Abertura africana e alerta a Chávez
EDITORIAL
Jornal do Brasil, 29/11/2007
Com Mario Gibson Barboza a diplomacia brasileira enterrou parte de sua história. Chanceler no governo do general Emilio Garrastazu Médici entre 1969 e 1974, comandante de seis embaixadas, foi o mentor e executor do acordo que permitiu a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu. Mais do que isso, anteviu a importância da aproximação com a África e redirecionou o Itamaraty para o continente.
Gibson morreu de falência múltipla dos órgãos no Rio de Janeiro, aos 89 anos, mas deixou sua marca nas relações exteriores, apesar de servir durante a era de um dos mais ranzinzas presidentes-generais. Manteve a independência na política externa sem submergir ao autoritarismo ou a ideologias.
Em Na diplomacia, o traço todo da vida, livro publicado recentemente, revê sua trajetória, desde o início, nos anos 40. Pernambucano de Olinda, filho de comerciantes, deslanchou a carreira diplomática em 1939, num país que vivia sob o jugo do Estado Novo de Getúlio Vargas e num mundo atemorizado por Adolf Hitler.
Foi vice-cônsul do Brasil em Houston, Texas, terceiro-secretário da embaixada brasileira em Washington, primeiro-secretário da representação brasileira em Bruxelas, ministro-conselheiro em Buenos Aires e junto à Organização das Nações Unidas (ONU). Ascendeu a chefe-de-gabinete do ministro das Relações Exteriores, Afonso Arinos de Melo Franco. Passou por Viena, Assunção e pela capital americana.
No Paraguai, revelou-se mais do que um negociador, um estrategista. Coordenou o acordo que deu ao Brasil a posse das cataratas de Sete Quedas e, quatro anos depois, acertou os detalhes da construção da Hidrelétrica de Itaipu em parceria com os vizinhos, tendo contornado a insatisfação dos argentinos.
Elevado a ministro por Médici, anunciou o plano brasileiro de combate ao terrorismo no continente, mais tarde submetido à convenção da Organização dos Estados Americanos (OEA). Assinou com Portugal um acordo de reciprocidade de direitos entre brasileiros residentes naquele país e portugueses radicados no Brasil. Transferiu a sede do Itamaraty para Brasília. E, seu feito mais significativo e duradouro: promoveu a aproximação com os países africanos, em 1972.
A agenda de interesses da chancelaria sob seu comando desagradava, como relata no livro sobre sua trajetória. Em 1971, criticado pelo então todo-poderoso Delfim Neto, reagiu com uma nota oficial. Médici o chamou ao gabinete. Repreendido, rebateu: "Olha, presidente, vamos fazer um acordo? O senhor fala com o Delfim para não se meter no Itamaraty. Ele se mete em todos os ministérios, mas no meu não".
Definido pelo chefe como um homem de sangue quente, não arrefeceu a temperatura sangüínea nem com a aposentadoria. Em fevereiro deste ano, em artigo publicado no Jornal do Brasil, atacou o "antiamericanismo de viés nitidamente ideológico" que, na sua visão, contamina o Itamaraty da Era Lula.
Sugeriu que a politização dos subordinados com a adesão ao petismo, a criação de 400 novos cargos e a "tomada de lição" em textos obrigatórios para garantir um pensamento único na chancelaria descaracterizavam a história da diplomacia brasileira. Nos últimos tempos, apontava para os perigos da aproximação incondicional com a Venezuela de Hugo Chávez e com a Bolívia de Evo Morales. Era um embaixador de visão. Seu alerta continua aceso.
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
sexta-feira, 30 de novembro de 2007
quinta-feira, 29 de novembro de 2007
813) Sociedade de Direito International Economico
Encaminhamos a título de divulgação chamada de trabalhos recebida da Society of
International Economic Law (SIEL).
Secretaria Instituto de Relações Internacionais (IRI)
26 November 2007
CALL FOR PAPERS AND PANELS
The Inaugural Conference of the Society of International Economic Law:
New Horizons of International Economic Law
The Inaugural Conference of the Society of International Economic Law (SIEL)
will take place at the Graduate Institute of International Studies in Geneva
from 15-17 July 2008 (www.hei.unige.ch).
About the SIEL
The Society of International Economic Law is a new organization for academics
and academically-minded practitioners and officials in the field of
International Economic Law. The Society will be genuinely global and inclusive
in terms of the expertise and interests of participants, and the many
disciplines encompassed by IEL. Among other objectives, the Society also seeks
to bring together its members in areas of common interest, as well as
supporting academic activities in the field.
For more information about the SIEL, please go to: www.sielnet.org.
Conference Theme
Over the course of the last two decades, the communities of scholars,
practitioners and others active in the area of international economic law have
grown and diversified in ways that few could have predicted. The field of
international economic law now includes a diverse array of participants, is
prominent in numerous areas and addresses new substantive issues. Perhaps
inevitably, the term “international economic law” now defies easy definition –
at once a fully integrated part of public international law and an identifiable
field in its own right, with a broader or narrower scope depending on
perspective.
This conference aims to explore the many different faces of “international
economic law”, in order to reflect critically on its past, present and future
paths. It will seek to explore issues concerning the content of the discipline,
its evolution as a distinct field, and its relation with other fields of study.
Given that the aim of the Society includes fostering research in the area of
IEL and promoting cooperation among all parts within the field, the SIEL
inaugural conference will also be a forum for those inside and outside academia
to share pedagogical and research methods, as well as to explore greater
cooperation among the many different constituencies of the field.
We welcome papers and panels on any topic related to the conference, including:
• the three traditional pillars of “public” IEL: trade, investment, and monetary
policies;
• the relationship between these pillars, and between these pillars and other
branches of law;
• the influence of disciplines such as economics, political economy, and others
on international economic law;
• “comparative” international economic law, focussing on the ways in which
international economic law interacts with laws, institutions and actors at the
domestic level;
• the “geographies” of international economic law, relating to the role of
international economic law in different parts of the world;
• the roles that law and legal practices play within “international economic
governance”;
• methods and trends in the teaching of international economic law, both in
universities and to the broader public;
• interactions between scholars, practitioners, government officials and civil
society groups active in international economic law; and
• topical issues within international economic law.
We are particularly interested in integrating new voices with more established
figures in the field, and welcome works in progress from young or new scholars
reflecting the conference’s broad theme.
Speakers will include (subject to confirmation) Thomas Cottier; Donald McRae;
Ernst-Ulrich Petersmann; Dan Sarooshi; M. Sornarajah; Debra Steger; Joel
Trachtman, and Thomas Wälde.
Submission Procedure
Paper and panel proposals are due by 15 December 2007, however early expression
of interest is welcome.
Paper abstracts and panel proposals should be no longer than 500 words, and
should be submitted via email to inauguralconference@sielnet.org, in WORD or
PDF formats. Please, write “SIEL Conference Call for Papers” in the “subject”
of the e-mail. Please, provide us with information about your full
institutional affiliation and contact details.
All papers submitted to the SIEL Conference must be previously unpublished. Work
in progress is acceptable.
Panel proposals should include a panel title, topics covered during the panel,
list of suggested panelists (minimum 4), and information about the panelists
and their specific contribution to the panel.
Results of the selection process are expected to be announced by 15 January 2008
by e-mail. If an abstract is accepted for the conference, a final manuscript
should be submitted by Sunday, 15 June 2008.
Conference fees and the costs associated with attending the conference will be
kept as low as possible. The Society anticipates, but can not yet confirm,
that it will be in a position to waive the conference fee for speakers.
Review Process
Every paper or panel proposal will be reviewed by a minimum of two reviewers,
members of the SIEL Founding or Inaugural Conference Committees.
Confidentiality of the selection process is guaranteed.
Publication
The committee is currently considering different publication options and ideas.
More information will follow in due course.
Inquiries
You may submit your inquiries to Andrew Lang and Colin Picker: Co-Chairs,
Founding Committee SIEL and to Galina Zukova, Co-Chair, SIEL Inaugural
Conference Committee
Dr. Andrew Lang, Law Department - London School of Economics
E-mail: A.Lang@lse.ac.uk
Prof. Colin B. Picker, University of Missouri - Kansas City School of Law
E-mail: pickerc@umkc.edu
Assoc. Prof. Galina Zukova, Riga Graduate School of Law
E-mail: galina.zukova@rgsl.edu.lv
For further information, please, go to: www.sielnet.org.
