domingo, 30 de abril de 2023

Gangues armadas no Haiti levam missionárias do Brasil a encerrarem ação no país - Mayara Paixão (Acessa)

Introito (PRA): Quando os companheiros inventaram de acudir americanos e franceses nessa missão inglória, em 2004, eu alertei o Luiz Gushiken, um dos membros da troika que mandava no primeiro governo Lula: vocês pensaram bem no que estão fazendo? Vão fazer lá o que não estão fazendo aqui: combater gangues armadas em favelas. E disse que o Haiti ficaria 50 anos na assistência pública internacional. Vcs têm certeza de que o Brasil está preparado para isso? A decisão já estava tomada, e sempre foi o Celso Amorim que decidiu, seguindo a megalomania do chefe... 

https://www.acessa.com/mundo/2023/04/144573-gangues-armadas-no-haiti-levam-missionarias-do-brasil-a-encerrarem-acao-no-pais.html

Gangues armadas no Haiti levam missionárias do Brasil a encerrarem ação no país

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O plano inicial, ao chegar ao Haiti em 2014, era ficar três anos. Mas a missão foi se prolongando, de modo que, quando teve de sair às pressas do país em fevereiro passado, a irmã Ideneide Rego, 56, já atuava havia nove anos junto a crianças e idosos haitianos.

"A princípio, parecia que o Haiti tinha conseguido caminhar com suas próprias pernas", relata ela sobre seus meses iniciais morando na ilha caribenha. Na época, quatro anos após um terremoto deixar mais de 220 mil mortos, militares brasileiros ainda lideravam uma missão de paz da ONU no país : a Minustah.

De lá para cá, tudo se agravou, em especial a partir de 2021, quando o assassinato do presidente Jovenel Moïse levou a um vácuo no poder. A violência de gangues armadas, um desafio crônico, imperou. E literalmente bateu às portas da missionária brasileira.

Num sábado de janeiro, o bairro no qual Rego e outra missionária moravam, na capital Porto Príncipe, foi tomado por uma das gangues locais, e a casa delas foi invadida. Os primeiros homens chegaram durante a tarde, e horas depois, já à noite, veio um novo grupo.

"Eles têm armas poderosíssimas. Reviraram tudo, pegaram nosso dinheiro, nossos pertences e computadores, mas escondemos os telefones dentro dos produtos de limpeza", conta Rego. "Eles ficaram cerca de uma hora e meia com a gente, apontando o revólver. De vez em quando, o líder deles ligava para saber quanto já tinham arrecadado."

Vizinhos acudiram as missionárias após a invasão, ajudando-as a embalar seus pertences em sacos e a transportá-los até um local seguro. Mas o episódio violento tornou inviável o trabalho missionário intercongregacional, liderado pela Conferência dos Religiosos e pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.

As missionárias partiram então para a República Dominicana, país que divide com o Haiti a ilha de Hispaniola e serve de passagem para a maioria das pessoas que deseja deixar o território para o Brasil, por exemplo, não há mais voos diretos.

Rego já planejava deixar o Haiti em meados deste ano. O objetivo, porém, era ceder seu posto a outras missionárias, o que não deve mais acontecer. De todo modo, a maneira como tudo ocorreu, um "interrompimento tão brusco", em suas palavras, tornou o distanciamento muito pior.

"É muito triste e doloroso saber o quanto nos esforçamos, quantas vidas o projeto salvou e, de repente, acabou tudo. Enquanto o Haiti estiver nessa situação, não tem condição. Se não tiver uma intervenção internacional, o Haiti jamais vai conseguir se levantar."

Em Porto Príncipe, as missionárias lideravam uma gama de projetos. Num deles, ensinavam bordados a mulheres, em especial às jovens, para que tivessem algum meio de ganhar dinheiro e assim não sucumbissem à prostituição. Uma vez por mês, faziam atividades com idosos.

