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terça-feira, 13 de setembro de 2016

Balanço da politica externa do governo Dilma - Rubens Barbosa (OESP)


Minha observação é que esse balanço não se aplica apenas ao governo Dilma, mas ao "universo mental" (que reputo deformado) de toda a diplomacia lulopetista, pois Madame Pasadena nunca mandou nada, de fato, em seu governo, pelo menos não em política externa, onde o partido decidia qual deveria ser a linha a ser imposta à diplomacia profissional, e essa linha era a do "comitê central" do partido neobolchevique, mas fortemente influenciada, quando não dirigida, pelos companheiros de outras paragens.
A cidadania precisa se dar conta de uma triste realidade: assim como fomos governados, desde 2003, por uma organização criminosa -- e repito, um partido mafioso --, na política externa estivemos subordinados a interesses que não eram apenas os nossos, ou mais exatamente os do Brasil, e sim os de um grupo obscuro de mandantes na política externa que deram uma orientação bolivariana, para não dizer castrista.
Como sempre, assino embaixo do que escrevo.
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 13 de setembro de 2016
 
Balanço da política externa do governo Dilma
Nunca antes o interesse nacional foi deixado em segundo plano como nos últimos anos

Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 13/09/2016

Para que a opinião pública saiba a extensão da crise em que o Brasil se encontra depois de 13 anos de governos do PT, cabe fazer um balanço em outras áreas, como está sendo feito na economia. A política externa foi um dos pontos mais vulneráveis do governo Dilma, pelos erros e equívocos que se repetiram e pelos minguados resultados que apresentou. Pouco restou das bravatas repetidas por Lula de querer liderar a América do Sul, de mudar o eixo da dependência externa econômica e comercial do Brasil e de contribuir para modificar a geografia política no mundo.
Durante os cinco anos de seu governo, a presidente Dilma Rousseff resumiu sua política externa como a “busca de inserção soberana do Brasil no cenário internacional, pautada pela ética e pela busca de interesses comuns”. Ela manteve intacta a política externa dos oito anos do presidente Lula. Essa política foi diferente das anteriores não pelas prioridades – que eram as mesmas –, mas pelas novas ênfases como resultado da forte influência partidária sobre o Itamaraty.
Na realidade, demos as costas a importantes nações democráticas e abraçamos regimes de clara inclinação totalitária, em flagrante contraste com as melhores tradições da nossa diplomacia. A partidarização da política externa teve consequências severas na política de comércio exterior: acentuou o isolamento do Brasil e do Mercosul nas negociações comerciais; empobreceu nossa pauta de comércio, ao invés de dinamizar trocas e oportunidades. Foi mantida a estratégia de negociações comerciais, que isolou o Brasil. Deixaram de ser cumpridos os princípios constitucionais de não ingerência e defesa da soberania, seguidamente desrespeitados nos governos do PT no altar da ideologia. A credibilidade, a independência, o equilíbrio e os valores (democracia e direitos humanos), que o PT dizia apoiar internamente, não foram respeitados na política externa.
No concerto das nações, nos últimos cinco anos o Brasil retraiu-se e baixou a voz, reduzindo sua contribuição nas grandes discussões do cenário internacional. Na região, assumiu uma agenda que não é a nossa e, por isso, a ação do Itamaraty se tornou passiva e reativa, deixando o Brasil a reboque dos acontecimentos: prevaleceram as afinidades ideológicas e a paciência estratégica, que prejudicaram o processo de integração regional e paralisaram e desfiguraram o Mercosul, deixando-o sem nenhuma estratégia. O isolamento do Brasil, que em 13 anos negociou apenas três acordos de livre-comércio, prejudicou os interesses públicos e privados nacionais. As ações de política externa nas negociações comerciais continuaram a privilegiar os interesses político-partidários, e não o interesse nacional. O governo Dilma não buscou inserir os setores industriais e de serviços nos grandes centros difusores de tecnologia. Deixando de participar das negociações de acordos preferenciais de comércio e das cadeias produtivas de alto valor agregado, o Brasil perdeu espaço no comércio global.
Partidária, a política externa do PT quebrou o consenso interno porque faltou equilíbrio entre a defesa de princípios permanentes e do interesse nacional. Os resultados da política externa, nos últimos cinco anos, não corresponderam à importância que o Brasil tem na região e no mundo. Deve-se reconhecer que houve avanços e alguns êxitos quando o Itamaraty pôde atuar como principal formulador da política externa. Os retrocessos ocorreram nas áreas em que as políticas tradicionais foram influenciadas por tendências partidárias, como no Mercosul, na integração regional, nas relações comerciais com a África e com o Oriente Médio, na estratégia de negociações comerciais, no sumiço do Brasil no cenário internacional causando a perda de credibilidade do Itamaraty, tanto interna quanto externamente.
Talvez o incidente diplomático mais grave durante o governo Dilma tenha sido a questão da espionagem da NSA no governo e em empresas brasileiras. A decisão final do governo brasileiro de adiar a visita de Estado a Washington fez com que acordos e interesses brasileiros não avançassem, assim prejudicando nossos interesses.
Alguns exemplos mostram como o interesse nacional foi sempre deixado em segundo plano nos últimos anos: o financiamento de cerca de US$ 950 milhões para o porto de Mariel, em Cuba, pelo BNDES; o perdão de US$ 900 milhões de dívidas de 12 países africanos (só o autoritário Congo se livrou de US$ 352 milhões); o pagamento de US$ 434 milhões adicionais ao governo boliviano pela compra do gás natural, como parte de acordo de 2007 entre Lula e Evo Morales; e a suspensão do Paraguai para permitir o ingresso da Venezuela como membro pleno do Mercosul.
Nunca antes na História deste país a Presidência influiu tanto nas questões que cabe ao Itamaraty analisar e recomendar cursos de ação à chefia do Executivo para as tomadas de decisão. Não é segredo o desapreço com que o Itamaraty foi tratado pela presidente Dilma Rousseff nos últimos anos e a pouca importância que foi dada às posições tradicionais recomendadas pela Chancelaria nos problemas que afetam diretamente o interesse nacional. O Itamaraty deixou de ser o primeiro formulador e coordenador em matéria de projeção internacional do País, em razão de interferências indevidas em seu trabalho analítico e em seus processos decisórios.As novas diretrizes de política externa do governo de Michel Temer afastam a influência partidária e retomam as prioridades do interesse brasileiro. As decisões de ampliar a coordenação na área externa com a transferência da Apex para o Itamaraty e da Camex para a Presidência da República, com a secretaria executiva na Chancelaria, recolocam agora o Ministério das Relações Exteriores no lugar central que havia perdido.
*Presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp

