domingo, 19 de abril de 2020

Venezuela: um novo desastre da diplomacia brasileira - Elianah Jorge (RFI)

Sem representação diplomática, brasileiros aguardam resgate na Venezuela... 
Elianah Jorge
Correspondente da RFI Brasil em Caracas
18/04/2020 10h33
Os brasileiros que moram, estavam de passagem ou os que estão em prisões na Venezuela, foram pegos de surpresa pelo encerramento das atividades da embaixada e dos consulados do Brasil no país comandado por Nicolás Maduro. 
Nem mesmo a quarentena imposta pela pandemia da Covid-19 fez Brasília adiar os planos divulgados em fevereiro passado. Com a radical decisão, o governo de Jair Bolsonaro congelou as atividades diplomáticas na Venezuela para isolar politicamente o governo bolivariano.
A rusga acabou gerando um grande problema para os brasileiros. Entre eles, estão os que anseiam ser resgatados pelo Itamaraty para voltar ao Brasil.
É o caso da cirurgiã-dentista Telma Lúcia Mota de Castro. Ela chegou na Venezuela em 27 de fevereiro para participar da formatura do filho. Quando foi ao consulado brasileiro em Caracas pedir um documento, soube que o local seria fechado.
Tanto o consulado-geral como os três vice-consulados do Brasil na Venezuela encerraram as atividades em 26 de março deste ano. Os mais de 10 mil brasileiros inscritos no cadastro consular não foram avisados.
Com o voo de volta cancelado por causa da pandemia, Telma recorreu ao Itamaraty. A princípio, não obteve resposta. Dias depois, recebeu informações através do número do Gabinete de Gestão de Crise para a América do Sul.
"Eu realmente preciso voltar. Onde eu estou não tem água; a luz vai e vem, assim como a internet. Antes a gente tinha racionamento e agora a gente está sem água, realmente. Está muito difícil", afirma ela à RFI.
O site do Consulado-Geral do Brasil em Caracas informa que "a comunidade brasileira residente na Venezuela poderá acessar o Portal Consular do Itamaraty para obter informações sobre assistência consular".
Até o fechamento desta matéria, o Itamaraty não havia respondido à RFI onde os brasileiros podem fazer os trâmites consulares após o encerramento das atividades diplomáticas na Venezuela.
No entanto, o Ministério de Relações Exteriores (MRE) informou que "temos conhecimento de nove brasileiros não residentes que lá se encontram. Há outros brasileiros, residentes permanentes no país, que procuraram o grupo especial de crise para inquirir sobre a possibilidade de apoio consular. Até o momento, sabemos de 32 nacionais nessa categoria, cujas condições estão sendo estudadas para verificarmos que tipo de auxílio pode ser prestado".

Resgate sob pressão

Os brasileiros veem o voo de resgate como a única alternativa para voltar ao Brasil. Foi o que declarou um empresário à RFI, mas sem se identificar: "Se a gente não conseguir embarcar, vamos ficar presos aqui por tempo indeterminado".
O Itamaraty havia organizado apenas o voo para levar de volta os diplomatas e adidos militares que estavam em missão na Venezuela. Mas a pressão gerada pelos incessantes pedidos de resgate levou Brasília a reavaliar a situação. No avião que levou os integrantes do corpo diplomático na última sexta-feira (17), embarcaram pelo menos 14 cidadãos brasileiros.
Outro voo organizado pelo Itamaraty para a retirada de brasileiros está sendo esperado para esta segunda-feira (20). É nele que o jogador de futebol Igor Brodani da Luz pretende voltar pra casa. Após mais de 20 dias tentando contato com o Itamaraty, foi avisado sobre o possível voo.
O problema é que ele está em Maturin, no nordeste venezuelano e a pelo menos nove horas de estrada até Caracas. Não bastasse a distância, há outro empecilho. "Na região onde eu estou não está tendo gasolina, então estamos tentando achar alguma forma em conjunto", diz.
Apesar de a Venezuela possuir uma das maiores reservas de petróleo do mundo, falta combustível em todo o país. As filas diante dos postos de gasolina são quilométricas. Boa parte da frota está parada.
Por causa da rígida quarentena, o jogador do Monagas Sport Club precisa pedir um documento às autoridades venezuelanas para poder passar de um estado ao outro até chegar a Caracas, onde irá se encontrar com outros brasileiros que serão resgatados pelo Itamaraty.

