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quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

A educacao de Celso Lafer: uma homenagem ao mestre - Paulo Roberto de Almeida


Neste dia 19/12/2018, vamos fazer uma homenagem aos grande mestre brasileiro das relações internacionais, por ocasião do lançamento desta obra que reune mais de uma centena de artigos, ensaios, entrevistas e outros materiais produzidos ao longo de mais de meio século de um trabalho de mestre, justamente.
Colaborei primeiro com um resumo-apresentação de seu volume, que acabou transformando-se num "Posfácio" – de acordo com as instruções do ex-ministro – e foi incorporada ao livro como abaixo transcrito. Foi um prazer poder colaborar com a preparação editorial destes dois volumes, e sobretudo compor o índice onomástico, pois por ele se pode aferir as "afinidades eletivas" do ex-ministro: Norberto Bobbio, Hannah Arendt, Raymond Aron, Kant, e muitos outros.

A educação de Celso Lafer: um reconhecimento ao mestre

Paulo Roberto de Almeida
Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, IPRI-Funag/MRE.
in: Celso Lafer, Relações internacionais, política externa e diplomacia brasileira: pensamento e ação(Brasília: Funag, 2018, 2 vols., 1437 p.; lo. vol., ISBN: 978-85-7631-787-6; 762 p.; 2o. vol., ISBN: 978-85-7631-788-3, 675 p.), 2o. vol., p. 1335-1347.



Se as Confissõesde Santo Agostinho – que ocupam um lugar central na cultura cristã do Ocidente latino, ao dar início à tradição intelectual da autobiografia consciente e deliberada – apresentam essa característica de, pela sua própria natureza confessional, terem influenciado fortemente, segundo Stéphane Gioanni (L’Histoire, junho de 2018), o subjetivismo moderno, A Educação de Henry Adams inaugura, por sua vez – como construção consciente e deliberada de uma trajetória de vida tão confessional quanto as memórias do bispo da velha Hipona –, a moderna autobiografia intelectual, combinando objetivismo político com algum subjetivismo filosófico. Mais do que uma história de vida, ou uma simples memória, o livro de Henry Adams representa, mais exatamente, um grande panorama de história intelectual dos Estados Unidos entre a Guerra Civil e a Grande Guerra, um empreendimento talvez sem paralelo, até o início do século XX, na tradição ocidental das biografias “confessionais”.
Setembro de 2018 marca o centenário da primeira publicação completa da obra do bisneto de John Adams e neto de John Quincy Adams, dois antecessores presidentes. Sua educação primorosa, objeto da autobiografia (escrita na terceira pessoa), aproxima-se, em certa medida, da sólida formação intelectual de um dos maiores representantes da vida acadêmica e diplomática do Brasil: Celso Lafer. Cem anos depois da publicação daquela autobiografia pioneira, parece inteiramente pertinente seguir a “educação” de Celso Lafer, três vezes ministro, sendo duas como chanceler, chefe de missão em Genebra, professor emérito da USP, articulista consagrado, mestre de várias gerações de estudiosos de relações internacionais e de direito. 
A melhor forma de fazê-lo é por meio de uma compilação de seus muitos escritos sobre as relações internacionais, a política externa e a diplomacia brasileira, textos até aqui dispersos em um grande número de veículos impressos e digitais. A trajetória intelectual de seu autor se confunde com a própria evolução dos estudos e da prática das relações exteriores do Brasil no último meio século, mas estes dois volumes reproduzem apenas uma pequena parte de sua gigantesca produção acadêmica, profissional ou jornalística, deixando de integrar, por especialização temática nas áreas do título, uma outra parte essencial de suas atividades intelectuais, que cobrem os terrenos literário, cultural e mesmo de política doméstica.
A colaboração que pude prestar na montagem e revisão da presente coleção de textos – artigos, palestras, discursos, conferências, capítulos de livros – de Celso Lafer constituiu, ao longo do ano de 2018, uma das maiores gratificações intelectuais de minha relativamente curta trajetória como diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, (IPRI), um modesto think tank, subordinado, como o Centro de História e Documentação Diplomática (CHDD) – seu contraparte do Rio de Janeiro –, à Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), esta por sua vez vinculada ao Ministério das Relações Exteriores (MRE). Digo uma das maiores gratificações porque, justamente, dois de meus critérios na organização de eventos e publicações no IPRI são justamente esses: tudo o que for intelectualmente gratificante e inovar sobre a agenda “normal”. 
Ainda antes de assumir formalmente a direção do IPRI, pude colaborar na montagem e realização de um seminário, de uma exposição e de um livro sobre o patrono da historiografia brasileira, o também diplomata, Francisco Adolfo Varnhagen: Varnhagen (1816-1878): diplomacia e pensamento estratégico(Brasília: Funag, 2016). Nesse primeiro empreendimento junto ao IPRI ofereci um estudo sobre o “pensamento estratégico de Varnhagen: contexto e atualidade”, no qual tive a oportunidade e o lazer de atualizar suas propostas de “reforma do Brasil”, apresentadas pela primeira vez em 1849, no Memorial Orgânico, documento magistralmente retirado das cinzas pelas mãos do presidente do IHGB, o historiador Arno Wehling, um especialista e também admirador da obra historiográfica de Varnhagen. 
Logo em seguida, dediquei-me a retirar das “cinzas” de um injusto ostracismo político um outro colega diplomata, o economista de formação Roberto Campos, por meio de uma obra coletiva feita inteiramente à base da admiração de amigos: O Homem que Pensou o Brasil: trajetória intelectual de Roberto Campos(Curitiba: Appris, 2017). O livro, entretanto, por razões de oportunidade e de cálculo político, não foi publicado pela Funag, tanto quanto um outro, sobre o historiador e diplomata Oliveira Lima. Em seguida, aproveitando o desafio da publicação da magistral Fotobiografiade Oswaldo Aranha por seu neto, Pedro Corrêa do Lago (Rio de Janeiro: Capivara, 2017), e ajudado pela perícia documentalista de seu outro neto, Luiz Aranha, decidi montar, com a preciosa e estratégica ajuda do historiador Rogério de Souza Farias, uma compilação praticamente completa dos escritos de relações internacionais e de diplomacia brasileira produzidos ao longo de trinta anos pelo grande estadista gaúcho, o segundo maior chanceler brasileiro do século XX depois de Rio Branco, segundo Rubens Ricupero: “Oswaldo Aranha dominou a política exterior dos meados do século XX como Rio Branco o fizera na sua primeira década. Depois do Barão, ninguém mais alcançou, dentro e fora do país, o prestígio e a influência de Aranha, nenhum outro dirigiu a diplomacia com tanto acerto em tempos perigosos e de escolhas difíceis.” (Apresentação de Rubens Ricupero a: Oswaldo Aranha: um estadista brasileiroBrasília: Funag, 2017, 1o. vol.). 
A coletânea Aranha preenche, sem dúvida alguma, uma lacuna na historiografia brasileira da diplomacia contemporânea, ao recolher discursos, entrevistas, cartas e escritos diversos do político rio-grandense convertido em estadista de estatura mundial. Ela cobre momentos cruciais das relações internacionais e bilaterais do Brasil em pleno século XX, quando a diplomacia esclarecida de Aranha influenciou decisivamente a política do governo Vargas ao adotar a opção correta na voragem da Segunda Guerra Mundial, aliás a única concebível para um discípulo de Rui Barbosa, no formidável embate que se travou entre as democracias do Ocidente, capitaneadas por Churchill e Roosevelt, e os totalitarismos liderados pelos fascistas da Alemanha, Itália e Japão.
Esse trabalho de garimpo documental e de lapidação redacional dos escritos dispersos de Oswaldo Aranha, esteve, provavelmente, na origem da idealização, organização e montagem da obra que agora se apresenta: uma compilação seletiva dentre os muitos, incontáveis escritos até aqui dispersos de Celso Lafer, primeiro reunidos e organizados por ele mesmo, com a ajuda de Carlos Eduardo Lins da Silva, depois revistos e padronizados por mim, ao longo de muitas noites de indescritível prazer intelectual. Não sei se por pura emulação historiográfica, se por alguma secreta indução bibliográfica e documental, ou se por um evidente paralelismo diplomático, Celso Lafer e eu mesmo cogitamos, quase simultaneamente, que depois da “compilação Oswaldo Aranha” estava mais do que na hora de também pensarmos numa “compilação Celso Lafer”. Material, aliás abundante, não faltava para esse novo empreendimento.
A decisão foi então tomada em vista da existência, dispersa até aqui, dos seus muitos escritos de relações internacionais, de política externa e de diplomacia do Brasil, que constituem, ao mesmo tempo, um grande panorama do cenário mundial, político e econômico, nas últimas cinco décadas. Esses textos reproduzem meio século de ideias, reflexões, pesquisas, andanças e um exercício direto de responsabilidades à frente da diplomacia brasileira, em duas ocasiões, e, através dela, de algumas funções relevantes na diplomacia mundial, como a presidência do Conselho da OMC, assim como em outras instâncias da política global. Celso Lafer esteve à frente de decisões relevantes em alguns foros decisivos para as relações exteriores do Brasil, na integração regional, no comércio mundial, nos novos temas do multilateralismo contemporâneo.
Esta obra, construída ao longo de alguns meses de garimpo documental e de lapidação formal, a partir de um aluvião torrencial de pepitas preciosas que vinham sendo carregadas pelo fluxo heteróclito de publicações no decorrer de várias décadas, apresenta, finalmente, o que se espera seja uma obra de referência e uma contribuição essencial ao conhecimento da diplomacia brasileira e da vida intelectual em nosso país, a partir dos anos 1960 até aqui. Suas qualidades intrínsecas, combinando sólida visão global e um conhecimento direto dos eventos e processos que o autor descreve e analisa, representam um aporte fundamental a todos os estudiosos de diplomacia e de relações internacionais do Brasil, uma vez que reúne os relevantes escritos do mais importante intelectual desse campo, com a vantagem dele ter tido a experiência prática de conduzir a diplomacia brasileira em momentos significativos da história recente. As “questões polêmicas” da quarta parte reúnem alguns de seus artigos de jornal, nos quais exerceu um olhar crítico sobre a “diplomacia” implementada a partir de 2003, rompendo pela primeira vez a tradição secular da política externa brasileira, no sentido de representar o consenso nacional em torno dos interesses do país, para adotar o sectarismo míope de um partido que tentou monopolizar de forma canhestra (e corrupta) o sistema político. 

