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terça-feira, 16 de outubro de 2018

Fim de uma travessia do deserto? - Paulo Roberto de Almeida

Fim de uma travessia do deserto? Reflexões antecipadas

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: texto reflexivo; finalidade: depoimento sobre um período especial] 

Ainda arrastando os pés na areia – paisagem talvez incontornável nas atuais circunstâncias –, parece que estou aproximando-me do limiar do deserto. Este não é o deserto dos tártaros, como sugerido no romance de Dino Buzzati – pois o dele era o do prenúncio da chegada iminente dos bárbaros, quando no nosso caso os bárbaros já vieram, arrasaram tudo e tiveram de se retirar sob as vaias dos residentes da fortaleza –, mas foi o que se me apresentou como inevitável, quinze anos atrás, ao ter persistido na defesa de certas ideias, um deserto ao qual fui empurrado contra a minha vontade e mesmo a despeito de ter tido uma pretensão absurda: a de tentar educar nossos bárbaros.
Foram longos treze anos e meio de um deserto aparentemente interminável, que quase tinha sido delimitado quatro anos atrás – sem saber o que nos reservava sua eventual interrupção –, e que no entanto continuou no meu caso por mais dois anos e meio, apenas parcialmente compensado por um pequeno oásis nesse último período, mas sempre com a ameaça de nova expansão dominadora do deserto, com sua cota habitual de velhos e novos bárbaros, e vários salteadores dessas paragens inermes.
Agora que o deserto parece ter acabado, posso novamente olhar o horizonte, parar de sonhar com miragens, imaginar florestas na minha frente, e recomeçar a viver a vida mais movimentada das cidades e das aglomerações ruidosas e confusas. Isso não quer dizer que vida no deserto era de todo desagradável e impossível de se viver, longe disso. Uma das vantagens – se elas existem – de estar no deserto é aquela sensação de quase absoluta liberdade, a faculdade de poder andar a esmo, escolher o seu próprio itinerário, e vagar pela imensidão do deserto sem ter de prestar contas a ninguém, a não ser a si mesmo, e à sua consciência. Uma liberdade relativa, porém, pois além do deserto só tinha mais deserto, aquelas colinas arenosas onde se perder é obrigatório, assim como a noção do tempo também se torna relativa.
Pode-se fazer de tudo no deserto, e de tudo um pouco, desde que as pretensões sejam modestas: escolher uma sombra para ler, um outro canto mais confortável para escrever, uma reentrância discreta para refletir, e a certeza de poder se expressar impunemente, uma vez que o banimento para o deserto já representou uma condenação ao isolamento e à falta completa de eco. Se não fosse pela preservação dos escritos, poucos traços teriam restado dessa longa estada, se não fosse pela constância dos registros não teriam sobrevivido algumas reflexões contrarianistas, alertas feitas ao vento, vento que ainda assim carregou alguns desses manuscritos para além do deserto, folhas esparsas que alcançaram pequenos oásis perdidos naquela imensidão, outros quilombos de resistência intelectual durante a longa dominação dos bárbaros sobre todas as planícies e até sobre algumas montanhas. Se eu não tivesse levado papel e lápis para o meu exílio no deserto, não teria agora a recordação de algumas memórias para documentar essa longa jornada ostracismo adentro, dias infindos, meses incontáveis, anos seguidos. 
Devo a meus hábitos juvenis de leitura da história, às minhas incursões precoces nos livros de filosofia, às leituras maduras de história econômica, às minhas observações de política prática, essa minha certeza longamente mantida de que o deserto teria fim um dia, essa minha confiança de que o isolamento a que fui relegado na paisagem arenosa seria enfim superado, o meu absoluto otimismo quanto a que o meu exílio conheceria o seu término, de uma maneira ou de outra. Aparentemente chegou, ainda que eu não possa determinar exatamente as circunstâncias desse fim.
Talvez não tenha sido exatamente como eu teria, ou tivesse, gostado, com pleno reconhecimento da injustiça do ostracismo. Como já disse alguém, num livro que, aliás, se tornou um clássico, os homens fazem a sua própria história, mas não como eles gostariam que fosse, como eles imaginavam que pudesse ser, e sim segundo forças poderosas que eles nem sempre controlam, segundo circunstâncias cujas condições eles não conseguem determinar, um processo que ocorre por vezes fatalmente, e que é construído independentemente das ideias e até mesmo das ações da maior parte dos membros de uma determinada sociedade. Curiosamente, esse famoso livro foi escrito no momento mesmo em que começava uma nova ditadura, a de um líder bonapartista, obra que foi profética ao antecipar a relativa durabilidade, 18 anos da dominação carismática que se apoiava no apoio das massas incultas, mas sedentas pelos apelos de um discurso populista, ávidas pela demagogia habitual dos anunciadores de novos tempos radiantes, que acabam sendo, ao fim e ao cabo, apenas a preparação de novos desastres, o anúncio antecipado de frustrações garantidas a partir dos equívocos desse tipo de regime. 
Essas minhas leituras de clássicos da literatura política amenizaram em grande medida minha longa jornada no deserto, assim como reforçaram a minha crença em que, como das vezes anteriores, essa nova ditadura dos bárbaros também teria fim algum dia, e que eu poderia voltar ao convívio dos citadinos. Aproveitei, aliás, o ostracismo arenoso para escrever algumas peças que podem ter ajudado a manter na memória de alguns, uns poucos colegas de corporação, muitos outros em ambientes que eu sempre tinha frequentado, quando ativo na cidade dos homens, o que talvez tenha evitado um eclipse definitivo do que eu tinha a dizer. 