Ajuda das Forças Armadas da Venezuela

Já Maria Luiza Rodrigues Motta, ex-funcionária do vice-consulado brasileiro em Puerto Ayacucho (no sul venezuelano), precisou recorrer à Força Armada Nacional Bolivariana (FANB) para conseguir sair da Venezuela com a filha.
Antes, porém, ela entrou em contato com a Divisão de Assistência Consular (DAC) para pedir vaga no avião da Força Aérea Brasileira (FAB), o mesmo no qual voltarão ao Brasil os funcionários do Itamaraty na Venezuela.
"Eu tive que sair com o apoio dos militares venezuelanos, não do governo brasileiro porque eu não tive resposta de ninguém. Até cheguei, praticamente, a suplicar que me ajudassem mas, infelizmente, a ordem era retirar apenas os diplomatas. E os cidadãos brasileiras (ficaram) à deriva".
Já o garimpeiro Luis Rodrigues Amorim decidiu tentar a sorte em uma nova jazida, localizada nas imediações da região amazônica de Puerto Ayacucho. Não teve sorte. "A mina era ruim", segundo ele. Sem dinheiro para voltar para casa em Boa Vista, no norte do Brasil, graças à solidariedade de uma família brasileira ele "não dorme na rua, nem passa fome".
Os recursos nesta cidade são escassos. Falta sinal de telefonia e a conexão de internet é precária."A gente procurou o consulado, mas o consulado já estava fechado. Tinha encerrado todas as atividades. Então a gente não pôde fazer mais nada", contou.
O brasileiro Roberto Coimbra é um publicitário renomado na Venezuela. Foi nomeado cônsul honorário do Brasil no estado Nueva Esparta (onde está a caribenha Ilha de Margarita) pelo presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2003). Os seguintes presidentes brasileiros o mantiveram a designação no cargo até que, em 31 de março deste ano, as funções de Roberto foram cessadas com a saída do corpo diplomático.
Foi através da cônsul-geral do Brasil em Caracas que ele soube do encerramento das atividades diplomáticas do Brasil na Venezuela. "Oficialmente o Brasil não tem mais nenhum representante consular ou diplomático no território venezuelano. Nós, brasileiros, estamos de certa maneira esperando algum tipo de informação por parte do Brasil sobre como proceder em caso de necessidade. Ou resolver atividades corriqueiras como é tirar ou renovar um passaporte ou oficializar algum tipo de documentação".
A gravidade da falta de representação diplomática representa um risco para os brasileiros, sobretudo aos que estão nas cadeias venezuelanas. Funcionários do Itamaraty faziam as visitas e os auxiliavam nos trâmites com a Justiça venezuelana.
"Abandonam cerca de 25 presos que estão em situação catastrófica nas prisões venezuelanas, e de longe não vai ajudar em nada a resolver a situação política que a gente está enfrentando", reitera.
Na opinião de Roberto Coimbra, faltou informação: "Eu estou seguro de que nenhum dos brasileiros que vivem aqui receberam nenhum tipo de informação oficial sobre essa saída".
Questionado pela RFI, o Itamaraty, não respondeu, até o fechamento desta reportagem, onde os brasileiros que moram na Venezuela devem se dirigir para fazer os trâmites consulares.
Para Coimbra, "a decisão (de fechar os postos diplomáticos na Venezuela) foi precipitada porque abandona os interesses que o Brasil tem na Venezuela, de longa data. Abandona os brasileiros que estão aqui - os residentes e os em viagem".

Avião de guerra para diplomatas

Um problema de logística quase colocou por água abaixo o voo que sairia esta sexta-feira com os diplomatas, adidos militares e suas respectivas famílias. Para fazer o traslado pessoal e de parte da mudança dos funcionários em missão na Venezuela, a Força Aérea Brasileira tinha previsto aterrissar um avião Hércules na Rampa Quatro, setor do principal aeroporto da Venezuela destinado a aeronaves de caráter estatal.
No entanto, na hora do recebimento da autorização para pousar, o Ministério da Defesa venezuelano impôs empecilhos alegando que o Hércules é uma aeronave de guerra.

