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segunda-feira, 19 de agosto de 2019

O conservadorismo no Império, por João Camilo de Oliveira Torres (resenha PRA)


A trajetória do conservadorismo no Brasil, segundo Oliveira Torres


Paulo Roberto de Almeida
Resenha para palestra-debate

João Camillo de Oliveira Torres
Os Construtores do Império: ideais e lutas do Partido Conservador brasileiro
São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1968; Coleção Brasiliana vol. 340

No começo do século XIX, e sobretudo durante as turbulências das Regências, os fundadores do Império e os políticos da segunda geração viam no regime monárquico uma garantia de ordem e tranquilidade. Já no final do século, a intelligentsia brasileira, as novas camadas das escolas militares, civis e religiosas eram todas republicanas. Américo Jacobina Lacombe, diretor da Brasiliana diz, em sua orelha ao livro, repetindo Nabuco, que “causava mais escândalo um jovem declarar-se monárquico do que republicano”.
Em seu Prefácio a esta nova obra – que se segue a diversas outras de todo um ciclo dedicado ao pensamento político brasileiro, começando pelo Positivismo (1943; 1957), passando pela Democracia Coroada: teoria política do Império do Brasil (1952; 1957; 1964) e pela Formação do Federalismo no Brasil e pelo Presidencialismo (ambos de 1961) – João Camillo de Oliveira Torres diz que tinha iniciado a Democracia Coroada num espírito perfeitamente liberal, inclusive porque as ideias correspondiam ao “espírito da época”. Não obstante, ao terminá-lo, começou a “considerar a versão conservadora como a autêntica” (p. xiii). Ele confessa que “o livro terminou sendo de cunho nitidamente ‘saquarema’.” (idem). E completa: “Depois, meditando bem, senti que, de fato, não resistiria à força dos argumentos e do prestígio dos conservadores. Comecei liberal; o livro saiu conservador...” (pp. xiii-xiv).
Ele passou a admirar os conservadores, “construtores do Império”, e considerava o Regresso “talvez a época mais importante do Brasil” (p. xiv). Diz isso por causa da criação do Conselho de Estado, da obra do Visconde de Uruguai – “que em 1841 funda a máquina da autoridade no Brasil, criando uma aparelhagem policial de certo modo ainda em vigor até hoje, e depois, em 1862 e 1865, publica livros notáveis estabelecendo a teoria da centralização sem a qual, dizia ele, ‘não haveria Império’, ou, melhor dito, não haveria Brasil, hoje” (idem) – e também por causa da leitura de grandes obras saquaremas. Foi por considerar que a liberdade não se sustenta sem “condições efetivas e bem fundadas na realidade”, que JCOT percebeu a “força da contribuição conservadora para a grandeza do Brasil” (idem). Ao contrário dos Liberais, os saquaremas “eram homens que viviam a realidade concreta do país em que estavam, não do país em que gostariam de estar” (p. xv).
Os conservadores foram os que fizeram a “defesa do Poder Moderador, vale dizer, da autoridade do Imperador” (p. xv). Ele fornece imediatamente as razões dessa escolha: “Os liberais queriam um parlamentarismo à inglesa, reduzindo o Imperador à posição de meio juiz do jogo, governando de acordo com as maiorias parlamentares. Mas acontece que, por força das condições puramente sociais do país (densidade demográfica, população praticamente rural, etc.), a vida eleitoral era impraticável. Faltava o que havia na Inglaterra: uma população urbana densa, uma classe média sólida” (p. xv). Mas ele não esconde sua surpresa com “certos paradoxos da política conservadora – o conservadorismo liberal de um Rio Branco, o liberalismo conservador de Ouro Preto e Alves Branco, a Abolição como obra conservadora, etc.” (p. xvi). Considera que o ponto alto do republicanismo no Brasil é, de fato, um resultado do Partido Conservador, como o governo de Rodrigues Alves e a política diplomática do Barão do Rio Branco, “conscientemente na linha paterna e imperial” (idem).