International Economic Law (SIEL).
Secretaria Instituto de Relações Internacionais (IRI)
26 November 2007
CALL FOR PAPERS AND PANELS
The Inaugural Conference of the Society of International Economic Law:
New Horizons of International Economic Law
The Inaugural Conference of the Society of International Economic Law (SIEL)
will take place at the Graduate Institute of International Studies in Geneva
from 15-17 July 2008 (www.hei.unige.ch).
About the SIEL
The Society of International Economic Law is a new organization for academics
and academically-minded practitioners and officials in the field of
International Economic Law. The Society will be genuinely global and inclusive
in terms of the expertise and interests of participants, and the many
disciplines encompassed by IEL. Among other objectives, the Society also seeks
to bring together its members in areas of common interest, as well as
supporting academic activities in the field.
For more information about the SIEL, please go to: www.sielnet.org.
Conference Theme
Over the course of the last two decades, the communities of scholars,
practitioners and others active in the area of international economic law have
grown and diversified in ways that few could have predicted. The field of
international economic law now includes a diverse array of participants, is
prominent in numerous areas and addresses new substantive issues. Perhaps
inevitably, the term “international economic law” now defies easy definition –
at once a fully integrated part of public international law and an identifiable
field in its own right, with a broader or narrower scope depending on
perspective.
This conference aims to explore the many different faces of “international
economic law”, in order to reflect critically on its past, present and future
paths. It will seek to explore issues concerning the content of the discipline,
its evolution as a distinct field, and its relation with other fields of study.
Given that the aim of the Society includes fostering research in the area of
IEL and promoting cooperation among all parts within the field, the SIEL
inaugural conference will also be a forum for those inside and outside academia
to share pedagogical and research methods, as well as to explore greater
cooperation among the many different constituencies of the field.
We welcome papers and panels on any topic related to the conference, including:
• the three traditional pillars of “public” IEL: trade, investment, and monetary
policies;
• the relationship between these pillars, and between these pillars and other
branches of law;
• the influence of disciplines such as economics, political economy, and others
on international economic law;
• “comparative” international economic law, focussing on the ways in which
international economic law interacts with laws, institutions and actors at the
domestic level;
• the “geographies” of international economic law, relating to the role of
international economic law in different parts of the world;
• the roles that law and legal practices play within “international economic
governance”;
• methods and trends in the teaching of international economic law, both in
universities and to the broader public;
• interactions between scholars, practitioners, government officials and civil
society groups active in international economic law; and
• topical issues within international economic law.
We are particularly interested in integrating new voices with more established
figures in the field, and welcome works in progress from young or new scholars
reflecting the conference’s broad theme.
Speakers will include (subject to confirmation) Thomas Cottier; Donald McRae;
Ernst-Ulrich Petersmann; Dan Sarooshi; M. Sornarajah; Debra Steger; Joel
Trachtman, and Thomas Wälde.
Submission Procedure
Paper and panel proposals are due by 15 December 2007, however early expression
of interest is welcome.
Paper abstracts and panel proposals should be no longer than 500 words, and
should be submitted via email to inauguralconference@sielnet.org, in WORD or
PDF formats. Please, write “SIEL Conference Call for Papers” in the “subject”
of the e-mail. Please, provide us with information about your full
institutional affiliation and contact details.
All papers submitted to the SIEL Conference must be previously unpublished. Work
in progress is acceptable.
Panel proposals should include a panel title, topics covered during the panel,
list of suggested panelists (minimum 4), and information about the panelists
and their specific contribution to the panel.
Results of the selection process are expected to be announced by 15 January 2008
by e-mail. If an abstract is accepted for the conference, a final manuscript
should be submitted by Sunday, 15 June 2008.
Conference fees and the costs associated with attending the conference will be
kept as low as possible. The Society anticipates, but can not yet confirm,
that it will be in a position to waive the conference fee for speakers.
Review Process
Every paper or panel proposal will be reviewed by a minimum of two reviewers,
members of the SIEL Founding or Inaugural Conference Committees.
Confidentiality of the selection process is guaranteed.
Publication
The committee is currently considering different publication options and ideas.
More information will follow in due course.
Inquiries
You may submit your inquiries to Andrew Lang and Colin Picker: Co-Chairs,
Founding Committee SIEL and to Galina Zukova, Co-Chair, SIEL Inaugural
Conference Committee
Dr. Andrew Lang, Law Department - London School of Economics
E-mail: A.Lang@lse.ac.uk
Prof. Colin B. Picker, University of Missouri - Kansas City School of Law
E-mail: pickerc@umkc.edu
Assoc. Prof. Galina Zukova, Riga Graduate School of Law
E-mail: galina.zukova@rgsl.edu.lv
For further information, please, go to: www.sielnet.org.
812) Concurso para a carreira diplomatica: edital do Instituto Rio Branco
Diário Oficial da União – Seção 1 – Pág. 53
Nº 227, terça-feira, 27 de novembro de 2007
Ministério das Relações Exteriores
GABINETE DO MINISTRO
PORTARIA N° - 768, DE 23 DE NOVEMBRO DE 2007
O MINISTRO DE ESTADO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, no uso de suas atribuições, e tendo em vista o disposto nos artigos 1o- e 5o- do Regulamento do Instituto Rio Branco, aprovado pela Portaria de 20 de novembro de 1998, publicada no Diário Oficial da União de 25 de novembro de 1998, e alterado pela Portaria no- 11, de 17 de abril de 2001, publicada no Diário Oficial da União de 25 de abril de 2001, resolve:
Art. 1° - Ficam estabelecidas as normas que se seguem para o Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata de 2008.
Art. 2° - O Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata de 2008 constará, na Primeira Fase, de prova objetiva, de caráter eliminatório, constituída de questões de Português, de História do Brasil, de História Mundial, de Geografia, de Política Internacional, de Inglês, de Noções de Direito e Direito Internacional Público e de Noções de Economia.
Art. 3º - A Segunda Fase constará de prova discursiva eliminatória e classificatória de Português.
Parágrafo único. Será estabelecida nota mínima para a prova de Português.
Art. 4º - A Terceira Fase constará de provas discursivas de História do Brasil, de Geografia, de Política Internacional, de Inglês, de Noções de Direito e Direito Internacional Público e de Noções de Economia Parágrafo 1o- As seis provas da Terceira Fase terão peso equivalente.
Art. 5º - A Quarta Fase constará de prova escrita, de caráter exclusivamente classificatório, de uma segunda língua estrangeira, que poderá ser, conforme a opção do candidato, Alemão, Árabe, Chinês (Mandarim), Espanhol, Francês, Japonês ou Russo. Parágrafo único. Para efeitos de classificação, a prova da Quarta Fase terá peso equivalente à metade do peso de cada uma das provas da Terceira Fase.
Art. 6º - Serão oferecidas, no Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata de 2008, 105 (cento e cinco) vagas para a classe inicial da Carreira de Diplomata.
Art. 7º - O Diretor-Geral do Instituto Rio Branco fará publicar o Edital do Concurso.
CELSO AMORIM
Nº 227, terça-feira, 27 de novembro de 2007
Ministério das Relações Exteriores
GABINETE DO MINISTRO
PORTARIA N° - 768, DE 23 DE NOVEMBRO DE 2007
O MINISTRO DE ESTADO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, no uso de suas atribuições, e tendo em vista o disposto nos artigos 1o- e 5o- do Regulamento do Instituto Rio Branco, aprovado pela Portaria de 20 de novembro de 1998, publicada no Diário Oficial da União de 25 de novembro de 1998, e alterado pela Portaria no- 11, de 17 de abril de 2001, publicada no Diário Oficial da União de 25 de abril de 2001, resolve:
Art. 1° - Ficam estabelecidas as normas que se seguem para o Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata de 2008.
Art. 2° - O Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata de 2008 constará, na Primeira Fase, de prova objetiva, de caráter eliminatório, constituída de questões de Português, de História do Brasil, de História Mundial, de Geografia, de Política Internacional, de Inglês, de Noções de Direito e Direito Internacional Público e de Noções de Economia.
Art. 3º - A Segunda Fase constará de prova discursiva eliminatória e classificatória de Português.