O destino de um povo - Paulo Roberto de Almeida

A semente do mal e a hora da verdade
Paulo Roberto de Almeida

Quando se assiste ao espetáculo de muitas pessoas, de carro ou a pé, cultuando a morte e zombando da epidemia, que grassa até entre os fanáticos do capitão, pois que ela não poupa ninguém, podemos ter certeza de que a estupidez tomou definitivamente conta do país, uma vez que vem impulsionada diretamente desde acima, por aquela figura tenebrosa que passa por chefe de governo e de Estado.
Confesso que, conhecedor como sou da história do Brasil, não tenho NENHUM registro de que algo semelhante tenha JAMAIS ocorrido em nosso país.
Relativamente sabedor da história mundial, posso detectar alguns episódios semelhantes ou similares que afetaram outros povos, descontando pequenas turbas de fanáticos religiosos aqui e ali.
O mais próximo, entre a era moderna e a contemporânea, é o espetáculo da plebe parisiense urrando de satisfação a cada nova cabeça sangrenta sendo erguida da guilhotina, sob o período do Terror, na Revolução francesa.
Dois outros do mesmo gênero, há apenas três gerações, foram representados pela queima de livros, em 1933, e pela Kristalnacht, em 1934, sob os aplausos da turba de fanáticos seduzidos pelo poder hitlerista recém inaugurado na Alemanha de Beethoven e de Goethe.
Um outro exemplo de fascismo macabro vem da guerra civil espanhola, quando um general franquista soltou o seu tristemente famoso grito de “Viva la Muerte!” Estavam fuzilando poetas também.
Não faltam certamente muitos outros exemplos desse tipo, nas dobras da História e nos fracassos da Razão.
Mas, o que fazer, o que pensar, o que dizer, quando esses instintos primitivos, de espíritos ensandecidos, chegam ou se manifestam aqui no Brasil?
Um poeta romântico expressou a mesma surpresa aos fenômenos do tráfico e da escravidão: por que, meu Deus, “tanto horror perante os céus?”
Sabemos que o populacho irado é capaz de matar, de linchar bandidos, e até pessoas totalmente inocentes, das formas mais horríveis possíveis.
Mas, o que estamos vendo são pessoas de classe média, aliás até alta, bem vestidas, desfilando o seu ódio a partir de belos carros, em família, numa pedagogia de rancor e de desprezo pelo sofrimento alheio, sendo passada a seus filhos ainda pré-adolescentes.
O que está acontecendo com o Brasil?
Como fomos chegar a esse espetáculo indigno da suposta bonomia do nosso povo? Ou nos enganamos totalmente?
O que esperar de tudo isso, quando os exemplos e os estímulos vêm de cima?
Como fomos cair tão baixo, na infinita gradação das paixões humanas, que vai do despreendimento mais nobre de si mesmo à suprema abjeção moral de indivíduos frustrados e vingativos?
Seria uma loucura coletiva?
Talvez, mas sempre tem um gatilho e um exemplo, nesses estados catatônicos, que arrastam multidões para o despenhadeiro do opróbrio.
Sabemos o nome e o sobrenome do referido gatilho, sendo que o nome intermediário pode representar tanto a salvação quanto a loucura.
Acho que não tivemos sorte desta vez.
Imagino que muita gente pensa como eu, e já concluiu que não podemos mais nos permitir continuar por esta via.
Eu tenho apenas o poder da escrita, não a da espada, e nunca seria capaz de empunhá-la, por opção filosófica e moral.
Em certas circunstâncias, porém, o mal absoluto não se vence apenas com o poder das palavras.
Hitler não foi contido por acordos ou negociações. E se tivesse sido contido a tempo, a Humanidade teria sido poupada de pelo menos cinquenta milhões de mortos, em todas as categorias.
A destruição moral de todo um povo foi igualmente monumental, tanto quanto a barbárie perpetrada contra o povo chinês, não apenas em Nanjing.
Em certos momentos, o destino de todo um povo depende da vontade de poucos bravos, pela palavra, mas também pela vontade decisiva de alguns.
Este talvez seja um desses momentos da história do Brasil, da trajetória moral do nosso povo.
Quero crer que não falharemos em nosso julgamento, que provavelmente não é só o meu.
Castro Alves, do alto do seu legado imortal, ainda que apenas por palavras, continua cobrando alguma ação das pessoas de bem. Vale reler algumas daquelas estrofes memoráveis.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 19/04/2020

NHS e SUS - João Paulo Charleau (Nexo Jornal)