Transsiberiana, transmongoliana, atravessando a Asia de trem - Edson Veiga (Estadao)

Um mês nos trilhos da Transiberiana

Foram oito cidades, três países e sete trens para vencer os 7.865 quilômetros entre Moscou, na Rússia, e Pequim, na China. Com uma criança de menos de 3 anos a bordo
O Estado de S.Paulo, 13/09/2016 | 00h4013
EDSON VEIGA - ESTADÃO

Trem passa na área da cidade de Krasnoyarsk, na Sibéria
Trem passa na área da cidade de Krasnoyarsk, na Sibéria Foto: Ilya Naymushin/Reuters
Intenso. Cheio de ineditismos. Com uma surpresa atrás da outra. O mês começou na Praça Vermelha, em Moscou, e terminou na Grande Muralha, a 2 horas de Pequim. Foram seis fusos horários, sete trens, incontáveis pacotes de macarrão instantâneo e 7.865 quilômetros a bordo de uma das versões da clássica rota Transiberiana – no caso, a Transmongoliana. Oito cidades, três países, 25 dias de trilhos. E muitas nuances culturais.
Paisagens deslumbrantes, amizades improváveis e experiências únicas são comuns a todos os que encaram a rota. Mas, antes de mais nada, é preciso tirar o glamour: muna-se de espírito aventureiro para cortar três dos maiores países do mundo em trens antigos que raramente ultrapassam os 60 km/h. Mas é essa morosidade que dá graça à aventura e a vontade de fazer tudo de novo, por rotas alternativas e cidades não exploradas.
O planejamento começou seis meses antes da jornada. Na Transiberiana, ao contrário da malha ferroviária europeia, não existem passagens que dão direito a embarques múltiplos. É preciso definir exatamente onde serão as paradas, pois os tíquetes têm de ser comprados trecho a trecho. É possível deixar para comprar tudo nas estações, mas, para não correr o risco de encontrar passagens esgotadas – principalmente no verão –, é melhor se programar. Vale lembrar que, nas estações, os funcionários raramente falam inglês. Logo, dicionários, aplicativos tradutores e a boa e velha mímica serão requisitados com frequência.
Os bilhetes podem ser adquiridos ainda no Brasil. A 45 dias da data do embarque, a venda é disponibilizada pelo site (em inglês) da companhia férrea russa, a RZD. Já nos trechos internacionais – da Rússia para a Mongólia e da Mongólia para a China –, o mais seguro é comprar com agências de viagem. Como há uma burocracia nas fronteiras, vale a pena pagar um pouco mais pela garantia de tíquetes corretos.
Há três categorias a bordo. Na primeira classe, o passageiro fica em uma cabine com duas camas – normalmente uma ao lado da outra mas, em alguns trens, pode ser beliche – e uma mesinha para refeições. Na segunda, as cabines também são fechadas, mas o espaço comporta dois pares de beliches. A terceira classe é um amontoado de beliches em um espaço comum para 54 pessoas: ideal para sociabilizar, mas sem privacidade. Independentemente da classe dos vagões, eles sempre contam com dois banheiros. 
CONFIRA AS CIDADES DO TRAJETO NA GALERIA ABAIXO
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Na maior parte da viagem, fui de primeira classe – principalmente por estar com meu filho Chico, então com 2 anos e 7 meses –, exceto nas 18 horas e 30 minutos entre Krasnoyarsk e Irkutsk, quando encarei a terceira para viver a “real experiência” da coisa. Não me arrependi – foi onde fizemos mais amizades.
Tirando Moscou e Pequim, onde o custo de vida é semelhante ao de São Paulo, comer e se divertir nas cidades do trajeto cabem bem no bolso de qualquer viajante. Um bom almoço com cerveja local raramente custa mais do que R$ 30 por pessoa. Dentro dos trens, leve comida: queijos, embutidos, pães, macarrão instantâneo. Em todos há um vagão-restaurante, com cardápio restrito e comida similar às servidas em avião. A cada 3 horas, os trens fazem paradas de 10 a 30 minutos – é a chance de comprar, nas plataformas, framboesas e morangos recém-colhidos, picolés, peixes defumados expostos em cabides. E, para quando a fome bater de verdade, mais macarrão instantâneo.
Chico, aos 2 anos e 7 meses, curte o visual da plantação de lavanda
Chico, aos 2 anos e 7 meses, curte o visual da plantação de lavanda Foto: Mariana Veiga/Estadão
NEM LOUCOS, NEM HERÓIS
"Vocês são loucos” ou “vocês são verdadeiros super-heróis” foi o que mais ouvimos, minha mulher e eu, quando fazíamos alguma amizade ao longo da transiberiana. Não pela aventura em si, mas pelo fato de que, sim, levamos a bordo um animado mascotinho humano: nosso filho Chico, então com 2 anos e 7 meses, muita energia e uma vontade incrível de descobrir o mundo. 
Nem loucos nem heróis. Apenas acreditamos que o fato de ter um filho não implica necessariamente em abrir mão de sonhos – no caso, viajar, viajar e viajar. Também há a realidade: as férias são o único mês do ano em que podemos passar, mãe e pai, 24 horas por dia com ele. E temos a convicção de que ele, mesmo que no futuro não se lembre claramente de tudo o que viveu nessa viagem, incorporou experiências que serão importantes para o cidadão que ele vai se tornar.
Em resumo: é possível fazer a Transiberiana com um moleque de menos de 3 anos. E, em nosso caso, isso foi a garantia de diversos pontos altos da viagem. Havia uma brincadeira diária: eu dizia a ele o nome da cidade e do país onde estávamos e explicava para onde estávamos indo; já no Brasil, ele se recorda de cada uma dessas paradas, quando perguntado sobre uma foto ou um brinquedo. 
Por mais incrível que pareça, ao longo do roteiro há lugares incríveis para serem vividos na companhia de crianças. A começar por Moscou. Na capital russa existe o Detsky Mir – ou Mundo da Criança –, uma espécie de shopping dedicado ao universo infantil. Resquício do regime soviético, foi inaugurado em 1953 e, em 2015, totalmente remodelado e ampliado. Trata-se de uma coleção de lojas de brinquedos, roupas e quaisquer utensílios relacionados a crianças. O bacana é que em todas as lojas há brinquedos – de trenzinhos a minifoguetes, de escorregadores a labirintos – em que as crianças podem se esbaldar à vontade.
Em Yekaterimburg, vale a pena reservar um dia para o Limpopo, um parque aquático em que toboáguas, piscinas – uma delas, com ondas artificiais – e brinquedos de todo o tipo servem como refrescante entretenimento no verão russo. Na Mongólia, em nossa experiência com a família nômade, Chico também aproveitou intensamente. Rapidamente fez amizade com o caçula da família, de 8 anos – para crianças, não existe barreira idiomática. Corria com ele pelo gramado, divertiu-se observando os animais e, na hora de ir embora, queria ficar de todo o jeito. 
Todas as cidades do percurso contavam com boa estrutura verde para a criançada: parques e praças eram comuns e, em todas elas, havia playgrounds que eram um respiro – funcionavam como pequenas pausas para nossas caminhadas turísticas quando o deixávamos correndo para lá e para cá enquanto podíamos buscar um banco e relaxar.
O trem também é uma aventura à parte para o imaginário infantil. Ao contrário do avião, há espaço para a criança correr. E, em cada trecho, Chico fazia amizades, brincava e era paparicado – estávamos sobre trilhos, mas o tempo voava. Já nos trechos aéreos – de São Paulo a Moscou; de Pequim a São Paulo; em ambos, com conexão em Dubai –, contamos com a eficiente estrutura de entretenimento proporcionada pela companhia Emirates. Chico ganhou brinquedos – bichos de pelúcia, lousa magnética e uma mochila com livretinhos de viagem – e, é claro, divertiu-se com os filminhos infantis das TVs de bordo. 

