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domingo, 30 de abril de 2023

Gangues armadas no Haiti levam missionárias do Brasil a encerrarem ação no país - Mayara Paixão (Acessa)

Introito (PRA): Quando os companheiros inventaram de acudir americanos e franceses nessa missão inglória, em 2004, eu alertei o Luiz Gushiken, um dos membros da troika que mandava no primeiro governo Lula: vocês pensaram bem no que estão fazendo? Vão fazer lá o que não estão fazendo aqui: combater gangues armadas em favelas. E disse que o Haiti ficaria 50 anos na assistência pública internacional. Vcs têm certeza de que o Brasil está preparado para isso? A decisão já estava tomada, e sempre foi o Celso Amorim que decidiu, seguindo a megalomania do chefe... 

https://www.acessa.com/mundo/2023/04/144573-gangues-armadas-no-haiti-levam-missionarias-do-brasil-a-encerrarem-acao-no-pais.html

Gangues armadas no Haiti levam missionárias do Brasil a encerrarem ação no país

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O plano inicial, ao chegar ao Haiti em 2014, era ficar três anos. Mas a missão foi se prolongando, de modo que, quando teve de sair às pressas do país em fevereiro passado, a irmã Ideneide Rego, 56, já atuava havia nove anos junto a crianças e idosos haitianos.

"A princípio, parecia que o Haiti tinha conseguido caminhar com suas próprias pernas", relata ela sobre seus meses iniciais morando na ilha caribenha. Na época, quatro anos após um terremoto deixar mais de 220 mil mortos, militares brasileiros ainda lideravam uma missão de paz da ONU no país : a Minustah.

De lá para cá, tudo se agravou, em especial a partir de 2021, quando o assassinato do presidente Jovenel Moïse levou a um vácuo no poder. A violência de gangues armadas, um desafio crônico, imperou. E literalmente bateu às portas da missionária brasileira.

Num sábado de janeiro, o bairro no qual Rego e outra missionária moravam, na capital Porto Príncipe, foi tomado por uma das gangues locais, e a casa delas foi invadida. Os primeiros homens chegaram durante a tarde, e horas depois, já à noite, veio um novo grupo.

"Eles têm armas poderosíssimas. Reviraram tudo, pegaram nosso dinheiro, nossos pertences e computadores, mas escondemos os telefones dentro dos produtos de limpeza", conta Rego. "Eles ficaram cerca de uma hora e meia com a gente, apontando o revólver. De vez em quando, o líder deles ligava para saber quanto já tinham arrecadado."

Vizinhos acudiram as missionárias após a invasão, ajudando-as a embalar seus pertences em sacos e a transportá-los até um local seguro. Mas o episódio violento tornou inviável o trabalho missionário intercongregacional, liderado pela Conferência dos Religiosos e pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.

As missionárias partiram então para a República Dominicana, país que divide com o Haiti a ilha de Hispaniola e serve de passagem para a maioria das pessoas que deseja deixar o território para o Brasil, por exemplo, não há mais voos diretos.

Rego já planejava deixar o Haiti em meados deste ano. O objetivo, porém, era ceder seu posto a outras missionárias, o que não deve mais acontecer. De todo modo, a maneira como tudo ocorreu, um "interrompimento tão brusco", em suas palavras, tornou o distanciamento muito pior.

"É muito triste e doloroso saber o quanto nos esforçamos, quantas vidas o projeto salvou e, de repente, acabou tudo. Enquanto o Haiti estiver nessa situação, não tem condição. Se não tiver uma intervenção internacional, o Haiti jamais vai conseguir se levantar."

Em Porto Príncipe, as missionárias lideravam uma gama de projetos. Num deles, ensinavam bordados a mulheres, em especial às jovens, para que tivessem algum meio de ganhar dinheiro e assim não sucumbissem à prostituição. Uma vez por mês, faziam atividades com idosos.

Mas eram crianças e gestantes os grupos sociais mais beneficiados. As irmãs buscavam garantir a nutrição de 64 crianças. "A questão da fome é muito desumana lá. É um grito que ecoa aos céus. Há muitas crianças com desnutrição severa. Usávamos farinha enriquecida e, em alguns casos, também ajudávamos as famílias."

Havia ainda um projeto de reforço escolar com cerca de 70 crianças em que a alimentação também era peça-chave. "Muitas delas diziam que comiam até sexta-feira, porque no sábado e no domingo não tinham comida em casa. Algumas, de cinco ou seis anos, não comiam toda a comida: levavam a vasilha para partilhá-la com quem ficava em casa."