O que é e como funciona o SUS britânico

Após sair da UTI, Boris Johnson diz que deve a vida ao sistema público de saúde do Reino Unido, que cresce em importância na epidemia do novo coronavírus
FOTO: PHIL NOBLE/REUTERS - 09.04.2020
Médicas, cinco mulheres com roupas azuis, aplaudem NHS no Reino Unido
 PROFISSIONAIS DE SAÚDE PARTICIPAM DE ATO EM DEFESA DO SISTEMA PÚBLICO DE SAÚDE BRITÂNICO DURANTE A PANDEMIA
O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, disse no domingo (12) que deve sua vida ao NHS (sigla em inglês do Sistema Nacional de Saúde), o equivalente britânico ao SUS (Sistema Único de Saúde) do Brasil.
“O NHS é o coração pulsante de nosso país. É o melhor que esse país tem. É invencível. É potencializado pelo amor”, disse Johnson num vídeo postado em suas redes sociais, depois de receber alta do hospital em que passou uma semana internado por causa do novo coronavírus, parte dela na UTI (Unidade de Terapia Intensiva).
O premiê agradeceu nominalmente dois funcionários – Jenny, da Nova Zelândia, e Luis, de Portugal – que prestaram assistência nos trabalhos de oxigenação a Johnson num momento crítico de sua internação. “Eu sei que, ao longo de todo o país, 24 horas por dia, em cada segundo de cada hora, há centenas de milhares de funcionários do NHS trabalhando com a mesma dedicação e o mesmo afinco que Jenny e Luis”, disse. 
“O NHS salvou minha vida, sem dúvida. É difícil encontrar palavras para expressar minha gratidão”
Boris Johnson 
primeiro-ministro do Reino Unido, em 12 de abril de 2020
A homenagem prestada por Johnson ao NHS é a coroação – que parte de um governante economicamente liberal – de um sistema público de saúde que há 72 anos é mantido com impostos pagos por 66 milhões de britânicos para atender pacientes de todo o país, sem nenhum tipo de conta a ser paga pelo usuário na ponta.
O período excepcional da pandemia, que até terça-feira (14) havia deixado mais de 89 mil contaminados e 11 mil mortos no Reino Unido, veio reforçar o apreço que britânicos de todos os matizes políticos e ideológicos têm por seu modelo de saúde pública. 
Os planos privados de saúde existem no Reino Unido, mas são tão restritos que são considerados um negócio de nicho, usado sobretudo por pessoas que querem poder escolher seus médicos não por proximidade geográfica, como determina o NHS, mas por outras preferências.
A situação contrasta com a de países como os EUA, onde não existe um sistema universal de saúde. No contexto americano, 27,5 milhões de pessoas não dispõem de renda para pagar por um plano privado, e, por isso, têm normalmente que deixar de se tratar ou contrair dívidas de longo prazo.
No Brasil, por outro lado, existe um sistema único de saúde como o britânico, mas ainda assim mais de 47 milhões de pessoas contratam planos privados, na esperança de prescindir dos serviços públicos, tidos como superlotados ou insuficientes.
O presidente Jair Bolsonaro recebe cuidados médicos do hospital privado Albert Einstein, em São Paulo, ou do Hospital das Forças Armadas, que atende militares da ativa e reformados, como ele, em Brasília.

Como o NHS foi criado

O equivalente ao SUS britânico nasceu em 1948, três anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quando um Reino Unido devastado – sobretudo as cidades portuárias e a capital, Londres, duramente atingida pelos bombardeios aéreos da Alemanha nazista – tentavam se reerguer dos escombros.
A discussão sobre a necessidade de criar um sistema único de saúde no Reino Unido vem desde pelo menos 1909, com a ideia sendo defendida tanto pela esquerda quanto pela direita, com nuances. Em 1934, por exemplo, a proposta foi feita por membros da Associação Médica Socialista. Dez anos depois, em 1944, foi defendida por parlamentares do Partido Conservador.
Aneurin Beva, um parlamentar trabalhista vindo de uma família de trabalhadores da mineração, é considerado o padrinho do NHS em seu formato atual. A ideia que ele defendia estava baseada em três princípios vigentes ainda hoje: que atenda a necessidade de todos, que seja gratuito na ponta e cujo acesso seja medido pela necessidade do paciente, não por sua capacidade de pagar pelo serviço.
FOTO: HANNAH MCKAY/REUTERS - 14.04.2020
Com recortes infantis colados na vitrine de uma loja, há um arco-íris colorido a mão. Abaixo, em inglês, está escrito: "Obrigado NHS + trabalhadores vitais". Por trás da vitrine, é possível ver capas de alguns livros expostos.
 CARTAZ INFANTIL COM HOMENAGEM AO SISTEMA DE SAÚDE PÚBLICO BRITÂNICO, EM LONDRES
Assim como o SUS no Brasil, o NHS também oferece atenção universal em saúde para todos os que residam em território nacional, o que, no caso do Reino Unido, se aplica a Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales.
Além dos nacionais britânicos, o sistema atende também estrangeiros que tenham visto de permanência válido no país e cidadãos de outros países europeus com os quais o Reino Unido tem acordos de reciprocidade nessa área. Os demais são submetidos a entrevistas para decidir seus casos e, frequentemente, são cobrados pelo atendimento antes de iniciá-lo ou assinam termos com os quais se comprometem a pagar mais tarde.
Os britânicos afirmam que o NHS é o quinto maior empregador do mundo, atrás do Departamento de Estado Americano, das Forças Armadas da China, do Walmart e do McDonald’s, nesta ordem. De cada 20 trabalhadores britânicos, um trabalha para o sistema público de saúde, que tem 1,6 milhões de empregados em todo o Reino Unido.
Segundo dados de 2015, o NHS realiza aproximadamente 381 milhões de consultas anuais. O orçamento do sistema equivale a mais de US$ 170 bilhões por ano. Desse total, 98,8% dos recursos vêm de impostos gerais, cobrados de britânicos e residentes. O restante vem de pagamentos avulsos feitos por pessoas que usam o sistema sem estar registrado nele, como estrangeiros com vistos de curta duração, por exemplo.
O pagamento de pessoal consome 60% dos recursos, enquanto 20% é gasto com compra de insumos e medicamentos, e o restante com equipamentos, manutenção, administração e limpeza.

