Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;
Esta matéria da
jornalista do Globo dá uma aparência de discurso racional ao que constituiu
apenas uma aglomeração de frases desconexas do chanceler, pretendendo juntar
“elementos historicamente verificáveis”, como as democracias liberais do
Ocidente, com noções altamente questionáveis no plano das políticas nacionais,
como podem ser o papel de Deus e o espaço dos sentimentos religiosos na vida
das nações. Tratou-se, provavelmente, da primeira vez em que as nações ocidentais, ao preservarem suas instituições estáveis, no curso da formidável implosão do socialismo no mundo, foram acusadas de se terem rendido ao comunismo, que no mesmo momento estava sendo jogado na lata de lixo da História. Uma interpretação sem dúvida original, ainda que canhestra, das relações internacionais contemporâneas, aparentemente dominadas por esse monstro metafísico do globalismo. O assessor internacional aterrorizou os presentes ao seminário com os imensos perigos que um punhado de burocratas não eleitos, pontificando a partir das organizações multilaterais, fazem correr aos Estados nacionais, castrados em sua soberania. O mundo está perdido...
O chanceler já pode ser
admitido na Academia Tabajara de Filosofia e o assessor internacional, dotado
de poucos estudos, deveria completar suas leituras de relações internacionais
em alguma Faculdade Tabajara de Ciência Política.
Ambos devem ter
combinado a divisão do besteirol que a audiência teve de suportar no seminário do
Itamaraty, uma instituição que já abrigou coisas bem melhores...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 11 de junho de 2019
'Estamos tentando recuperar o coração da sociedade
liberal', diz chanceler de Bolsonaro
Ao abrir seminário sobre 'globalismo' no Itamaraty,
Ernesto Araújo afirma querer recompor alma conservadora
POR ELIANE
OLIVEIRA
| Atualizado:
BRASÍLIA — O ministro
das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, disse que o
Brasil tem um papel fundamental no combate ao
"globalismo" — expressão usada
pelos movimentos de direita para se referir a instituições internacionais que
acusam de interferir na soberania dos países e tentar apagar as tradições
nacionais. Em um seminário que promoveu ontem sobre o tema no Itamaraty, Araújo
disse que o presidente Jair Bolsonaro fez algo inédito quando
mencionou Deus em seu discurso no Fórum Econômico Mundial de
Davos, em janeiro deste ano.
— O Brasil tem um papel
fundamental. Estamos entrando para tentar recuperar o coração da sociedade liberal
e recompor a alma conservadora. É a preservação de um conceito profundo de
dignidade humana. Alguém que se relaciona com Deus. Deus em Davos — disse o
chanceler a um auditório lotado, na Fundação Alexandre de Gusmão, ligada ao
Ministério das Relações Exteriores.
No governo Bolsonaro, os
seguidores do guru da direita Olavo de Carvalho reivindicam
fazer parte do movimento antiglobalista, cujo expoente internacional é Steve
Bannon, ex-estrategista de Donald Trump. Para eles, o "marxismo
cultural" passou a dominar as instituições internacionais, como as das
Nações Unidas, em uma espécie de nova versão do antigo internacionalismo
socialista.
Ao abrir o seminário que
reuniu representantes da direita nacional e internacional, Araújo afirmou que o
globalismo ocorreu no momento em que o comunismo “tomou o coração dos
liberais”. Para o ministro, tudo começou há cerca de cem anos, quando o
filósofo Friedrich Nietzsche passou a propagar com ênfase o niilismo que,
segundo o chanceler, nada mais é do que o fim da crença em Deus.
— O comunismo e o nazifascismo dependem da morte de
Deus e do fim do antropoteísmo (representação da divindade sob forma e
atributos humanos). Ambos instalaram o antropocentrismo radical, como se
estivessem libertando o homem — afirmou Araújo.