De volta ao Brasil, Rego ficou por alguns meses em Belo Horizonte até partir para a casa dos pais, em Teresina, no Piauí, de onde falou com a reportagem. Ela segue fazendo terapia, e sua próxima missão já está definida. Seu rumo em breve é Petrolina, no estado de Pernambuco.

Do Brasil, ela ainda recebe notícias que geram angústia. Na última semana, soube de um adolescente que ela tinha conhecido aos nove anos e que agora, aos 16, desapareceu após ser levado pela polícia. "Quando o conhecemos, ele nunca tinha ido para a escola. Tinha problemas de dicção, e o ajudamos com aulas de reforço."

Sem representantes eleitos e com instituições de Estado falidas, o Haiti não conta nem sequer com forças de segurança. Em 1995, o país desfez suas Forças Armadas. O que restou foi uma polícia nacional com baixos efetivos e pouco controle das fronteiras, diz Ricardo Seitenfus, ex-representante da OEA (Organização dos Estados Americanos) no país.

Em 2017, Jovenel Moïse iniciou um plano para reestruturar as Forças Armadas, mas a tarefa foi meramente "pro forma", diz Seitenfus, um dos maiores especialistas no país. Ele afirma que o Exército "tem pouquíssimos integrantes e não dispõe de treinamento ou equipamentos".

Na última semana, o secretário-geral da ONU, o português António Guterres, disse que a situação haitiana pode ser comparada a de um país que está efetivamente em guerra. "O grande número de mortes e o aumento da área controlada por gangues armadas fazem com que a insegurança na capital atinja níveis comparáveis aos de países em situação de conflito armado", declarou ele.

Dados da ONU mostram que, entre janeiro e março, o número de homicídios no país aumentou 21% em relação ao trimestre anterior (815 ante 673), e o número de sequestros subiu 63% (637 ante 391).

A impressão popular de que as armas se proliferam no país se sustenta também nos números. Um estudo do instituto suíço Small Arms Survey mostrou que, se a quantidade estimada de armas civis no país era de 270 mil em 2019, em 2022 ele saltou para 600 mil.

Enquanto o debate sobre a situação haitiana ocupa um lugar marginal nos fóruns internacionais, cresce o temor de quais soluções podem ser postas em prática pelo governo do premiê Ariel Henry. Papéis do Pentágono vazados recentemente mostraram que o grupo mercenário russo Wagner, que atua na Guerra da Ucrânia e em países do Sahel e já foi acusado de violar os direitos humanos diversas vezes, sonda Porto Príncipe.

Para Seitenfus, o Brasil, em um momento de reestruturação de sua política externa, não deveria ser omisso. Com o conhecimento acumulado dos anos de missão militar e humanitária no Haiti, Brasília deveria atuar com maior ênfase no debate sobre o país. "Temos aqui, na nossa porta, chamando por uma ajuda, um país com o qual convivemos durante 13 anos. E agora simplesmente fechamos os olhos."

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Enviado por Ricardo Seitenfus:  
"Da dúvida razoável depende a evolução humana."


segunda-feira, 10 de abril de 2023

Política externa: cem dias do Itamaraty sob Lula têm reconstrução de pontes e prioridades errantes - Mayara Paixão (Folha de S. Paulo)

Cem dias do Itamaraty sob Lula têm reconstrução de pontes e prioridades errantes

Política externa liderada por Mauro Vieira e Celso Amorim faz acenos múltiplos, retoma protagonismos e vive pressão interna
Mayara Paixão
Folha de S. Paulo, 9.abr.2023


SÃO PAULO - Estava um clima tão descontraído —dentro dos padrões do rito diplomático— que, a certa altura, Celso Amorim esqueceu que seu interlocutor era russo e começou a falar em português. Do outro lado de uma mesa gigante no Kremlin, estava Vladimir Putin, que por uma hora conversou com o enviado de Lula.

O russo riu. Foi uma quebra de gelo que, para o assessor especial da Presidência e ex-chanceler, cristalizou a receptividade que nem ele esperava. Amorim, afinal, foi à Rússia vender a Putin a ideia de Lula sobre o "clube da paz" para frear a guerra em curso na Ucrânia.

A viagem representou o mais recente aceno da política externa brasileira novamente sob a batuta de Lula. Os cem primeiros dias do novo Itamaraty foram marcados por acenos múltiplos em várias direções. O desafio, agora, é esclarecer o que será prioridade.