Conceito de conservadorismo
Entre os elementos do conservadorismo, com base em Russell Kirk – The Conservative Mind (1953) –, se situam o reconhecimento da legitimidade da existência de classes e hierarquias sociais, a convicção de que propriedade e liberdade estão intimamente ligadas, o tradicionalismo, a distinção entre mudança e reforma, ou entre revolução e reforma (p. 1). O conservadorismo estima que as mudanças sociais, para serem justas e válidas, não podem quebrar a continuidade entre o passado e o futuro. Pode-se reformar, por meio de uma cautelosa adaptação do existente às novas condições, mas não empreender o estabelecimento de algo radicalmente novo (p. 2) Conservadores não são nem imobilistas, nem reacionários, mas tampouco são progressistas, que tendem a renegar o passado, algo que os conservadores reconhecem como válido e importante. O conservador considera que se pode conservar reformando, uma vez que as reformas, em si mesmas, são necessárias, mas não convém precipitá-las.
JCOT acredita que “Teoricamente, a restauração da monarquia no Brasil é possível; basta que ocorram circunstâncias que convençam os homens que dominam as alavancas do poder, da conveniência da solução” (p. 6). Mas ele não acredita que uma volta da monarquia não seria como no Segundo Reinado: “não traria a restauração do Império patriarcal e conservador de D. Pedro II, mas muito possivelmente, um tipo de monarquia socialista em moldes escandinavos” (p. 6). A “política verdadeiramente conservadora, não reacionária ou imobilista, não procura deter as reformas ou impedir as transformações, mas dar-lhes um tom moderado e tranquilo, acomodá-las às condições gerais da sociedade, naturalizá-las, em suma” (p. 8).

O conservadorismo no Brasil
No Império, o Partido Conservador lutava pela unidade nacional, fundada na democracia liberal (p. 9). “Os ‘saquaremas’ tinham como dogma fundamental que a liberdade somente está devidamente protegida se encontra o apoio de uma autoridade forte e imparcial. Contra a tendência ao anarquismo que as doutrinas de Rousseau possuíam em estado latente, fundando a liberdade na ausência de poder, na abolição de qualquer ordem ou categoria social, os conservadores postulavam o princípio de que os cidadãos não poderiam ser livres senão sujeitos à lei, a uma autoridade justa, neutra, imparcial, soberana, que fizesse a todos justiça reta e igual. Nada melhor simbolizaria essa autoridade do que o poder régio” (p. 10).
JCOT divide a história eleitoral do Império no Brasil em três fases: a anterior à adoção do governo de gabinete, em 1847, onde não havia voto partidário ou de bancada. Depois, quando se passou à adoção do governo de gabinete, surgiu o problema de como constituir uma verdadeira maioria, mas também surgiu a política das qualificações, ou seja, o “partido que controlasse as autoridades policiais ganhava as eleições por um processo muito simples: impedindo que os adversários se qualificassem, se alistassem” (p. 15). Depois da Lei Saraiva – o Decreto 3.029, de 29/01/1881, instituindo o título de eleitor, proibindo o voto do analfabeto e adotando o voto direto para todos os cargos eletivos do Império, inclusive o de juiz de paz, obra, em grande medida, de Ruy Barbosa –, que estabeleceu um alistamento permanente, feito pela magistratura, a situação mudou, mas o voto era censitário, ou seja, apenas os que possuíssem renda não inferior a 200 mil réis. Essa lei foi altamente favorável ao Partido Liberal, que a fez, a despeito do censo alto e da homogeneidade de candidatura num determinado distrito. Nas cidades, votava o eleitorado urbano, que estava bem representado; no interior, apenas os fazendeiros.
O Senador Nabuco de Araújo resumia o sentido dos gabinetes do Império, na segunda fase da trajetória eleitoral do regime monárquico: “O Poder Moderador pode chamar a quem quiser para organizar ministérios: esta pessoa faz a eleição, porque há de fazê-la e esta eleição faz a maioria.” (p. 18) De certa forma se confirmava a frase: “Nada tão parecido a um ‘saquarema’ como um ‘luzia’ no poder” (p. 33).
A importância dos presidentes de província era crucial nas eleições e para diversos serviços públicos, inclusive polícia. “O chefe da polícia dependia do governo-geral, estando subordinado ao Ministério da Justiça. Mas os delegados e subdelegados eram de nomeação dos presidentes de província, por indicação do chefe de polícia, homem, também, de seu partido.” (p. 23) O título eleitoral, ou seja, a instituição de um eleitorado permanente, mudou a vida política do país, “pondo fim à comédia das ‘qualificações’, estabilizou a vida política em bases sólidas” (p. 24). “O corpo eleitoral do Império, dividido em duas correntes, passou a ter existência permanente, e que passou, afinal de contas, o comparecimento às urnas de eleitores liberais e conservadores.” (p. 25) As mudanças nas regras começaram com Paulino, a partir de 1841, quando centralizou a Justiça e a polícia. De certa forma, o Imperador passou a exercer o papel de corpo eleitoral a partir dessa fase (p. 30).