Agora que o deserto parece ter acabado, posso olhar para trás, não sem certo orgulho, ao ter sabido preservar o essencial de meu contrarianismo habitual. Nunca pedi água aos que me relegaram ao deserto, nunca lhes dei a satisfação de dizer que estavam certos, sempre reafirmei minha independência, e creio ter deixado bastante claro quais ideias, quais princípios e valores, quais posturas profissionais me separavam irremediavelmente deles. Nunca me considerei um dissidente, porque isso seria admitir que eu dissentia de alguma doutrina válida, de um conjunto de preceitos que seriam basicamente corretos, e aos quais eu me opunha apenas pela vontade de ser um contestador sem razão de ser, pela lógica dos bárbaros. Por mais desconforto e solidão que eu pudesse sentir no deserto, nunca experimentei o desprazer de servir aos bárbaros naquela que era a minha carreira profissional, o que certamente me poupou de muitos aborrecimentos, e a eles de constrangimentos adicionais, dada a minha postura. Por isso mesmo não ocorreram punições tópicas, como em ocasiões anteriores, além da própria condenação ao ostracismo, o que já deveria servir de exemplo e de alerta para outros eventuais incautos ou contestadores potenciais.
Minhas atividades de formiga do deserto não devem ter incomodado em nada a continuidade do regime, mas podem me ter dado o orgulho talvez egoísta de terem incomodado alguns dos responsáveis pelo meu exílio. Pelo menos não conseguiram me silenciar por completo, uma vez que, como garrafas jogadas por um náufrago ao mar, ideias também tem esse poder de voar com o vento, e até de alcançar as fímbrias do deserto.
Ao emergir agora dessa longa estada involuntária em terreno não demarcado – algo como o limbo das antigas crenças religiosas –, cabe não alimentar novas ilusões, não ser otimista demais quanto ao que vem pela frente, pois cidades e aglomerações, à diferença dos desertos, são lugares manifestamente confusos, contraditórios, até sujeitos a disputas, animosidades, enfrentamentos. O que cabe, sim, é fazer um diagnóstico realista da situação, examinar as fontes desses conflitos, determinar um modo de atuação em face da situação existente e traçar um plano mental quanto às melhores formas de atuação nos quadros do novo regime. Depois de tantos anos de desconstrução institucional, de erosão moral e de profunda deterioração ética, o trabalho reconstrução será tanto mais duro quando as principais dificuldades talvez não se situam exatamente no plano material, mas essencialmente no terreno da arquitetura mental e espiritual da sociedade. Tal compreensão da divisão da nação deve balizar, em meu entendimento, os esforços de soerguimento dos escombros deixados pelos bárbaros, que ainda estão à espreita, e precisam ser desativados basicamente pelas ideias, novas ideias.
De minha parte, sem qualquer pretensão quanto a desempenhar um papel de ator cênico, minha aspiração estaria, como é meu hábito, no oferecimento de reflexões e de sugestões no terreno pedagógico, que sempre foi o meu, um trabalho de análise, de diagnóstico e de iniciativas prescritivas que se encaixem no novo espírito da época. Aliás, não existe exatamente um novo Zeitgeist, apenas um panorama devastado e desolado por anos e anos de pregação divisionista, de doutrinas tortuosas, de propostas e medidas viciadas e viciosas, que levaram a nação à maior crise de sua história, uma recessão gigantesca, que condenou milhões à inação e ao desespero, sentimentos que, por sinal, alimentaram a rejeição dos bárbaros pela maioria dos cidadãos.
Sem ter tido qualquer papel – senão muito marginal, ao continuar alimentando a chama da resistência intelectual – na inversão da trajetória finalmente alcançada, posso agora, ao limpar os últimos traços de areia nas vestes, olhar com alguma confiança o futuro de médio prazo, sempre mantendo a mesma atitude básica que foi a minha com relação aos modos alternativos de organizar a política e a economia da nação: um ceticismo sadio, como compete a um contrarianista iluminista. Minha atitude, diga-se de passagem, nunca deixou de ser a mesma: a observação atenta da realidade ambiente, consulta demorada aos precedentes históricos, reflexão comparativa com outros casos de sucesso, ou de fracasso (mais instrutivo, neste caso), no encaminhamento de soluções aos problemas de toda e qualquer organização social. Com base nessa análise preliminar pode-se partir para a formulação de algum diagnóstico sobre os desafios detectados de maneira empírica, e com isso, finalmente, propor uma ação pedagógica – eventualmente complementada por alguma atuação executiva elementar – na direção das melhores respostas aos dilemas e desafios a serem superados.
Três lustros no deserto, sem ser eremita e sem ter vocação para anacoreta, também constituem boas oportunidades para o fortalecimento do caráter e para, longe da poluição citadina, ver um pouco mais claro, e mais longe, o caminho a ser seguido. Por isso sou finalmente grato aos responsáveis pelo meu exílio: eles me deram uma oportunidade que eu não teria no burburinho de um trabalho inserido em suas enormes contradições teóricas e práticas. 
Como disse alguém: a luta continua...