Com a ressaca do bolsonarismo —um período que apartou o Brasil da China, seu principal parceiro econômico, e tornou o país quase um pária— o clima geral sobre a agenda externa capitaneada por Lula, pelo chanceler Mauro Vieira e por Celso Amorim é de otimismo.

Mas diplomatas e acadêmicos salientam que, daqui para a frente, é preciso medir a materialidade dessas propostas e, claro, quais sairão primeiro do papel. "Quando há uma multiplicidade de prioridades, pode-se incorrer em erros de concretização e materialização de alguns projetos", diz Hussein Kalout, pesquisador de Harvard e membro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).

Em três meses a pasta fez acenos à América do Sul aos EUA, à China —para onde Lula viaja nesta semana—, à União Europeia, à agenda ambiental, à igualdade de gênero e à Guerra da Ucrânia.

Foi também um período inicial de ampla agenda no exterior. Enquanto Lula esteve em Portugal, antes mesmo da posse, na Argentina, no Uruguai e nos EUA, Vieira fez, além dessas, outras cinco viagens oficiais —como à Alemanha, para a Conferência de Segurança de Munique, e a Índia, para reunião do G20.

Ao todo, segundo levantamento da Folha junto ao Itamaraty, foram 65 encontros bilaterais de Vieira com chanceleres e ministros desde 1º de janeiro. Ao Brasil, já vieram seis chanceleres nestes cem dias —de Japão, Grécia, França, Portugal, Uruguai e Angola.

Figuras próximas aos principais formuladores da atual política externa argumentam que a multiplicidade de acenos se trata, na verdade, da construção de pontes necessárias para fazer avançar áreas prioritárias, como a agenda climática, o combate às desigualdades e a mediação da paz e da democracia (na Ucrânia e em outros lugares, como na Venezuela, para onde Amorim também foi enviado por Lula).

O próprio chanceler adota essa linha. À Folha Vieira afirma que, nestes cem dias, o foco inicial foi "normalização" das relações com o mundo. "Transmitimos aos nossos parceiros uma mensagem clara, de que o Brasil retomou suas linhas tradicionais de política externa, como parceiro comprometido sempre com o diálogo."

"Com os canais já plenamente restabelecidos, o momento é o de trabalhar no seguimento e na retomada de projetos com nossos vizinhos sul-americanos, com a América Latina como um todo, com os EUA, China e Europa, e também com nossos parceiros africanos", acrescenta o chanceler.

Os cem primeiros dias também não deixaram de registrar certos entraves. Nos EUA, onde Lula esteve em fevereiro, a frustração se deveu ao valor enxuto destinado pelo governo de Joe Biden ao Fundo Amazônia: US$ 50 milhões (R$ 260 milhões).

Mas a proximidade da administração do democrata à do petista não deixa de ser vista com bons olhos por especialistas na agenda climática. "É impressionante como a filantropia internacional se moveu [desde a eleição de Lula]", avalia Renata Piazzon, membro da Coalizão Brasil Clima e diretora do Instituto Arapyaú.

Ela diz que caberá ao Itamaraty, em articulação com outros ministérios, saber aproveitar o momento. "Nos próximos dois ou três anos, temos que surfar nessa onda de olhares voltados para o Brasil, porque ela vai passar rapidamente"

Houve, ainda, a resposta à pressão da Alemanha —cujo premiê, Olaf Scholz, veio ao Brasil— para não enviar armas à Ucrânia. E as rusgas com Washington após a decisão de receber navios de guerra do Irã.

Com a União Europeia, o esforço é para tirar do papel um acordo comercial com o Mercosul gestado há mais de 20 anos. A expectativa vendida por Lula, de assinar as tratativas finais até o meio do ano, parece compartilhada por parte da diplomacia do bloco europeu. Em certa medida, o arranjo vem também com a expectativa de fazer deslanchar a aliança sul-americana. Há, no entanto, arestas a serem aparadas com o Uruguai, que publicamente manifesta querer arranjos por fora do Mercosul, em especial com a China.

Lula, aliás, embarca para o gigante asiático na terça (11) —iria no último dia 26, mas a viagem foi adiada pelo quadro de saúde do presidente. Em Pequim, devem ser publicizados mais de 20 acordos bilaterais.

Com a viagem, Lula também almeja mostrar "equilíbrio pragmático" entre as duas principais potências globais, EUA e China. A ideia é enfatizar a defesa de um mundo multipolar, sem alinhamento automático a Washington ou Pequim. A Guerra da Ucrânia, por óbvio, também será posta em discussão.