O papel dos imigrantes no NHS

Em seu discurso de agradecimento ao NHS, Johnson citou nominalmente alguns médicos e enfermeiras, sendo que dois deles, Jenny e Luis, mereceram deferência especial. Ambos são imigrantes. Ela é neozelandesa e ele é português.
A condição de Jenny e Luis está longe de ser rara no NHS, pois um terço dos médicos que trabalham no sistema são estrangeiros. Os dois maiores grupos são de europeus (21 mil) e de indianos (21 mil também). O peso dos estrangeiros no sistema foi um dos argumentos dos que se opuseram à saída britânica da União Europeia, o chamado Brexit, sacramentado com apoio decisivo do mesmo Johnson que agora agradeceu aos enfermeiros imigrantes lotados no NHS.
Em 2018, a agência de mensuração da opinião pública Mintel perguntou aos britânicos quais as organizações das quais eles mais se orgulham. O NHS foi o vencedor com 54% das respostas, na frente da “história britânica” (38%), das Forças Armadas (34%) e da Família Real (28%). 

A comparação entre o NHS e o SUS 

Para entender como o NHS britânico funciona na prática, e quais suas semelhanças e diferenças em relação ao SUS brasileiro, o Nexoconversou por telefone, na terça-feira (14), com o português João Nunes, que é doutor em relações internacionais com especialização em temas de saúde pública e saúde global, além de professor na Universidade de York, no norte da Inglaterra. 

O que tem de diferente e o que tem de semelhante entre o NHS britânico e o SUS brasileiro?

JOÃO NUNES Ambos são sistemas nos quais há um financiamento através dos impostos. O Estado repassa as verbas para os Estados e municípios, distritos, enfim. A diferença está no acolhimento. No sistema britânico, o cidadão está cadastrado em função de sua área de residência, tendo como referência uma clínica privada de várias especialidades. Todo mundo tem de estar cadastrado em um médico generalista de sua área de residência. O cidadão sempre consulta esse médico generalista de referência em primeiro lugar. O médico é privado, mas o cidadão não paga por essa consulta. É o médico que, em seguida, cobra o honorário do NHS. Todo encaminhamento para um especialista é feito sob recomendação desse médico de referência.
No Brasil, ao contrário, a pessoa vai aos ambulatórios, às unidades básicas de saúde para fazer as consultas. 
Em ambos os casos, os cidadãos vão a hospitais em casos de urgência. Em ambos também o cidadão não paga por medicamentos e consultas, quando receitados por médicos e hospitais que fazem parte da rede pública.

Por que há a percepção de que o sistema público de saúde do Reino Unido funciona bem, enquanto o sistema público de saúde do Brasil funciona mal?

JOÃO NUNES O sistema público de saúde britânico não funciona tão bem assim. Há problemas. Um exemplo simples: o processo de marcar consultas pode demorar semanas e, quando a consulta acontece, pode durar só 15 minutos. É um sistema que tem suas imperfeições, tem problemas de financiamento, de recursos, e do grau de satisfação e de demanda de seus funcionários, que não recebem bons salários nem reconhecimento à altura, especialmente no caso dos enfermeiros e dos médicos em início de carreira.
Esse é um sistema que tem diferença de funcionamento em relação ao sistema brasileiro pela forma como ele está desenhado, mas não só isso. O Brasil tem um perfil epidemiológico muito diferente do Reino Unido. Combina doenças de países em desenvolvimento, como as doenças transmitidas por mosquitos, as doenças de parasitas, as doenças tropicais, com doenças ditas de países desenvolvidos, como são as doenças respiratórias e cardíacas. Além disso, o Brasil tem uma imensa diversidade territorial e econômica.
O SUS é bem descentralizado, o que tem vantagens e desvantagens. Ele depende da administração local para a gestão dos recursos e implementação das ações. Ele tem que ser um sistema descentralizado para responder às demandas, mas, ao mesmo tempo, isso torna o sistema muito dependente do nível local – depende então se há ou não há probidade política local, ou se a autoridade local gasta a verba em saúde ou em outras coisas. No Brasil depende muitas vezes da boa vontade do implementador local, portanto.