Henry James, ao escrever em 1907 a sua autobiografia intelectual, admitia, indiretamente – segundo o prefácio de Henry Cabot Lodge à obra finalmente publicada em setembro de 1918 pela Massachusetts Historical Society –, que a grande ambição do neto e bisneto de presidentes era a de “completar as Confissõesde Santo Agostinho”. Mas, diferentemente do pai da Igreja Cristã, que, como grande intelectual, trabalhou a partir de uma multiplicidade para a unidade de ideias em torno da fé cristã, seu moderno êmulo americano reverteu a metodologia, passando a trabalhar a partir da unidade para a multiplicidade de ideias (The Education of Henry Adams: an autobiography, p. xxxiv, da edição de 1999 da Modern Library). Isso talvez porque, à diferença da angustiada defesa de uma rígida crença nos dogmas cristãos, exibida no quarto século da nossa era pelo pai intelectual da Igreja Católica, Henry Adams ostentava o agnosticismo científico típico dos primeiros darwinistas sociais do final do século XIX. 
Celso Lafer, herdeiro intelectual de grandes pensadores judeus do século XX, é, provavelmente também, um agnóstico pragmático, combinando destreza acadêmica e tino empresarial, como sempre foi a outra vertente de seus familiares e de um grande antecessor na diplomacia, seu tio Horácio Lafer, ministro da Fazenda e das Relações Exteriores na República de 1946. O modelo da autobiografia de Henry Adams, com suas três dezenas de capítulos seguindo a trajetória do ilustre herdeiro dos Adams nas grandes capitais do mundo ocidental – Washington, Londres (seu pai foi ministro na Corte vitoriana), Berlim, Paris (a Exposição Universal de 1900), Roma e muitas outras cidades dos Estados Unidos e da Europa–, poderia servir, eventualmente, para retraçar a carreira intelectual e diplomática de Celso Lafer, que também percorreu as grandes capitais da diplomacia mundial, como intelectual ou ministro das Relações Exteriores.
O jovem Adams, ao acompanhar como secretário o seu pai, designado em 1861 ministro plenipotenciário de Abraham Lincoln junto à corte da rainha Vitória, construiu uma educação “diplomática” no centro do que era então o maior império do planeta; ele pode encontrar-se com líderes britânicos da estatura de um Palmerston ou Gladstone, assim como, em suas andanças pela Europa, com “anarquistas” bizarros, ao estilo de um Garibaldi. Celso Lafer, por sua vez, construiu sua educação diplomática na observação direta do que foi feito por seu tio, Horácio Lafer, antes como ministro da Fazenda do Vargas dos anos 1950, depois à frente do Itamaraty, numa segunda fase do governo JK, dedicando a ambos trabalhos analíticos posteriores que figuram com realce em sua bibliografia. Da gestão do tio na política externa, destacou sobretudo sua ação no campo econômico: acordos comerciais, integração regional e aproximação à Argentina.
Essa educação continuou nos anos seguintes, de forma não surpreendente nos mesmos grandes temas focados anteriormente e, como Henry James, no contato direto com personalidades de realce na cena mundial; percorrendo as páginas dos dois volumes de Celso Lafer é possível registrar alguns dos grandes nomes do estadismo mundial, com quem Celso Lafer encontrou-se ou conviveu ao longo dessas décadas. Ele discorre, sempre de modo empático, mas penetrante, sem dispensar aqui e ali o bom humor, sobre líderes estrangeiros como Mandela, Shimon Peres, Koffi Annan, Antonio Guterres e, retrospectivamente, sobre o êmulo português do embaixador Souza Dantas, o cônsul Aristides de Souza Mendes, um justo entre os injustos do salazarismo. Dentre os diplomatas distinguidos do Brasil figuram os nomes deSaraiva Guerreiro e de Sérgio Vieira de Mello, para mencionar apenas dois nessa categoria.
Comparecem igualmente vários colegas e autores de renome, intelectuais da academia ou da diplomacia, como José Guilherme Merquior, Sergio Paulo Rouanet, Gelson Fonseca Jr., Synesio Sampaio Goes, Rubens Ricupero, Gilberto Dupas, Celso Furtado, Miguel Reale, Fernando Henrique Cardoso, entre os brasileiros. Estudiosos  estrangeiros, alguns conhecidos pessoalmente, aparecem sob os nomes de Karl Deutsch, Raymond Aron, Andrew Hurrell, Octavio Paz, Morgenthau, Kissinger e Prebisch. Suas resenhas e prefácios registram autores conhecidos na área, a exemplo de Sérgio Danese, Fernando Barreto, Gerson Moura e Eugenio Vargas Garcia, contemplados com extensas notas publicadas na revista Política Externa, da qual foi um dos responsáveis, junto com Gilberto Dupas e Carlos Eduardo Lins da Silva, durante vários anos.