Paulo Roberto de Almeida
Paris-Rabat, em voo, 15 de outubro de 2018

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Criacionismo paira sobre o ensino cientifico no Brasil: campanha de Bolsonaro

Não bastasse o atraso normal da educação brasileira, esse atraso pode se aprofundar mais ainda, se propostas idiotas como essa tiverem apoio em nível federal para inviabilizar um ensino decente de ciências nas escolas públicas...
Paulo Roberto de Almeida
Rabat, 15/10/2018

‘É preciso nova bibliografia para escolas’, diz assessor de Bolsonaro para a Educação

General que ajuda a fazer plano de Educação quer retirada de livros com 

‘ideologia’ e ensino da ‘verdade sobre 64’

Entrevista com
Aléssio Ribeiro Souto, general e integrante da equipe de campanha de Jair Bolsonaro (PSL)
Renata Agostini, O Estado de S.Paulo
15 Outubro 2018 | 05h00

À frente do grupo que elabora propostas para o Ministério de Educação de um eventual governo de Jair Bolsonaro (PSL), o general Aléssio Ribeiro Souto diz que “é muito forte a ideia” de se fazer ampla revisão dos currículos e das bibliografias usadas nas escolas para evitar que crianças sejam expostas a ideologias e conteúdo impróprio. Ele defende que professores exponham a "verdade" sobre o “regime de 1964”, narrando, por exemplo, mortes “dos dois lados”. "Existe a verdade, quer se queira ou não. E ela nem sempre tem sido retratada", afirmou o general em entrevista ao Estado.
Ex-chefe do Centro Tecnológico do Exército, foi chamado a coordenar debates de ciência e tecnologia, mas acabou acumulando educação “por afinidade”. Contrário à política de cotas, defende a “prevalência do mérito” e diz que, se a ideia for aceita por Bolsonaro, serão estudadas medidas “não traumáticas” para substituir as regras. “Querem atribuir a Bolsonaro condição ditatorial. É chamado até de nazista. É mentira deslavada”, disse.
Aléssio Ribeiro Souto
General Alessio Ribeiro Souto, assessor de Bolsonaro para a área da Educação Foto: Dida Sampaio/Estadão
Qual a proposta para o desenho do Ministério da Educação?
Há preferência do grupo por manter educação e ciência e tecnologia separados. Achamos que ambos cabem na nova quantidade de ministérios, que será reduzida, mas não entramos na questão. É preciso valorizar os professores e os cientistas, não importa em qual estrutura organizacional estejam. Preconizamos que esporte e cultura devam estar dentro do Ministério da Educação. Ah, o pessoal da cultura é contra. Mas isso é uma besteira tão grande. O Estado pode ser pequeno. O  importante é a funcionalidade e a gestão.
Quais as mudanças na área da educação o senhor vê como prioritárias?
Levantamos 14 “ideias básicas” para educação. Elas incluem valorização dos professores, motivação dos alunos, treinamento continuado dos 2,6 milhões professores que aí estão, alteração da formação das licenciaturas, revisão completa dos processos educacionais da base curricular, efetivo emprego dos recursos. Há muito dinheiro indo para o ralo da corrupção e há má gestão pura e simples. Você não pode dobrar o recurso para a educação, mas pode a cada ano aumentar 0,5% a mais do que a média do orçamento e, assim, em dado momento, terá aumento real.
Preveem reorganização na destinação dos recursos?
Em qualquer país razoável, 30% ou 40% dos recursos são destinados ao ensino superior. Este ano, aqui, a matriz deve ter chegado a 70% dos recursos para o ensino superior. Precisamos alterar, mas não se faz facilmente, porque teria de mandar metade das pessoas embora, professores e funcionários. Não é assim que as coisas acontecem, não queremos o regime ditatorial. Na democracia é diferente, tem de ser pactuado, aos poucos. Nossas “14 ideias básicas” darão resultado em médio e longo prazos. Para ter transformação efetiva da sociedade, como ocorreu no Japão e na Finlândia, precisamos de 60 anos. Estamos pensando em medidas para o curtíssimo prazo, como replicar a experiência de escolas públicas de bom desempenho para outras do mesmo Estado. Além disso, tudo que é de médio e longo prazo tem de ser desencadeado agora. Valorizar professor não dá resultado agora, mas tem de começar agora.