Quem eram os conservadores no Império?
O primeiro deles, fundador do Partido, foi Bernardo Pereira de Vasconcelos, liberal na origem, foi o líder do Regresso (p. 34). A ele se deve: o Código Criminal do Império, a lei do Supremo Tribunal, o Colégio Pedro II, o Arquivo Nacional, o texto do Ato Adicional (de 1834), o Conselho de Estado: “Seus discursos são autênticas conferências” (p. 34).
Honório Hermeto Carneiro Leão, mineiro, marquês de Paraná, líder da ala moderada, chefe do gabinete de Conciliação, esteve na missão que derrubou Rosas, e fez a pacificação de Pernambuco. “Era autoritário, objetivo, homem que sabia onde ia. Não possuía o talento e a cultura de um Vasconcelos, mas notável fibra de estadista” (p. 35).
Eusébio de Queirós Coutinho Matoso da Câmara, natural de Angola, fez a extinção do tráfico africano e abriu o Brasil ao telégrafo.
Paulino José Soares de Sousa, visconde de Uruguai, ministro da Justiça do Regresso, principal redator das leis que fundaram as bases jurídicas do Segundo Reinado, e autor de dois livros de teoria política: Ensaio sobre o Direito Administrativo e Estudos práticos sobre a administração das províncias.
No plano militar, o Marechal Luis Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, o único duque de D. Pedro II.
Mais adiante, a figura de José Maria da Silva Paranhos, visconde do Rio Branco, chefe do gabinete de maior duração no Império. José Joaquim Rodrigues Torres, visconde de Itaboraí, diplomata da confiança de D. Pedro. José Antonio Pimenta Bueno, marquês de S. Vicente, autor de Direito Público, um livro fundamental. João Alfredo Correia de Oliveira, o conservador que fez a Abolição, contrastando com seu antecessor, João Maurício Wanderley, barão de Cotegipe, escravagista intransigente. Havia ainda Pedro Araújo Lima, marquês de Olinda, antigo regente, Zacarias de Gois e Vasconcelos e José Tomás Nabuco de Araújo, estes dois últimos evoluiriam para o lado “luzia”.
Dentro do grupo dos Liberais, havia os conservadores, como Ouro Preto, os moderados (Silveira Martins, Saraiva, Dantas), os radicais liberais, como Ruy Barbosa, e os liberais sociais, como Joaquim Nabuco. Dos 36 gabinetes do II Reinado, 16 eram claramente conservadores, 22 eram liberais e um de Conciliação.

O Regresso e o conservadorismo nos gabinetes do Império
Os liberais viam com desconfiança o Poder Moderador, ao passo que os futuros conservadores viam com simpatia o reinado de D. Pedro I. Com a abdicação, a radicalização gerou conflitos e a reforma da Constituição. Os liberais queriam a abolição do Poder Moderador, a vitaliciedade do Senado e a adoção de um regime federativo. Esta última foi alcançada com a criação das assembleias provinciais, mas as duas primeiras não vingaram no Ato Adicional de 1834, preparado por deliberação da Câmara em outubro de 1831 (que, de toda forma estabeleceu o final da Regência Trina, efetivada em 1835); o Conselho de Estado foi abolido, para ser restaurado novamente apenas em 1842. Em 1840, finalmente, uma Lei de Interpretação do Ato Adicional impôs diversas restrições aos poderes concedidos às assembleias provinciais, seguido por várias leis “regressistas” a partir de 1941.
JCOT confirma os dizeres de Joaquim Nabuco, em Um Estadista do Império, segundo quem as Regências foram uma verdadeira República, ainda que provisória, mas de fato (p. 53). As revoltas provinciais – entre elas a Farroupilha, em 1837 – serviram para diminuir o ímpeto republicano, tanto que, a partir de 1837, ao final da regência de Diogo Antônio Feijó, reduziram-se notavelmente os adeptos da república e da federação. Foi quando entra para o governo de Araújo Lima o “liberal” Bernardo Pereira de Vasconcelos, com um programa conservador. Ele pronuncia um dos mais famosos discursos parlamentares da história do Brasil, como reproduzido por JCOT:
Fui liberal; então a liberdade era nova no país, esteava nas aspirações de todos, mas não nas leis; o poder era tudo: fui liberal. Hoje, porém, é diverso o aspecto da sociedade: os princípios democráticos tudo ganharam, e muito comprometeram; a sociedade, que então corria risco pelo poder, corre risco pela desorganização e pela anarquia. Como então quis, quero hoje servi-la, quero salvá-la; por isso, sou regressista. Não sou trânsfuga, não abandonei a causa que defendo, no dia dos seus perigos, de sua fraqueza; deixo-a no dia em que tão seguro é o seu triunfo que até o excesso a compromete. Quem sabe se, como hoje defendo o país contra a desorganização, depois de havê-lo defendido contra o despotismo e as comissões militares, não terei algum dia de dar outra vez a minha vos ao apoio e à defesa da liberdade?...  Os perigos da sociedade variam; o vento das tempestades nem sempre é o mesmo; como há de o político, cego e imutável, servir a seu país?  (p. 55)