Parágrafo único. Será estabelecida nota mínima para a prova de Português.
Art. 4º - A Terceira Fase constará de provas discursivas de História do Brasil, de Geografia, de Política Internacional, de Inglês, de Noções de Direito e Direito Internacional Público e de Noções de Economia Parágrafo 1o- As seis provas da Terceira Fase terão peso equivalente.
Art. 5º - A Quarta Fase constará de prova escrita, de caráter exclusivamente classificatório, de uma segunda língua estrangeira, que poderá ser, conforme a opção do candidato, Alemão, Árabe, Chinês (Mandarim), Espanhol, Francês, Japonês ou Russo. Parágrafo único. Para efeitos de classificação, a prova da Quarta Fase terá peso equivalente à metade do peso de cada uma das provas da Terceira Fase.
Art. 6º - Serão oferecidas, no Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata de 2008, 105 (cento e cinco) vagas para a classe inicial da Carreira de Diplomata.
Art. 7º - O Diretor-Geral do Instituto Rio Branco fará publicar o Edital do Concurso.
CELSO AMORIM
domingo, 25 de novembro de 2007
811) Para os candidatos à carreira diplomática: clásssicos da cultura brasileira
Série "Folha Explica" de clássicos da cultura brasileira
Esta série de livros da FolhaSP pode ajudar no trabalho de leitura e compreensão dos grandes clássicos do pensamento brasileiro. Como se trata de obras volumosas, por vezes prolixas, um resumo-introdutório, explicando as teses principais do autor, pode ser útil aos que nao têm tempo ou condições de ler toda a série de clássicos em versao integral.
-------------
Guia abre caminho para leitura de "Casa-Grande e Senzala"
Folha Online, 12/03/2007
Escrito em uma linguagem criativa e inovadora, com métodos de pesquisa pouco ortodoxos e idéias anti-racistas que desafiaram os preconceitos da época, "Casa-Grande e Senzala" (1933) é um grande ensaio de interpretação do Brasil. O primeiro capítulo pode ser lido abaixo.
Por sua importância, o livro é tema de um dos volumes da coleção "Folha Explica", que abre caminhos para a leitura da maior obra brasileira, segundo o antropólogo Darcy Ribeiro, abordando ainda a trajetória controversa e conservadora, irreverente e saudosista do seu autor, Gilberto Freyre (1900-87).
O livro é assinado por Roberto Ventura, que foi professor de teoria literária e literatura comparada na USP (Universidade de São Paulo).
Como o nome indica, a série "Folha Explica" ambiciona explicar os assuntos tratados e fazê-lo em um contexto brasileiro: cada livro oferece ao leitor condições não só para que fique bem informado, mas para que possa refletir sobre o tema, de uma perspectiva atual e consciente das circunstâncias do país.
"Casa-Grande e Senzala"
Autor: Roberto Ventura
Editora: Publifolha
Páginas: 96
Quanto: R$ 17,90
Onde comprar: nas principais livrarias, pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Publifolha
Um Livro Controverso
"Casa-Grande & Senzala"
Grande livro que fala
Desta nossa leseira
Brasileira.
Manuel Bandeira
Gilberto Freyre é o mais amado e odiado escritor brasileiro. Casa-Grande & Senzala, seu principal livro, é uma das obras mais polêmicas já publicadas no país. Monteiro Lobato comparou o seu lançamento em 1933 com a fulgurante aparição do cometa Halley nos céus. Jorge Amado saudou o livro como uma revolução, que deslumbrava o país, ao falar dele como nunca se falara antes. O ensaio de Freyre foi aclamado como uma ruptura nos estudos históricos e sociais tanto pelo tema --a formação de uma sociedade agrária, escravocrata e híbrida-- quanto pelas idéias, como a valorização do escravo negro e da cultura afro-brasileira, mas sobretudo pela linguagem, fortemente oral e coloquial, avessa a qualquer ranço acadêmico ou jargão especializado.
Freyre foi endeusado nas décadas de 1930 e 1940 como o descobridor da identidade do país e criador de uma nova auto-imagem do brasileiro, que passava de negativa a positiva, de disfórica a eufórica. Os críticos João Ribeiro e Lúcia Miguel Pereira consideraram o livro definitivo, por alargar os limites da nação e afastar os temores infundados sobre a inferioridade racial de sua população. Para o antropólogo Roquete-Pinto, era uma obra que já nascia clássica, de consulta indispensável para todos aqueles que quisessem entender o país.1
Antes tomado como inferno da depravação sexual e da degeneração étnica, o Brasil se converteu pelas mãos de Gilberto Freyre em paraíso tropical e mestiço, em que se daria a confraternização de raças e culturas oriundas da Europa, África e América. A idéia de uma história em que os conflitos se harmonizam passou a fazer parte do senso comum do brasileiro e da cultura política do país, tendo sido veiculada pelos sucessivos governos a partir dos anos 40. Incorporado por grande parte da população, o mito da "democracia racial" se tornou um obstáculo para o enfrentamento das questões étnicas e sociais e uma barreira para as minorias, como os negros, os índios, as mulheres e os homossexuais, cujos movimentos lutam por identidades diferenciadas e reivindicações específicas.
Freyre se tornou, junto com o romancista Jorge Amado, o escritor brasileiro de maior sucesso internacional, pelo menos até a aparição do esotérico Paulo Coelho no mercado editorial dos anos 90. Tanto Freyre quanto Amado difundiram a imagem do brasileiro bom e sorridente, doce e não-agressivo, que se deixa seduzir pela mulata, cuja sensualidade ardente é glorificada quer em Casa-Grande & Senzala, quer nos romances do escritor baiano, como Gabriela, Cravo e Canela, Tenda dos Milagres, Tereza Batista Cansada de Guerra e Tieta do Agreste, inúmeras vezes reeditados e adaptados para a televisão e o cinema.
Casa-Grande & Senzala é até hoje o ensaio brasileiro mais traduzido, com versões em inglês, francês, espanhol, italiano, alemão e polonês, além de mais de 20 edições no Brasil. Homenageado com colóquios, medalhas e títulos, Freyre é doutor honoris causa pelas universidades de Columbia, Coimbra, Paris, Sussex, Münster, Oxford e Recife. Obteve os prêmios Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras, Aspen do Instituto de Estudos Humanísticos dos EUA e La Madonnina da Itália. Foi condecorado pela França, México, Venezuela, Portugal e Espanha e recebeu a Ordem do Império Britânico das mãos da rainha Elizabeth 2ª.
Mas Casa-Grande & Senzala também provocou fortes reações. A obra foi atacada por sua linguagem, tida como vulgar e obscena. Um obscuro escritor mineiro xingou o livro de "pornográfico" devido à referência ao modo brasileiro de defecar. Com o apoio de um colégio religioso do Recife, alguns exemplares foram queimados em praça pública. E o escritor logo provocaria novas controvérsias, ao organizar no Recife, em 1934, o Primeiro Congresso Afro-Brasileiro. Seu interesse pela cultura afro-brasileira lhe valeu a acusação de "subversivo", "comunista" e "soviético", por seus supostos ataques à família brasileira e à moral cristã. Foi hostilizado pela elite pernambucana, à qual era ligado por relações profissionais e políticas e também por laços de parentesco, ao propor à Cooperativa dos Usineiros de Pernambuco o estudo das condições de vida dos trabalhadores rurais. O Dops (Delegacia de Ordem Política e Social) de Pernambuco o fichou em 1935, em companhia dos pintores Di Cavalcanti e Cícero Dias, como "agitador, organizador da Frente Única Sindical, orientadora das greves preparatórias do movimento comunista".
Freyre se opôs ao governo autoritário de Getúlio Vargas e foi presidente da UDN (União Democrática Nacional) em seu estado. Foi preso e espancado em 1942, junto com o pai, devido a um artigo no Diário de Pernambuco em que acusava um beneditino alemão de Olinda de ser racista e pró-nazista. Foi indiciado ao Tribunal de Segurança Nacional em 1945, já no fim do governo Vargas, por ter discursado em manifestação contra a ditadura no Recife, em que a polícia política matou a tiros duas pessoas. Com a redemocratização do país, elegeu-se deputado pela UDN e participou da Assembléia Constituinte e da Câmara dos Deputados, à qual propôs a criação no Recife do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, depois Fundação Joaquim Nabuco, com o objetivo de fazer investigações de caráter rural.