Tanto o chanceler quanto o assessor internacional do
Planalto, Filipe Martins, procuraram criticar tanto o comunismo quanto o
nazifascismo. Correntes da direita ultranacionalista, que os dois costumam
elogiar, têm sido associadas a características do fascismo por historiadores e
analistas.
Araújo disse que economias liberais “ligadas à ordem
divina” foram a espinha dorsal do Ocidente, o que segundo ele permitiu a
vitória sobre o nazifascismo e o enfrentamento do comunismo a partir de 1945,
graças à fusão do liberalismo e da fé cristã. Depois de 1989, porém, “alguém
achou que não precisava mais do conservadorismo nas democracias liberais”,
disse o chanceler:
— Expulsaram Deus do lado liberal. Mas no corpo das
democracias liberais continuava a bater um coração conservador.
Já Filipe Martins deu a seguinte definição para
globalismo: é a tentativa de instrumentalização política e ideológica da
globalização, para empoderar um conjunto de burocratas não eleitos e os grupos
de interesses que têm acesso a eles.
— Não há apenas um projeto globalista. É um método de
domínio e exercício do poder. As finalidades apontadas pelos globalistas são a
paz e a prosperidade. Se olharmos o comunismo e o nazifascismo, eles também
prometiam isso — disse Martins.
O americano Cris Buskirk, editor da revista American
Greatness (Grandeza Americana), disse que os presidentes Donald Trump e Jair
Bolsonaro são nacionalistas, patriotas e "respeitam seus povos".
Segundo ele, os dois se recusam a abrir mão da soberania de seus países em
favor de entidades supranacionais:
— Há algumas exceções, como a Cruz Vermelha, que faz
um bom trabalho. Mas há organizações que têm outras metas e visam ao poder
político para exercer influência.
Convidada a falar sobre "globalismo e a
educação", a deputada Christine Nogueira (PSL-RJ) afirmou que os
globalistas atuam prioritariamente na área educacional. Entre os seus
objetivos, disse, está o de destruir a família.
— Se eu não quero que a família seja respeitada, eu
preciso destruí-la. Estamos transformando as escolas em empresas em que os
alunos não passam de consumidores e os professores, de fornecedores. Nossas
escolas foram transformadas em redutos de militantes — disse a deputada.
No século XXI, a tecnologia está definindo novas
formas de emprego bélico nas guerras tradicionais. A inteligência artificial
está abrindo espaço para armas e sistemas autônomos letais, robôs autônomos letais, ou ainda, robôs assassinos. Definidas como qualquer sistema de arma com autonomia em suas funções,
essas armas podem selecionar (isto é, procurar ou detectar, identificar,
rastrear, selecionar) e atacar (isto é, usar força bruta contra, causar dano ou
destruir) alvos, sem intervenção humana.
Em paralelo a esses desenvolvimentos tecnológicos - que terão impacto
na guerra como entendida até aqui - a
cibernética está inovando nas técnicas de enfrentamento sem o uso da força
convencional As ameaças globais nos dias de hoje estão se transformando
rapidamente: operações on line para influência e interferência em eleições,
armas de destruição em massa e sua proliferação, terrorismo,
contra-inteligência,e tecnologias
destrutivas, ameaças à competitividade econômica, espaço e armamento no espaço,
crime transnacional (armas e drogas), entre outras.
Na definição do teórico Clausewitz, “guerra é um ato de violência destinado a forçar o adversário a executar nossa
vontade”. A violência tem como objetivo controlar. O chinês Sun Tzu acrescenta
que “a maior proeza militar é vencer sem combater”: a astúcia e a manipulação
apresentam mais vantagens do que a agressividade para impor sua vontade sobre
os outros.
Já
chegamos a essa fase de sofisticação bélica. A guerra cibernética, definida com a utilização de meios numéricos para
desenvolver a função de controlar outros ou empresas, transforma radicalmente
os três componentes históricos da guerra: a espionagem, a sabotagem e a guerra
da informação, na linha observada por Sun Tzu.