A educação de Celso Lafer se fez, primordialmente, em intensas leituras e eventuais contatos, com grandes nomes do pensamento histórico, filosófico e político da tradição ocidental, desde mestres do passado remoto – Tucídides, Aristóteles, Grócio, Vico, Hume, Bodin, Hobbes Montesquieu, Kant, Tocqueville, Charles de Visscher e outros – até mestres do passado recente, inclusive alguns deles encontrados em carne e osso: Hans Kelsen, Carl Schmitt, Isaiah Berlin, Hanna Arendt, Norberto Bobbio, Raymond Aron, Hedley Bull, Martin Wight, Albert Hirschman, Stanley Hoffmann e muitos outros. Um desses “grandes mestres” aparece apenas marginalmente, ou episodicamente nos textos aqui coletados: Karl Marx, objeto de várias referências indiretas no exame da literatura especializada. Henry James, de seu lado, faz, em sua autobiografia, diversas referências ao pai do “socialismo científico” e afirmou ter seriamente considerado, junto com as teses ousadas de Darwin, os argumentos defendidos em O Capital, embora não demonstrasse entusiasmo com os anúncios precursores quando à derrocada do capitalismo. 
James, na verdade, demonstra certo esnobismo em relação à maior parte dos teóricos que digeriu, em Harvard ou em suas leituras posteriores. Ao referir-se, por exemplo, à necessidade de conhecer os ensinamentos de Marx, continua dizendo que o confronto também devia ser feito em relação à “satânica majestade do livre comércio de John Stuart Mill” (p. 72). Mais adiante, ao fazer o balanço de sua visita à Exposição Universal de Paris, em 1990, que representava o triunfo do capitalismo da belle Époque, ele revela que “tinha estudado Karl Marx e suas doutrinas da história com profunda atenção, mas que não podia aplicá-las a Paris” (p. 379). No caso de Lafer, não há menção a algum estudo sério da doutrina marxista, mas as referências não faltam, seja por meio de Raymond Aron, seja através de obras de Hélio Jaguaribe.
Ambos, porém, Henry James e Celso Lafer, exibem o mesmo compromisso incontornável com os princípios do liberalismo político e dos governos democráticos. James, ao conviver mais longamente com o sistema parlamentar inglês, considerava que “o governo de classe média da Inglaterra constituía o ideal do progresso humano” (p. 33). Por classe média, ele queria dizer, obviamente, burguesia, em oposição à velha aristocracia de títulos, que não existia no seu país natal; ela estava surgindo, em sua própria época, mas apenas a partir do exibicionismo ostensivo dos “barões ladrões”, enobrecidos financeiramente a partir da idade dourada do capitalismo americano. Celso Lafer, do seu lado, sempre foi um liberal doutrinal e filosófico, não obstante seu alinhamento pragmático com a socialdemocracia na política brasileira, no que, aliás, ele combina com um de seus mestres, o jurista e intelectual italiano Norberto Bobbio. 

Mais de uma centena de textos comparecem nos dois volumes, organizados em cinco partes bem identificadas, embora algumas repetições sejam detectáveis aqui e ali. O conjunto dos escritos constitui, sem dúvida alguma, um completo curso acadêmico e um amplo repositório empírico em torno dos conceitos exatamente expressos no título da obra: Relações internacionais, política externa e diplomacia brasileira: pensamento e ação. Os artigos, ensaios, conferências e entrevistas podem servir, em primeiro lugar, a todos os estudantes desses campos, não restritos, obviamente, aos próprios cursos de Relações Internacionais, mas indo ao Direito, Ciência Política, Filosofia, Sociologia, História, além de outras vertentes das Humanidades. Mas, os diplomatas profissionais e os demais operadores consolidados trabalhando direta ou indiretamente nessas áreas também encontrarão aqui um rico manancial de ideias, argumentos e, mais importante, “recapitulações” em torno de conferências, negociações, encontros bilaterais, regionais ou multilaterais que figuraram na agenda internacional do Brasil nas últimas décadas. 
A diversidade de assuntos, inclusive em relação aos próprios personagens que aqui comparecem, em “diálogos”, homenagens, obituários ou relatos de encontros pessoais, possuem um inegável vínculo entre si, pois todos eles têm a ver, de perto ou de longe, com a interface externa do Brasil e com os voos internacionais do autor. Os textos não esgotam, obviamente, o amplo leque de interesses e de estudos do autor, que se estende ainda aos campos da literatura e dos assuntos culturais em geral, trabalhos que figuram em diversos outros livros publicados de Celso Lafer, vários monotemáticos e alguns na categoria de coletâneas, como por exemplo os três volumes publicados pela Atlas, em 2015, enfeixados sob o título comum de Um percurso no Direito do século XXI, mas voltados para direitos humanos, direito internacional e filosofia e teoria geral do direito. A sua produção variada, acumulada intensa e extensivamente em tão larga variedade de assuntos, permite o mesmo tipo de “assemblagem” ocasional efetuada na presente obra em dois volumes. Apresentando, por exemplo, seus escritos focados em Norberto Bobbio: trajetória e obra (São Paulo: Perspectiva, 2013), Celso Lafer começa por lembrar justamente essa prática do mestre italiano: 
Bobbio, ao fazer, em 1994, um balanço de sua trajetória, observou que a sua obra caracterizava-se por livros, artigos, discursos sobre temas diversos, ainda que ligados entre si [nota: a referência aqui é à obra de Bobbio, O Futuro da Democracia]. Parte muito significativa e relevante da sua obra é constituída por volumes que são coletâneas de ensaios, reunidos e organizados em função dos seus nexos temáticos. Esses volumes de ensaios cobre os diversos campos do conhecimento a que se dedicou: a teoria jurídica, a teoria política, a das relações internacionais, a dos direitos humanos e o vinculo entre política e cultura, rubrica que abrange a discussão do papel do intelectual na vida pública. Esses volumes são representativos do contínuo work in progressda trajetória intelectual de Bobbio, esclarecendo como, no correr dos anos, por aproximações sucessivas, foi aprofundando a análise dos temas recorrentes do seu percurso de estudioso. (p. 23)