Mas eram crianças e gestantes os grupos sociais mais beneficiados. As irmãs buscavam garantir a nutrição de 64 crianças. "A questão da fome é muito desumana lá. É um grito que ecoa aos céus. Há muitas crianças com desnutrição severa. Usávamos farinha enriquecida e, em alguns casos, também ajudávamos as famílias."

Havia ainda um projeto de reforço escolar com cerca de 70 crianças em que a alimentação também era peça-chave. "Muitas delas diziam que comiam até sexta-feira, porque no sábado e no domingo não tinham comida em casa. Algumas, de cinco ou seis anos, não comiam toda a comida: levavam a vasilha para partilhá-la com quem ficava em casa."

De volta ao Brasil, Rego ficou por alguns meses em Belo Horizonte até partir para a casa dos pais, em Teresina, no Piauí, de onde falou com a reportagem. Ela segue fazendo terapia, e sua próxima missão já está definida. Seu rumo em breve é Petrolina, no estado de Pernambuco.

Do Brasil, ela ainda recebe notícias que geram angústia. Na última semana, soube de um adolescente que ela tinha conhecido aos nove anos e que agora, aos 16, desapareceu após ser levado pela polícia. "Quando o conhecemos, ele nunca tinha ido para a escola. Tinha problemas de dicção, e o ajudamos com aulas de reforço."

Sem representantes eleitos e com instituições de Estado falidas, o Haiti não conta nem sequer com forças de segurança. Em 1995, o país desfez suas Forças Armadas. O que restou foi uma polícia nacional com baixos efetivos e pouco controle das fronteiras, diz Ricardo Seitenfus, ex-representante da OEA (Organização dos Estados Americanos) no país.

Em 2017, Jovenel Moïse iniciou um plano para reestruturar as Forças Armadas, mas a tarefa foi meramente "pro forma", diz Seitenfus, um dos maiores especialistas no país. Ele afirma que o Exército "tem pouquíssimos integrantes e não dispõe de treinamento ou equipamentos".

Na última semana, o secretário-geral da ONU, o português António Guterres, disse que a situação haitiana pode ser comparada a de um país que está efetivamente em guerra. "O grande número de mortes e o aumento da área controlada por gangues armadas fazem com que a insegurança na capital atinja níveis comparáveis aos de países em situação de conflito armado", declarou ele.

Dados da ONU mostram que, entre janeiro e março, o número de homicídios no país aumentou 21% em relação ao trimestre anterior (815 ante 673), e o número de sequestros subiu 63% (637 ante 391).

A impressão popular de que as armas se proliferam no país se sustenta também nos números. Um estudo do instituto suíço Small Arms Survey mostrou que, se a quantidade estimada de armas civis no país era de 270 mil em 2019, em 2022 ele saltou para 600 mil.

Enquanto o debate sobre a situação haitiana ocupa um lugar marginal nos fóruns internacionais, cresce o temor de quais soluções podem ser postas em prática pelo governo do premiê Ariel Henry. Papéis do Pentágono vazados recentemente mostraram que o grupo mercenário russo Wagner, que atua na Guerra da Ucrânia e em países do Sahel e já foi acusado de violar os direitos humanos diversas vezes, sonda Porto Príncipe.

Para Seitenfus, o Brasil, em um momento de reestruturação de sua política externa, não deveria ser omisso. Com o conhecimento acumulado dos anos de missão militar e humanitária no Haiti, Brasília deveria atuar com maior ênfase no debate sobre o país. "Temos aqui, na nossa porta, chamando por uma ajuda, um país com o qual convivemos durante 13 anos. E agora simplesmente fechamos os olhos."

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Enviado por Ricardo Seitenfus:  
"Da dúvida razoável depende a evolução humana."