JCOT complementa: “A partir de então ficou havendo um partido conservador. Era o começo do Regresso. (...) O Brasil tornara-se um Estado liberal de direito e as suas instituições não destoariam das que brilhavam nos países mais livres. (...) Mudou-se o sistema de governo, conservou-se o mesmo regime político. Concluíra-se a Revolução Brasileira, que fizera do Brasil um Estado liberal de direito, uma open society, com instituições que permitem o livre jogo das tensões e as reformas sucessivas”. (p. 56)
O Regresso, por alguns chamado de Reação, inspira-se na famosa frase de Bernardo Pereira de Vasconcelos: “É preciso deter o carro da revolução”. Para JCOT foi um período antirrevolucionário ou contrarrevolucionário consciente. A cronologia costuma datar o Regresso do primeiro gabinete conservador, de 23 de março de 1841, se estendendo na Conciliação (1853, com Paulino Soares de Abreu). Mesmo os gabinetes liberais, e foram vários, acomodaram-se às leis regressistas. Os objetivos do Regresso eram dois: assegurar a prevalência da Constituição, com as modificações introduzidas nas Regências, mas preservando o Poder Moderados, que os liberais queriam eliminar, e garantir um governo eficaz, para impedir o desmembramento do Império, o que foi obtido. A recriação do Conselho de Estado, em 1842, e depois o cargo de presidente do Conselho de Ministros, a partir de 1847, contou com um primeiro ministro liberal, Manuel Alves Branco, que embora liberal era, no fundo, um conservador. Com a criação da “terrível figura do presidente”, diz JCOT, “de lá para cá, sempre temos tido presidentes” (p. 65).
Até então, cada deputado votava segundo suas preferências. A partir dessa data, com Alves Branco, criou-se o sistema de “derrubadas”, consolidando o regime dos dois partidos. Surgiram críticos do sistema parlamentarista, como Brás Florentino, em seu livro sobre Do Poder Moderador: ensaio de direito constitucional (Recife, 1864), que condena o sistema de fato oligárquico que se estava criando: a oligarquia ministério-parlamentar (p. 67). O gabinete conservador de 1848, com dois ex-regentes e ministros como Paulino, Rodrigues Torres e Eusébio de Queiroz, “acabou com a confusão no Prata (fim de Rosas), extinguiu o tráfico escravo, fez passar o Código Comercial até hoje em vigor [sic], aprovou uma importante lei de terras, talvez a mais famosa da nossa História, etc.” (p. 68). Em 1853, começa o gabinete da Conciliação, com Honório Hermeto Carneiro Leão, marquês de Paraná, um moderado que apoia o Regresso. JCOT não considera que seja verdadeiramente de conciliação, e sim de moderação, o que não impede uma crise em 1868.
JCOT elogia sobretudo o gabinete do Visconde do Rio Branco, em 7 de março de 1871, não esquecendo a Lei do Ventre Livre, aprovada em maio desse ano, promulgada em setembro:
Quase todos os historiadores consideram de fastígio esta época. O gabinete Rio Branco foi, indiscutivelmente, um período de progresso e de grandes realizações – basta recordar, no campo das coisas práticas e da modernização da vida brasileira, a introdução do sistema métrico e a realização do primeiro recenseamento geral do Brasil. O gabinete Rio Branco, o de maior duração na política imperial, marcaria época. (...) ... o câmbio chegaria a 28 (p. 75).