Já sexagenário, assumiu posições polêmicas, que o tornaram maldito por mais de duas décadas para os setores de esquerda. Apoiou o golpe militar de 1964, cujo governo forte via como o restabelecimento de uma ordem patriarcal e hierárquica, destruída pela urbanização e modernização. Conforme observou o jornalista Mario Cesar Carvalho, em artigo na Folha de S.Paulo publicado no centenário de seu nascimento,2 o homem que criou a mitológica imagem de um Brasil tolerante acabou por adotar posições políticas marcadas pela intolerância...
Movido por aquilo que o antropólogo Darcy Ribeiro chamou de "tara direitista", Freyre acusou o reitor da Universidade do Recife de ser conivente com a propaganda comunista e pediu a sua renúncia ao cargo. Tinha exigido antes, em 1963, o afastamento de supostos esquerdistas da Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste). E chegou a propor, em 1972, ao senador Filinto Müller, ex-chefe da polícia política de Vargas, um programa para a Arena (Aliança Renovadora Nacional), partido de sustentação dos militares no poder. Segundo ele, a Arena deveria defender a crescente superação das diferenças raciais no Brasil pela criação de um povo "além-raça". Encantado com a ditadura de Antônio Salazar em Portugal, que ocupou o poder por mais de quatro décadas, de 1928 a 1974, foi conivente com a política colonialista da antiga metrópole na África e na Ásia em nome do "luso-tropicalismo", entendido como a civilização original e maleável criada pelos portugueses em três continentes.
Foi atacado nas décadas de 1960 e 1970 por sociólogos da Universidade de São Paulo, como Florestan Fernandes, Octávio Ianni e Fernando Henrique Cardoso, que criticaram sua visão idílica do passado colonial e a idéia de que se vive em uma "democracia racial", sem conflitos entre brancos e negros. A partir dos anos 80, foi redescoberto por historiadores interessados na história do cotidiano, da sexualidade e da intimidade, que resgataram a sua visão da escravidão.
Voltou a ser valorizado agora como um precursor da virada antropológica e psicológica dos estudos históricos, que se dera a partir da década de 1970 com a terceira geração da escola dos Annales e os representantes da "nova história" francesa, como Fernand Braudel, Georges Duby e Philippe Ariès. Passou a ser elogiado como pioneiro por seu foco nos "novos objetos" e em figuras até então marginais, como o escravo, a mulher, a criança, a arquitetura e os artefatos, os hábitos culturais e as tradições culinárias e alimentares. Os maiores intelectuais do século 20, dentre eles o crítico Roland Barthes e os historiadores Febvre e Braudel, já o tinham aclamado como escritor sensível à matéria palpável e renovador dos estudos históricos e sociais.
Por que Casa-Grande & Senzala e seu autor, Gilberto Freyre, tidos como revolucionários e progressistas nos anos 30 e 40, passaram a ser criticados a partir da década de 1960 como conservadores e reacionários? Como o sociólogo, que os usineiros nordestinos chamaram de "comunista" e de "soviético" nos anos 30, conseguiu se tornar o ideólogo informal do regime militar? De que modo se deu o resgate de sua obra, a partir dos anos 80, como pioneira dos novos rumos da historiografia? São essas as perguntas que este livro procura responder.
1 Os artigos de João Ribeiro, Lúcia Miguel Pereira e Roquete-Pinto se encontram reproduzidos em: Edson Nery da Fonseca (org.), Casa-Grande & Senzala e a Crítica Brasileira de 1933 a 1944. Recife: Ed. de Pernambuco, 1985.
2 Caderno "Mais!", 12 mar. 2000, dossiê "Céu & Inferno de Gilberto Freyre".
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Esta série de livros da FolhaSP pode ajudar no trabalho de leitura e compreensão dos grandes clássicos do pensamento brasileiro. Como se trata de obras volumosas, por vezes prolixas, um resumo-introdutório, explicando as teses principais do autor, pode ser útil aos que nao têm tempo ou condições de ler toda a série de clássicos em versao integral.
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Guia abre caminho para leitura de "Casa-Grande e Senzala"
Folha Online, 12/03/2007
Escrito em uma linguagem criativa e inovadora, com métodos de pesquisa pouco ortodoxos e idéias anti-racistas que desafiaram os preconceitos da época, "Casa-Grande e Senzala" (1933) é um grande ensaio de interpretação do Brasil. O primeiro capítulo pode ser lido abaixo.
Por sua importância, o livro é tema de um dos volumes da coleção "Folha Explica", que abre caminhos para a leitura da maior obra brasileira, segundo o antropólogo Darcy Ribeiro, abordando ainda a trajetória controversa e conservadora, irreverente e saudosista do seu autor, Gilberto Freyre (1900-87).
O livro é assinado por Roberto Ventura, que foi professor de teoria literária e literatura comparada na USP (Universidade de São Paulo).
Como o nome indica, a série "Folha Explica" ambiciona explicar os assuntos tratados e fazê-lo em um contexto brasileiro: cada livro oferece ao leitor condições não só para que fique bem informado, mas para que possa refletir sobre o tema, de uma perspectiva atual e consciente das circunstâncias do país.
"Casa-Grande e Senzala"
Autor: Roberto Ventura
Editora: Publifolha
Páginas: 96
Quanto: R$ 17,90
Onde comprar: nas principais livrarias, pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Publifolha
Um Livro Controverso
"Casa-Grande & Senzala"
Grande livro que fala
Desta nossa leseira
Brasileira.
Manuel Bandeira
Gilberto Freyre é o mais amado e odiado escritor brasileiro. Casa-Grande & Senzala, seu principal livro, é uma das obras mais polêmicas já publicadas no país. Monteiro Lobato comparou o seu lançamento em 1933 com a fulgurante aparição do cometa Halley nos céus. Jorge Amado saudou o livro como uma revolução, que deslumbrava o país, ao falar dele como nunca se falara antes. O ensaio de Freyre foi aclamado como uma ruptura nos estudos históricos e sociais tanto pelo tema --a formação de uma sociedade agrária, escravocrata e híbrida-- quanto pelas idéias, como a valorização do escravo negro e da cultura afro-brasileira, mas sobretudo pela linguagem, fortemente oral e coloquial, avessa a qualquer ranço acadêmico ou jargão especializado.
Freyre foi endeusado nas décadas de 1930 e 1940 como o descobridor da identidade do país e criador de uma nova auto-imagem do brasileiro, que passava de negativa a positiva, de disfórica a eufórica. Os críticos João Ribeiro e Lúcia Miguel Pereira consideraram o livro definitivo, por alargar os limites da nação e afastar os temores infundados sobre a inferioridade racial de sua população. Para o antropólogo Roquete-Pinto, era uma obra que já nascia clássica, de consulta indispensável para todos aqueles que quisessem entender o país.1
Antes tomado como inferno da depravação sexual e da degeneração étnica, o Brasil se converteu pelas mãos de Gilberto Freyre em paraíso tropical e mestiço, em que se daria a confraternização de raças e culturas oriundas da Europa, África e América. A idéia de uma história em que os conflitos se harmonizam passou a fazer parte do senso comum do brasileiro e da cultura política do país, tendo sido veiculada pelos sucessivos governos a partir dos anos 40. Incorporado por grande parte da população, o mito da "democracia racial" se tornou um obstáculo para o enfrentamento das questões étnicas e sociais e uma barreira para as minorias, como os negros, os índios, as mulheres e os homossexuais, cujos movimentos lutam por identidades diferenciadas e reivindicações específicas.
Freyre se tornou, junto com o romancista Jorge Amado, o escritor brasileiro de maior sucesso internacional, pelo menos até a aparição do esotérico Paulo Coelho no mercado editorial dos anos 90. Tanto Freyre quanto Amado difundiram a imagem do brasileiro bom e sorridente, doce e não-agressivo, que se deixa seduzir pela mulata, cuja sensualidade ardente é glorificada quer em Casa-Grande & Senzala, quer nos romances do escritor baiano, como Gabriela, Cravo e Canela, Tenda dos Milagres, Tereza Batista Cansada de Guerra e Tieta do Agreste, inúmeras vezes reeditados e adaptados para a televisão e o cinema.