A partir da transcrição desse introito se poderia perfeitamente dizer: Ecce homo(talvez menos na linhagem nietzscheiana, e mais na do original bíblico). A afirmação se aplica inteiramente à própria trajetória acadêmica e profissional de Celso, ao seu percurso intelectual, à sua visão do mundo, com uma vantagem adicional sobre o jurista italiano, devido ao fato de Lafer ter sido bem mais do que um “simples professor”, ao ter exercido por duas vezes (até aqui) o cargo de ministro das relações exteriores (e uma vez o de ministro do desenvolvimento e de comércio exterior), funções certamente mais relevantes, para o Brasil, do que o cargo largamente honorífico concedido a Norberto Bobbio, já quase ao final da sua vida, de senador da República italiana. 

O percurso de Celso Lafer, no Brasil e no mundo, sua postura filosófica, de defensor constante dos direitos humanos e da democracia política, suas aulas na tradicional Faculdade de Direito (e em muitas outras conferências em universidades e várias instituições em incontáveis oportunidades), sua luta pela afirmação internacional do Brasil nos mais diversos foros abertos ao engenho e arte da diplomacia nacional, todos esses aspectos estão aqui refletidos em mais de uma centena de trabalhos carinhosamente reunidos sob a direção do próprio mestre e oferecidos agora ao público interessado. Não apenas o reflexo de uma vida dedicada a construir sua própria trajetória intelectual, esses textos são, antes de qualquer outra coisa, aulas magistrais, consolidadas numa obra unitária, enfeixada aqui sob a tripla dimensão do título do livro. 
Mais do que uma garrafa lançada ao mar, como podem ser outras coletâneas de escritos dispersos oferecidos a um público indiferenciado, a centena de “mensagens laferianas” aqui reunidas constituem um útil instrumento de trabalho oferecido aos profissionais da diplomacia, ademais de ser uma obra de referência aberta à leitura dos pesquisadores, dos professores e dos estudantes dessas grandes áreas de estudos e de trabalho acadêmico. Ao disponibilizar essa massa de escritos da mais alta qualidade intelectual ao grande público, esta obra faz mais do que reunir estudos dispersos numa nova coletânea de ensaios conectados entre si: ela representa, também e principalmente, um tributo de merecido reconhecimento ao grande mestre educador que sempre foi, e continuará sendo, Celso Lafer.
Vale! 

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 19 de julho de 2018



Retrato do futuro czar da economia: Paulo Guedes

Paulo Guedes, o oráculo do Estado minúsculo que acalmou Bolsonaro
Por Fernando Cesarotti; ilustrado por Cassio Tisseo
VICE Brasil, Nov 30 2018, 7:00am


Na série que apresenta os ministros do presidente eleito do Brasil, a VICE conta a história do futuro dono da pasta da Fazenda.

Reduzir a carga tributária. Reduzir o número de impostos. Reduzir o déficit fiscal. Reduzir a inflação. Reduzir o tamanho do Estado, privatizando o máximo de estatais possível – todas elas, se for o caso. Depois de décadas trabalhando no mercado financeiro, sempre pensando em aumentar lucros e ganhos de seus bancos e fundos de investimento, Paulo Guedes assume em janeiro o comando da economia no governo Jair Bolsonaro tendo “reduzir” como palavra de ordem.
Curiosamente, nem sempre foi assim. A formação em economia de Guedes o fez inicialmente um keynesiano, ou seja, um defensor das ideias de John Maynard Keynes, teórico britânico famoso por defender a importância da intervenção do Estado. Mas a viagem do jovem carioca para estudar nà Universidade de Chicago, com direito a bolsa no CNPq (Conselho Nacional de Pesquisa) o colocou em contato com Milton Friedman, um dos criadores do pensamento ultraliberal que dominou o mundo nos anos 1970 e 1980, sob a liderança política da premiê britânica Margaret Thatcher e do presidente norte-americano Ronald Reagan. E Guedes se tornou então aquilo que ficaria conhecido, muitas vezes em tom de ofensa, como um “neoliberal”.
Depois de conseguir seu PhD nos Estados Unidos, Guedes voltou ao Brasil e virou professor em tempo parcial na FGV e na PUC-RJ, onde daria aula para futuros medalhões como Armínio Fraga, presidente do Banco Central no governo Fernando Henrique Cardoso. Mas, sem espaço no governo para implantar suas ideias, aceitou um convite para dar aulas na Universidad de Chile, então sob intervenção da ditadura de Augusto Pinochet.
O Chile ficou conhecido nesse tempo por ser uma espécie de laboratório do neoliberalismo, com a presença de outros “Chicago boys” além de Guedes. Entre outras medidas controversas, o grupo comandou uma reforma da Previdênciaque adotou, de forma pioneira no mundo, o sistema individual de capitalização, semelhante aos regimes privados em vigor no Brasil hoje. Funciona assim: cada trabalhador economiza para sua própria aposentadoria, sem contribuição obrigatória dos empregadores ou participação do Estado. O problema é que o sistema tem apresentado problemas e o presidente Sebastian Pinera, de centro-direita, estuda uma nova reforma, já que alterações feitas pela esquerdista Michele Bachelet não deram resultado e a renda média dos aposentados chilenos não chega a metade do salário mínimo local.
De volta da experiência chilena, Guedes entrou de cabeça no mercado financeiro. Foi um dos fundadores do banco Pactual e comandou diversos fundos de investimentos, também sob alguma polêmica – o Ministério Público Federal investiga a existência de fraude na gestão de recursos oriundos de fundos de pensão de empresas estatais, acusação negada pelo economista.
Há quem diga que Guedes se considera um incompreendido e que decidiu se juntar a Bolsonaro por enxergar uma chance, talvez a última, de aplicar sua cartilha ultraliberal no Brasil. Era uma tabelinha aparentemente complicada, afinal, Bolsonaro é um ex-militar, e os governos militares do Brasil ficaram famosos pelo apego ao desenvolvimentismo com ação direta do Estado, ilustrada pela construção de obras faraônicas e pela criação de dezenas de estatais. Além disso, muitos militares são extremamente nacionalistas, e a própria campanha de Bolsonaro pregou “o Brasil acima de tudo”, enquanto os liberais não são exatamente famosos pelo apego a fronteiras e nações.
Mas o fato é que a tabelinha deu certo. A presença de Guedes como “posto Ipiranga”, apelido dado pelo próprio Bolsonaro por ser a fonte de todas as respostas sobre economia, fez com que o outrora candidato visto como radical ganhasse ares de moderação e o aval do chamado “mercado”, aquela entidade quase mística que interpreta e respalda as decisões a respeito da economia e, no fim das contas, do dia a dia dos cidadãos.
O que se espera agora é como Guedes lidará com a questão política. Como gestor na iniciativa privada, ele sempre teve plena liberdade de ação, coisa que não acontece no setor público, onde há fiscalização de outros poderes e necessidade quase infinita de negociações. A primeira impressão junto ao Congresso, por exemplo, não foi nada boa: em reunião com o presidente do Senado Eunício Oliveira (MDB-CE) sobre a aprovação do Orçamento da União para 2019, Guedes deu algumas bolas fora, como tentar forçar a votação da reforma da Previdência para ainda este ano e dizer que votar o Orçamento “não era importante”. “Se vocês não aprovarem tudo aquilo que nós queremos esse ano, o PT volta. Se aprovar a reforma o Brasil vai crescer a 6%, se não aprovar o Brasil não vai crescer, eu vou culpar vocês”, disse Guedes a Eunício, segundo relato do senador.
Críticos e opositores também estão de olho num possível conflito de interesses, já que fundos ligados a Guedes têm participação, por exemplo, em grupos privados de ensino superior, num cenário em que a redução de verbas para as universidades federais já é um problema crônico. 
Para aplicar suas ideias, Guedes se cercou de gente ligada ao mercado, como Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central; Roberto Castello Branco, presidente da Petrobras; e Salim Mattar, secretário de desestatização. Joaquim Levy, ex-ministro da Fazenda da Dilma Rousseff numa desastrada tentativa de aceno do PT aos mercados, será o presidente do BNDES. A gestão de Guedes à frente da economia brasileira parece destinada a um ditado popular: a sorte está lançada. Dependendo do que acontecer, talvez seja preciso recorrer a outro: salve-se quem puder.