Inclui melhorar a remuneração?
A remuneração é quinto ou sexto tópico a se considerar. Pagar muito bem é uma absoluta impossibilidade agora. Antes disso, precisa do discurso de que magistério é importante. Os professores que estão aí precisam começar a acreditar que são importantes, porque hoje ninguém quer ser professor. Discurso, formação, aperfeiçoamento dos que já estão aí, resgate da autoridade do professor. Depois dos pais, tem de ter a ideia de que, em segundo lugar, reverenciamos professores. É absolutamente inaceitável a agressão ao professor. Isso tem de ser reprimido.
Como fazer isso nas escolas públicas?
Dentro dos meios democráticos e legais. Aquele que ameaçar agredir o professor, que dirigiu a palavra mal dita para o professor, tem de haver repressão. Democrática.
Como é repressão democrática?
Tem de ser retirado da sala. E, se agredir, polícia. Vai a polícia, leva as crianças e atua naquele que agrediu fisicamente através do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente)para os menores. E, para os adultos, polícia pura e simples. Delegacia. Não pode haver dúvida quanto a isso.
Mas há propostas de modificações?
O candidato Jair Bolsonaro é acusado de misógino porque queria a punição de alguém que estuprou a namorada e depois a matou. E a punição desse menor? Na minha visão, o menor bandido deve ser preso. Mas vai colocar na prisão junto dos maiores? Não. No pavilhão dos menores bandidos,  precisa ter tratamento do psicólogo, educador etc. Agora, nesse sentido, o ECA tem de ser mudado. Se ele permite que bandidos sejam protegidos, discordo. Assim que eu vejo.
Isso está na proposta?
Não entramos nesse tipo de detalhamento agora. Estamos levando as ideias básicas que passarão pela equipe de transição e para quem for o ministro.
Como ficará a política de cotas?
Uma das ideias básicas é a prevalência do mérito. O País deve chegar ao momento que não precisará de cotas. A cota é um remendo. Sou de família extremamente modesta, saí de casa aos sete anos de idade. Sou neto de negro e bisneto de índia. Nunca precisei disso, porque o Estado, a sociedade e a Nação me propiciaram educação pública de qualidade.
Cotas então não são necessárias?
Elas estão sendo necessárias para alguns e mal utilizada por outros para resolver um problema de má gestão governamental. Nossa proposta é a prevalência do mérito. Mas como fazer? Eliminar agora? É preciso equilíbrio. Que tal  ensino complementar aos desassistidos?
Quem são os desassistidos?
Pobre branco de olhos azuis não tem direito? Existem no Nordeste e no Rio Grande do Sul. No meu dicionário, não pode ter cor para o ser humano. Que tal se, em vez de cota, propiciarmos ensino adicional, correção dos erros existentes, complementariedade?
O senhor fala em reforço escolar, mas a cota garante o ingresso na universidade.
Quis mencionar minha posição pessoal. Nossa equipe não está tratando especificamente disso.  Se a ideia da prevalência do mérito for acolhida por Bolsonaro, estudaremos soluções não traumáticas (para mudar a política atual). Querem atribuir ao Bolsonaro a condição ditatorial. É chamado até de nazistas. É mentira deslavada.
Como ficariam Prouni e Fies?