O fato de os convênios privados serem usados por uma grande parcela da população no Brasil influencia a qualidade do SUS?

JOÃO NUNES Sim. Há uma diferença muito grande entre os dois sistemas que é a existência muito maior de planos privados no Brasil. O percentual da população que usa sistema privado no Brasil é muito maior que na Europa. No Reino Unido, o plano privado te dá o direito de escolher seu médico de referência. Mas o peso do gasto privado na Europa é muito menor. O Brasil tem um peso muito grande dos planos privados.
No caso brasileiro, houve uma campanha gradual de deslegitimação do SUS. Não é algo apenas das elites, mas das pessoas mais pobres também. Muitas vezes essas pessoas têm razão, pois elas não encontram respostas a todas as suas demandas, é verdade. Mas depois se criou a ideia de que você tem que procurar o plano privado para resolver seus problemas. Tornou-se uma profecia auto-cumprida. O SUS tornou-se muito mais vulnerável a ataques e a tentativas de desmantelamento.
Perceba que os ministros da Saúde no Brasil, desde pelo menos o governo Michel Temer, têm uma agenda de privatização. O problema é um determinado senso comum que foi criado com muita eficácia no Brasil de que o serviço público não presta e o serviço privado é que é bom. Há carências na ponta, é verdade; muitas pessoas não encontram a resolutividade necessária. Porém, há também uma campanha deliberada de deslegitimação. 
Hoje, o Programa de Saúde da Família, que prevê o emprego dos agentes comunitários de saúde, está com inúmeros problemas. Outro programa em dificuldade é o Programa Mais Médicos, que permitiu que pessoas que nunca tinham tido contato com um médico tivessem pela primeira vez. Entretanto, o programa foi extinto por razões ideológicas. As tentativas de arrumar o SUS foram atacadas e minadas, em alguns casos simplesmente acabadas.
Já aqui no Reino Unido impera uma ideia de “nosso NHS”, como um tesouro nacional, um patrimônio comum, que é uma conquista importante que deve ser protegida por todos, por todos os políticos, à direita e à esquerda. Há um consenso sobre isso. Para muitos políticos, é apenas retórica, mas ainda assim funciona para o eleitorado, que acredita nesse patrimônio. Mesmo na campanha do Brexit, Johnson fez como principal promessa – uma promessa falsa, na verdade – de que sairia da União Europeia e transferiria o dinheiro gasto com o bloco para o NHS. Ele sabia que essa promessa teria uma ressonância junto à população, sobretudo os mais idosos.

Teria algum peso se os políticos usassem o sistema público no Brasil, como fez Boris Johnson no Reino Unido? Acha que eles deviam ser obrigados a isso?

JOÃO NUNES Faria uma enorme diferença. Temos tantos exemplos de políticos e de personalidades brasileiras que vão para hospitais privados de referência e não usam o SUS.
Sobre obrigar os políticos a usar o SUS, é certo que provocaria mudanças, mas a questão é que essa parece ser uma medida atentatória à liberdade da pessoa escolher onde ela quer receber seus cuidados de saúde, e nós deveríamos evitar esse tipo de situação. 
Deveria, isso sim, haver uma expectativa de que esses políticos utilizassem o SUS quando tivessem problemas de saúde, assim como acontece no Reino Unido. Aqui ninguém teria entendido se o premiê tivesse se tratado num hospital privado. No Brasil não ocorreria a ninguém perguntar “por que o presidente não foi ao SUS?”
Muitas pessoas não sabem, mas, em muitas especialidades, o melhor está na rede pública, tanto no Brasil quanto na Europa. Porém, criou-se uma campanha de deslegitimação que foi muito bem sucedida, em colar a imagem de ruim no hospital público, quando, em muitos casos, é exatamente o contrário. Há casos em que o hospital privado transfere a pessoa para o hospital público quando complica. Os melhores profissionais de saúde no Brasil estão muitas vezes na rede pública.
Seria bom que presidente, os governadores e os prefeitos usassem o SUS, assim como deviam usar o sistema de transporte público ou de escolas públicas. A pessoa que responde pelos serviços públicos deveria ser a primeira a usar os serviços públicos.
João Paulo Charleaux é repórter especial do Nexo e escreve de Paris