Multiplicam-se informações sobre o uso da capacidade
cibernética – inclusive na espionagem, ataque e influência com o objetivo de
conseguir vantagem política, econômica e militar. Segundo se noticia, de um
lado a China, Rússia, Irã, Coreia do Norte, e de outro EUA, Israel, Reino Unido
e França, dispõem de meios cada vez mais sofisticados para obter informações de
governos e de empresas, para influir na vida das pessoas e destruir a
infraestrutura e objetivos estratégicos.
Na última
década esses países desenvolveram e experimentaram, com crescente capacitação,
técnicas para alterar informações e sistemas em outros países. Por anos,
conduziram espionagem cibernética para recolher inteligência e colocar em risco
a infraestrutura de outras nações. Mais recentemente, novos tipos de ataque
cibernético foram desenvolvidos e a mídia social passou a ser usada para
alterar o pensamento, o comportamento e as decisões, como ocorreu nas eleições
americanas pela ação da Cambridge Analytica-facebook. A medida em que bilhões de
novos instrumentos digitais são conectados e integrados na vida cotidiana e nos
negócios, competidores e adversários ganharão maior conhecimento para acesso às
informações protegidas pelos governos e empresas.
O mundo entrou em uma fase de guerra permanente: sem frente de batalha
e sem regras de engajamento. Em 2016, agentes de
inteligência da China conseguiram capturar instrumentos de espionagem da NSA e
os reposicionaram para atacar aliados dos EUA e empresas privadas da Europa e Ásia.
A guerra cibernética
se assemelha à guerra insurrecional, com a diferença de poder planejar e
executar a ação à distância, longe do inimigo. A utilização de algoritmos de
inteligência artificial multiplicará o impacto das ações e criará no adversário
novas vulnerabilidades. Será mais difícil a identificação de seus autores, pela
utilização dos robots para autorizar a difusão de falsas informações nas redes
sociais ou para a disponibilização com livre acesso de algoritmos permitindo
incluir pessoas em qualquer vídeo e de colocar em sua boca o que se deseje
que ele diga. É possível que já estejam acontecendo operações de espionagem cibernética, de
sabotagem ou de influência comandadas de maneira completamente autónoma,
necessitando apenas do sinal verde de alguém.
Essa nova forma de ver
as rivalidades e as estratégias adotadas pelas grandes potências globais está
tratada de forma simples e direta no recente livro “Cyber: a guerra
permanente”, de Jean Louis Gergorin e Leo-Isac-Dognin. O trabalho procura
responder como a emergência do instrumento cibernéticose instalou no centro da Guerra permanente e
quais são as consequências dessa nova relação de forças.
O entendimento de que a tecnologia 5G possa ser explorada para
espionagem e sabotagem de instalações de infraestrutura, rede de comunicação e
centros financeiros passou a ser uma nova preocupação e está na raiz da
proibição da compra de produtos da Huawei para as redes 5G públicas ou privadas
nos EUA. A nova guerra fria entre os EUA e a China começou com o comércio, mas
deve se deslocar rapidamente para a tecnologia, onde a China dá mostras de
estar a frente de Washington nos avanços da aplicação da ultima geração 5G.
No
Brasil, nos últimos anos, instituições públicas e empresas tem sido objeto de
ataques por hackers e por organizações no exterior. Em 2013 Edward Snowden, ex-contratado da NSA, tornou públicos detalhes do
programa de espionagem da NSA, que espionava vários países,
inclusive o Brasil. A
vulnerabilidade do governo brasileiro foi admitida pelo então ministro da
defesa, como mencionei neste espaço em 2015 (Segurança Cibernética). Recentemente
o Itamaraty ficou paralisado por alguns dias, possivelmente depois de um ataque
cibernético. Espera-se que o Centro de Defesa Cibernética do Ministério da
Defesa tenha recursos adequados para desempenhar plenamente suas funções e
tentar proteger governo e empresas dessa nova forma de guerra que está ai para
ficar. O assunto é urgente.
RubensBarbosa,
presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)