Mas a proposta de Lula para o chamado "clube da paz" é vista com pouco crédito mesmo entre alguns aliados. A avaliação é de que, a despeito do crédito de colocar o Brasil como um interessado em atuar pelo fim do conflito, não há materialidade na proposta.

Para o ex-chanceler Celso Lafer, a medida dialoga, em partes, com "um componente de antiamericanismo da instintiva tradição de correntes do PT". "E propicia menor abertura para a tragédia da Ucrânia e da sensibilidade política dos que a respaldam", diz.

"A credibilidade do Brasil como um terceiro em prol da paz não aumenta com a viagem de Amorim a Moscou, não acompanhada de prontas e explícitas iniciativas em relação à Ucrânia", acrescenta Lafer. "Correm o risco de serem vistos como um terceiro aparente, que não é neutro e busca se beneficiar de um conflito que é pluridimensional."

Amorim, depois de retornar da Rússia, argumentou à Folha que um cessar-fogo realmente não está na agenda imediata. Mas sinalizou a vontade de Brasília de se mostrar disponível para quando houver a possibilidade de esboçar um plano de paz.

Para Kalout, "antes da paz, que não está dada, o Brasil pode ser proponente de ações humanitárias". "Isso é muito mais importante no momento. O Brasil está fazendo todo um movimento tático para garantir um assento na mesa. Mas pode não ser da forma como o Brasil espera. É preciso recalibrar o discurso."

Outro ponto sensível tem sido a relação com ditaduras como Venezuela e Cuba. Enquanto o governo Lula parece querer ser um dos mediadores de acordos entre regime e oposição em Caracas, o discurso sobre Nicarágua sofreu alterações após Daniel Ortega ser acusado por um comitê da ONU de práticas nazistas.

Brasília chegou a ofertar nacionalidade aos mais de 300 expatriados de Ortega e tem manifestado preocupação com o contexto regional, mas evitado críticas mais assertivas à ditadura centro-americana.

Outra frente abraçada no ministério foi a igualdade de gênero. Para enviar uma mensagem aos parceiros internacionais, a pasta criou o cargo de alta representante para temas de gênero. A escolhida foi a diplomata Vanessa Dolce de Faria. O tema ganha contornos mais sensíveis, porém, nas fileiras do próprio Itamaraty, onde há pressão crescente por paridade. Entre as diplomatas, a visão é de que a pasta tem adotado boas políticas, mas que para isso tem sido necessária pressão constante e pública.

Há também um receio de que as esparsas e ainda raras nomeações femininas sejam uma espécie de token —símbolo feito para atenuar demandas e reclamações. O temor foi expressado em carta enviada pela embaixadora Irene Vida Gala ao senador Renan Calheiros (MDB-AL), presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado.

No texto obtido pela reportagem, Gala, presidente da recém-fundada Associação das Mulheres Diplomatas Brasileiras, aponta que, de 23 indicações para os maiores postos diplomáticos, apenas uma é feminina —Maria Luiza Viotti, em Washington. Pouco depois da pressão, a diplomata Claudia Vieira Santos foi indicada para a Agência Internacional de Energia Atômica, em Viena.

"Tem de haver pressão continuada da nossa parte e reconhecimento, por parte da chefia do Itamaraty, de que eles precisam conversar com a gente", diz Gala. "Não adianta a chefia do ministério nos demonizar ou desqualificar como lideranças na questão de gênero. As diplomatas têm apoio dentro do governo e na sociedade civil."

Na última semana, o Itamaraty iniciou ciclos de conversa sobre gênero, raça, pessoas com deficiência e pessoas LGBTQIA+. No discurso de abertura, ao qual a Folha também teve acesso, Mauro Vieira reconheceu a necessidade de avançar na inclusão. "O Itamaraty reproduziu discriminações e preconceitos herdados do colonialismo e da escravidão. Esperamos, a partir desse diálogo, seguir avançando na dimensão étnico-racial", disse.

Para os próximos meses, também estarão na agenda da diplomacia brasileira a organização do encontro de líderes do G20, a partir de dezembro, a ser sediado no Brasil, e da cúpula dos países amazônicos, prevista para agosto. "Buscaremos respostas conjuntas para os desafios da sustentabilidade e da criminalidade ambiental", afirma o chanceler.

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2023/04/cem-dias-do-itamaraty-sob-lula-tem-reconstrucao-de-pontes-e-prioridades-errantes.shtml