EXTREMOS NOTÁVEIS
Do maior para o maior. Para quem gosta de “curiosidades de almanaque”, o roteiro escolhido tem uma boa: trata-se de uma viagem que parte do maior país em área do mundo para o maior país em população do mundo. A Rússia estende-se por 17 mil quilômetros quadrados, parte na Europa, parte na Ásia; na China vivem 1,4 bilhão de pessoas. 
Lago Baikal. Em Listvyanka, perto de Irkutski, na Rússia, fica o azulzinho Lago Baikal. Com 636 quilômetros de comprimento e 80 quilômetros de largura, é o maior lago de água doce da Ásia, o maior em volume de água do mundo, o mais antigo (formou-se há 25 milhões de anos) e o mais profundo da Terra, com 1.680 metros no seu ponto mais profundo. É destino obrigatório. 
Na Mongólia, monumento a Gengis Khan
Na Mongólia, monumento a Gengis Khan Foto: Edson Veiga/Estadão
Gengis Khan. A maior estátua equestre do mundo foi erguida em 2008, a cerca de 1 hora de Ulan-Bator, a capital da Mongólia. Trata-se de um homenagem ao guerreiro mongol Genghis Khan, o personagem mais famoso do país. Seus 40 metros de altura impressionam. É possível tomar um elevador e subir até o topo, de onde se tem uma bela vista das estepes da região. 
Grande Muralha. Com diversos trechos diferentes, erguidos ao longo de 2 mil anos, a Muralha da China é considerada a maior construção militar da história da Humanidade. Se somados todos os pontos – inclusive os que já não existem mais – a extensão total chegaria a incríveis 21 mil quilômetros – a uma altura média de 7 metros. Foi o ponto (alto) final da viagem.

Rubens Ricupero: livro sobre a diplomacia na construcao do Brasil (Valor)

Neste link do Academia:
http://www.academia.edu/28438753/Livro_de_Ricupero_sobre_diplomacia_brasileira_Valor_9_09_2016_
postei a entrevista do Embaixador Rubens Ricupero, concedida à jornalista Monica Gugliano, para o caderno especial do jornal Valor Econômico de fim de semana, falando da política atual brasileira, e de seu livro que deverá ser publicado até o final do ano, discorrendo sobre o papel da diplomacia brasileira na construção do Brasil.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Cadernos de Politica Exterior - IPRI-Funag, n. 3 (2016)

Revista "Cadernos de Política Exterior"

