario, claro

O autor desta resenha, Cesar Yip, do Núcleo de Estudos Internacionais do Largo de São Francisco, ou seja, da Faculdadade de Direito da USP, foi até condescendente nesta resenha. Ainda que sublinhando o caráter partidário da publicação, e portanto suspeito, ele acredita que um dos autores é um acadêmico de verdade. Obviamente que esse acadêmico foi escolhido para participar do exercício auto-congratulatório por concordar, quase integralmente, com os princípios, valores e ações da política externa da era Lula.
Ainda assim, vale o registro, pelo menos para que não se diga que este blog só publica matérias críticas.
Paulo Roberto de Almeida

Do Blog do NEI, 15.12.2010
A Nova Política Externa
Kjeld Jacobsen (org.)
Editora Fundação Perseu Abramo, 2010
A Editora Fundação Perseu Abramo lançou em 2010 “A Nova Política Externa”, parte da série “2003-2010: O Brasil em Transformação,” cujo objetivo é analisar as mudanças ocorridas no Brasil durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Preliminarmente, cabe destacar sempre que a Fundação Perseu Abramo é uma fundação partidária, instituída pelo Partido dos Trabalhadores (PT) em 1996, conforme permitido nos artigos 44, IV e 53 da Lei Orgânica dos Partidos Políticos (Lei 9.096/95). Da mesma forma, muitos outros partidos possuem fundações em modelo semelhante, que recebem parte das verbas do fundo partidário, com o intuito de promover pesquisa, doutrinação e educação política, nos termos da legislação citada.
Portanto, não se espera analise imparcial ou, na sua impossibilidade, pluralista. De fato, o livro é feito pela contribuição de funcionários do governo (Celso Amorim, Samuel Pinheiro Guimarães, Marco Aurélio Garcia, Alberto Kleimann), representantes de movimentos sindicais e sociais (João Antônio Felício-CUT, Maria Silvia Portela de Castro-CUT, Fátima Vianna Mello-REBRIP), um deputado federal (Dr. Rosinha-PT), um representante da diretoria do partido (Valter Pomar), e somente um autor predominantemente acadêmico (Paulo Fagundes Vizentini-UFRGS).
Com exceção de uma entrevista de Celso Amorim, todos os outros textos foram elaborados a partir das apresentações dos participantes em debate promovido pela Fundação Perseu Abramo no segundo semestre de 2009.
Dado o caráter assumidamente partidário ou ideológico da obra, algumas críticas passam longe de ser mencionadas, como a situação dos votos do Brasil nos órgãos de Direitos Humanos da ONU, ou o fracasso de indicações de brasileiros para cargos de direção em organismos internacionais.
Da mesma forma, é dominante nas contribuições a tese da mudança radical promovida pela diplomacia do atual governo, como as afirmações de que “o Brasil passou a tomar decisões próprias e, com isso, passou a ser internacionalmente respeitado” (Marco Aurélio Garcia), de que “houve uma mudança radical no que diz respeito à postura do Brasil no cenário internacional” (João Felício), e de que “num espaço de tempo pequeno, houve mudanças profundas na política externa brasileira” (Dr. Rosinha). Não há menção a outros autores que, tendo que lidar sempre com o dilema de continuidade e ruptura, enxergam a origem da atual Política Externa nos últimos momentos do governo Fernando Henrique Cardoso (ver, por exemplo, Tullo Vigevani e Gabriel Cepaluni, ou Cristina Soreanu Pecequilo), para não falar em antecedentes como a Política Externa Independente de Jânio/Jango ou o Pragmatismo Responsável de Geisel. Não de maneira surpreendente, o professor Paulo Vizentini é o que passa mais próximo de enxergar essas linhas de continuidade e seus precedentes, o que, já havia delineado em seu livro “Relações Internacionais do Brasil: de Vargas a Lula” (também da Editora Fundação Perseu Abramo).
De qualquer maneira, a coletânea de textos não deixa de ter seu valor. De um lado, por demonstrar a visão de integrantes do governo e de sua base de apoio sobre os principais tópicos da atual diplomacia, mas, de outro lado, e talvez o mais interessante deles, verificar quais são as críticas que esses atores fazem à atual PEB. Por isso, apesar do tom quase que totalmente positivo da obra, destacaremos aqui as críticas feitas.
Inicialmente, é possível identificar críticas à esquerda ou ao PT, como Paulo Vizentini, que vê um “déficit teórico na esquerda”, faltando um projeto articulado ao “campo progressista.” Da mesma forma, Valter Pomar aponta que “o pensamento petista sofreu um processo de empobrecimento”, com a substituição do pensamento programático pelo tático. O mesmo autor ainda aponta duas dimensões contraditórias da Política Externa do governo Lula: a da defesa dos interesses do Estado capitalista com potencial sub-imperialista, e a dimensão democrático-popular, que busca uma nova ordem internacional e uma integração regional mais democrática.
Ainda sobre o tema da integração regional, Florisvaldo Fier (Dr. Rosinha) avalia uma timidez da diplomacia, que poderia fazer mais concessões, por exemplo, aos fundos regionais criados, como o Fundo de Convergência Estrutural (FOCEM), ou o de Pequenas Empresas. Aponta ainda uma negligência quanto à simbologia da integração, e identifica barreiras concretas como dificuldades para vistos de estudantes, reconhecimento de diplomas estrangeiros e a cobrança da taxa de embarque internacional. O deputado aponta ainda uma timidez na área ambiental, que seria reflexo da questão interna (evitar cobranças recíprocas).
Aliás, sobre o tema ambiental Fátima Viana Mello denuncia o fato de que o governo estaria cedendo ao empresariado, na questão do mercado de carbono, flexibilizando a posição tradicional de que o mercado de carbono não deveria servir para compensar as emissões dos países do Norte.
A autora também chama atenção ao fato de que, ao mesmo tempo em que o Brasil tentou alterar a “agenda internacional dos anos 90” nas negociações da Alca e na criação do G-20, continua dando sobrevida a essa mesma agenda quando aposta na Rodada Doha.
Há ainda uma linha crítica em relação à área trabalhista. João Antônio Felício, por exemplo, questiona a omissão das autoridades brasileiras sobre a forma como as empresas nacionais se relacionam com os trabalhadores em outros países, devendo haver cuidado para não repetir um padrão de exploração das multinacionais dos países centrais.
A avaliação mais crítica, no entanto, é de Maria Silvia Portela de Castro. Além de repetir a preocupação anterior sobre a política trabalhista das empresas brasileiras no exterior, afirma que não houve esforço do governo para ratificação de Convenções da OIT, como a 87 (sobre liberdade sindical) e 151 (sobre as relações de trabalho na administração pública, já ratificada pelo Brasil em junho de 2010).
Avalia ainda ser correta a oposição do governo à cláusula social nos tratados comerciais, mas critica a ausência de uma proposta alternativa. Critica igualmente a não-inserção do tema trabalhista no G-20 da OMC, e denuncia até um retrocesso do tema no Mercosul. Segundo a autora, “como no governo Lula não existe a preocupação de que haja uma reação contrária do movimento sindical, o tema do trabalho tornou-se ainda mais secundário.” Há também a crítica pela falta de convite a representantes sindicais nas viagens internacionais do presidente Lula, que sempre se reúne com líderes sindicais dos países que visita, sem a presença de representantes sindicais brasileiros.
Eis, portanto, as formas como importantes atores do atual governo (e também do próximo) vêem a atual PEB e as direções em que ela deveria caminhar.