Casa-Grande & Senzala é até hoje o ensaio brasileiro mais traduzido, com versões em inglês, francês, espanhol, italiano, alemão e polonês, além de mais de 20 edições no Brasil. Homenageado com colóquios, medalhas e títulos, Freyre é doutor honoris causa pelas universidades de Columbia, Coimbra, Paris, Sussex, Münster, Oxford e Recife. Obteve os prêmios Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras, Aspen do Instituto de Estudos Humanísticos dos EUA e La Madonnina da Itália. Foi condecorado pela França, México, Venezuela, Portugal e Espanha e recebeu a Ordem do Império Britânico das mãos da rainha Elizabeth 2ª.
Mas Casa-Grande & Senzala também provocou fortes reações. A obra foi atacada por sua linguagem, tida como vulgar e obscena. Um obscuro escritor mineiro xingou o livro de "pornográfico" devido à referência ao modo brasileiro de defecar. Com o apoio de um colégio religioso do Recife, alguns exemplares foram queimados em praça pública. E o escritor logo provocaria novas controvérsias, ao organizar no Recife, em 1934, o Primeiro Congresso Afro-Brasileiro. Seu interesse pela cultura afro-brasileira lhe valeu a acusação de "subversivo", "comunista" e "soviético", por seus supostos ataques à família brasileira e à moral cristã. Foi hostilizado pela elite pernambucana, à qual era ligado por relações profissionais e políticas e também por laços de parentesco, ao propor à Cooperativa dos Usineiros de Pernambuco o estudo das condições de vida dos trabalhadores rurais. O Dops (Delegacia de Ordem Política e Social) de Pernambuco o fichou em 1935, em companhia dos pintores Di Cavalcanti e Cícero Dias, como "agitador, organizador da Frente Única Sindical, orientadora das greves preparatórias do movimento comunista".
Freyre se opôs ao governo autoritário de Getúlio Vargas e foi presidente da UDN (União Democrática Nacional) em seu estado. Foi preso e espancado em 1942, junto com o pai, devido a um artigo no Diário de Pernambuco em que acusava um beneditino alemão de Olinda de ser racista e pró-nazista. Foi indiciado ao Tribunal de Segurança Nacional em 1945, já no fim do governo Vargas, por ter discursado em manifestação contra a ditadura no Recife, em que a polícia política matou a tiros duas pessoas. Com a redemocratização do país, elegeu-se deputado pela UDN e participou da Assembléia Constituinte e da Câmara dos Deputados, à qual propôs a criação no Recife do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, depois Fundação Joaquim Nabuco, com o objetivo de fazer investigações de caráter rural.
Já sexagenário, assumiu posições polêmicas, que o tornaram maldito por mais de duas décadas para os setores de esquerda. Apoiou o golpe militar de 1964, cujo governo forte via como o restabelecimento de uma ordem patriarcal e hierárquica, destruída pela urbanização e modernização. Conforme observou o jornalista Mario Cesar Carvalho, em artigo na Folha de S.Paulo publicado no centenário de seu nascimento,2 o homem que criou a mitológica imagem de um Brasil tolerante acabou por adotar posições políticas marcadas pela intolerância...
Movido por aquilo que o antropólogo Darcy Ribeiro chamou de "tara direitista", Freyre acusou o reitor da Universidade do Recife de ser conivente com a propaganda comunista e pediu a sua renúncia ao cargo. Tinha exigido antes, em 1963, o afastamento de supostos esquerdistas da Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste). E chegou a propor, em 1972, ao senador Filinto Müller, ex-chefe da polícia política de Vargas, um programa para a Arena (Aliança Renovadora Nacional), partido de sustentação dos militares no poder. Segundo ele, a Arena deveria defender a crescente superação das diferenças raciais no Brasil pela criação de um povo "além-raça". Encantado com a ditadura de Antônio Salazar em Portugal, que ocupou o poder por mais de quatro décadas, de 1928 a 1974, foi conivente com a política colonialista da antiga metrópole na África e na Ásia em nome do "luso-tropicalismo", entendido como a civilização original e maleável criada pelos portugueses em três continentes.
Foi atacado nas décadas de 1960 e 1970 por sociólogos da Universidade de São Paulo, como Florestan Fernandes, Octávio Ianni e Fernando Henrique Cardoso, que criticaram sua visão idílica do passado colonial e a idéia de que se vive em uma "democracia racial", sem conflitos entre brancos e negros. A partir dos anos 80, foi redescoberto por historiadores interessados na história do cotidiano, da sexualidade e da intimidade, que resgataram a sua visão da escravidão.
Voltou a ser valorizado agora como um precursor da virada antropológica e psicológica dos estudos históricos, que se dera a partir da década de 1970 com a terceira geração da escola dos Annales e os representantes da "nova história" francesa, como Fernand Braudel, Georges Duby e Philippe Ariès. Passou a ser elogiado como pioneiro por seu foco nos "novos objetos" e em figuras até então marginais, como o escravo, a mulher, a criança, a arquitetura e os artefatos, os hábitos culturais e as tradições culinárias e alimentares. Os maiores intelectuais do século 20, dentre eles o crítico Roland Barthes e os historiadores Febvre e Braudel, já o tinham aclamado como escritor sensível à matéria palpável e renovador dos estudos históricos e sociais.
Por que Casa-Grande & Senzala e seu autor, Gilberto Freyre, tidos como revolucionários e progressistas nos anos 30 e 40, passaram a ser criticados a partir da década de 1960 como conservadores e reacionários? Como o sociólogo, que os usineiros nordestinos chamaram de "comunista" e de "soviético" nos anos 30, conseguiu se tornar o ideólogo informal do regime militar? De que modo se deu o resgate de sua obra, a partir dos anos 80, como pioneira dos novos rumos da historiografia? São essas as perguntas que este livro procura responder.
1 Os artigos de João Ribeiro, Lúcia Miguel Pereira e Roquete-Pinto se encontram reproduzidos em: Edson Nery da Fonseca (org.), Casa-Grande & Senzala e a Crítica Brasileira de 1933 a 1944. Recife: Ed. de Pernambuco, 1985.
2 Caderno "Mais!", 12 mar. 2000, dossiê "Céu & Inferno de Gilberto Freyre".
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sábado, 24 de novembro de 2007
810) Juca, a revista dos alunos do Instituto Rio Branco
Acaba de ser lançado o primeiro número da revista "Juca", escrita e editada pelos alunos do Curso de Formação/Mestrado em Diplomacia do Instituto Rio-Branco, com a colaboração da FUNAG.
A revista é de excelente qualidade gráfica e editorial. Foi batizada em homenagem ao apelido familiar do Patrono da dipomacia brasileira, chamado de "Juca Paranhos" na adolescência e no início de sua carreira no Itamaraty, muito antes de receber o título nobiliárquico de Barão do Rio Branco.
Entre outras matérias, o número inaugural da revista "Juca" traz entrevistas com os Embaixadores Alberto da Costa e Silva e João Clemente Baena Soares. Segue o link: http://www.irbr. mre.gov.br/ juca_web. pdf
A revista é de excelente qualidade gráfica e editorial. Foi batizada em homenagem ao apelido familiar do Patrono da dipomacia brasileira, chamado de "Juca Paranhos" na adolescência e no início de sua carreira no Itamaraty, muito antes de receber o título nobiliárquico de Barão do Rio Branco.
Entre outras matérias, o número inaugural da revista "Juca" traz entrevistas com os Embaixadores Alberto da Costa e Silva e João Clemente Baena Soares. Segue o link: http://www.irbr. mre.gov.br/ juca_web. pdf
quinta-feira, 22 de novembro de 2007
809) Obscurantismo no IPEA?
Não sei bem o que está acontecendo no IPEA, pois há muito tempo não falo com alguém de lá, não vou ao edifício-sede, nem assisti, nas últimas semanas, a qualquer evento organizado por esse órgão reputado pela qualidade técnica dos seus estudos de economia brasileira.