Nazi Colonization and Extermination in Ukraine Making of Modern Ukraine 16 - Timothy Snyder

Timothy Snyder continua sua séria "ucraniana":  

Nazi Colonization and Extermination in Ukraine

Making of Modern Ukraine 16

The subject this time is Ukraine as the object of Hitler’s plan to attain Lebensraum. Ukraine was to be the most important colony in the German empire he meant to build. The idea was to exploit the same territory Stalin exploited, but to different ends, and while destroying the Soviet system. As I tried to show here and in Bloodlands, the Nazi aspiration to control Ukraine was one of the necessary conditions of the Holocaust of the European Jews. 

This lecture reviews the German factor in Ukraine history broadly before presenting the terrible reality of Nazi occupation. Although Russia tries to claim the suffering and the victory for itself today, inhabitants of Soviet Ukraine were greater risk of death than inhabitants of Soviet Russia. For that matter, more Ukrainians died fighting the Germans than Americans, British, and French taken together.

The video is here  (here)

and the podcast version is here or herehere

Reading:

Snyder, Bloodlands, chapters 4-5.

Plokhy, Gates of Europe, chapters 22, 23

Yekelchyk, Stalin's Empire of Memory, chapters 1-4.

Terms:

Kingdom of the Franks

Holy Roman Empire

Kyiv-Mohyla Academy

Prussia

Frederick the Great 1740-1780

Kant 1724-1804, Königsberg

Hetmanate

Mein Kampf

Operation Barbarossa

final solution, Hunger Plan, Generalplan Ost

Babyn Yar/Babi Yar

Kamianets' Podils'kyi

Operation Typhoon

Zhytomyr, Kharkiv, Stalino (Donetsk)


O martírio de Branca Dias em O Santo Inquérito, de Dias Gomes - Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy (Embargos Culturais, Consultor Jurídico)

 Mais um da imperdível série dos Embargos Culturais de Arnaldo Godoy.

EMBARGOS CULTURAIS

O martírio de Branca Dias em O Santo Inquérito, de Dias Gomes

Por 

Em O Santo Inquérito, Dias Gomes (1922-1999) retomou o martírio de Branca Dias (século XVI) para explorar o assustador tema da violência na política. Agências judiciárias são instrumentalizadas para a perseguição e destruição do inimigo político, o que muitos chamam hoje de "lawfare". O tema é recorrente, porque é da essência de uma concepção realista da vida forense. Não há novidades.

Quanto ao enredo, Branca Dias é uma personagem cuja existência suscitaria algumas dúvidas, inclusive se vivia em Pernambuco ou na Paraíba. Há fortes indícios de que vivera em Olinda, onde encontramos uma simpática casa atribuída a essa proto-heroína.

Para José Joffily (político e historiador paraibano que viveu muitos anos no Paraná) Branca Dias nasceu na Paraíba, em 1734, foi condenada pela Inquisição por ser judia, e teria morrido na fogueira em Lisboa, em 1761. Joffily expôs em seu livro (Nos tempos de Branca Dias) uma foto da rua Branca Dias em João Pessoa. Minha mãe, Leila Moraes Godoy, coordenou e revisou o trabalho.

Arnaldo Nisker, da Academia Brasileira de Letras, também tratou do assunto em Branca Dias, Martírio, em livro muito bem pesquisado, sob uma perspectiva da perseguição ao judaísmo, realisticamente observando que o martírio de Branca Dias, real ou imaginário, marca fortemente a imaginação popular. Niskier é um especialista em temas conexos, como lemos em Padre Antonio Vieira e os Judeus.

Dias Gomes antepõe à peça um texto de importante valor historiográfico, registrando o que sabia e o que pensava sobre os personagens. Supõe que Branca Dias havia de fato existido, e que fora queimada na fogueira, a exemplo de Joana D'Arc. Admitiu que a história não é precisa e que há muita controvérsia em torno do assunto. A introdução fixa precisamente os limites entre história e ficção. O que aconteceu não importa. O que vale é como o autor se apropriou do enredo e do motivo histórico.