Foi lançado o terceiro número da revista do IPRI: Cadernos de Política Exterior. A publicação tem por objetivo oferecer artigos de informação e análise sobre temas da política externa do Brasil, buscando contribuir para o aprofundamento do debate público nessa área. Leia aqui a resenha de Denise Chrispim Marin, publicada na Revista Política Externa (Vol 23 nº4, Abr/Mai/Jun de 2015), sobre a primeira edição dos Cadernos de Política Exterior.
Acesse gratuitamente a publicação completa em formato digital, ou compre o exemplar físico, na Biblioteca Digital e Loja Virtual da FUNAG. Além de documentos oficiais do MRE e resenhas dos últimos lançamentos de livros da FUNAG, este volume contém os seguintes artigos:
  • O Itamaraty e os Jogos Rio 2016, por Sergio Luiz Canaes e Vera Cíntia Álvarez (pdf)
  • As relações Brasil-Argentina no aniversário da Declaração do Iguaçu, por Eugenia Barthelmess (pdf)
  • ABACC: os primeiros 25 anos, por João Marcelo Galvão de Queiroz (pdf)
  • As relações entre o Brasil e a Palestina e o reconhecimento do Estado palestino pelo Brasil, por Gustavo Fávero e Lucas Frota Verri Pinheiro (pdf)
  • Desarmamento nuclear, por Sergio Duarte (pdf)
  • A China e sua vizinhança, por Cláudio Garon (pdf)
  • A Parceria Transpacífico e suas consequências para o Brasil: uma aproximação preliminar, por Carlos Márcio Bicalho Cozendey e Ivana Marília Gurgel (pdf)
  • Integração energética: condicionantes e perspectivas para o Brasil e a América do Sul, por Clélio Nivaldo Crippa Filho (pdf)
  • Normalização e regulamentação técnica no TBT: implementação e debates, por Luís Guilherme Parga Cintra (pdf)
  • Grand Days: noventa anos depois de o Brasil ter deixado Genebra, o que diz a historiografia sobre a participação brasileira na Liga das Nações (1920-1926)?, por Norma Breda dos Santos (pdf)

 Clique nas imagens abaixo para acessar o conteúdo completo de cada edição do Cadernos de Política Exterior.

Acesse aqui nº 3 (1º/2016) Acesse aqui nº 2 (2º/2015) Acesse aqui nº 1 (1º/2015)
cadernos3 Cadernos de Política Exterior - Ano 1 - Número 2 - Segundo Semestre 2015Cadernos de Política Exterior - Ano 1 - Número 1 - Primeiro Semestre 2015


Última atualização em Quarta, 07 de Setembro de 2016, 12h02

domingo, 11 de setembro de 2016

Caderno especial do Estado sobre as reformas - José Fucs


160911EstadoReformasCadEspecial

Hora de mudar
A partir de hoje, o Estado publica uma série de reportagens sobre os grandes desafios do País depois do impeachment
José Fucs *especial para O Estado de S.Paulo, 11 de setembro de 2016


ilustração: Farrell

Com o impeachment de Dilma Rousseff e a posse de Michel Temer na Presidência da República, uma nova perspectiva abriu-se para o País. Apesar dos questionamentos na Justiça e dos protestos dos aliados de Dilma contra a decisão do Senado Federal, o impeachment renovou as esperanças de uma parcela considerável da população - incluindo os milhões de cidadãos que foram às ruas pedir a sua saída - de que o Brasil poderá, enfim, mudar de rumo. "O impeachment é o início de uma nova era", diz o cientista político Luíz Felipe d'Avila, presidente do Centro de Liderança Pública (CLP), uma organização voltada para a formação de líderes e a melhoria de gestão na área governamental. "Daqui para a frente, a discussão política deverá ser bem mais racional, em torno de dados e fatos objetivos, em vez de teses e ideologias.
Depois de quase 14 anos do PT no poder, marcados pelo voluntarismo ideológico, pelo estatismo na economia, pelo "aparelhamento" da administração pública e por um sistema "industrial" de corrupção, o País ganhou uma súbita oportunidade para lidar seriamente com as causas de suas mazelas. Não apenas para que possa deixar a UTI, mas para repensar o seu destino e lançar as bases de um novo ciclo de desenvolvimento sustentável, estabilidade política e bem-estar social. "O Brasil está numa encruzilhada. As escolhas que fizermos agora serão decisivas para o nosso futuro", afirma d'Avila. "É um momento histórico muito importante. Dependendo das decisões que a gente tomar, o Brasil poderá virar uma Venezuela ou se tornar um país de Primeiro Mundo", diz o financista Nathan Blanche, sócio da Tendências, uma empresa de consultoria econômica.
Na essência, o que está em jogo é a escolha entre dois Brasis. Um, que ganhou uma força descomunal nos últimos anos e agora está na berlinda, é o Brasil da ilha de fantasia de Brasília, do Estado obeso e perdulário, que drena a produção e o trabalho dos brasileiros para sustentar o seu apetite insaciável. É o Brasil dos pequenos e grandes privilégios obtidos com o dinheiro dos pagadores de impostos; dos burocratas, que criam dificuldades para vender facilidades; e dos funcionários públicos que não precisam se preocupar com a crise, porque têm estabilidade no emprego. O outro Brasil, massacrado pelo peso da carruagem que tem de puxar, é o Brasil real, o Brasil dos mortais, que paga impostos de Primeiro Mundo e recebe serviços públicos de Terceiro Mundo. É o Brasil dos brasileiros que têm de trabalhar duro para pagar suas contas em dia e garantir um mínimo de qualidade de vida para si mesmos e para suas famílias; dos que sofrem com a recessão prolongada e com o desemprego. É o Brasil que valoriza a meritocracia, o esforço individual e o sucesso alcançado sem pixulecos, nem favores oficiais.

O grande conflito é entre quem puxa a carruagem e quem está aboletado num Estado que cresceu demais
Flavio RochaPresidente das Lojas Riachuelo

“O grande conflito não é de patrão contra empregado, rico contra pobre, Nordeste contra Sudeste, negro contra branco. É entre quem puxa a carruagem e quem está aboletado num Estado que cresceu demais”, afirma o empresário Flavio Rocha, presidente das Lojas Riachuelo. “O Brasil tem uma classe que se aproveita de todo o setor privado. É o estamento estatal, que tomou conta do governo”, diz o economista Antonio Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda, do Planejamento e da Agricultura. “É preciso dizer para a população que o Brasil é, sim, um país muito desigual, mas boa parte dessa desigualdade é criada pelo corporativismo que se apropriou do poder.”