Nome: Paulo Roberto Nunes Guedes
Idade: 69 anos
Ministério: Fazenda
Formação: Bacharel em Economia pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), com mestrado pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) e doutorado na Universidade de Chicago 
Partido: não tem
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A seguir: Ricardo Vélez-Rodríguez

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Retrato do futuro chanceler - VICE Brasil

Ernesto Araújo: o diplomata que leva ideias de comentarista de portal ao Itamaraty

Na série que apresenta os ministros do presidente eleito do Brasil, a VICE conta a história do futuro dono da pasta de relações exteriores.

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Por Fernando Cesarotti; ilustrado por Cassio Tisseo
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Dec 18 2018, 12:58pm



Imagine um blogueiro que se define como alguém disposto a “ajudar o Brasil e o mundo a se libertarem da ideologia globalista, pilotada pelo marxismo cultural”. Agora pense nesse blogueiro como chefe da diplomacia brasileira, ministro das Relações Exteriores, responsável pela relação do Brasil com os outros países. Pois é: na distopia a cores e de carne e osso que virou o Brasil de Jair Bolsonaro, o chanceler Ernesto Araújo coloca no “about me” de seu blog que seu projeto, que batizou como “metapolítico”, “significa, essencialmente, abrir-se para a presença de Deus na política e na história”.
Mas o fato é que Ernesto de louco não tem nada, apesar de replicar em seu discurso baboseiras dignas dos conspiracionistas mais rasteiros, daquelas repetidas à exaustão pelos comentaristas de portal. Esse diplomata de 51 anos, quase 30 deles a serviço do Itamaraty, é na verdade bastante esperto, e soube cavar o espaço para chegar a um governo que quase não tinha quadros para encher um ministério.
O próprio blog, em que Ernesto Araújo fez críticas severas ao PT (“partido terrorista”), teve seu primeiro texto publicado apenas em 22 de setembro deste ano, a menos de um mês do primeiro turno das eleições, já depois do atentado sofrido por Bolsonaro em Juiz de Fora (MG). No último domingo, reportagem da Folha de S.Paulo mostrou que até pessoas próximas ao futuro ministro se surpreenderam com seu posicionamento repentino de ultradireita. Está lá: “Diplomatas que trabalharam com Araújo em diferentes momentos de sua trajetória falam bem dele como colega e profissional, mas, protegidos pelo anonimato, se dizem desconcertados diante das facetas de sua personalidade reveladas agora”.
Como bom diplomata, Ernesto passou em 1989 pela finíssima peneira do concurso do Instituto Rio Branco: foi o nono colocado entre 24 aprovados. Um de seus primeiros postos de trabalho foi na equipe que negociava o primeiro grande tratado comercial multilateral que envolveu o Brasil: o Mercosul, criado oficialmente em 1991. Passou depois pela missão do Brasil junto à União Europeia, com sede em Bruxelas, na Bélgica, e pela embaixada em Berlim, na Alemanha.
No governo do “partido terrorista”, Araújo não pareceu ter problemas. Ao contrário, seguiu subindo na carreira, chegando a chefe de divisão no Itamaraty. Em 2008, escreveu uma tese para ser promovido em que defendia não apenas as relações multilaterais do Brasil como a postura do governo Lula nesse tipo de negociação. No mês passado, o Nexo publicou um texto apontando as contradições entre as ideias atuais de Araújo e as de dez anos atrás.
Ernesto Araújo ainda nem assumiu o posto e já tem um abacaxi complexo para descascar. O primeiro é a questão da embaixada do Brasil em Israel: o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho mais “americanizado” do presidente eleito, já prometeu mais de uma vez a mudança para Jerusalém, seguindo estratégia simbólica do governo Donald Trump de firmar posição favorável aos israelenses no eterno conflito com os palestinos, A medida é considerada um risco por ameaçar as relações comerciais do Brasil: em 2017, o superávit comercial nacional com países da Liga Árabe, que vive às turras com Israel, foi superior a US$ 7 bilhões. No dia do anúncio de Araújo, o presidente eleito confirmou o desejo de mudar a embaixada, mas sem dar prazo para que a medida vire realidade.
A saída de Cuba do programa Mais Médicos nem chega a ser um problema direto para Ernesto Araújo – é muito mais uma bucha de canhão na mesa de Luiz Henrique Mandetta, futuro ministro da Saúde. Mas obviamente é uma crise que respinga nas relações internacionais, assim como as recorrentes trocas de farpas entre os Bolsonaro e o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro.
O vizinho problema, aliás, já causou o primeiro ruído para o novo ministro: a atual gestão do Itamaraty chegou a convidar Maduro para a posse, mas retirou o convite a pedido da equipe de transição. Maduro obviamente recusou a cortesia e ainda sapateou em cima: “O governo socialista, revolucionário e livre da Venezuela jamais assistiria a posse de um presidente que é a expressão da intolerância, do fascismo e da entrega a interesses contrários aos da integração latino-americana e caribenha", escreveram os venezuelanos em nota divulgada pelo chanceler Jorge Arreaza no Twitter.
Nada de grave ou que vá mudar a cotação do mercado, mas que serve como alerta para Ernesto Araújo: administrar as relações do Brasil num mundo globalizado (ou mesmo “globalista”, no seu linguajar tosco), é bem mais complexo do que encher um blog com textos oportunistas. Bem-vindo ao mundo real, chanceler.