Mas, ele também registra a sequência de problemas surgidos a partir da crise de 1868: o republicanismo, a Lei do Ventre Livre, que “começou a abalar os alicerces sociais” (p. 76), a questão religiosa (ou seja, a religião do Estado, num sistema constitucional que se pretendia liberal), e as condições sociais em geral, no país, que não permitiam eleições do tipo da inglesa, livres da pressão governamental. JCOT resume os grandes problemas surgidos logo depois do término da guerra do Paraguai:
a) Como conciliar o princípio da religião oficial com o da liberdade de crenças?
b) Como fazer a Abolição sem destruir a economia nacional ou estabelecer uma luta do raças, como nos Estados Unidos da América?
c) Como conciliar o ideal do regime parlamentar num país de estrutura social agrária?
d) Como dar autonomia às províncias, sem quebrar a unidade nacional e sem ferir os princípios cardiais do regime imperial?
e) Como manter as forças armadas unidas e coesas, mas afastadas da política partidária, sujeitas que eram a governos partidários?
Certamente não era possível aos políticos do Império resolver todas essas questões. (pp. 77-78)


Os grandes livros e os grandes temas do conservadorismo brasileiro
JCOT apresenta os grandes livros do conservadorismo imperial, nomeadamente:
1) Ensaio sobre Direito Administrativo, de Uruguai (Paulino Soares de Sousa);
2) Estudos práticos sobre a administração das províncias, de Paulino igualmente;
3) Direito Público Brasileiro e análise da Constituição, de Pimenta Bueno (1857);
4) Do Poder Moderador: ensaio de direito constitucional, de Brás Florentino (1864);

Seguidamente, no capítulo IX, apresenta e discute os grandes temas dos líderes conservadores, nomeadamente:
(a) o Poder Moderador: “como montar freios constitucionais eficazes, que obrigassem o governo o respeito à Constituição, que fosse um instrumento de equilíbrio e harmonia entre os poderes” (p. 165);
(b) a centralização: a Constituição “não previa maiores poderes às províncias”, quando os liberais de 1831, na lei de preparação ao Ato Adicional, queriam uma monarquia federativa, ao passo que os saquaremas foram sempre antifederalistas (p. 167);
(c) o Senado e o Conselho de Estado: os liberais sempre combateram as duas instituições, sobretudo a vitaliciedade dos senadores indicados, e também queriam um Conselho de Estado sem funções políticas, ou mesmo abolido, como nas regências (p. 171).

JCOT também apresenta e discute os “paradoxos” do conservadorismo (capítulo X). Seriam eles:
(a) Abolição, sendo um paradoxo porque os liberais eram abolicionistas e as leis que destruíram a escravidão foram todas obras dos conservadores. Na verdade, havia abolicionismo e escravagismo nos dois partidos, “em função de suas ligações pessoais, convicções íntimas e interesses eleitorais” (p. 178). Desde a abolição do tráfico, obra de um gabinete conservador puro, todas as demais leis foram de conservadores: Ventre Livre, por Rio Branco em 1871; Lei dos Sexagenários por Cotegipe, em 1885; Abolição total, por João Alfredo, em 1888 (pp. 179-180).
(b) Liberais e Conservadores: “A filiação política nem sempre quis dizer identidade ideológica.” (p. 181) No império, famosos liberais eram conservadores, como Alves Branco, Afonso Celso de Assis Figueiredo, visconde de Ouro Preto, que era uma espécie de anti-Ruy em seu partido.
(c) Igreja: havia no partido “atitudes de franca hostilidade à Igreja” (p. 185).