O que também encanta nessa peça de Dias Gomes é a problematização da condição da mulher. A sinceridade de Branca Dias, e até certo ponto sua ingenuidade, possibilitam uma chave interpretativa para a tragédia. O Inquisidor, Padre Bernardo, é um crápula. Implacável, pervertido, maldoso, que invertia o sentido da realidade das coisas, alertando que a acusada fingia que era um anjo de candura, e que os julgadores não eram "bestas sanguinárias". Branca Dias, no entanto, chega a afirmar que o Santo Ofício era misericordioso e justo. Quanta ingenuidade.

Há aqui também um problema historiográfico que pode nos colocar numa cilada. A Inquisição era a forma de adjudicação daquele tempo, naquele contexto, e nesse sentido era a forma como se buscava a verdade. Quem viveu à época não entendia (e nem podia entender) de outra forma. O assunto foi tratado por Michel Foucault em uma série de conferências que proferiu no Rio de Janeiro, em 1973, na então Universidade Católica do Rio de Janeiro. As conferências foram organizadas e coordenadas por Affonso Romano de Sant'Anna.

A busca da verdade por meio da racionalidade não era certamente a fórmula que conduzia os processos no ambiente da Inquisição, como lemos nos grandes estudos sobre o assunto, de Anita Novinsky, Giuseppe Marcocci, José Pedro Paiva, Neusa Fernandes, Francisco Bethencourt, Ronaldo Manoel Silva e Antonio Borges Coelho, entre tantos outros. Indico a leitura imperdível das Confissões da Bahia, organizadas por Ronaldo Vainfas. O assunto (Inquisição) é substancialmente atual, especialmente à luz de delações premiadas, acordos de leniência e de não persecução penal. No núcleo, a disputa em torno do monopólio da verdade. Vale também a leitura de O Queijo e os Vermes, de Carlo Ginsburg.

Na peça, ironicamente, Branca Dias havia salvado a vida do religioso que a acusa, que quase morrera afogado. O padre reconhece que Branca Dias lhe havia estendido a mão uma vez, que lhe salvara a vida, e que agora era sua vez de retribuir com o mesmo gesto. Ela a mandou para a fogueira, na conclusão de um processo que não poderia terminar de outra forma. Retribuiu. Um canalha.

Branca Dias tinha posições firmes. Afirmou (na peça) que "se um texto da Sagrada Escritura pode ter duas interpretações opostas, então o que não estará nesse mundo sujeito a interpretações diferentes?". É essa dúvida (de algum modo cartesiana) que forneceu à Inquisição o material para condenar a ré. A acusação consistia na heresia e na prática de atos contra a moralidade, a exemplo de nadar nua no rio, numa noite de muito calor. Branca Dias não confessou o que não podia confessar, não mentiria, "nem mesmo em troca do sol".

Na sentença, o tribunal concluiu: "Procedemos a um longo e minucioso inquérito, em que todas as acusações foram examinadas à luz da verdade, da justiça e do direito canônico. À acusada foram oferecidas todas as oportunidades de defesa e arrependimento. Dia após dia, noite após noite, estivemos aqui lutando para arrancar essa pobre alma às garras do Demônio. Mas fomos derrotados. Desgraçadamente". Na execução (fogueira) o padre, o canalha a que me referi acima, "a vê, angustiado, contorcer-se entre as chamas (...) contorce-se também, como se sentisse na própria carne".

A Inquisição queimava os corpos para salvar as almas.


 é advogado em Brasília (Hage e Navarro), professor livre-docente pela USP, doutor e mestre pela PUC-SP, professor titular mestrado-doutorado na Uniceub (Brasília) e professor visitante (Boston, Nova Déli, Berkeley, Frankfurt e Málaga).

Revista Consultor Jurídico, 30 de abril de 2023, 8h00

Capitalismo e democracia no Brasil: releitura de um clássico - Paulo Roberto de Almeida

 Capitalismo e democracia no Brasil: releitura de um clássico 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Esquema para possível livro dentro da série de “clássicos revisitados”.

