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segunda-feira, 20 de abril de 2020

Barão do Rio Branco de passagem por Brasília - Hussei Kalout

Barão do Rio Branco de passagem por Brasília
Dia 20 de abril é considerado o Dia do Diplomata no Brasil
Hussein Kalout*
O Estado de S.Paulo, 20 de abril de 2020 | 08h59

Olá, meu jovem! Tudo bem? Olha só, me disseram que estão querendo reescrever a história do Brasil. É verdade isso? Fiquei um tanto surpreso. Essa modernidade de vocês é preocupante. Muitos mal sabem quem eu sou e o quanto me doei por este país abençoado. Ah, me desculpe, meu jovem, não me apresentei. O meu nome é José Maria da Silva Paranhos Júnior. Muito prazer!
Na minha época, sabe, eu fiquei conhecido como o Barão do Rio Branco. Mas, por favor, esqueça o título nobiliárquico que herdei. Não quero confundir a sua cabeça, é que eu servi ao Brasil como Ministro das Relações Exteriores na República. Me dediquei a ajudar quatro presidentes – Rodrigues Alves, Afonso Pena, Nilo Peçanha e Hermes da Fonseca – ao largo de uma década. Você já se situou? Ah, não? Tá bom, meu jovem, não importa.
Estou procurando o Itamaraty. Sabe onde fica? Está localizado na nova capital. Pois, foi o que o presidente Juscelino me falou. Ele disse que admirava o que eu fiz pelo Brasil. Preciso chegar lá, pois estou um pouco apressado. Depois que morri, fui aclamado como o Patrono da Diplomacia Brasileira. Nunca imaginei ser honrado com tamanha deferência. Morri trabalhando sobre a minha mesa lá no Palácio Itamaraty que ficava na antiga capital, o Rio de Janeiro – aquilo parece que virou uma bagunça; uma pena! Mas, voltando ao assunto: queria deixar tudo nos trinques, enfim, para que ninguém mais tenha que se preocupar com essa tal “resolução pacífica das controvérsias”.
Me disseram que hoje é o Dia do Diplomata, 20 de abril. É verdade, meu jovem? Soube pelo Oswaldo Aranha e pelo San Tiago Dantas que escolherem a data do meu natalício para celebrar o dia dos profissionais que se dedicam à causa diplomática. Estou me encaminhando para Brasília para conversar com certas pessoas. O meu espírito, desde 2019, anda inquieto. Ando apreensivo e desgostoso. Me tiraram do sossego e agora estou obrigado a vagar por esse mundo.
Passei muitos anos trabalhando duramente para estruturar os cânones da nossa política externa brasileira, meu jovem. Negociei sem que um tiro fosse disparado em nossos vizinhos para resolver as questões de nossas fronteiras. Por causa do Acre, discuti asperamente com o Rui Barbosa. Para ele tudo era sob a ótica do direito e das normas jurídicas. O baixinho era insistente e, por vezes, petulante para um geógrafo.
Enfim, não sou homem fácil de se convencer. Mas, fui! O Direito Internacional passou a ser um pilar estrutural de nossa tomada de decisão.
É assim que o Brasil melhor protege os seus interesses, meu jovem. Percebi que isso seria uma vantagem, especialmente, para dialogar mais a fundo com os líderes de um promissor país: os Estados Unidos da América. O seu presidente, na minha época, era o Theodore Roosevelt – um homem jovem, de quase 43 anos, e de justeza. Estudou, em Harvard, e foi até da revistinha de lá a tal The Harvard Advocate. Te confesso, que tenho certa admiração, meu jovem, pela carta dos pais fundadores daquela nação americana. Um deles era o Thomas Jefferson, de uma polidez intelectual e de refinamento jurídico indescritível. Foi o que eu soube. Não sei se você já leu algo sobre isso. Sou um velho que gosta, também, de história. O Rui está certo, sabe! O respeito ao Direito foi importante amalgama e um dos melhores argumentos a usar para estabelecer um laço de confiança para com os seus líderes.
Por isso, o Nabuco, o Joaquim, era a chave na nossa estratégia. Mandamos o Nabuco – era um sujeito garboso e de intelecto agudo – para chefiar a nossa Legação Diplomática, em Washington, que elevamos à categoria de Embaixada. Ali, ele tinha uma missão vital. Garantir o apoio dos Estados Unidos a nossa causa nas arbitragens de fronteira e, se possível, expandir o comércio. O Nabuco era duro na queda quando a coisa se enveredava para esses dois assuntos: soberania e a autodeterminação dos povos. O “Quincas” não abria mão em defesa dos dois princípios. Você deveria ler mais, meu jovem. É bom aprender. Quincas, o belo, é o Nabuco, ora! Me contaram que ele perambulava em Washington propagando os Lusíadas de Camões. Aliás, o que o pessoal anda lendo na nova capital? Quem? Fale de novo. Quem? Perdoe minha memória e velhice, mas nunca ouvi falar de Olavo de Carvalho. Deixe para lá.
O Senhor Elihu Root, Secretário de Estado de Roosevelt, tinha apreço especial pelo Nabuco – acabou lhe vendendo a casa. O pernambucano trabalhou bem, garantiu o apoio nos processos de arbitragens remanescentes e abriu uma boa frente comercial. E mais, desde então, nos tornamos, apesar dos percalços, os garantes da estabilidade da América do Sul. Sabe, meu jovem, é vital cuidar da nossa região e de nossos interesses. O Lampreia, o moço que ocupou o meu posto, me disse que o Celso Amorim tinha boa visão estratégica, mesmo com desacertos aqui ou ali.
O Lampreia, cá entre nós, deu também as suas escorregadas: olhou muito para o norte achando que dava samba! A nossa vocação, meu jovem, é universalista! Bom, chegando a Brasília no dia do diplomata, 20 de abril, tentarei encontrar com o moço que está à frente do Itamaraty. Soube que o Rubens Ricupero disse que a coisa está à deriva. Uma enciclopédia esse homem, segundo me disse o Afonso Arinos.
Nabuco ficaria com inveja da inteligência dele!
Na minha época a nossa projeção além-mar tinha três componentes: realismo, pragmatismo e interesse nacional. És jovem e ainda terás oportunidade de entender o que digo. E a religião? Qual religião, meu jovem? Não posso crer que já sequestraram a constituição em nome dele. O divino nada tem a ver com política externa. Se tivesse não seria necessário canhões para a guerra e diplomatas para a paz, meu jovem.
Deixe o altíssimo!
E tentarei ver o Presidente, se for possível para ele me receber. Ah...ele admira o Senhor Trump. O atual incumbente dos Estados Unidos. Quanta degradação, não? Tinha gente melhor a se espelhar, não? Podia ser o George Washington que, enfim, era militar. Podia admirar ao menos algum mandatário brasileiro. Há muito o que acertar antes de retornar ao meu sossego.
Enfim, até logo, meu jovem! Preciso ir e deixar o meu agradecimento aos verdadeiros patriotas de ontem e de hoje que me homenageiam em sua alma e em seu silêncio. Espero não ter de vir no ano que vem!

* Cientista Político, Professor de Relações Internacionais e Pesquisador da Universidade Harvard. Foi Secretário Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2016-2018) e atuou como consultor das Nações Unidas e do Banco Mundial. Escreve semanalmente, às segundas-feiras.

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