Achamos que é preciso continuar o financiamento do estudo. O País nunca vai transformar os pobres em ricos. Não é todo mundo que chegará lá. Mas os mais talentosos entre os pobres precisam ter acesso ao nível superior. O Prouni requer estudo, mas, pelo que li, não vejo razão para pensar em acabar.
Por que é necessário revisar o currículo escolar?
É muito forte a ideia básica de revisão dos processos curriculares, das bibliografias.  Isso precisa ser muito cuidado para não termos absurdos que vimos na TV como livros distribuídos para crianças de sete anos que deixa mães estupefatas. Determinadas coisas são responsabilidade dois pais. A escola tem de tratar do problema, mas não tem de influenciar para uma direção ideológica. E, nesse sentido, estamos colocando uma revisão completa dessas questões curriculares.
Com qual objetivo?
Impedir que tenhamos na escola a orientação de um determinado partido ou corrente ideológica em dado momento. Isso é inaceitável. Foi pregado pelo Bolsonaro que ele vai combater num eventual governo dele a ideologização das escolas, a transmissão das questões relacionadas à sexualidade, à ideologia de gênero, que é um direito inalienável dos pais. Ele transmitiu isso e por isso me convenceu de que eu poderia contribuir para a campanha dele.
E se um pai desejasse que o professor ensinasse criacionismo em vez de a teoria da evolução?
Isso que eu saiba não está errado. Foram questões históricas que ocorreram. Se a pessoa acredita em Deus e tem o seu posicionamento, não cabe à escola querer alterar esse tipo de coisa, que é o que as escolas orientadas ideologicamente querem fazer, mudar a opinião que a criança traz de casa. Cabe citar o criacionismo, o darwinismo, mas não cabe querer tratar que criacionismo não existe.
Mas no currículo escolar não consta o criacionismo. Fala-se da teoria da evolução.
A questão toda é que muito da escola na atualidade está voltada para a orientação ideológica, tenta convencer de aspectos políticos e até religiosos. Houve Darwin? Houve, temos de conhecê-lo. Não é para concordar, tem de saber que existiu.
O senhor já se manifestou a favor de retirar livros que não contassem “a verdade” sobre 1964.
A única coisa que vou falar sobre 64 é que eu só aceito ler e debater aspectos do regime de 64 à luz da liberdade e de praticar a verdade, a coragem e a ética. Fora disso, sequer aceito a ideia de debater.
O senhor entende que os livros de história não refletem a verdade ao tratar 1964 como golpe militar?
Não entro na questão de golpe, porque é algo menor. Há quem diga que o afastamento da Dilma, feito no âmbito do Congresso e do Poder Judiciário, foi golpe. Felizmente, o povo mineiro disse para ela: você não estava falando a verdade. Impediram que ela fosse eleita. A questão da palavra golpe me parece menor. Agora, sonegar para crianças de dez, 12, 16 anos o que ocorreu? Não concordo. Não gostaria de falar mais sobre o assunto.
Mas é preciso esclarecer sua posição.
Não tenho medo de debater com transparência. No período de 1945, cerca de 400 e poucos brasileiros morreram para derrotar o nazismo. Em 1964, houve 450 mortes dentre aqueles que queriam implantar a ditadura do proletariado. Mas houve 117 mortes daqueles que não queriam. Quando você trata dos problemas e das mortes  - e guerra traz mortes - tem de tratar dos dois lados. Existe a verdade, quer se queira ou não. E ela nem sempre tem sido retratada. Com frequência, minhas filhas chegam em casa falando coisas que não posso aceitar. Mas não está no livro de história, está na boca do professor.
Como pretende atacar isso?
Orientar toda a cadeia de gestão, até o professor na sala de aula, que nós buscamos a paz e a harmonia através da democracia e de praticar a verdade. E não usar a mentira e a canalhice. E aí é a mudança que Bolsonaro ofereceu ao povo brasileiro e foi acolhida majoritariamente.