  

 

No contexto da minha série dos “clássicos revisitados” – iniciada com o Manifesto Comunista, continuada por meio de um reaproveitamento das obras de Maquiavel, Tocqueville, Sun Tzu, Benjamim Constant e alguns outros –, pensei em retomar as lições básicas de Milton Friedman, em seu famoso livro de 1962 (reeditado em 1982, 2002 e 2020), e aplicar seus argumentos ao caso brasileiro, com as devidas adaptações e considerações específicas ao nosso itinerário histórico. O esquema, reproduzindo em grande medida o índice original, poderia ser este:

 

Prefácio 

1. A difícil conexão entre liberdade política e liberdade econômica no Brasil

2. O peso do Estado em uma sociedade parcialmente livre

3. Moeda e finanças num ambiente altamente volátil

4. Acordos financeiros e comerciais internacionais: a longa dependência

5. As contas públicas: raramente em equilíbrio

6. O papel insuficiente do Estado na educação

7. A persistência do escravismo e do corporativismo 

8. Monopólios, carteis e o sindicalismo tutelado pelo Estado

9. O cartorialismo regulatório ultra exacerbado 

10. A não distribuição de renda: uma tendência persistente ao longo da história

11. Políticas de bem-estar social: entre o foco e a abrangência

12. Redução da pobreza: uma tarefa nunca completada

13. Conclusão: o que nos separa de uma sociedade desenvolvida?

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4379: 30 abril 2023, 1 p.


Política externa e diplomacia brasileira: entrevista com Marcos Rolim, do Tribunal de Contas do RS - Paulo Roberto de Almeida

 Percorrendo ao acaso meus registros de trabalhos sobre determinados temas, deparei-me com uma ficha sobre uma entrevista concedida quase quatro anos atrás, sobre os desastres da diplomacia bolsolavista, e acabei assistindo novamente à emissão, concedida a um funcionário do TCE-RS sobre diferentes temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira. Há um texto preparado com base num roteiro de questões previamente submetidas, e há a emissão propriamente dita, neste link: https://www.youtube.com/watch?v=ArHDFztC7Ng


3756. “Política externa e diplomacia brasileira: notas para uma entrevista”, Brasília, 17 setembro 2020, 7 p. Respostas a questões colocadas por Marcos Rolim, professor e funcionário do Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul, com gravação em 18/09/2020 por via de ferramenta de comunicação. Divulgado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/44111524/3756_Politica_externa_e_diplomacia_brasileira_notas_para_uma_entrevista_2020_) e no blog Diplomatizzando (18/09/2020; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/09/politica-externa-e-diplomacia.html). Transmitido no programa Atitude TCE Entrevista da TV Assembleia do RS (21/09/2020; (link: https://www.youtube.com/watch?v=ArHDFztC7Ng&feature=youtu.be e link: https://www.youtube.com/watch?v=ArHDFztC7Ng&t=2s). Relação de Publicados n. 1467. 

 

sábado, 29 de abril de 2023

Guillermo Piernes sobre as formas desejáveis de morrer

 Como gostaria morrer 

Por Guillermo Piernes **

Careço da experiência de morrer, pelo menos conscientemente. Tal vez já morri e renasci mil vezes e fui pássaro, flor, peixe ou rinoceronte, grão de arroz.

É uma discussão na qual a Humanidade se embrenhou desde sempre, sem uma resposta definitiva aceita pela maioria.

Como conscientemente tenho certeza que algum dia vou morrer, decidi enumerar cinco formas que preferiria morrer. Faço a resalva que está longe de mim à escolha. É com Deus, Deuses, Universo, Destino, Natureza, outro tema em que a Humanidade nunca chegou a lograr unanimidade.

Sim, poderia me suicidar. Essa forma não está entre minhas prioridades. Não gosto de matar pessoas, animais, plantas, e muito menos matar um ser com que tive de conviver desde o útero materno ate o momento de escrever estas linhas, eu mesmo. Foram muitos anos, porem esse relacionamento, com graves crises e enormes alegrias, não é o tema central desta crônica.