O Brasil tem uma classe que se aproveita do setor privado. É o estamento estatal, que tomou conta do governo
Delfim NettoEx-Ministro da Fazenda, do Planejamento e da Agricultura

Para dar a sua contribuição ao debate sobre os grandes desafios do Brasil e as soluções para a crise, o Estado publicará, a partir de hoje, uma série de reportagens especiais. Da realização da reforma política à adoção de um novo pacto federativo; do equilíbrio das contas públicas e das reformas tributária e trabalhista à melhoria do ambiente de negócios, a série deverá dar um mergulho profundo nas principais questões que travam o desenvolvimento. Também fazem parte da lista o combate à corrupção, as regalias do funcionalismo e a abertura da economia. Nesta edição, além da apresentação do cenário geral, você poderá conferir a primeira reportagem da série, que trata da Constituição de 1988 e das mudanças necessárias para modernizá-la e adaptá-la às transformações ocorridas no Brasil e no mundo nos últimos trinta anos. Mais do que mostrar como o Brasil chegou ao atual quadro de desalento, a ideia é apontar saídas para a crise e discutir as propostas que podem nos levar a um caminho mais promissor.
Nesta edição, além da apresentação do cenário geral, você poderá conferir a primeira reportagem da série, que trata da Constituição de 1988, promulgada antes da queda do Muro de Berlim, e das mudanças necessárias para modernizá-la e adaptá-la às transformações ocorridas no Brasil e no mundo nos últimos 30 anos. Mais do que mostrar como o Brasil chegou ao atual quadro de desalento, a ideia é apontar saídas efetivas para a crise e discutir as propostas que podem nos levar a um caminho mais promissor no futuro. "É preciso fazer uma cirurgia radical no Estado, para que ele volte ao seu propósito original, que é servir à sociedade", afirma Flavio Rocha.
Embora tenha pela frente apenas um mandato-tampão, de 28 meses, Temer terá de se mostrar à altura dos acontecimentos e tomar as medidas necessárias para superar a crise, se quiser ouvir o povo dizer, ao final de seu governo, como declarou recentemente, que ele "deu um jeito no País". Com a economia em frangalhos, escândalos em série de corrupção, a representatividade política em xeque e a polarização da sociedade, Temer terá pouca margem para errar (veja os gráficos abaixo). Apesar de sua baixa popularidade, de seu nome ter sido citado em denúncias da Lava Jato e de ele ser alvo, ao lado de Dilma, de um processo no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por abuso de poder econômico e utilização de recursos do petrolão na campanha de 2014, Temer irá impor um ônus excessivo aos brasileiros se não exercer plenamente o papel que a história lhe reservou e deixar para seu sucessor, a ser eleito em 2018, a tarefa de colocar o País de volta nos trilhos. "O maior trunfo do governo Temer é haver um certo reconhecimento de que o custo de ele fracassar é muito grande, tanto do ponto de vista político quanto econômico", diz Christopher Garman, diretor de estratégia para mercados emergentes da Eurasia, uma consultoria americana especializada em riscos políticos globais.
Há dúvidas, porém, de que Temer possa levar adiante mesmo um programa mínimo de reformas - e não apenas por uma possível resistência do Congresso em aprovar as mudanças. Segundo o economista Paulo Guedes, um dos fundadores do banco Pactual (hoje BTG Pactual) e presidente do conselho de administração da Bozano Investimentos, Temer tem duas possibilidades. Uma é se deixar abater pela "síndrome de ilegitimidade" que atingiu o ex-presidente José Sarney. Ex-dirigente da Arena, a base de apoio ao regime militar, Sarney tornou-se vice de Tancredo Neves e acabou assumindo a Presidência da República de forma inesperada, com a doença e morte do presidente eleito, em 1985. "A síndrome da ilegitimidade levou o Sarney a buscar uma ilusória popularidade e produziu uma tragédia histórica, que foi a hiperinflação", afirma Guedes. A outra possibilidade, de acordo com Guedes, é Temer dizer que chegou ao fim uma forma de fazer política com base no toma lá, dá cá e de tocar o governo com a expansão indefinida dos gastos. "Se o Temer continuar no ritmo do presidente interino, de pequenas acomodações aqui e ali, para não gerar conflitos, ele seguirá o caminho do Sarney e o próximo presidente da República poderá ser um forasteiro, que represente uma ruptura com o sistema atual, como aconteceu com o Fernando Collor (ex-presidente da República, que sofreu impeachment em 1992)", diz Guedes. "Agora, se Temer mostrar suas fichas e não se deixar abater pela 'sindrome da ilegitimidade', como fez ao propor um teto para o gasto público, que é uma medida excepcional; se ele disser que não haverá reajuste do funcionalismo, porque o País quebrou por causa do excesso de gastos e porque há 12 milhões de brasileiros vivendo o drama do desemprego, estaremos no caminho certo."

Se colocar o sarrafo muito alto, nem o Thiago Braz, medalha de ouro nas Olimpíadas, conseguirá superá-lo
Rubens RicuperoEx-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente

Temer começa o governo, segundo Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente, com uma vantagem em relação a Itamar Franco, que assumiu a Presidência após o impeachment de Fernando Collor, em 1992. Ricupero diz que Temer terminou a interinidade com uma equipe econômica “de primeira qualidade” já montada. Itamar demorou oito meses até escolher para a Fazenda o então senador Fernando Henrique Cardoso, que implementou o Plano Real e acabou com a hiperinflação, em 1994. “No fundo, o desafio de todo vice-presidente galgado à posição principal é como completar o mandato com um mínimo de qualidade e eficiência”, diz. “Se você colocar o sarrafo muito alto, nem o Thiago Braz, que ganhou a medalha de ouro na Olimpíada no salto com vara, conseguirá superá-lo.”