Coloquio sobre História Financeira: Washington, maio 2019

Call for Papers
Workshop on Monetary and Financial History
Federal Reserve Board, Washington, D.C.
Scholars are invited to submit proposals to a workshop on Workshop on Monetary and Financial History (https://www.federalreserve.gov/conferences/monetary-financial-history-workshop-2019.htm) that will be hosted at the Board of Governors of the Federal Reserve System on May 6-8, 2019.
 This workshop will be a chance for researchers at academic, policy, and professional institutions to meet and discuss topics drawn from historical experience that not only help us understand the past but which frequently offer lessons and insights for today. 
Professor William Goetzmann from the Yale School of Management will deliver the keynote address.
Proposals on any topic related to monetary and financial history are welcome. The workshop is geared toward allowing researchers to receive feedback on newer projects, although more advanced projects will also be considered.
Proposals should be no more than five pages and should be sent to FinHistWorkshop2019@frb.gov by December 14, 2018. Alternatively, proposals may be sent as a presentation slide deck, not to exceed 20 slides. 
Decisions will be made by February 28, 2019.
The Board will pay for domestic travel of presenters as well as for their accommodations.
Program committee: Mark Carlson and Ralf Meisenzahl

Ralf R. Meisenzahl
ralf.r.meisenzahl@frb.gov
www.ralfmeisenzahl.com
Principal Economist, Flow of Funds
Federal Reserve Board
20 & C Streets
Washington, DC 20551
+ 1 202 912 7997

domingo, 14 de outubro de 2018

Bolsonaro e o seu partido - Jairo Nicolau (El País)

Bolsonaro e o seu partido
JAIRO NICOLAU
El Pais, 12/10/2018

PSL deverá ser o grande polo de de atração para políticos de outros partidos, a começar pelos que não atingiram a cláusula de barreira. É o suficiente para que antes de abertura da próxima legislatura, o tenha se tornado a maior bancada na Câmara

Cada eleitor deve ter um resultado que considera mais surpreendente na eleição de 2018. Para uns, deve ter sido a votação obtida por Jair Bolsonaro. Para outros, a derrota de nomes tradicionais da política brasileira, a mais impressionante delas a da ex-presidente Dilma Rousseff. Escrevo e ainda me choco. Uma ex-presidente, vitoriosa em duas eleições, chega em quarto lugar na disputa para Senado de um Estado. Nada me surpreendeu mais, porém, do que a votação obtida pelo Partido Social Liberal (PSL) nas eleições para a Câmara dos Deputados. Bolsonaro se filiou ao partido no dia 7 de março de 2018, um mês antes do prazo definido por lei para quem quer ser candidato. Portanto, ele dispôs de trinta dias para filiar seus seguidores e organizar a lista candidatos de cada Estado. Com nomes pouco conhecidos e alguns políticos do baixo clero, a expectativa era que a bancada do PSL chegasse a no máximo 30 deputados. Quando a apuração dos votos foi encerrada, o inesperado: o PSL foi o partido mais votado do país nas eleições para a Câmara dos Deputados, desbancando as três legendas que dominaram a política brasileira nas duas últimas décadas: PT, PSDB e MDB. A figura abaixo mostra a votação obtida pelos partidos na disputa para a Câmara dos Deputados.

Na divulgação dos resultados, a ênfase recaiu no fato de o PSL ter conseguido a segunda maior bancada (52 deputados), atrás do PT, que obteve 56 cadeiras. Mas observar a votação dos partidos nos permite ver com mais clareza a força do bolsonarismo. Para se ter um padrão de comparação, o PT, o partido mais organizado do país, conseguiu atingir este patamar de votos na terceira eleição que disputou. Em representação na Câmara dos Deputados, o PT só conseguiu ultrapassar as 50 cadeiras em 1998, dezoito anos após ter sido fundado. A votação do PSL para a Câmara dos Deputados e para as Assembleias Legislativas de muitos Estados —particularmente, São Paulo e Rio de Janeiro — é a maior já obtida por um novo partido na história das eleições desde que a nova Constituição foi promulgada em 1988; eu sei que formalmente o PSL já existia e elegeu um deputado federal em 2014, mas na prática, é um novo partido.
Na primeira eleição que disputou, em 1990, mesmo contando com grandes figuras da política nacional, o PSDB obteve 8,7% dos votos e 7,6% das cadeiras na disputa para a Câmara dos Deputados. O que mais surpreendeu no fenômeno Bolsonaro foi a sua capacidade de transferir votos em cascata para candidatos que concorreram a outros cargos. A transferência fica patente quando observamos a votação impressionante de nomes de candidatos desconhecidos no meio político. Para dar um único exemplo, eu cheguei a receber um panfleto do candidato a deputado federal Hélio Lopes mas nunca imaginaria que ele se tornaria o deputado federal mais votado do Rio de Janeiro, com 345.000 votos. Dos 12 deputados federais eleitos pelo PSL-RJ eu conhecia apenas um. Na era da cédula de papel, podíamos observar como o eleitor havia votado, durante a apuração. Tenho a impressão que se tivéssemos a possibilidade de ver a cédulas desse ano encontraríamos milhões nas quais o eleitor votou de cima a baixo em nomes do PSL, ou apoiados pelo bolsonarismo.
Acredito que nos próximos meses, o PSL será o grande polo de de atração para políticos de outros partidos. A começar dos deputados eleitos por alguns partidos de direita que não atingiram a cláusula de 1.5%. A eles é dada a possibilidade de migração para outras legendas sem serem punidos. São seis deputados do Patriota, quatro do PRP, dois do PTC e um da DC. Não são muitos. Mas o suficiente para que antes de abertura da próxima legislatura, o PSL tenha se tornado a maior bancada na Câmara dos Deputados, crescido no Senado e em muitas Assembleias Legislativas. Por fim, é bom lembrar que a partir do ano que vem, o PSL será o partido que mais recursos receberá do fundo partidário, e do fundo eleitoral nas disputas de 2020 e 2022. Sem contar que terá o maior tempo no horário eleitoral. Um recurso impressionante para quem fez uma campanha em 2018 sem praticamente utilizar o rádio e a TV, e com muito pouco dinheiro do fundo eleitoral. No sábado, véspera da eleição, fomos dormir especulando a respeito do percentual de votos que Bolsonaro teria na disputa para presidente. No domingo à noite vimos um grande partido de direita nascer. Com os votos que obteve e os recursos que receberá a partir de 2019, já nasce como um ator central do novo quadro partidário.