Política externa para iniciados: entrevista com o Embaixador Botafogo

O Embaixador Botafogo tem larga experiência de vida, diplomática, negociadora e, sobretudo, exibe uma visão clara de como são as "coisas" nas relações internacionais e na política externa do Brasil. Ele diz as "coisas" como as "coisas" são; pena que o tenha feito um pouco tarde, mas se compreende.

Botafogo neles!
O Globo - 16/12/2010
 Arnaldo Bloch 
Diplomata, advogado e professor universitário, o flamenguista José Botafogo Gonçalves é um dos mais experientes pensadores da política externa brasileira. Ministro da Indústria, Comércio e Turismo nos anos 90, ex-secretário executivo da Câmara de Comércio Exterior (Camex) e ex-embaixador especial para Assuntos do Mercosul, esteve à frente da embaixada argentina durante a crise econômica que arrasou o vizinho. Atual presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), ele critica a "falta de pragmatismo" e os "resultados negativos" da gestão Lula/Celso Amorim e faz previsões para os rumos Dilma e o novo chanceler, Antonio Patriota, vão ditar. 

Aos 40 anos de diplomacia, o rubro-negro José Botafogo Gonçalves critica "desvios" da política externa brasileira na era Lula/Amorim e prevê que a gestão Dilma/Patriota será "mais sóbria" 

Uma boa ideia só é boa se é eficaz
Há quem diga que a política externa dos últimos oito anos foi excessivamente pragmática. Eu discordo. Ao contrário. Tudo o que faltou foi pragmatismo! O que predominou, sim, foi o ideologismo. Pragmatismo pressupõe concessões com objetivo de alcançar resultados justificáveis. Nesses oito anos, em casos importantes, os resultados foram negativos. A começar pelo episódio da resolução contra o Irã. Primeiro, buscou-se uma solução alternativa com a Turquia. Quando se viu que ela não satisfaria nem aos americanos nem aos europeus, o Brasil recuou e acabou assinando. "A contragosto", como disse o presidente. Ora, se o objetivo era alcançar algum resultado, o resultado foi que o Brasil ficou isolado! E isso é o que de pior pode acontecer dentro da tradição diplomática. Você pode ter uma boa ideia. Mas se você é o único a defendê-la, a ideia não tem eficácia Entre o pragmatismo e o principismo há uma aspecto que é o da eficácia. Se não há eficácia, não se é nem pragmatista nem principista. 