Nesta vida, inspirado pelas leituras e o exemplo do meu pai, tentei ser um cavalheiro com coragem, lealdade e cortesia. Lógico que em várias ocasiões falhei. Sou humano, e por essa condição humana, vou morrer. Se fosse pedra duraria mais e tal vez livraria leitores desta minha crônica final.

Desde que venci na corrida pela minha vida, onde participaram uns oito milhões de espermatozoides e todos morreram, passei a não temer a Morte. Eu consegui chegar ao cobiçado óvulo para iniciar a longa jornada que me levou até hoje e devo confessar que essa foi uma oportunidade gigantesca para a glamourosamente desenhada Dama de Negro, de acabar comigo.

Dou fé que estive três vezes a um passo que acabasse esta minha vida - a vida de agora mesmo - , e acredito que até tenho certa simpatia da Morte que já mostrou que não me quer me pegar antes da hora. E olha que foram oportunidades excelentes, sem contar as que eu não percebi.

A primeira foi ao nascer numa época de baixa tecnologia na medicina, num parto totalmente desfavorável para a criança. Já tinha sido condenado para preservar a vida da mãe, porem uma quase milagrosa intervenção - ou sem esse quase - permitiu meu nascimento. Dessa experiência nada lembro, apenas os emocionados relatos maternos sobre o episódio.

A segunda foi na adolescência, quando era um atleta e sofri uma intervenção cirúrgica para extrair amígdalas. Tive uma hemorragia ao voltar a minha casa. Fui levado às presas, desmaiado, ao hospital. Cauterizaram e me mandaram de volta a casa. Nova hemorragia e nova corrida, agora semiacordado para a UTI. Ouvi os dois médicos xingando, quase histéricos, por receber um jovem semimorto por uma serie de erros. 

Pareceu-me enxergar uma ponte muito iluminada que saia da sala e senti quase levitar na sua direção. Não senti nada de medo apenas pensei que pouco tinha vivido para ir à outra dimensão. Antes de chegar nessa ponte de luz tão forte, acordei. Vi um médico inclinado sobre mim que acariciou meus cabelos e me disse: "menino você vai ficar bem logo, mas foi por muito pouco. Teu coração foi incrível".

Esse coração me colocou também em situações altamente complicadas após esse incidente, porem não vem ao caso relatar esses episódios nem criticar esse coração apaixonado, como permanente reconhecimento do seu trabalho em prol da minha longa vida.

A terceira foi quando eu dirigia sozinho numa estrada em alta velocidade. Meu carro derrapou ao atravessar uma grande poça de água e bateu na proteção que divide as faixas da rodovia. O veiculo voou e deu quatro voltas completas no ar. Grudado ao volante vi tudo em câmara super lenta, magicamente lenta.

Com o carro girando no ar pedi também lentamente: "Deus me ajude", confirmando no pedido minha resignação e impotência como simples mortal, certo que não sobreviveria o impacto no inevitável contato com o asfalto. Tudo indica que fui ouvido. Tiraram-me do carro totalmente destruído, salvo o lugar do piloto. Apenas um golpe leve na coxa foi constatado nos múltiplos exames realizados no hospital. No dia seguinte, segui viagem, de ônibus.

Para evitar que um leitor irritado pelo ritmo da crônica, nestes tempos de tanta brutalidade, ignorância e tecnologia para matar, o faça, vou rapidamente listar minhas formas preferidas para dar um fim a esta vida. Antes preservo o meu direito de esperar renascer muitas vezes e de viver muito mais e bem na que ainda tenho.

As minhas preferencias são as seguintes:

Sem dor, nos braços de um ser amado.

Rápido, bebendo um vinho e ouvindo boa música.

Fulminante, sonhando com meus seres queridos.

Por um raio, na praia, encantado pelo ondas do mar.

Depois de olhar as estrelas e agradecer pelo vivido.

