Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
sexta-feira, 7 de janeiro de 2011
Um doenca incuravel: planaltite aguda (vicia terrivelmente)
Paulo Roberto de Almeida
Sem desencarnar
Merval Pereira
O Globo, de janeiro de 2011
Está sendo tão difícil para Lula desencarnar do papel de presidente da República quanto para Dilma assumir integralmente a função para a qual foi eleita, e uma coisa tem a ver com a outra. Tudo indica que ela está querendo marcar uma conduta discreta e eficiente, na impossibilidade de competir com a capacidade midiática, quase histriônica, do seu antecessor e padrinho político.
Mas há também o desejo mal escondido de Lula de se perpetuar no primeiro plano político. Desde o comício improvisado em frente ao seu apartamento em São Bernardo, até as aparições de camiseta na varanda de casa para acenar para os turistas, Lula vai desenhando para si uma quarentena nada recatada.
Dois fatos revelados pela imprensa mostram como é difícil para o ex-presidente se desligar das mordomias do poder que usufruiu nos últimos oito anos.
Suas primeiras férias fora do poder estão sendo passadas, com toda a família, no Forte dos Andradas, no Guarujá, onde, se sabe agora, foi construída uma suíte presidencial para recepcioná-lo quando lá estivesse.
É claro que tal suíte não pertence à pessoa física de Lula, embora tenha sido feita por sua causa, mas está lá para abrigar o presidente da República do momento.
É um exagero que acontece com mais frequência do que deveria nas melhores democracias do mundo. O presidente francês, Nicolas Sarkozy, por exemplo, mandou fazer uma preparação especial no avião presidencial para que pudesse fumar charutos sem incomodar os demais passageiros, o que custou ao erário público francês alguns milhares de euros a mais.
Mas a suíte presidencial do Forte dos Andradas não está à disposição de ex-presidentes da República, que é o caso de Lula no momento, pelo menos nos próximos quatro anos.
Descoberta a irregularidade, inclusive pela exultante mensagem que um de seus filhos escreveu no twitter: "Aeeeee saiu um solzinho aqui no Guarujá? com direito a banho de mar? são os Lulas voltando a seu habitat normal rs rs RS", o Ministério da Defesa providenciou uma solução: também pelo twitter, divulgou uma nota em que diz que "o ex-presidente Lula honra as Forças Armadas ao escolher o Forte dos Andradas p/ descansar com a família, a convite da Defesa".
Não é a primeira vez que se sabe de atividades nada regulares de Luís Cláudio Lula da Silva através de seu gosto pelas tecnologias de relacionamento social.
Em 2004, organizou uma excursão de amigos ao Palácio do Alvorada, com direito a uso de um avião da FAB para transportá-los a Brasília e passeio de lancha oficial pelo Lago do Paranoá.
Várias mensagens foram postadas nos blogs com fotos posadas ao lado do avião e na lancha. Depois de quatro anos, o Ministério Público considerou normal o uso de bens do patrimônio público pelos amigos do filho do presidente, e o processo, pedido pela oposição, foi arquivado.
O caso das férias do ex-presidente em um forte do Exército, com direito a proteção absoluta por parte de uma equipe de segurança bem treinada, esta sim dentro do que a legislação determina, parece ser um sintoma da dificuldade que Lula demonstra já há algum tempo de sair "do governo para viver a vida das ruas", como disse em seu discurso de despedida, numa canhestra tentativa de mimetizar a carta testamento de Getúlio Vargas.
Lula continua querendo viver sua vida "na História" que criou para si. Os onze caminhões da transportadora que levam os pertences da família Lula da Silva de volta para São Bernardo, inclusive o climatizado para as bebidas, não significam em si nenhum exagero, já que em oito anos de Presidência forçosamente se acumulam muitos presentes, além dos documentos oficiais que servirão para formar o acervo do Instituto Lula.
Mas o fato de o Itamaraty ter prorrogado o passaporte diplomático de dois dos filhos de Lula no dia 29 de dezembro, através de uma prerrogativa especial exercida pelo ministro das Relações Exteriores Celso Amorim, tipifica claramente um abuso de poder.
Pelas normas em vigor no Itamaraty, dependentes de autoridades só podem receber passaporte diplomático em duas situações: quando o dependente tem até 21 anos, ou quando é portador de deficiência física.