Outros temas abordados por JCOT em seu capítulo XI (“A grande tarefa”), são:
(a) Democracia: muitos conservadores eram liberais políticos e liam os grandes doutrinários estrangeiros da democracia. Mas, “o que todavia configurava a posição ‘saquarema’, além desta sóbria, austera e realista defesa do caráter benéfico, útil e justo da autoridade, era o reconhecimento de que o Brasil... não era a Inglaterra” (p. 191). Eles tinham consciência das diferenças econômicas e sociais, e não apreciavam o “governo das maiorias”.
(b) Unidade nacional: para eles, foi a monarquia quem fez a unidade nacional, acima dos interesses locais, das paixões políticas. O Regresso fez na prática essa unidade, criando uma polícia e uma Justiça de bases nacionais, depois restaurando o Conselho de Estado, que estabeleceu uma jurisprudência uniforme para todo o país.
(c) Sociedade aberta num mundo agrário: também feita e simbolizada pelo imperador, solidamente apoiado pelo Partido Conservador.
(d) Conservadorismo e desenvolvimento: Segundo JCOT, “liberais e conservadores se opunham a respeito de certos objetivos gerais do Estado. (...) grosso modo, os liberais eram mais sensíveis aos motivos ligados à liberdade dos indivíduos em face do Estado, consideravam que a garantia da autonomia das pessoas era... uma questão sagrada e ressentiam a tradicional ojeriza liberal pela autoridade...” (p. 205). “Os conservadores, porém, amavam a comunidade e aceitavam o Estado como uma condição da vida social – o homem não pode viver senão em sociedade e importa que haja uma autoridade capaz de manter a ordem” (p. 206). Por isso, eles aceitavam grandes responsabilidades para o Estado, daí o seu nacionalismo, ao passo que os liberais tendiam a ser “livre-cambistas”. Tavares Bastos, por exemplo, como bom liberal ortodoxo, “não era nacionalista, e queria o Brasil aberto a todos os povos” (p. 208), tanto que ele se batia pela internacionalização do rio Amazonas (p. 209), e também pela navegação de cabotagem aberta aos estrangeiros. Para JCOT, o desenvolvimento do Brasil no século XIX exigia a criação de um mercado interno consumidor, a obtenção de energia a bom preço, a substituição da mão de obra escrava pelo trabalho livre e o protecionismo alfandegário (p. 209). Este último sempre foi conservador, a começar pela equalização de tarifas a 15% para todos os países, realizada em 1828 por Bernardo Pereira de Vasconcelos, um liberal regressista, assim como a Tarifa Alves Branco, de 1844, um liberal moderado, ou conservador, segundo Paulino.
JCOT resume esse capítulo, e termina o livro, por esta frase:
“Enquanto os liberais defendiam os cidadãos contra o poder, os conservadores queriam a grandeza do Império, grande política e econômica.” (p. 214).
O livro ainda contém em Apêndice, uma descrição de cada um dos gabinetes conservadores a partir de 23 de março de 1841, com a nomeada dos ministros, até o de João Alfredo, presidente do Conselho em 10 de março de 1888, o último da monarquia, do Império e do conservadorismo (pp. 215-221).

PRA:
Pode-se dizer que, mesmo abolidos pela República, os dois partidos continuaram representados na política brasileira, com uma nítida predominância dos conservadores, transformados em republicanos em praticamente todos os estados da federação. Ruy Barbosa, monarquista federalista, converteu-se em republicano justamente por esse motivo, mas continuou um liberal perfeito, defendendo os direitos dos indivíduos em face do Estado.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 19 de agosto de 2019


domingo, 18 de agosto de 2019

O herdeiro rebaixado: a indicação de um filho para embaixador em Washington - Paulo Roberto de Almeida


O herdeiro rebaixado: filho indicado para a embaixada em Washington


Paulo Roberto de Almeida
[Objetivo: entrevista sobre nomeação para embaixada; finalidade: Livres]


O texto abaixo deve ter sido composto com base em declarações minhas obtidas por meio de entrevista telefônica concedida no dia 12 de julho, em plena viagem de Brasília a Uberaba, a um encarregado de comunicações do Livres – agrupamento do qual sou membro do Conselho Acadêmico – sem que eu o tivesse registrado entre as minhas produções próprias, e sequer tomado o devido conhecimento em tempo hábil, uma vez que ele foi publicado no site do Livres no mesmo dia 12/07 (neste link: https://www.eusoulivres.org/artigos/o-herdeiro-rebaixado-por-paulo-roberto-de-almeida/). Existem imprecisões no teor do texto, uma vez que fui tomado de surpresa e respondi sem uma precisa verificação dos antecedentes.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 18/08/2019