O Ajuste do Bem
A reforma mais urgente para viabilizar a modernização do País é a fiscal. Com um rombo recorde no orçamento e uma dívida galopante, o governo terá de concentrar suas forças no reequilíbrio das contas públicas, como já vem fazendo, ao propor o limite nos gastos e a desvinculação das receitas, para ganhar maior liberdade de gestão. De seu sucesso nessa missão, dependerá quase tudo – a retomada do crescimento, o corte dos juros, a volta da confiança do setor privado e dos investimentos na produção, a redução do desemprego e a recuperação da renda dos trabalhadores. “Chegamos ao limite fiscal”, afirma o economista Paulo Leme, presidente do Goldman Sachs, um dos maiores bancos americanos de investimento, no Brasil. “É o estágio final de um modelo econômico que usou políticas equivocadas, excessivamente dependentes da ação do Estado, em vez de buscar soluções nas forças de mercado.”
Se o governo for bem-sucedido, o ajuste nas finanças públicas deverá alavancar outras reformas modernizantes. A mais relevante, provavelmente, será a reforma da Previdência Social, responsável pela maior parte do déficit público. Entre outras medidas, estuda-se a elevação da idade mínima de aposentadoria para 65 anos, a desvinculação de benefícios do salário mínimo e fim dos regimes especiais dos funcionários públicos, que podem se aposentar com o salário integral da ativa. “Tudo o que está sendo proposto não são maldades, são benignidades, porque isso é insustentável. É uma questão de aritmética”, diz o ex-ministro Delfim Netto.
Além da reforma na Previdência, o governo fará um amplo programa de desestatização para fazer caixa. O programa, que deverá ser anunciado nesta terça-feira, se o cronograma oficial for cumprido, irá reverter a proliferação de estatais registrada nos governos petistas e terá regras mais flexíveis para os investidores, que não “demonizem” o lucro, como ocorreu nos últimos anos. Para decolar, a desestatização terá de contar com o apoio dos investidores externos. “A participação do capital estrangeiro não é nem uma questão de escolha. O País não tem a poupança necessária para fazer o investimento crescer de novo”, afirma Leme, do Goldman. “Em princípio, existe o interesse do investidor estrangeiro, mas tem de ver qual o programa, quais os ativos e quais as regras dos leilões.”
Também são fundamentais à modernização do País a reforma política, para garantir a governabilidade, a reforma trabalhista, para flexibilizar as negociações entre os empregadores e os trabalhadores, e a tributária, que deverá simplificar o sistema. Hoje, o pagamento de impostos e taxas consome 2.600 horas por ano, em média, das empresas, segundo o estudo Doing Business, do Banco Mundial. Mas, com o governo no vermelho, é difícil imaginar que seja possível agora propor a redução de tributos, apesar de a carga tributária brasileira estar perto de 35% do PIB, a mais alta entre os países emergentes, mesmo com a queda de receitas provocada pela recessão.
Segundo o cientista político Fernando Schüler, do Insper, uma escola de negócios, direito e engenharia, o Brasil terá de negociar um novo consenso em torno da modernização do Estado. “Temos de mudar o padrão de Estado no Brasil, de welfare State (Estado de bem-estar social) para agency State (Estado agência)”, afirma. No Estado agência, o governo repassa para a iniciativa privada a gestão dos serviços públicos, inclusive de educação e saúde, e estabelece metas de desempenho quantitativas e qualitativas para avaliar os resultados. “A gestão institucional do Estado precisa caminhar de forma agressiva para a contratualização com o setor privado.” Desde a democratização, de acordo com Schüler, o Brasil produziu três consensos que permitiram ao País avançar. O primeiro foi em torno da democracia. Depois, houve o consenso em relação à estabilidade econômica e à responsabilidade fiscal. O terceiro foi em torno do combate à pobreza. Mas, na sua visão, as pedaladas fiscais mostraram que o consenso em torno da responsabilidade fiscal era mais frágil do que se imaginava. “O que caracteriza uma democracia madura é a produção de consensos e uma democracia instável como a brasileira é a ausência de consensos.” /J.F.
Cenário Sombrio

* Previsão de mercado, segundo o Relatório Focus; ** Exclui os juros da dívida pública; *** Estimativa oficial
FONTES: BANCO CENTRAL, IBGE, MINISTÉRIO DA FAZENDA E IBPT

Constituição
A Reforma das Reformas
O Estado de bem-estar social, prometido pela Constituição Cidadã de 1988, mostrou-se uma miragem. Agora, é hora de definir o que virá em seu lugar.

Às vésperas da votação do texto final da nova Constituição, em julho de 1988, o então presidente da República, José Sarney, fez um pronunciamento em tom apocalíptico em cadeia nacional de rádio e TV. Preocupado com o efeito que a nova Carta teria nas contas públicas, Sarney queria pressionar os Constituintes a alterar o documento antes de votá-lo. “Os brasileiros receiam que a Constituição torne o País ingovernável”, disse. “Primeiro, há o receio de que alguns dos seus artigos desencorajem a produção, afastem capitais, sejam adversos à iniciativa privada e terminem por induzir ao ócio e à improdutividade. Segundo, (receia-se) que outros dispositivos possam transformar o Brasil, um país novo, que precisa de trabalho, em uma máquina emperrada e em retrocesso. E que o povo, em vez de enriquecer, venha a empobrecer e possa regredir, em vez de progredir.”
A fala de Sarney – alçado à Presidência de forma inesperada com a doença e a morte do presidente eleito Tancredo Neves, em 1985, e sem apoio político na nova configuração de forças que se formou na época – teve o efeito contrário ao que ele esperava. Três dias depois, o deputado Ulysses Guimarães, presidente da Constituinte, reagiu às acusações de Sarney e defendeu com veemência o Estado-tutor proposto na nova Carta. “A fome, a miséria, a ignorância, a doença desassistida são ingovernáveis. A governabilidade está no social”, afirmou Ulysses, resumindo o espírito que permeou a elaboração da nova Carta, chamada por ele de “Constituição Cidadã”. “O Dr. Ulysses era um sonhador e prometeu a felicidade geral da Nação por decreto”, afirma o financista Nathan Blanche, sócio da Tendências, uma empresa de consultoria econômica. “Ele achava que podia fabricar dinheiro, e fabricava – mas causava inflação.”