Jairo Nicolau é professor de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Esse texto foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições de 2018, que conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras e busca contribuir com o debate público por meio de análises e divulgação de dados. Para mais informações, ver: www.observatoriodaseleicoes.org

Quem manda no governo? Book review NYTRBooks

Um problema que logo será também brasileiro...



NONFICTION

Michael Lewis Wonders Who’s Really Running the Government

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Secretary of Energy Rick Perry at an energy facility in Maryland earlier this year.CreditCreditCliff Owen/Associated Press
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By Joe Klein

THE FIFTH RISK
By Michael Lewis
221 pp. W.W. Norton & Company. $26.95.

Michael Lewis is the poet laureate of computer-driven data analysis. He has written a series of wildly successful and eminently readable books about the Information Age revolutions in two fields of American obsession, finance and sports (with clever side-trips into behavioral psychology and economics). He has done this in a breezy, pellucid manner, with a rare talent for explaining abstruse concepts — say, collateralized debt obligations — so that even I can understand them. His technique is deceptively simple: The stories are told through sketches of brilliant, eccentric people, experts in their fields, who tend to speak in the same effervescent, colloquial way that Lewis writes. You can’t help liking them. Now, though, Lewis has taken on his most difficult challenge: He has chosen to apotheosize three obscure government agencies — the Department of Energy, the Department of Agriculture and the Department of Commerce. In “The Fifth Risk,” his heroes are federal bureaucrats.
Why these departments? Well, they are enormous data collection and analysis factories. And Donald Trump either doesn’t care about them or understand what they do, or doesn’t like what he imagines he understands, and has sent minions intent on crippling their work. Lewis believes that essential government functions like protecting nuclear waste (Department of Energy), food safety and feeding the poor (Agriculture) and predicting the weather (Commerce) are under threat. Early on, he introduces us to John MacWilliams — a classic Lewis character — a former investment banker with expertise in the energy sector who is cajoled by Barack Obama’s splendid energy secretary Ernest Moniz to go to work for the government. “Everything was acronyms,” MacWilliams recalls. “I understood 20 to 30 percent of what people were talking about.” But the people were impressive. “There were physicists everywhere. Guys whose ties don’t match their suits. Passive nerds. Guys who build bridges.” And they certainly weren’t in it for the money.
MacWilliams’s job at the D.O.E. was risk assessment. Lewis is a risk assessment junkie — whether it’s the risk of investing in ballplayers (“Moneyball”) or mortgage-backed securities (“The Big Short”). At the D.O.E., the risks are potentially cataclysmic — preventing dirty bombs from exploding at the Super Bowl, tracking nuclear weapons so they don’t get lost or damaged (they’re called “Broken Arrows”), preventing plutonium waste at the government’s facility in Hanford, Wash., from leaking into the Columbia River. Lewis asks MacWilliams to list the top five risks. The first four are predictable: Broken Arrows. North Korea. Iran (that is, maintaining the agreement that prevents Iran from building a nuclear bomb). Protecting the electric grid from cyberterrorism. But the fifth, most important risk is a stunner: “program management.” Hence, the title of this book.
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How does The Times approach books about political subjects? Editors explain the process here. ]
Lewis defines it this way: “The risk a society runs when it falls into the habit of responding to long-term risks with short-term solutions. … ‘Program management’ is the existential threat that you never really even imagine as a risk. … It is the innovation that never occurs and the knowledge that is never created, because you have ceased to lay the groundwork for it. It is what you never learned that might have saved you.”