Sou sim um colaborador voluntário, benévolo, do veículo que me parecia um excelente canal de comunicação entre o Instituto e o público at large, a revista Desafios do Desenvolvimento, na qual assumi, voluntariamente e desde o início, o papel de colaborador na seção Estante, oferecendo resenhas (curtas, médias, ampliadas) sobre literatura econômica em geral. Uma listagem (incompleta, e agora imagino inacessível) de minhas resenhas pode ser vista neste link do meu site:
http://www.pralmeida.org/06LinksColabor/03Desafios.html
Devo ter feito mais ou menos 50 resenhas, sempre com grande liberdade de expressão, com exceção de pequenos cortes pontuais, mais justificados por questões de editoração, do que necessariamente por alguma censura política.
O antigo site da revista foi modificado: em lugar de www.desafios.org.br, somos dirigidos agora a http://www.desafios.ipea.gov.br/.
A simples mudança de org para gov talvez já seja um indicativo das mudanças em curso.
Espero, otimisticamente, que para melhor, mas tenho minhas dúvidas.
Imagino que os novos mandatários do IPEA estejam reorganizando a revista, o seu site, bem como o resto do IPEA, e eles devem ter idéias próprias sobre quem pode ou não pode colaborar com a revista.
Talvez seja melhor assim: eu poderei ler meus livros em paz, sem prazos a cumprir e sem limitações de espaço quanto ao tamanho das minhas resenhas (que costumam ser enormes) e não precisarei mais me preocupar em colaborar benevolamente com um veículo de comunicação.
Abaixo, um pequeno reflexo das mudanças no IPEA...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 21.11.2007
Tempos difíceis
Miriam Leitão
O Globo, 21.11.2007
Quando o e-mail circulou no Ipea convidando para um almoço de despedida dos quatro economistas afastados do órgão, ninguém achava que tanta gente compareceria. Para lá foram, inclusive, pessoas que discordam dos expurgados, mas discordam muito mais do expurgo em si. O afastamento é a parte mais visível do festival de obscurantismo e maus modos que atacou o instituto de pesquisa do governo.
Marcio Pochmann é o terceiro presidente do Ipea do governo Lula. É o primeiro a usar os métodos que usa. No instituto, todo mundo acha normal que uma nova direção troque diretores, tire DAS, faça suas escolhas. Mas a nova direção está encurralando quem pensa diferente, com exonerações, expurgos, retirada de dinheiro de pesquisa, interrupção de trabalhos em andamento, suspensão de convênios e o que é pior: tenta legitimar tudo o que faz levantando uma suspeita de que existia antes algo "irregular". Os convênios com a Anpec, por exemplo, sempre foram a ligação do Ipea com todos os cursos de pós-graduação do país. O Ipea vive em regime de intervenção. O clima está "indigesto", define um dos vários economistas com quem a coluna conversou. A produção caiu, estudos foram interrompidos, há pessoas valiosas fazendo as malas, como o Ricardo Paes de Barros, considerado, dentro e fora do instituto, um gênio.
No dia da posse, Pochmann encontrou Regis Bonelli e disse:
— Professor, já te conheço de nome, espero continuar contando com a sua ajuda.
Bonelli é aposentado do Ipea, mas há anos tem feito trabalhos eventuais para o instituto. Não recebia salário. Recebia por contratos de pesquisa específicos. Estava, naquele momento, terminando um texto sobre o "Estado e o Desenvolvimento" para o novo número de "O Estado de uma Nação". O texto que entregou criticava os gastos públicos mostrando que eles não têm levado a mais desenvolvimento. Analisou 10 anos para não ser visto como crítica a um governo, mas ao Estado gastador. Não agradou. Nem esse, nem qualquer outro estudo.
O "Estado de uma Nação" foi criado no atual governo e seu objetivo é agregar o resultado das novas pesquisas do Ipea e incluir idéias surgidas fora do instituto. Quando estava quase tudo pronto, o economista Paulo Tafner foi avisado por um telefonema que estava exonerado do cargo de editor. Outra revista mais acadêmica, "Pesquisa e Planejamento Econômico", recebeu também informação de que terá novo editor.
Na semana passada, Bonelli foi chamado à sala de João Sicsú. Lá estava não o titular do cargo, mas seu assistente, Renault Michel. E o diálogo foi curioso.
— Quero lhe agradecer o trabalho que o senhor sempre fez no Ipea.
— Fiz não, ainda faço.
— O senhor fez várias coisas boas. Aliás, a única coisa boa que o Malan fez aqui foram os trabalhos com o senhor. Mas agora queremos corrigir umas irregularidades.
— Eu não faço nenhuma irregularidade e, se você quiser a minha sala, basta me avisar.
Que alguma coisa esquisita tinha começado a acontecer até os corredores do Ipea descobriram em abril, quando dois assessores do senador Marcelo Crivella entraram no prédio, pediram para falar com a diretoria de recursos humanos. Queriam saber quantos DAS tinha o Ipea.
O novo diretor do Rio é o primeiro de fora da carreira que assume o posto. Mas isso não é o relevante. O esquisito é a maneira como essa direção lida com as pessoas que estão no instituto há décadas. Ele convocou todos para sua posse. Chegou uma hora e meia atrasado, ficou alguns minutos e foi embora. O breve discurso, para uma platéia de mestres e doutores, foi patético:
— Meu nome é Sicsú. Sic-sú! O dever de casa de todos é aprender como se pronuncia o meu nome. Se quiserem alguma coisa comigo, a senha é professor. Me chamem de professor.
O "professor" tem estado muito ausente, não comparece aos seminários da casa, quase não recebe quem pede para conversar. A não ser para conversas tensas, como a que teve com Fábio Giambiagi, quando ele foi perguntar se o convênio com o BNDES seria mantido. Nela, ele não respondeu a pergunta direta. Depois é que a notícia circulou.
O convênio com o BNDES era um grande negócio para o Ipea. Por ele, o instituto tinha dois excelentes economistas, Fábio e Otávio Tourinho, sem gastar um tostão. O pretexto para afastá-los foi ridículo: de que se quer estudar "agora" o longo prazo. Mas é exatamente o que os dois sempre fizeram, como no caso dos estudos sobre previdência. Com Gervásio Rezende e Regis, o Ipea também não tinha gastos e tinha a vantagem de contar com a maturidade dos economistas. Regis Bonelli, há anos, ajuda a formação dos jovens que entram no instituto.
O esquisito é que não é uma perseguição ideológica a inimigos da política econômica. Na verdade, parece o oposto. Michel e Sicsú têm publicado artigos contra a política monetária e a política cambial. O pensamento vivo da turma pode ser resumido: eles são contra o Banco Central e a favor da gastança. Alguns dos argumentos que usam são constrangedores, pelo que revelam de desconhecimento de teoria econômica.
O ministro Mangabeira Unger avisou na posse que iria "organizar o dissenso". Está organizando o obscurantismo. Quando a notícia do expurgo chegou aos jornais, Pochmann reagiu: "Deve ser coisa orquestrada." Essa reação é um clássico do autoritarismo. A mistura de obscurantismo e autoritarismo é um filme muito velho, que o Ipea, nascido numa ditadura militar, não pensou que veria, aos 43 anos, e em plena democracia.
Transcrito de O Globo de 21/11/2007
Sou sim um colaborador voluntário, benévolo, do veículo que me parecia um excelente canal de comunicação entre o Instituto e o público at large, a revista Desafios do Desenvolvimento, na qual assumi, voluntariamente e desde o início, o papel de colaborador na seção Estante, oferecendo resenhas (curtas, médias, ampliadas) sobre literatura econômica em geral. Uma listagem (incompleta, e agora imagino inacessível) de minhas resenhas pode ser vista neste link do meu site:
http://www.pralmeida.org/06LinksColabor/03Desafios.html
Devo ter feito mais ou menos 50 resenhas, sempre com grande liberdade de expressão, com exceção de pequenos cortes pontuais, mais justificados por questões de editoração, do que necessariamente por alguma censura política.
O antigo site da revista foi modificado: em lugar de www.desafios.org.br, somos dirigidos agora a http://www.desafios.ipea.gov.br/.
A simples mudança de org para gov talvez já seja um indicativo das mudanças em curso.
Espero, otimisticamente, que para melhor, mas tenho minhas dúvidas.
Imagino que os novos mandatários do IPEA estejam reorganizando a revista, o seu site, bem como o resto do IPEA, e eles devem ter idéias próprias sobre quem pode ou não pode colaborar com a revista.