Não é o caso de Luís Cláudio Lula da Silva, que hoje tem 25 anos, e Marcos Cláudio Lula da Silva, com 39 anos.
Para tentar reduzir os danos da notícia divulgada pela "Folha de S. Paulo", o Itamaraty explicou que os passaportes foram apenas renovados, o que complica mais ainda a situação.
O de Luís Cláudio pode ter tido validade até quatro anos atrás, quando ele tinha 21 anos, e não poderia, pela lei, ter sido renovado já naquela ocasião.
O de Marcos Cláudio em nenhum momento do governo Lula poderia ter sido expedido, pois ele tinha mais de 21 anos (31 para ser exato) quando Lula assumiu o governo em 2003.
Os passaportes especiais foram emitidos "em caráter excepcional", tendo o chanceler Celso Amorim se utilizado de um decreto que lhe dá prerrogativas de conceder passaporte diplomático a alguém que não esteja enquadrado na lei "em função do interesse do país".
A lei prevê apenas passaportes diplomáticos para presidentes e vice-presidentes da República, ministros de Estado, juízes de tribunais superiores, diplomatas e congressistas.
Quando estava no governo, Lula tinha o hábito de se referir a bens públicos como seus, como no caso da TV Brasil, que chamava de "a minha televisão". Agora, parece não ter se convencido de que não continua no governo, e nem que o governo não seja seu.
Não há nada que justifique esses privilégios, nem explicação para serem mantidos.
sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
Mercosul: 80 anos em 8? - dificil fazer mais...
1) Quanto ao título: o Mercosul é um projeto de integração econômica, começando pela liberalização comercial: uma avaliação dessas esferas seria interessante, ou deveríamos concluir que Lula deixa o Mercosul depois de enfraquecer a dimensão econômica do bloco?
2) A aproximação com a Bolívia comçou muito antes, e já em 1996, no primeiro governo FHC portanto, ela já tinha o status de Estado associado ao Mercosul. Não houve NENHUMA mudança nesse status desde então e caberia verificar se não houve nenhum recuo nas dimensões econômica e comercial, com a onda de renacionalizações e de restrições protecionistas começadas com o governo Morales, que aliás atuou muito contrariamente aos interesses brasileiros, na complacência do grande vizinho.
3) A Venezuela está em processo de tornar-se membro pleno desde muito tempo, aliás segundo uma figura esdrúxula que justamente não existe em nenhum instrumento jurídico do Mercosul: "membro pleno em processo de adesão" (sic). Isso simplesmente não existe. A Venezuela ainda não cumpriu nenhum dos requisitos essenciais para tornar efetiva essa incorporação, que seria simplesmente a aceitação da Tarifa Externa Comum, que deveria ser a sua única tarifa, bem como a adoção de normas de acesso ao seu mercado interno similares ao mecanismos existentes atualmente, o que tampouco é o caso. Não se vê como, portanto -- e independentemente da dimensão política, que recomenda aos membros do Mercosul serem democracias plenas -- a Venezuela poderia ser aceita no Mercosul sem cumprir regras mínimas do bloco.
4) Por outro lado, esta afirmação de um acadêmico consultado pelo jornal não faz nenhum sentido: "é necessário levar em conta que o Mercosul tem um grande adversário nos Estados Unidos: durante anos os países preferiram negociar um acordo com os Estados Unidos e não com o Mercosul". Os países? Quais países? Os outros da região? Talvez, pelo fato de serem os EUA o maior mercado do hemisfério, o mais aberto, o principal provedor de recursos, maior investidor, etc. As simple as that. O professor vai acusar os outros países de serem idiotas, e de preferirem os EUA em lugar do Mercosul?
5) No mesmo sentido vai esta frase: " "Nesse período, a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) era um projeto forte. Todos os países hesitavam em negociar isso, e negociavam sozinhos, mas o Mercosul se consolidou como opção comercial, econômica e política", considerou o chefe da diplomacia brasileira"
Mas os países não negociavam a Alca sozinhos: Mercosul e CAN, por exemplo, negociavam conjuntamente, da mesma forma que o Caricom. Quem negociava sozinho eram os membros do NAFTA (EUA, Canadá e México) e o Chile, mas todos os outros tinham blocos, com porta-vozes unificados. A consolidação do Mercosul como bloco político foi feita na cúpula das Américas de 1997, em Belo Horizonte, quando o princípio dos "building blocks", ou seja da preservação do Mercosul, foi lograda graças aos esforços do ministro Lampréia e do presidente FHC, com a compreensão de Clinton, que neste caso teve de desmentir sua negociadora comercial, a USTR Charlene Barshevisky. Ou seja, o chanceler atual, que foi quem aceitou a Alca em Miami, em 2004, esqueceu-se de como o processo se desenvolveu de fato.