China vs USA - Niall Ferguson

China vs USA: who will win the Corona war?
Niall Ferguson
The Spectator, May 2020

This article is in The Spectator’s May 2020 US edition. Subscribe here to get yours.
The COVID-19 pandemic came along just as Cold War Two was getting under way between the United States and the People’s Republic of China — the superpowers of our time — with the European Union and a good many other US allies quietly hoping to be non-aligned. Far from propelling Beijing and Washington towards détente in the face of a common enemy, the new plague has only intensified the Cold War. For the first time, China’s campaign of disinformation has been on a Russian level, with wild anti-American conspiracy theories being disseminated by senior Foreign Ministry officials. As is well known, President Donald Trump retaliated by calling Sars-CoV-2 (the pathogen that causes the disease COVID-19) the ‘Chinese virus’ until persuaded to desist by his son-in-law Jared Kushner and the Chinese ambassador to Washington.
To some naive observers, China is going to win the corona wars. Yes, the virus may have originated in Wuhan, perhaps in one of the local wet markets where live wild animals are sold for their meat, or, more plausibly, in one of two biological research laboratories located in the city. Finally, after an initially disastrous Chernobyl-like sequence of events, the Chinese government has been able to get the contagion under control with remarkable speed — and now seeks to bend the online narrative in its favor, recasting itself as the savior rather than scourge of mankind.
I am not convinced. True, this may not be Xi Jinping’s Chernobyl. Unlike its Soviet counterpart in 1986, the Chinese Communist party has the ability to weather the storm and to restart the industrial core of its economy. Yet there is no plausible way that Xi can now meet his cherished goal of China’s economy this year becoming twice the size it was in 2010. That would need growth of at least five percent and COVID-19 has blown a hole in that target. Nor is Xi politically unassailable.
But that is not to say that the US will somehow emerge from the pandemic panic with its global primacy intact. It is not just that Trump bungled his response to the crisis (though he certainly did). Much more troubling is the realization that the parts of the federal government that are responsible for handling a crisis like this — supposedly, the genuine experts — bungled it too.
The Department of Health and Human Services is a mansion with many houses, but the ones that were charged with pandemic preparedness appear to have failed abjectly: not only the Centers for Disease Control and Prevention, but also the Food and Drug Administration and the Public Health Service, as well as the National Disaster Medical System.
This is not for want of legislation. In 2006 Congress passed a Pandemic and All-Hazards Preparedness Act, in 2013 a Reauthorization Act of the same name, and in June last year a Pandemic and All-Hazards Preparedness and Advanced Innovations Act. In October 2015 the bipartisan Blue Ribbon Study Panel on Biodefense, co-chaired by Joe Lieberman and Tom Ridge, published its first report, calling for better integration of the agencies responsible for biodefense. Last year, it was renamed the Bipartisan Commission on Biodefense ‘to more accurately reflect its work and the urgency of its mission’. On paper, the US was the most pandemic-prepped country in the world.
So let’s not pretend that the pandemic illustrates the case for big government. The US already has big government. And this is what it does: agencies, laws, reports, PowerPoint presentations…and then — when the endlessly discussed crisis actually happens — paralysis, followed by panic.
Today, the US has fallen back on the old 20th-century playbook of pandemic pluralism (states do their own thing; in some states a lot of people die), but combining it with the 2009-10 playbook of financial crisis management. The result is insane. A large chunk of the economy has been shut down by government order. The national debt is exploding, along with the balance sheet of the Federal Reserve.
Trump makes wild claims that he can reopen the economy over the heads of state governors. He plays tacky propaganda videos to the press corps he now holds captive. Meanwhile, we are nowhere near having the amount of testing — or the technology of contact tracing — that we need to end the lockdowns. As this debacle plays out, it is like watching the realization of all my earlier visions of the endgame of American empire — in Colossus (2004), Civilization (2011) and The Great Degeneration (2012) — but in fast forward.
History shows that plagues tend to be bad for big empires with weak frontiers: ask the Roman emperors Marcus Aurelius and Justinian. City-states are generally better at excluding pathogens, though there are many exceptions to that rule, from Periclean Athens onwards.
One reason all attempts to reunify Europe failed — from the time of Charlemagne to the time of Napoleon — was that recurrent pandemics incentivized the persistence of smaller polities, often with serious city walls and, by the 18th century, fortified borders (such as the Habsburg frontier at the Balkans). As no one European empire was able to beat the rest (typhus tended to terminate major military campaigns before a decisive outcome could be achieved), Europeans found it easier to conquer other peoples overseas. Those beyond the shores of Eurasia were easily overthrown because the unfamiliar European pathogens that accompanied the conquistadors and pilgrim fathers did most of the work. In the words of John Archdale, governor of Carolina in the 1690s, ‘the Hand of God [has been] eminently seen in thinning the Indians, to make room for the English’.