O Sarney tinha razão. Na Constituinte, criaram-se enormes distorções sem fazer conta
Nelson JobimEx- Constituinte, ex-ministro da Justiça e da Defesa e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF)

Decorridos quase 28 anos desde que a Constituição entrou em vigor, o aviso de Sarney ganhou, quem diria, ares de profecia. Se a Constituição não deixou o País ingovernável, chegou bem perto disso. Com o Tesouro exaurido, um rombo monumental no orçamento e uma dívida pública que cresce em ritmo frenético, o governo foi a nocaute, levando junto a economia do País. “O Sarney tinha razão”, diz o jurista Nelson Jobim, ex-Constituinte, ex-ministro da Justiça e da Defesa e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). “Na Constituinte, a maioria não tinha experiência no Executivo. Então, criaram-se enormes distorções sem fazer conta.”
É preciso colocar na conta que boa parte da responsabilidade pela dilapidação das finanças públicas se deve à inépcia administrativa da ex-presidente Dilma Rousseff e a Lula, que, em seu segundo mandato, iniciou a gastança sem lastro, com a distribuição de benesses a granel, acentuada depois por sua sucessora. Mas é na Constituição de 1988 que se encontra a raiz da crise fiscal. Desde a sua promulgação, a carga tributária do País quase dobrou, de 20% para cerca de 35% do Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) – e ainda assim o governo quase foi à bancarrota. A mesma penúria atinge hoje quase todos os Estados e milhares de municípios. “Foram concedidos muitos direitos, dos quais ninguém discorda, mas é difícil financiar tudo”, afirma o diplomata Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente.

Nem todos os direitos sociais garantidos pela Constituição são factíveis. A gente pode querer que sejam, mas sabe que não são
Célio BorjaEx-presidente da Câmara dos Deputados no governo Geisel e também ex-ministro do STF e ex-ministro da Justiça

Em que pese a Constituição ter incorporado avanços significativos nos direitos e garantias individuais, como a liberdade de expressão e o direito de propriedade; no equilíbrio dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário; e na participação dos cidadãos no processo decisório, com o direito de voto aos analfabetos e maiores de 16 anos; no capítulo dos direitos sociais, que englobam saúde, educação, habitação e Previdência, ela se revelou uma miragem. O Estado de bem-estar social forjado na Constituição de 1988, ao final, não cabe no Brasil. A ideia de que o Estado deve oferecer tudo para todos, sem ter os recursos necessários para fazê-lo, pode levantar a arquibancada, mas não sobrevive no mundo real.
“Nem todos os direitos sociais garantidos pela Constituição são factíveis. A gente pode querer que sejam, mas sabe que não são”, diz o jurista Célio Borja, ex-presidente da Câmara dos Deputados no governo Geisel e também ex-ministro do STF e ex-ministro da Justiça. “A Constituição de 1988 foi idealista”, afirma o cientista político Luiz Felipe D’Avila, presidente do Centro de Liderança Pública (CLP), uma entidade dirigida ao desenvolvimento de novos líderes na área governamental. “Depois de 20 anos de repressão, todo mundo queria colocar suas aspirações na Constituição e ela transformou o Brasil num país fiscalmente insolúvel.”

A Constituição de 1988 foi idealista e transformou o Brasil num país fiscalmente insolúvel
Luiz Felipe d’AvilaPresidente do Centro de Lideranção Pública (CLP)

Embora a reforma política seja considerada pelo PT e outros partidos de esquerda como “a mãe de todas as reformas”, a ampla revisão da Constituição, por seu impacto na vida das empresas e dos cidadãos, deveria ser considerada prioritária. Com o Estado abalado em sua capacidade financeira, não faltam argumentos sólidos para justificar a realização das mudanças e conseguir apoio político no Congresso e no STF. Para o Brasil se tornar governável, porém, não adianta só colocar um band-aid na ferida. É preciso promover uma cirugia radical. Jobim defende uma “lipoaspiração” no texto constitucional, mas são tantos os exageros e os privilégios incluídos na Constituição pelo corporativismo e pelos grupos de pressão que, para derrubá-los, talvez só um bisturi não baste “O País foi partilhado entre as corporações”, diz Jobim. “Na Constituinte, eu entendi que o que o pessoal chamava de sociedade civil eram grupos organizados que queriam defender seus interesses ou congelar seus interesses na apreensão do Estado.”

A Constituição não é o que está escrito. É, sobretudo, o que o Supremo interpreta sobre a Constituição
Joaquim FalcãoDiretor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) no Rio de Janeiro