6) ""Era uma coisa quase esquecida, e agora o fundo [FOCEM] já tem projetos num valor de alguns bilhões de dólares." Melhor seria falar de milhões de dóalers, não de bilhões, que parece um tanto exagerado.
Paulo Roberto de Almeida
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Lula deixa Mercosul depois de fortalecer a dimensão política do bloco |
Correio Braziliense, 16/12/2010 |
O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, se despede do Mercosul depois de oito anos de participação em seus fóruns, nos quais contribuiu para fortalecer a dimensão política e humana do bloco, consideraram analistas e diplomatas. Lula passará a faixa de presidente no dia 1º de janeiro para sua sucessora, a economista Dilma Rousseff, e nesta sexta-feira vai presidir a XL Cúpula presidencial do Mercosul em um de seus últimos atos. A reunião marcará a sua saída de cena de um fórum para o qual contribuiu muito com seu próprio carisma e perspicácia política. "O Mercosul é um projeto complexo, que tem fundamento na integração econômica, mas Lula deu a ele uma enorme dimensão política, em grande parte consequência de sua própria projeção", disse à AFP o cientista político Guilherme Carvalhido, da Universidade Veiga de Almeida. Segundo este especialista, "com a saída de Lula de cena, a ausência dessa dimensão política certamente será sentida. Tudo indica que Rousseff mantenrá as políticas brasileiras, mas o carisma de Lula foi útil para o bloco". Entre as marcas dos oito anos de Lula no Mercosul, Carvalhido mencionou a aproximação da Bolívia e da Venezuela do grupo formado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai desde 1991. A Bolívia é atualmente membro associado externo e a Venezuela está em processo de se tornar um membro pleno. "Creio que a concordância entre Lula e Néstor Kirchner (ex-presidente argentino 2003-2007, falecido em outubro) foi muito importante em todo este processo, e ambos venceram muitas resistências", disse, lembrando que o ingresso da Venezuela, por exemplo, leva os limites do Mercosul até o Caribe. Para Carvalhido, "é necessário levar em conta que o Mercosul tem um grande adversário nos Estados Unidos: durante anos os países preferiram negociar um acordo com os Estados Unidos e não com o Mercosul". Ainda nesta quinta-feira, o ministro brasileiro das Relações Exteriores Celso Amorim disse em uma entrevista coletiva à imprensa que os oito anos de Lula como chefe de Estado do Brasil coincidiram com uma conjuntura difícil do Mercosur. "Nesse período, a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) era um projeto forte. Todos os países hesitavam em negociar isso, e negociavam sozinhos, mas o Mercosul se consolidou como opção comercial, econômica e política", considerou o chefe da diplomacia brasileira. Amorim destacou também o apoio que Lula sempre ofereceu ao Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul (Focem), de apoio a projetos de infraestrutura e sociais nas economias do bloco. "Era uma coisa quase esquecida, e agora o fundo já tem projetos num valor de alguns bilhões de dólares. O Focem ressalta a necessidade de apoiar as economias mais frágeis", ressaltou Amorim. A primeira participação de Lula em cúpulas presidenciais do Mercosul ocorreu no dia 18 de junho de 2003 em Assunção, e já em seu primeiro discurso fez um apelo a seus colegas da região para que consolidassem "o Mercosul que nossos povos querem". Nessa oportunidade, Lula avaliou que faltava "ao Mercosul uma dimensão política, como se bastassem apenas as fórmulas econômicas", e por isso manifestou a sua convicção de que era necessário "fortalecer as agendas política, social e cultural do Mercosul". Era necessário dar ao bloco "uma dimensão humana", disse Lula em seu primeiro discurso no Mercosul. Agora que Lula se despede do Mercosul, o bloco discute a adoção de um Estatuto da Cidadania, que em um prazo de uma década se propõe a homogeneizar os direitos dos habitantes do bloco, incluindo padrões comuns para os documentos de identidade. |