Talvez seja melhor assim: eu poderei ler meus livros em paz, sem prazos a cumprir e sem limitações de espaço quanto ao tamanho das minhas resenhas (que costumam ser enormes) e não precisarei mais me preocupar em colaborar benevolamente com um veículo de comunicação.
Abaixo, um pequeno reflexo das mudanças no IPEA...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 21.11.2007
Tempos difíceis
Miriam Leitão
O Globo, 21.11.2007
Quando o e-mail circulou no Ipea convidando para um almoço de despedida dos quatro economistas afastados do órgão, ninguém achava que tanta gente compareceria. Para lá foram, inclusive, pessoas que discordam dos expurgados, mas discordam muito mais do expurgo em si. O afastamento é a parte mais visível do festival de obscurantismo e maus modos que atacou o instituto de pesquisa do governo.
Marcio Pochmann é o terceiro presidente do Ipea do governo Lula. É o primeiro a usar os métodos que usa. No instituto, todo mundo acha normal que uma nova direção troque diretores, tire DAS, faça suas escolhas. Mas a nova direção está encurralando quem pensa diferente, com exonerações, expurgos, retirada de dinheiro de pesquisa, interrupção de trabalhos em andamento, suspensão de convênios e o que é pior: tenta legitimar tudo o que faz levantando uma suspeita de que existia antes algo "irregular". Os convênios com a Anpec, por exemplo, sempre foram a ligação do Ipea com todos os cursos de pós-graduação do país. O Ipea vive em regime de intervenção. O clima está "indigesto", define um dos vários economistas com quem a coluna conversou. A produção caiu, estudos foram interrompidos, há pessoas valiosas fazendo as malas, como o Ricardo Paes de Barros, considerado, dentro e fora do instituto, um gênio.
No dia da posse, Pochmann encontrou Regis Bonelli e disse:
— Professor, já te conheço de nome, espero continuar contando com a sua ajuda.
Bonelli é aposentado do Ipea, mas há anos tem feito trabalhos eventuais para o instituto. Não recebia salário. Recebia por contratos de pesquisa específicos. Estava, naquele momento, terminando um texto sobre o "Estado e o Desenvolvimento" para o novo número de "O Estado de uma Nação". O texto que entregou criticava os gastos públicos mostrando que eles não têm levado a mais desenvolvimento. Analisou 10 anos para não ser visto como crítica a um governo, mas ao Estado gastador. Não agradou. Nem esse, nem qualquer outro estudo.
O "Estado de uma Nação" foi criado no atual governo e seu objetivo é agregar o resultado das novas pesquisas do Ipea e incluir idéias surgidas fora do instituto. Quando estava quase tudo pronto, o economista Paulo Tafner foi avisado por um telefonema que estava exonerado do cargo de editor. Outra revista mais acadêmica, "Pesquisa e Planejamento Econômico", recebeu também informação de que terá novo editor.
Na semana passada, Bonelli foi chamado à sala de João Sicsú. Lá estava não o titular do cargo, mas seu assistente, Renault Michel. E o diálogo foi curioso.
— Quero lhe agradecer o trabalho que o senhor sempre fez no Ipea.
— Fiz não, ainda faço.
— O senhor fez várias coisas boas. Aliás, a única coisa boa que o Malan fez aqui foram os trabalhos com o senhor. Mas agora queremos corrigir umas irregularidades.
— Eu não faço nenhuma irregularidade e, se você quiser a minha sala, basta me avisar.
Que alguma coisa esquisita tinha começado a acontecer até os corredores do Ipea descobriram em abril, quando dois assessores do senador Marcelo Crivella entraram no prédio, pediram para falar com a diretoria de recursos humanos. Queriam saber quantos DAS tinha o Ipea.
O novo diretor do Rio é o primeiro de fora da carreira que assume o posto. Mas isso não é o relevante. O esquisito é a maneira como essa direção lida com as pessoas que estão no instituto há décadas. Ele convocou todos para sua posse. Chegou uma hora e meia atrasado, ficou alguns minutos e foi embora. O breve discurso, para uma platéia de mestres e doutores, foi patético:
— Meu nome é Sicsú. Sic-sú! O dever de casa de todos é aprender como se pronuncia o meu nome. Se quiserem alguma coisa comigo, a senha é professor. Me chamem de professor.
O "professor" tem estado muito ausente, não comparece aos seminários da casa, quase não recebe quem pede para conversar. A não ser para conversas tensas, como a que teve com Fábio Giambiagi, quando ele foi perguntar se o convênio com o BNDES seria mantido. Nela, ele não respondeu a pergunta direta. Depois é que a notícia circulou.
O convênio com o BNDES era um grande negócio para o Ipea. Por ele, o instituto tinha dois excelentes economistas, Fábio e Otávio Tourinho, sem gastar um tostão. O pretexto para afastá-los foi ridículo: de que se quer estudar "agora" o longo prazo. Mas é exatamente o que os dois sempre fizeram, como no caso dos estudos sobre previdência. Com Gervásio Rezende e Regis, o Ipea também não tinha gastos e tinha a vantagem de contar com a maturidade dos economistas. Regis Bonelli, há anos, ajuda a formação dos jovens que entram no instituto.
O esquisito é que não é uma perseguição ideológica a inimigos da política econômica. Na verdade, parece o oposto. Michel e Sicsú têm publicado artigos contra a política monetária e a política cambial. O pensamento vivo da turma pode ser resumido: eles são contra o Banco Central e a favor da gastança. Alguns dos argumentos que usam são constrangedores, pelo que revelam de desconhecimento de teoria econômica.
O ministro Mangabeira Unger avisou na posse que iria "organizar o dissenso". Está organizando o obscurantismo. Quando a notícia do expurgo chegou aos jornais, Pochmann reagiu: "Deve ser coisa orquestrada." Essa reação é um clássico do autoritarismo. A mistura de obscurantismo e autoritarismo é um filme muito velho, que o Ipea, nascido numa ditadura militar, não pensou que veria, aos 43 anos, e em plena democracia.
Transcrito de O Globo de 21/11/2007
terça-feira, 20 de novembro de 2007
808) Reflexão sobre a felicidade a partir de coisas simples...
Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.
Cora Coralina, poeta de Goiás (1889-1985)
Tomei conhecimento tardiamente da frase acima de Cora Coralina e, quando dela me “apossei”, constatei que outros milhares de leitores, um tribo imensa de curiosos, professores e candidatos a poetas já a tinham incorporado em centenas de outras citações, provavelmente esparsas e incompletas. O Google “devolveu” 107 mil resultados para uma busca com essas palavras entre aspas, o que descontando as inúmeras repetições consolida, ainda assim, vasto repositório de citações de uma frase simples e no entanto imensamente poética e cativante.
Creio, como muitos outros antes de mim, que a felicidade pode estar justamente nesse ato de ensino-aprendizado, que de fato me parece uma dupla atividade, nos dois sentidos captados pela poeta de Goiás velho. Sempre aprendemos algo tentando ensinar alguma coisa a outras pessoas, pois a própria atividade docente constitui um aprendizado constante. Eu pelo menos estou sempre lendo algo para melhorar minhas aulas, trazendo novos materiais em classe, enviando artigos aos alunos, esforçando-me para que eles consigam superar o volume forçosamente limitado daquilo que é humanamente possível transmitir em sala de aula.
Eu me permitiria acrescentar à singela constatação da poeta goiana uma outra fonte de felicidade, que aliás está implícita no se sentido do ensino: o hábito da leitura. Aproveito para transcrever uma outra frase, de um escritor e dramaturgo conhecido, autor reputado popular, ainda que personalidade sabidamente complicada:
“Eu não tenho o hábito da leitura. Eu tenho a paixão da leitura. O livro sempre foi para mim uma fonte de encantamento. Eu leio com prazer e com alegria”. Ariano Suassuna.
Creio poder dizer que eu não tenho apenas a paixão da leitura. Talvez minha atitude esteja mais próxima da obsessão, da compulsão, um verdadeiro delirium tremens na fixação do texto escrito, qualquer que seja ele, do mais simples ao mais elaborado. Quando digo obsessão, não pretendo de forma alguma referir-me a algo doentio, fora de controle, pois sou absolutamente calmo e controlado em minhas visitas a livrarias e bibliotecas: contemplo com calma cada lombada ou capa e apenas ocasionalmente retiro um livro para consultar seu interior. Não me deixo dominar pelos livros e de forma alguma sou um bibliófilo ou mesmo um colecionador de livros. Na verdade, não consigo me enquadrar em nenhuma categoria dessas que supostamente compõem o mundo dos amantes de livros.