The west European maritime empires of the 19th and 20th centuries were exceptional because they set out to vanquish not only native populations but also pathogens. As the tropical medicine expert Sir Rubert William Boyce put it in 1910, whether or not there would be a European presence in the tropics boiled down to this: ‘Mosquito or Man’. ‘The future of imperialism,’ the Canadian doctor John L. Todd wrote in 1905, ‘lay in the microscope.’
Yet the strengths that once made western societies so dominant have waned. Our public institutions have so decayed that they cannot cope with a novel coronavirus that is both more contagious and more deadly than influenza, even when the emergence of such a pathogen was quite likely. (Just three years ago, for example, Britain’s astronomer royal Lord Rees bet the Harvard psychologist Steven Pinker that ‘a bioterror or bioerror’ would ‘lead to one million casualties in a single event within a six-month period starting no later than December 31 2020’. Lord Rees may yet win that bet. Alas, the stake was only $400.)
Last year, the new Global Health Security Index ranked the US first and the UK second in the world in terms of their ‘global health security capabilities’. Wrong. A new league table of coronavirus health safety by the Deep Knowledge Group puts Israel, Singapore, New Zealand, Hong Kong and Taiwan at the top. (Iceland deserves an honorable mention, too.)
The key point is that there are diseconomies of scale when a new pathogen is on the loose. Four of those small countries, in their different ways, had reasons to be paranoid in general and laser-focused on the danger of a coronavirus made in China. They had learned the lessons of Sars and Mers (also caused by coronaviruses). By contrast, the big global players — China, the United States and the EU — have all done terribly, each in their own distinctive way.
What will the political outcome be? It is clearly more likely that Trump loses in November than that Xi is overthrown by his party rivals, so you should probably bet on that outcome. Like Warren Harding in 1920 (the post-war, post influenza election), Joe Biden — who now carries Barack Obama’s endorsement — is Mr Normalcy. All he needs to do is avoid dying. For Beijing, of course, President Biden would be a dream come true, as he was the only pro-Chinese candidate in the Democratic primary field, aside from Mike Bloomberg. The big question is who would succeed Biden if he keels over (as Harding did). Heaven help us if it’s another person with the name Warren.
But be careful what you wish for, General Secretary Xi. There cannot be a hegemonic transition unless (as with the US and the UK circa 1945) the rising power is ready for prime time. China isn’t. As Gideon Rachman of the Financial Times pointed out, nobody wants its currency and not many people want its education.
No, however much Trump and Xi may clash over COVID-19, the winners in the short run are none of the above empires. The winners are the city-states. Of course, Israel, Singapore and Taiwan cannot punch that much above their weights; great power status is beyond their grasp. The question is who gains from this stunning demonstration that in a pandemic, small is beautiful. On balance, I would say the centrifugal forces unleashed by the pandemic are a much bigger threat to a monolithic one-party state than to a federal system already in need of some decentralization. Any victory Xi seems to win in the corona wars will be pyrrhic. After the debacle, the US will have the chance seriously to address the two biggest defects of its system: the confusion of politics with showbiz (which produced Trump) and the chronic sclerosis of the deep state (which also produced Trump).
A final reflection. As the data on COVID-19 mortality by age cohort shows, this is no virus for old men. When the dust clears in about 12 months’ time — when there’s a vaccine and therapies — the world will be halfway to herd immunity anyway, because lockdowns are just intolerable for more than a couple of months. Between now and then, I fear, a lot of elderly and infirm people will be carried off early, along with many doctors and nurses, who are most exposed to the virus, plus a smallish proportion of plain unlucky younger people.
The nasty, barely writable truth is that, as a result, the problem of aging societies and rising dependency rates will have been solved: people over 70 will go back to being considered ineligible for high office and other positions of responsibility. Young people, who have been the economic losers since 2008, will find themselves the winners — assuming the central banks eventually lose their bizarre fight to inflate asset prices above wages.
Now, in this new post-plague world, where will the best opportunities be for the world’s ambitious young people? China? Europe? Or America? You know the answer. And to which of the three empires do the successful city-states, even now — even after all the bungling — feel the most loyalty? You know that answer, too.
Niall Ferguson is the Milbank Family Senior Fellow at the Hoover Institution, Stanford, and managing director of Greenmantle. He is a weekly Comment columnist for the Sunday Times of London. This article is in The Spectator’s May 2020 US edition. Subscribe here to get yours.

Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...