Nome: Ernesto Henrique Fraga Araújo
Idade: 51
Ministério: Relações Exteriores
Formação: Licenciatura em Letras, pela Universidade de Brasília
Partidos: nenhum


Acompanhe os perfis de todos os ministros do Brasil na série A banca de Bolsonaro. Novos textos às terças e sextas-feiras.Siga a VICE Brasil no Facebook , Twitter , Instagram e YouTube

Lula's Foreign Policy: Regional and Global Strategies (2008) - Paulo R. Almeida

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The Academia.edu Team

Marinha do Brasil: programa de submarinos - Pesquisa Fapesp

Avanços extremamente promissores do ponto de vista tecnológico.
Paulo Roberto de Almeida


ENGENHARIA NAVAL
Marinha lança ao mar o Riachuelo, o primeiro de cinco submarinos que estabelecerão novo patamar tecnológico para a indústria naval brasileira

Revista Fapesp, Edição 274dez. 2018


Cerimônia de integração do Riachuelo, realizada no início de 2018
Marinha do Brasil

Após seis anos de construção, está previsto para ser lançado ao mar em dezembro em Itaguaí, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, o Riachuelo, o primeiro de cinco submarinos, quatro convencionais e um de propulsão nuclear, que estão sendo fabricados no país e integram o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub) da Marinha do Brasil. Além de patrulhar e defender a chamada Amazônia Azul – área marítima de 4,5 milhões de quilômetros quadrados rica em biodiversidade e recursos como as reservas de petróleo do pré-sal –, os submarinos são um importante impulso ao desenvolvimento tecnológico da indústria naval brasileira.
O valor estimado a ser aplicado no Prosub é de R$ 31,85 bilhões. O programa contempla a edificação de um complexo industrial em Itaguaí com dois estaleiros – um de construção e outro para manutenção –, uma base naval e a Unidade de Fabricação de Estruturas Metálicas. Após o Riachuelo, o cronograma prevê a finalização dos submarinos convencionais Humaitá em 2020, Tonelero em 2021 e Angostura em 2022. O lançamento do submarino nuclear, o SN-BR Álvaro Alberto, está previsto para 2029. Com ele, o Brasil pretende se inserir no grupo de detentores da tecnologia de submarinos nucleares, formado por apenas seis países: China, Estados Unidos, França, Reino Unido, Rússia e Índia.
Na medida em que ficarem prontos, os novos submarinos convencionais da classe S-BR Riachuelo irão substituir a atual frota composta por cinco embarcações da classe Tupi, informa o almirante de esquadra Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Junior, diretor-geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha, anunciado ministro de Minas e Energia semanas depois de ter sido entrevistado para esta reportagem. Os submarinos Tupi foram fabricados nos anos 1980 e 1990, sendo um deles construído na Alemanha e os demais no Brasil, numa tarefa realizada pela Nuclebrás Equipamentos Pesados (Nuclep) em parceria com o Arsenal da Marinha do Rio de Janeiro.



A modernização da frota convencional já garante um aumento do poder de monitoramento e defesa das águas brasileiras, já que os novos submarinos Riachuelo têm maior autonomia do que os da classe Tupi – podem ficar 70 dias em missão, diante de 45 das embarcações atuais. O nuclear, porém, elevará essa capacidade a um novo patamar. Um convencional é impulsionado por motor elétrico alimentado a óleo diesel. Como a combustão do óleo diesel depende de oxigênio, a embarcação precisa emergir em geral duas vezes ao dia para captar o gás da atmosfera, ou, pelo menos, estender até a superfície um tubo chamado snorkel. Precisa também de reabastecimento regular de diesel. Nesses momentos, a embarcação fica exposta e se torna alvo mais fácil de ser atacada em situações de conflito.
Já os submarinos com propulsão nuclear são menos vulneráveis. Sua fonte de energia é um reator nuclear, cujo calor gerado vaporiza água, possibilitando o emprego desse vapor em turbinas. Dependendo do arranjo de cada submarino, as turbinas podem acionar geradores elétricos ou o próprio eixo propulsor. Nos dois casos, produz toda a energia necessária à vida a bordo. “Por possuírem fonte virtualmente inesgotável de energia, podem ficar submersos por tempo teoricamente ilimitado”, explica o almirante Bento. Dessa forma, a autonomia dos submarinos – entendida como o tempo fora da base – é limitada apenas pela resistência física e psicológica das tripulações e pelo estoque de mantimentos. A Marinha dos Estados Unidos definiu esse tempo em seis meses.
Outra vantagem dos submarinos com propulsão nuclear é a velocidade de deslocamento. Enquanto os convencionais se movem a uma velocidade média de 6 nós (aproximadamente 11 km/hora), os com propulsão nuclear chegam a 35 nós – quase 65 km/hora. Com isso, podem cobrir rapidamente maiores distâncias. “A disponibilidade de submarinos com propulsão nuclear aumentará significativamente a dinâmica operativa da força. As características dessas embarcações, como grande mobilidade e poder de ocultação, garantem expressiva capacidade de dissuasão na defesa da Amazônia Azul”, afirma o militar.