Para começar, não tenho nenhum respeito pelos livros, nenhuma devoção especial, nenhum cuidado em manuseá-los ou guardá-los (muito mal, por sinal, pois acabo me perdendo na selva de livros que constitui minha caótica biblioteca, se é que ela merece mesmo esse título). Os livros, para mim, são objetos de uso, de consumo, de manuseio indiferente, eles não valem que pelo seu conteúdo, como instrumentos de aquisição de um saber, que este sim, eu reputo indispensável a uma vida merecedora de ser vivida.
Não hesitaria um só instante em trocar todos os meus livros por versões eletrônicas, se e quando esse formato se revelar mais cômodo e mais interessante ao manuseio e leitura. Não hesito em sacrificar um livro se devo lê-lo em condições inadequadas, pois o que vale é o que podemos capturar em seu interior, não sua aparência externa ou sua conservação impecável. Ou seja, não sou um colecionador de livros, sou um “colhedor” de leituras, um agricultor da página impressa, um cultivador do texto editado, eventualmente também um semeador de conhecimento a partir dessas leituras contínuas.
De fato, o que me permite ser professor, resenhista de livros (tudo menos profissional, já que só resenho os livros que desejo) e, talvez até, um escrevinhador contumaz, antes que de sucesso, é esse hábito arraigado da leitura ininterrupta, em toda e qualquer circunstância, para grande desespero de familiares e outros “convivas”. Estou sempre lendo, algumas vezes até quando dirijo carro – o que, sinceramente, não recomendo –, mas ainda não encontrei um livro impermeável à água para leitura na ducha (na banheira seria mais fácil, mas não tenho paciência para esse tipo de prática).
Creio que a felicidade pode ser encontrada nesse tipo de coisas simples: um bom livro, uma boa música, um ambiente acolhedor, um sofá confortável, o que, confesso, raramente acontece comigo. Acabo lendo na mesa do computador, segurando o livro com a perna e teclando de modo desajeitado ao anotar coisas para registro escrito do que li. Aliás, as duas mesas de trabalho que existem em meu escritório, já não comportam mais nenhum livro: as pilhas se acumulam dos dois lados do teclado, e a outra mesa já está alta de jornais, revistas e livros, muitos livros, que também se esparramam pelo chão, como as batatinhas daquele poema infantil.
Leitor anárquico que sou, tenho livros em processo de leitura espalhados pelos diversos cômodos da casa, um pouco em todas as partes, novamente para desespero dos familiares. Não creio que venha a mudar agora esses maus hábitos. O que me deixa mesmo pensativo é a dúvida sobre quantos anos ainda terei pela frente para “liquidar” todos os livros (meus e de outras procedências), que aguardam leitura. Preciso de mais 80 ou 100...
Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org)
Brasília, 1838: 19 novembro 2007
Cora Coralina, poeta de Goiás (1889-1985)
Tomei conhecimento tardiamente da frase acima de Cora Coralina e, quando dela me “apossei”, constatei que outros milhares de leitores, um tribo imensa de curiosos, professores e candidatos a poetas já a tinham incorporado em centenas de outras citações, provavelmente esparsas e incompletas. O Google “devolveu” 107 mil resultados para uma busca com essas palavras entre aspas, o que descontando as inúmeras repetições consolida, ainda assim, vasto repositório de citações de uma frase simples e no entanto imensamente poética e cativante.
Creio, como muitos outros antes de mim, que a felicidade pode estar justamente nesse ato de ensino-aprendizado, que de fato me parece uma dupla atividade, nos dois sentidos captados pela poeta de Goiás velho. Sempre aprendemos algo tentando ensinar alguma coisa a outras pessoas, pois a própria atividade docente constitui um aprendizado constante. Eu pelo menos estou sempre lendo algo para melhorar minhas aulas, trazendo novos materiais em classe, enviando artigos aos alunos, esforçando-me para que eles consigam superar o volume forçosamente limitado daquilo que é humanamente possível transmitir em sala de aula.
Eu me permitiria acrescentar à singela constatação da poeta goiana uma outra fonte de felicidade, que aliás está implícita no se sentido do ensino: o hábito da leitura. Aproveito para transcrever uma outra frase, de um escritor e dramaturgo conhecido, autor reputado popular, ainda que personalidade sabidamente complicada:
“Eu não tenho o hábito da leitura. Eu tenho a paixão da leitura. O livro sempre foi para mim uma fonte de encantamento. Eu leio com prazer e com alegria”. Ariano Suassuna.
Creio poder dizer que eu não tenho apenas a paixão da leitura. Talvez minha atitude esteja mais próxima da obsessão, da compulsão, um verdadeiro delirium tremens na fixação do texto escrito, qualquer que seja ele, do mais simples ao mais elaborado. Quando digo obsessão, não pretendo de forma alguma referir-me a algo doentio, fora de controle, pois sou absolutamente calmo e controlado em minhas visitas a livrarias e bibliotecas: contemplo com calma cada lombada ou capa e apenas ocasionalmente retiro um livro para consultar seu interior. Não me deixo dominar pelos livros e de forma alguma sou um bibliófilo ou mesmo um colecionador de livros. Na verdade, não consigo me enquadrar em nenhuma categoria dessas que supostamente compõem o mundo dos amantes de livros.
Para começar, não tenho nenhum respeito pelos livros, nenhuma devoção especial, nenhum cuidado em manuseá-los ou guardá-los (muito mal, por sinal, pois acabo me perdendo na selva de livros que constitui minha caótica biblioteca, se é que ela merece mesmo esse título). Os livros, para mim, são objetos de uso, de consumo, de manuseio indiferente, eles não valem que pelo seu conteúdo, como instrumentos de aquisição de um saber, que este sim, eu reputo indispensável a uma vida merecedora de ser vivida.
Não hesitaria um só instante em trocar todos os meus livros por versões eletrônicas, se e quando esse formato se revelar mais cômodo e mais interessante ao manuseio e leitura. Não hesito em sacrificar um livro se devo lê-lo em condições inadequadas, pois o que vale é o que podemos capturar em seu interior, não sua aparência externa ou sua conservação impecável. Ou seja, não sou um colecionador de livros, sou um “colhedor” de leituras, um agricultor da página impressa, um cultivador do texto editado, eventualmente também um semeador de conhecimento a partir dessas leituras contínuas.
De fato, o que me permite ser professor, resenhista de livros (tudo menos profissional, já que só resenho os livros que desejo) e, talvez até, um escrevinhador contumaz, antes que de sucesso, é esse hábito arraigado da leitura ininterrupta, em toda e qualquer circunstância, para grande desespero de familiares e outros “convivas”. Estou sempre lendo, algumas vezes até quando dirijo carro – o que, sinceramente, não recomendo –, mas ainda não encontrei um livro impermeável à água para leitura na ducha (na banheira seria mais fácil, mas não tenho paciência para esse tipo de prática).
Creio que a felicidade pode ser encontrada nesse tipo de coisas simples: um bom livro, uma boa música, um ambiente acolhedor, um sofá confortável, o que, confesso, raramente acontece comigo. Acabo lendo na mesa do computador, segurando o livro com a perna e teclando de modo desajeitado ao anotar coisas para registro escrito do que li. Aliás, as duas mesas de trabalho que existem em meu escritório, já não comportam mais nenhum livro: as pilhas se acumulam dos dois lados do teclado, e a outra mesa já está alta de jornais, revistas e livros, muitos livros, que também se esparramam pelo chão, como as batatinhas daquele poema infantil.
Leitor anárquico que sou, tenho livros em processo de leitura espalhados pelos diversos cômodos da casa, um pouco em todas as partes, novamente para desespero dos familiares. Não creio que venha a mudar agora esses maus hábitos. O que me deixa mesmo pensativo é a dúvida sobre quantos anos ainda terei pela frente para “liquidar” todos os livros (meus e de outras procedências), que aguardam leitura. Preciso de mais 80 ou 100...
Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org)
Brasília, 1838: 19 novembro 2007
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