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It is myopia. It is the absence of leadership. It is democracy without citizenship. Enter Donald Trump. It should be said that government has never been all that good at seeing around corners, and there are vast stretches of the federal bureaucracy that are not populated by geniuses. Lewis does not defend the Post Office or the Department of Veterans Affairs (although there are brilliant practitioners doing innovative work for veterans amid the fatty mass of unmotivated bureaucrats). But penicillin was discovered by the Department of Agriculture (and fracking, by the way, in large part by the Department of Energy). The incredible advances in data collection by the National Weather Service have made it possible for us to know ahead of time, with a fair amount of certainty, where hurricanes like Florence are going and at what strength. Thousands of lives have been saved over the years. There are government programs like food stamps — Lewis profiles the director of the program and his obsession with fraud — that have pretty much abolished hunger in the United States. And D. J. Patil, President Obama’s chief data scientist, observes that it was data compiled by the Department of Health and Human Services that enabled journalists at ProPublica to discover the spike in opioid prescriptions that presaged the current addiction crisis. These are details of implementation that tend not to concern the current administration.
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Actually, it’s worse than that. Donald Trump appointed the former Texas governor Rick Perry as energy secretary. Perry, who once said he wanted to abolish the department (he also wanted to abolish Commerce and Education), is a figurehead, his role “ceremonial and bizarre.” According to Lewis, Perry didn’t ask for a briefing on any D.O.E. program when he arrived. The real work of sorting out the department was given to Thomas Pyle, a lobbyist funded by the carbon-addled Koch Industries and ExxonMobil. Trump’s goal was to rid the place of Obama supporters and climate change analysts, and to aggrandize the oil and coal sectors. Pyle was followed by a group of young ideologues called the “Beachhead Team.” Lewis quotes Tarak Shah, chief of staff for the department’s $6 billion basic-science program: “We had tried desperately to prepare them … but that required them to show up. And bring qualified people. But they didn’t. They didn’t ask for even an introductory briefing. Like, ‘What do you do?’”
This is an enormity in Lewis’s algorithmic world: “After Trump took office, D. J. Patil watched with wonder as the data disappeared across the federal government.” The disappearing data concerned phenomena that the Trumpers opposed, like climate change or food safety regulations, or that they didn’t care about, like poverty, or stuff that they assumed were government boondoggles, which was most everything not involving the Pentagon. They cut funding for data collection across the board.
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Lewis has spent his career writing from an ironic middle distance. He is deft, not didactic. He doesn’t proselytize or offer solutions to fix our ailing democracy, which makes “The Fifth Risk” all the more effective as a call to arms — especially to his natural audience of (mostly) guys who like sports and moneymaking. At a moment when the president of the United States is under frontal assault, Lewis takes a more oblique route. He doesn’t bother with Trump’s flagrant character deficiencies; he is horrified by the practical effects of the president’s ignorance. And so he deploys his skills to make the history of the National Weather Service’s ability to predict hurricanes — and its difficulty in predicting tornadoes — into a page-turner. “If a hurricane is another night in a bad marriage,” he writes, “a tornado is a blind date.” A metaphor lurks here: Donald Trump is a tornado, witlessly devastating the world that Michael Lewis has come to love and chronicle.
But there is more than lost data at stake. “The Fifth Risk” raises the most important question of the moment: Have we grown too lazy and silly and poorly educated to sustain a working democracy? We live in a moment when tribal bumper stickers — both left and right — pass for politics, when ignorance and grievance drive policy. The federal government exists at a level of complexity most people just can’t be bothered to understand. We have little idea what it does, only the vague sense that it doesn’t do anything very well. Michael Lewis has taken on the task of rectifying that misconception, and he has done so with refreshing clarity — and a measured sense of outrage — which makes this his most ambitious and important book.
Joe Klein’s books include “Primary Colors,” “Woody Guthrie” and, most recently, “Charlie Mike: A True Story of Heroes Who Brought Their Mission Home.”
A version of this article appears in print on , on Page 14 of the Sunday Book Review with the headline: Who’s in Charge?Order Reprints | Today’s Paper | Subscribe