Transferência de tecnologia
O Prosub é resultado de um acordo de cooperação assinado em 2008 entre os governos do Brasil e da França, com participação de empresas públicas e privadas sob coordenação da Marinha brasileira. A parceria determina que os franceses não apenas assessorem os brasileiros na construção dos submarinos, como também ajudem a projetá-los. A França contribui com a tecnologia não nuclear para os projetos e construções, sendo a Naval Group, companhia que até 2017 atendia pelo nome de Direction des Constructions Navales et Services (DCNS), a responsável pela transferência do know-how.
A empresa brasileira envolvida no projeto é a construtora Norberto Odebrecht (CNO), que constituiu com a DCNS uma Sociedade de Propósito Específico (SPE), a Itaguaí Construções Navais (ICN), em que a Marinha do Brasil tem uma ação preferencial (golden share). A ICN é a responsável pela construção dos estaleiros, da base naval e dos submarinos. A Unidade de Fabricação de Estruturas Metálicas é um de seus braços operacionais. Segundo o almirante Albuquerque, o desafio tecnológico do projeto está sendo superado com transferência de tecnologia em diversas áreas, incluindo a infraestrutura industrial, a construção dos submarinos e o sistema de controle e combate – o projeto da propulsão nuclear não faz parte do acordo. O processo de transferência de tecnologia envolve o fornecimento por parte dos franceses de informações e dados técnicos sobre os submarinos, cursos de capacitação, treinamentos específicos realizados na França e assistência técnica.
Outra ação prevista no Prosub é a nacionalização de equipamentos e componentes tanto para a construção da infraestrutura como das embarcações. O programa prevê a transferência de tecnologia para companhias brasileiras selecionadas. Até o momento, 52 empresas nacionais já se envolveram no Prosub, como a catarinense WEG, responsável pelo fornecimento de motores elétricos, e as paulistas Adelco, especializada em sistemas de energia, e Newpower, encarregada de desenvolver baterias adequadas aos submarinos.
O Prosub é fruto de um acordo de cooperação assinado entre os governos do Brasil e da França em 2008
Uma tecnologia considerada crítica pela Marinha para o sucesso do projeto é o sistema de combate dos submarinos, responsável pelo controle e gestão dos seis tubos lança-torpedos que equipam o Riachuelo. A tarefa ficou a cargo da Fundação Ezute, instituição privada sem fins lucrativos criada em 1997 credenciada como empresa estratégica de defesa (EED) pelo Ministério da Defesa.
O processo de nacionalização desse sistema teve início em 2011, com o envio de nove profissionais da fundação para treinamento na França em engenharia e integração de sistemas e desenvolvimento do software de gerenciamento Combat Management System (CMS). “Nossos engenheiros foram os responsáveis pela criação dos módulos que permitem a comunicação do submarino com o link de dados táticos usado pela Marinha em seus navios”, informa Andrea Hemerly, diretora para o mercado de defesa da Fundação Ezute.
Integração de sistemas
De volta ao Brasil em 2015, a equipe passou a multiplicar o conhecimento adquirido, treinando novos membros para o projeto e apoiando a Marinha na integração dos sistemas dos submarinos da classe Riachuelo e no projeto preliminar do sistema de combate do SN-BR. “Estamos confiantes em que o Brasil alcançará seu objetivo de obter autonomia em engenharia e integração de sistemas de combate de submarinos, bem como para especificação, projeto, desenvolvimento e integração do sistema de combate do primeiro submarino com propulsão nuclear feito no país”, afirma Andrea Hemerly.
O engenheiro naval Luis De Mattos, presidente da Sociedade Brasileira de Engenharia Naval (Sobena), diz que o Brasil tem um corpo técnico preparado e uma estrutura industrial ampla, o que facilita a absorção de tecnologia. “O que faltava era oportunidade. E é o que o Prosub está criando”, diz. Para Mattos, foi importante a Marinha estabelecer objetivos claros na nacionalização de tecnologia, que começa com um índice de 20% de conteúdo local no Riachuelo e cresce progressivamente em cada nova embarcação. “O Prosub permitirá ao Brasil entrar em um grupo seleto de países capacitados para construir seus próprios submarinos. No futuro poderemos até participar de licitações internacionais”, avalia.
O sonho da propulsão nuclear

Projeto do submarino com reator nuclear teve início em 1979 e só deve estar finalizado no final da próxima década

 Imagem ilustrativa do submarino nuclear em construção no Brasil
Marinha do Brasil via Defesa Aérea & Naval

A construção de submarinos de propulsão nuclear é uma meta perseguida pelo governo desde 1979, quando foi criado o Programa Nuclear da Marinha do Brasil (PNMB). Seu objetivo era obter capacitação técnica para projetar, construir, operar e manter sistemas de propulsão naval com reatores nucleares, assim como deter o ciclo de produção do combustível nuclear. O desenvolvimento do sistema de propulsão nuclear do submarino SN-BR Álvaro Alberto é de responsabilidade exclusiva da Marinha, que já iniciou a implantação do Laboratório de Geração de Energia Nucleoelétrica (Labgene) em Iperó (SP). “O Labgene possibilitará a simulação da operação do reator e dos sistemas eletromecânicos a ele integrados”, diz o almirante de esquadra Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Junior, diretor-geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha.
Para que o PNMB atinja seu objetivo é vital que o país domine a tecnologia do ciclo do combustível nuclear e dos reatores do tipo água pressurizada, conhecidos pela sigla PWR (pressurized water reactors), usados em usinas nucleares e na propulsão de submarinos. “Dentre as etapas do ciclo do combustível, a separação isotópica é a que agrega maior valor tecnológico e a mais complexa.  Por isso, a Marinha priorizou o enriquecimento de urânio como a primeira etapa a ser dominada”, conta o militar. Entre as tecnologias de enriquecimento, a mais promissora foi a de ultracentrifugação. As primeiras máquinas de ultracentrifugação feitas no Brasil iniciaram operação em 1982.
Com isso, o país avançou no desenvolvimento de novos materiais, sensores eletrônicos e novas válvulas para operação com hexafluoreto de urânio (UF6) – composto usado no enriquecimento de urânio –, o que impulsionou centros de pesquisas em indústrias e universidades.
Apesar dos avanços, a construção do submarino nuclear sofreu dificuldades e o cronograma teve de ser revisto. Em 2008, quando Brasil e França firmaram a parceria que daria origem ao Programa de Desenvolvimento de Submarinos, a previsão era de que o nuclear ficaria pronto em 2021. O prazo, agora, é 2029, meio século após o início do projeto.
Para o especialista em assuntos de defesa Bernardo Wahl de Araújo Jorge, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, além das restrições orçamentárias do governo federal, a demora na concretização do projeto se deveu a dificuldades para dominar o ciclo de propulsão nuclear, o que inclui o processo de produção do combustível.
“Esse não é um tipo de tecnologia que costuma ser transferido de um país para outro. Exército, Marinha e Aeronáutica desenvolveram programas tecnológicos buscando formas de enriquecer o urânio. O da Marinha prevaleceu, por ser o mais eficiente”, diz Jorge. “Se esse submarino tivesse sido prioritário para todos os governos e se não houvesse contingenciamento, o atraso seria anormal. Como isso não aconteceu, o tempo amplo que está levando para a sua conclusão não é tão excepcional.”