Os maiores privilégios, que devem ser alvo de qualquer reforma constiticional, concentram-se no setor público, graças ao poder de mobilização do funcionalismo e à ação corporativista realizada na Constituinte. Segundo o professor Joaquim Falcão, diretor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) no Rio de Janeiro e ex-conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), há mais de trinta dispositivos sobre direitos dos funcionários públicos na Constituição. Ele diz que as Constituições que mais têm dispositivos do gênero, depois do Brasil, são a alemã, com nove, e a portuguesa, com cinco. Com isso, de acordo com Falcão, os funcionários públicos ganharam uma “via expressa” para o Supremo, encarregado de julgar as matérias constitucionais, em caso de pendências judiciais em suas atividades profissionais, enquanto a massa de trabalhadores da iniciativa privada, regida pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e julgada pela Justiça do Trabalho, tem menos chance de chegar ao STF. “É muito desigual”, diz Falcão.
Na Previdência, os privilégios do funcionalismo são uma afronta aos pagadores de impostos. Enquanto um trabalhador do setor privado se aposenta com um salário mínimo ou uma fração do que ganhava na ativa, os funcionários públicos recebem o salário integral. Uma série de carreiras do serviço público tem aposentadorias especiais com 25 anos de serviço: professores, policiais militares, bombeiros. Com apenas um milhão de aposentados, o setor público gera um déficit para a Previdência maior que o dos 25 milhões de aposentados da iniciativa privada. No Legislativo, é ainda pior: um deputado com dois mandatos e oito anos de contribuição já tem direito a aposentadoria.
No capítulo dos direitos sociais, fora da esfera do funcionalismo, há a questão das vinculações de receitas para a saúde e a educação, que engessam a gestão e geram acomodação no Executivo. “No regime autoritário tinha vinculação. O prefeito derrubara uma escola para construir outra simplesmente para gastar. Ou então construía uma fonte luminosa”, afirma o economista Antonio Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda, do Planejamento e da Agricultura. “Por que a vinculação não funciona? Porque quem tem verba garantida se acomoda. O problema da saúde e educação no Brasil não é de recursos, mas de gestão.” Ele lembra uma conversa sobre o assunto que tinha com Mário Covas (1930-2001) na Constituinte: “Eu dizia, Covas, nós somos tão bons, nós dois, que, em 2016, só vai ter idiota no Congresso, porque nós temos de dizer para eles hoje o que eles têm de fazer. As prioridades mudam”.
A Constituição foi ainda mais generosa com a educação e a saúde, mas nem por isso garantiu a qualidade dos serviços. Na educação, a Constituição garante o ensino gratuito para todos os brasileiros, independentemente de renda, não apenas no ensino básico e fundamental, mas também nos cursos universitários, de pós-graduação e de doutorado. “Se você examinar a discussão toda sobre reforma educacional no Brasil, observa o seguinte: ao fim e ao cabo, depois de passar o véu dos adjetivos e advérbios de modo, você vai cair no aumento de salário de professor”, diz Jobim. Na saúde, além de prever o acesso gratuito à saúde para todos os brasileiros, a Constituição traz o princípio da integralidade, pelo qual se garante cobertura para todos os procedimentos.
Para limpar tudo isso, será preciso não apenas conseguir os dois terços necessários à aprovação das mudanças constitucionais no Congresso Nacional, mas também passar pelo STF. “A Constituição não é o que está escrito. Ela é, sobretudo, o que o Supremo interpreta sobre a Constituição. Então, o Supremo tem uma responsabilidade muito grande no que nos chegou de 1988 até hoje, para o bem e para mal”, afirma Joaquim Falcão.

Antecipando o duro embate que vem por aí, mais dia, menos dia, as corporações e os grupos de pressão já começam a se articular para defender a manutenção de seus privilégios. Para se proteger, vale tudo. Independentemente do que vai acontecer, eles dizem que o governo vai cortar o dinheiro para a saúde e a educação, que vai tungar a aposentadoria. “A Constituição não é eterna. Você não pode pretender que a geração que fez a Constituição em 1988 resolva definir o que deve ser o Brasil pelos próximos 200 anos”, diz Jobim. “Quem gosta de Constituição eterna são os professores de direito, porque eles escrevem um livro e depois não precisam revisar, e as editoras, que não têm o que fazer com os livros antigos quando a Constituição é alterada.” Como dizia Tom Jobim, o Brasil não é para principiantes.

Entre a autonomia administrativa
e o "pires na mão" em brasília
Na arena política, o debate sobre um pacto federativo – um termo enigmático que se refere à repartição do dinheiro público entre a União, os Estados e os municípios – ganhou espaço nos últimos tempos. Como a União detém uma fatia de cerca de 60% do bolo tributário do País, os Estados, que ficam com perto de 23%, e os municípios, com 17%, defendem maior descentralização dos recursos para não ter de “passar o pires” em Brasília para tocar o governo. Os Estados e municípios também reivindicam maior autonomia legislativa. “Temos de definir se o Brasil é mesmo uma Federação ou se os Estados e municípios só exercem políticas públicas decididas no Congresso”, afirma o economista Paulo Guedes, da Bozano Investimentos.
É uma discussão similar à que foi travada na Constituinte. Como a União também detinha no regime militar uma fatia substancial do bolo tributário, havia um forte sentimento em defesa da repartição mais equilibrada dos recursos. O movimento pela descentralização tornou-se tão forte que ela acabou aprovada pela Constituinte. Só que, da forma como foi feita, gerou uma anomalia cujos efeitos ajudam a explicar por que o debate voltou à tona.
Com a decisão da Constituinte, os Estados e municípios abocanharam uma fatia maior dos tributos, mas não herdaram novas responsabilidades na mesma proporção. Ao mesmo tempo, a União perdeu receita, mas manteve muitas das responsabilidades que já tinha. Foi isso, em boa medida, que levou o então presidente José Sarney a fazer um pronunciamento na TV na época, para vociferar contra a Constituinte. Só que, de lá para cá, a União subiu de forma significativa as alíquotas das contribuições, que não são repartidas com Estados e municípios, e congelou as alíquotas dos impostos divididos com os demais entes da Federação. Resultado: a participação da União no total de tributos voltou a aumentar e a dos Estados e municípios, a cair. A questão é saber qual solução será seguida para distribuir o dinheiro público. “Ainda não vi ninguém dizendo qual é o pacto federativo que se quer”, diz o jurista Nelson Jobim.  

José Fucs* foi repórter especial da Época, editor executivo da Exame, editor-chefe da revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios e repórter do Estado, da Gazeta Mercantil e da Folha de S.Paulo.