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domingo, 19 de abril de 2020
O destino de um povo - Paulo Roberto de Almeida
Paulo Roberto de Almeida
Quando se assiste ao espetáculo de muitas pessoas, de carro ou a pé, cultuando a morte e zombando da epidemia, que grassa até entre os fanáticos do capitão, pois que ela não poupa ninguém, podemos ter certeza de que a estupidez tomou definitivamente conta do país, uma vez que vem impulsionada diretamente desde acima, por aquela figura tenebrosa que passa por chefe de governo e de Estado.
Confesso que, conhecedor como sou da história do Brasil, não tenho NENHUM registro de que algo semelhante tenha JAMAIS ocorrido em nosso país.
Relativamente sabedor da história mundial, posso detectar alguns episódios semelhantes ou similares que afetaram outros povos, descontando pequenas turbas de fanáticos religiosos aqui e ali.
O mais próximo, entre a era moderna e a contemporânea, é o espetáculo da plebe parisiense urrando de satisfação a cada nova cabeça sangrenta sendo erguida da guilhotina, sob o período do Terror, na Revolução francesa.
Dois outros do mesmo gênero, há apenas três gerações, foram representados pela queima de livros, em 1933, e pela Kristalnacht, em 1934, sob os aplausos da turba de fanáticos seduzidos pelo poder hitlerista recém inaugurado na Alemanha de Beethoven e de Goethe.
Um outro exemplo de fascismo macabro vem da guerra civil espanhola, quando um general franquista soltou o seu tristemente famoso grito de “Viva la Muerte!” Estavam fuzilando poetas também.
Não faltam certamente muitos outros exemplos desse tipo, nas dobras da História e nos fracassos da Razão.
Mas, o que fazer, o que pensar, o que dizer, quando esses instintos primitivos, de espíritos ensandecidos, chegam ou se manifestam aqui no Brasil?
Um poeta romântico expressou a mesma surpresa aos fenômenos do tráfico e da escravidão: por que, meu Deus, “tanto horror perante os céus?”
Sabemos que o populacho irado é capaz de matar, de linchar bandidos, e até pessoas totalmente inocentes, das formas mais horríveis possíveis.
Mas, o que estamos vendo são pessoas de classe média, aliás até alta, bem vestidas, desfilando o seu ódio a partir de belos carros, em família, numa pedagogia de rancor e de desprezo pelo sofrimento alheio, sendo passada a seus filhos ainda pré-adolescentes.
O que está acontecendo com o Brasil?
Como fomos chegar a esse espetáculo indigno da suposta bonomia do nosso povo? Ou nos enganamos totalmente?
O que esperar de tudo isso, quando os exemplos e os estímulos vêm de cima?
Como fomos cair tão baixo, na infinita gradação das paixões humanas, que vai do despreendimento mais nobre de si mesmo à suprema abjeção moral de indivíduos frustrados e vingativos?
Seria uma loucura coletiva?
Talvez, mas sempre tem um gatilho e um exemplo, nesses estados catatônicos, que arrastam multidões para o despenhadeiro do opróbrio.
Sabemos o nome e o sobrenome do referido gatilho, sendo que o nome intermediário pode representar tanto a salvação quanto a loucura.
Acho que não tivemos sorte desta vez.
Imagino que muita gente pensa como eu, e já concluiu que não podemos mais nos permitir continuar por esta via.
Eu tenho apenas o poder da escrita, não a da espada, e nunca seria capaz de empunhá-la, por opção filosófica e moral.
Em certas circunstâncias, porém, o mal absoluto não se vence apenas com o poder das palavras.
Hitler não foi contido por acordos ou negociações. E se tivesse sido contido a tempo, a Humanidade teria sido poupada de pelo menos cinquenta milhões de mortos, em todas as categorias.
A destruição moral de todo um povo foi igualmente monumental, tanto quanto a barbárie perpetrada contra o povo chinês, não apenas em Nanjing.
Em certos momentos, o destino de todo um povo depende da vontade de poucos bravos, pela palavra, mas também pela vontade decisiva de alguns.
Este talvez seja um desses momentos da história do Brasil, da trajetória moral do nosso povo.
Quero crer que não falharemos em nosso julgamento, que provavelmente não é só o meu.
Castro Alves, do alto do seu legado imortal, ainda que apenas por palavras, continua cobrando alguma ação das pessoas de bem. Vale reler algumas daquelas estrofes memoráveis.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 19/04/2020
Um comentário:
Parabéns pelo texto.
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