Chanceler designado propõe pacto de nacoes cristas: EUA, Brasil, Russia (FSP)

Artigo de Ernesto Araújo selou sua nomeação ao novo governo
Um artigo reservado do diplomata Ernesto Araújo com proposições de política externa, tais como a “contestação ao eixo globalista China-Europa-esquerda americana”, selou seu ingresso na equipe ministerial do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL).
O texto, obtido pela Folha, que Araújo fez chegar ao núcleo da campanha em setembro, foi o primeiro passo para sua posterior nomeação como chanceler do futuro governo.
Intitulado “Por uma política externa do povo brasileiro”, o artigo, de cinco páginas, é propositivo, uma espécie de carta de intenções.
Nele, o diplomata revisa o pacifismo nacional (“não estamos no mundo para ser Miss Simpatia”) e sugere um realinhamento internacional do Brasil com o eixo de direita populista em ascensão.
“É o caso dos Estados Unidos com Donald Trump, da Itália com seu atual governo, de alguns países da Europa do Leste como Polônia e Hungria. É o caso talvez de alguns países não ocidentais que desejam defender suas próprias civilizações e suas nações frente ao globalismo dominante”, escreve.
Em sua interpretação, “há países que resistem à demonização do sentimento nacional, ao esmagamento da fé (principalmente da cristã), que rejeitam o esvaziamento da alma humana e sua substituição por dogmas anêmicos que servem apenas aos interesses de dominação mundial de certas elites”. 
Folha o procurou para comentar o teor. Araújo respondeu que era complicado e que conversaria a respeito depois, o que não ocorreu.
Com a vitória nas urnas, a primeira das sugestões do artigo já foi anunciada: a saída do Brasil do Pacto Mundial para Migração, que propõe a cooperação internacional para enfrentar ondas migratórias.
No texto, Araújo já defendia o que chamou de “dessacralização da imigração, combatendo a ideologia do ‘imigrante intocável’, do direito universal à migração sobrepondo-se à soberania nacional”.
O texto propõe a “renacionalização das políticas comerciais”, alegando não se tratar “de negar o comércio, mas de tornar a política comercial um instrumento do Estado, e não [fazer do] Estado um instrumento da política comercial”. 
Nessa linha, Araújo defende que o Brasil questione os Brics, bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Sugeriu que se tente, no lugar, constituir “um agrupamento nacionalista Brasil – EUA – Itália – (Rússia?) – (Índia?) – (Japão?) – (países de Visegrado?)”, em suma “um Brics antiglobalista sem a China”.
Os países de Visegrado são Hungria, Polônia, República Tcheca e Eslováquia.
Sem entrar em detalhes, o futuro chanceler faz uma proposição inusitada no campo da geopolítica, que causou estranhamento entre interlocutores de Bolsonaro. Para Araújo, conviria ao governo “explorar a possibilidade de um núcleo composto pelos três maiores países cristãos, Brasil-EUA-Rússia”.
Ele expressa preocupação particular com a questão da fé, requerendo “promoção da liberdade religiosa, notadamente defesa do espaço para o exercício da fé cristã, ameaçada e acuada em todo o mundo”.
À China são reservadas numerosas linhas. Araújo quer impor ao país, principal parceiro comercial do Brasil, “pressão em todas as frentes”. 
“Condicionar qualquer avanço na relação com esses países ao exercício da liberdade religiosa e liberdades políticas básicas”, propõe. “Utilizar os organismos financeiros internacionais para frear a crescente dependência dos países em desenvolvimento em relação ao capital chinês. Virar o jogo da globalização contra a China.”
Em sintonia com o discurso de Bolsonaro, Araújo defende a “liquidação do bolivarianismo nas Américas”. Segundo o diplomata, “o Brasil poderia comandar o processo de deslegitimação do governo Maduro na Venezuela e pressão total, juntamente com os EUA, para sua substituição por um regime democrático”.

La Boetie à l’usage de tous

DISCOURS DE LA SERVITUDE VOLONTAIRE
ÉDITIONS BOSSARD
43, RUE MADAME, 43
PARIS, 1922


INTRODUCTION
Paul BONNEFON

INTRODUCTION


DANS sa brève existence de trente-deux ans, si La Boétie eut le temps de composer plusieurs opuscules, fort divers d’allure et de ton, il ne put en publier aucun. Montaigne lui-même, héritier des papiers de son ami disparu, imprima, dès 1571, les vers latins ou français de La Boétie et ses traductions de Xénophon et de Plutarque, mais il ne jugea pas à propos de divulguer ni le Discours de la Servitude volontaire, ni les Mémoires de nos troubles sur l’édit de janvier 1562, dont Montaigne confesse formellement la paternité à La Boétie, mais à qui il trouvait « la façon trop délicate et mignarde pour les abandonner au grossier et pesant air d’une si malplaisante saison ».
Ainsi, l’histoire de l’œuvre de La Boétie débutait sur une double obscurité : Montaigne, qui imprimait les ouvrages de son ami ne pouvant soulever aucune difficulté, se taisait au contraire délibérément, sur tous ceux qui pouvaient prêter à controverse ; et ce silence offrait de la sorte, au contraire, matière à commentaires dont on ne devait pas se priver. 
(...)

La Boetie, trechos: 

Ainsi donc, si les habitants d’un pays ont trouvé quelque grand personnage qui leur ait montré par épreuve une grande prévoyance pour les garder, une grande hardiesse pour les défendre, un grand soin pour les gouverner ; si, de là en avant, ils s’apprivoisent de lui obéir et s’en fier tant que de lui donner quelques avantages, je ne sais si ce serait sagesse, de tant qu’on l’ôte de là où il faisait bien, pour l’avancer en lieu où il pourra mal faire ; mais certes, si ne pourrait-il faillir d’y avoir de la bonté, de ne craindre point mal de celui duquel on n’a reçu que bien.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Assim é, se lhe parece: política comercial dos EUA, na visão do novo Brasil

Para Brasil, ‘EUA têm regime tarifário aberto’
Jamil Chade, Genebra
O Estado de S. Paulo, 17/12/2018
A duas semanas da posse do presidente eleito e em meio a uma guerra comercial, o Brasil cobriu de elogios os EUA em sabatina nesta segunda, 17, na Organização Mundial do Comércio (OMC). Não citou a proliferação de medidas protecionistas nem o bloqueio da Casa Branca aos trabalhos dos tribunais da OMC, informa o correspondente Jamil Chade. A diplomacia brasileira ainda felicitou os americanos por manterem um regime tarifário “aberto”. China e União Europeia fizeram críticas “radicais” aos EUA.
Os maiores afetados pelas barreiras foram os chineses, que enfrentam 116 medidas americanas. Até meados de 2018, o Brasil foi o oitavo país mais afetado por medidas antidumping dos EUA, com 12 casos em apenas seis meses. Em todo o ano de 2017, por exemplo, foram apenas 11 medidas contra o Brasil. Em 2015, foram sete.