Honduras: um erro nunca antes...
Outro resultado muito insatisfatório foi o caso de Honduras. Claro que o golpe contra Zelaya deveria ter sido condenado. Mas o asilo diplomático pressupõe que o beneficiado se abstenha de fazer política. Esta foi a tradição da diplomacia brasileira e latino-americana durante décadas nos séculos XIX e XX, período pleno de conflitos internos de política. Mas Zelaya continuou fazendo política ativa, discursos, incitações. Foi uma novidade, algo inédito na história diplomática brasileira E, no caso, a ousadia se mostrou um erro. O asilo diplomático é uma ação humanitária que visa a proteger a integridade física e a vida ameaçadas. E só. 

Interesse do Estado ou do governo?
Temos que colocar na mesa as tendências ideológicas que vêm do próprio presidente. No nosso regime presidencialista, quem faz política externa é o presidente. O Ministro de Relação Exteriores obedece. A política externa é determinada, na minha experiencia e na História da República, por parâmetros que atendam aos interesses do Estado brasileiro e não do governo que está de plantão, de turno, naquele momento. Nesses oito anos, sem dúvida, a colaboração Lula/Amorim desviou a política externa de sua rota: os interesses do governo e do partido que é maioria prevaleceram. 

Obsessão cega pelo conselho da ONU
O ministro Celso Amorim transformou o desejo razoável e compartilhado por muitos de ver o Brasil ter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU - caso haja uma reforma ali - na prioridade número 1 da diplomacia brasileira. Isso provocou distúrbios de perspectiva. Porque se você sacrifica todas as outras coisas em função de obter eventuais apoios no conselho, pode estar se afastando de dar tratamento adequado a outros interesses no plano internacional, além de sentar ali. Por exemplo, se aproximar dos vizinhos e liderar o processo de crescimento e desenvolvimento da democracia na América Latina. Nem México nem Argentina apoiam os anseios do Brasil. Na ONU não se ganha por maioria. Lá, mesmo que você tenha 20 votos de países asiáticos ou africanos, se não tiver credibilidade junto a quem tem poder, como EUA e China, não adianta. Ou seja, o que faltou foi... pragmatismo. No caso do Irã, por exemplo, o Brasil ficou sozinho. Outros candidatos ao conselho voltaram pelas sanções. 

O Brasil devia vender mais seu "soft power"
O Brasil não pode se transformar na palmatória do mundo. Ter boa relação com a China ou os EUA não significa aprovar todas suas políticas. O mundo político é assim. Temos que conviver com entidades soberanas, às centenas. E a maioria não pode ser definida como democrática. Modelos diferentes de representação política e tradições culturais e religiosas são muito importantes, mesmo quando não são bons. O Brasil tem aquilo que dentro do linguajar político se chama soft power. Não tem arma nuclear, mas tem uma série de créditos que lhe dão representatividade externa. Convivência pacífica entre etnias e religiões, unidade linguística, a cordialidade, a música e um princípio já antigo: não aprova solução de controvérsia através de armas, mas de negociações. O Brasil não é belicista. A guerra é proibida pela nossa constituição. Não podemos ter guerra de conquista e há muito tempo aderimos ao fim da pena de morte, mesmo que tenhamos uma polícia ainda violenta e um sistema carcerário medieval. A forma com que se pratica o laicismo no Brasil tem sido bem sucedida. Esses créditos, aliás, são pouquíssimo apresentados externamente. 

Carinho excessivo com ditadores
O Brasil, nestes anos, pecou também pelo excesso de de manifestações de simpatia e carinho entusiasmado por ditadores. O caso com o Fidel caiu muito mal, principalmente as críticas que fez ao dissidente que morreu em greve de fome. O amor por Ahmadinejad também foi desmedido. Poderia ter tido uma atitude mais reservada frente a tiranos internacionais que estão no foco das tensões mundiais, mesmo sem atacá-los. 

Sem Lula, um estilo mais sóbrio
Não creio que os desvios desses oito anos serão acentuados, mas também não creio em grandes mudanças numa outra direção. Em sua crítica à abstenção brasileira no caso de violação de direitos humanos no Irã, Dilma foi muito específica. Daí a deduzir que ela tenha criticado a política externa como um todo, ou vai tomar um novo rumo... Inclusive em relação ao programa atômico iraniano. Eu desinflaria muito este comentário dela, sem tirar a sua relevância. Foi muito importante ela ter tomado uma posição em relação a algo em que acredita: que como mulher não poderia ficar ausente. Por outro lado, creio num estilo mais sóbrio. Dilma não tem a desenvoltura internacional de Lula. Ele é um caso excepcional, uma carreira única, uma inteligência fora de comparação, mas, acima de tudo, tinha prazer nisso, gostava de liderar iniciativas internacionais com seu estilo informal, de mesa de bar. Não é o perfil de Dilma e, muito menos, do novo ministro, Antônio Patriota, profissional enquadrado, disciplinado. De resto, acho que caminharemos preservando o patrimônio do nosso estado, numa conjuntura em que vamos nos tornando um país de classe média que entendeu que a macroeconomia e a estabilidade são bens sociais, e já fez a opção pelo Ocidente e pelos princípios básicos de democracia representativa. Nossa indústria se internacionaliza, investe nos vizinhos, Canadá, EUA, Europa, China. O mar não está para aventuras.

Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...