** Guillermo Piernes é ou foi escritor, jornalista e diplomata

* Pintura de Ana Helena Reis, talentosa escritora. Ver Pincel de Crônicas

- Texto entre os 300 textos do site-  gratuito não comercial - guillermopiernes.com.br

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PRA: Aprovo totalmente as opções, que não são exatamente nossa escolha, a partir de certa fase declinante das forças pessoais. Ainda não listei as minhas oportunidades anteriores de morrer, uma delas talvez coincidente com a resistência à ditadura milirar (daí o autoexílio), outras provavelmente decorrentes de durigir rapidamente em viagens de muita quilometragem. Uma delas foi abortada pela minha mulher, Carmen Lícia Palazzo, muito mais sensata do que eu: atravessar o Atacama em carro normal. Fora isso, preciso descobrir as outras janelas de “oportunidades” a que escapei. Mas gostei do texto, o que inspira a fazer um “planejamento” (esse resquício de socialismo) para os amos que me restam. 


La France au Brésil - Blog Gallica, Bibliothèque Nationale de France

 La France au Brésil

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19 OCTOBRE 2016

Le Blog Gallica

La Bibliothèque numérique
de la BnF et de ses partenaires

De nouvelles pages "Collections" consacrées à la France au Brésil sont disponibles dans Gallica. Elles présentent certains épisodes majeurs d’une histoire partagée qui, depuis l’arrivée de Villegagnon dans la baie de Rio de Janeiro en 1555, s’est nourrie de récits évocateurs.

En 2009, dans le cadre de "L’Année de la France au Brésil", la Bibliothèque nationale de France et la Biblioteca Nacional du Brésil ont conçu en partenariat un portail numérique intitulé "La France au Brésil". Destiné à valoriser un ensemble de documents représentatifs de l’histoire des relations entre les deux pays du XVIe siècle à nos jours, ce site renouait les fils d’une histoire singulière, riche de contacts et d’échanges. C’est dans la continuité de ce projet que Gallica ouvre aujourd’hui de nouvelles pages thématiques : imprimés, manuscrits, cartes, dessins et photographies sélectionnés dans les collections numériques attestent la présence réelle de la France au Brésil, mais aussi son étonnante fortune symbolique.

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Atlas nautique du Monde, dit atlas Miller. Homem, Lopo, 1519

Si, à l’avenir, le corpus "France-brésil" est encore destiné à s’étoffer, en particulier de documents audiovisuels, il a d’ores et déjà pu être considérablement enrichi grâce à une convention entre la BnF et la Bibliothèque Sainte-Geneviève, qui a permis de numériser et de verser dans Gallica plus de 340 documents issus du fonds Ferdinand Denis, classé au Patrimoine culturel de l’humanité par l’Unesco en 2012. Ferdinand Denis (1838-1885), qui fit toute sa carrière à la Bibliothèque Sainte-Geneviève, consacra en effet au Brésil une dizaine d’ouvrages et devint une figure tutélaire des études brésiliennes en France.

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Femmes Cabocles, blanchisseuses à Rio-Janeiro. Voyage pittoresque et historique au Brésil, ou Séjour d’un artiste français au Brésil, depuis 1816 jusqu’en 1831 inclusivement, par J.-B. Debret. Paris, Firmin-Didot, 1834-1839

Vous souhaitez en apprendre davantage sur le thème ? À l’occasion du bicentenaire des voyages de Denis et Saint-Hilaire, une rencontre internationale est programmée les 25 et 26 novembre prochains, à la Bibliothèque nationale de France et à la Maison de l’Amérique Latine : "Le moment 1816 des sciences et des arts : regards croisés franco-brésiliens". Parallèlement, la Maison de l’Amérique Latine présente, du 20 octobre au 20 décembre 2016, une exposition intitulée "L’atelier tropical".

Régine Piersanti, Chargée de collections en langue et littératures d’expression portugaise

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Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...