A escolha de Eduardo Bolsonaro para a embaixada nos Estados Unidos não é apenas indecorosa. Ela é também um desastre do ponto de vista político, porque Jair Bolsonaro perde seu único herdeiro, rebaixando-o à categoria de apaniguado.
Isso é focar no menos importante do ponto de vista das instituições. Essa indicação – por enquanto apenas uma intenção – não é apenas indecorosa por supostamente retirar o chanceler de fato da linha de sucessão. Ela é sobretudo inconstitucional – pelo filhotismo explícito e ilegal – e eivada de irregularidades diplomáticas no plano dos procedimentos e da substância.
Normalmente, qualquer nova intenção de um Estado de designar um representante de um chefe de Estado junto a outro chefe de Estado é precedida de uma nota secreta pedindo o chamado agrément, ou seja, a consulta sobre a aceitação eventual desse designado. O Estado recebedor – teoricamente o chefe de Estado, mas normalmente a chancelaria é que recomenda sim ou não – tem o direito de não aceitar o indicado, pois isto faz parte de suas prerrogativas soberanas. Se o Estado aceitar, só aí o governo que pretende enviar um seu representante, com o agrément concedido, dá início aos trâmites internos de designação.
No caso do Brasil, disposições constitucionais determinam que o designado, depois de dado o agrément, em segredo, seja objeto de uma mensagem ao Senado, informando sobre essa indicação, para que o indivíduo em questão seja sabatinado. A Comissão de Relações Exteriores do Senado, assim como o plenário, são soberanos para determinar se aceita ou não a indicação.
Temos precedentes de recusa: Shigeaki Ueki, designado para representar o Brasil junto à então CEE nunca foi chamado para ser sabatinado.
Mais recentemente, criou-se uma enorme confusão (que nunca deveria ter existido) em torno do indicado pelo governo israelense para representá-lo no Brasil. O Governo Dilma, totalmente desrespeitoso das normas não escritas do Direito Internacional, revelou quem era e disse que não aceitaria abertamente, por se tratar de “militante da ocupação ilegal israelense em território palestino” (Estado reconhecido pelo Brasil desde 2010, ainda sob o governo Lula). Foi nessa ocasião que o porta-voz da chancelaria israelense chamou o Brasil de “anão diplomático”.
Mas a confusão não deveria ter existindo, se tivéssemos mantido tudo em segredo, como recomenda a praxe internacional.
Qualquer governo sério, o que não é o caso da administração Trump (e tampouco da nossa), preservariam total discrição sobre esses assuntos, pois teoricamente o governo “aceitante” pode RECUSAR um nome que tenha sido previamente anunciado sem a sua manifestação de “satisfecit”. Ou seja, dois governos pouco sérios.
Neste caso, a administração Trump aceitaria facilmente quem diz que apoia totalmente a construção do muro e diz que os brasileiros ilegais nos EUA são “uma vergonha para o Brasil”.
Vergonha é ter um representante do povo (supostamente) ofendendo milhares de brasileiros que trabalham honestamente nos EUA e ainda remetem milhões de dólares para o Brasil.
Miséria da Diplomacia (aliás o título de meu próximo livro).

Paulo Roberto de Almeida
Brasília-Uberaba, 12/07/2019

Futurologia do governo Bolsonaro - Carmen Lícia Palazzo

Um alerta, uma antecipação, de alguém que costuma acertar suas predições:

Dilema dos bons que ainda estão neste governo: não entrar em fritura como entrou o Moro e continuar tocando uma parte importante do que deve ser feito. Mas tudo tem limites e um dia estou certa de que pelo menos uma pessoa vai embora e isto bem antes do final dos quatro anos. Haja paciência para aguentar. SE e QUANDO acontecer, vai ser o pior cenário para todos. SIM, para absolutamente todos e para o Brasil, não se iludam.

Os principais "culpados ativos" de toda esta situação levam o sobrenome Bolsonaro, os QUATRO. Há culpados indiretos, como aqueles que jogaram o país no fundo do poço, mas não são eles que estão agora no poder e cavando furiosamente para que o poço fique ainda mais fundo e chegue ao inferno!

Os quatro Bolsonaros, estão cercados de muitos que os apoiam incondicionalmente, pois há um grupo de pessoas firmes e fortes à sua volta com as piores das intenções e dos propósitos anti-democráticos.

O final deste romance de terror? NINGUÉM AINDA PODE SABER. Nem mesmo os melhores especialistas na área política. Muitos deles, da maior competência, estão atônitos.
Carmen Lícia Palazzo
Brasília, 18/08/2019

Um inepto para a embaixada em Washington? - Poder 360

Combina talvez com o governo, mas não com a diplomacia...
O título da matéria é totalmente contraditório com o seu teor...

Resistência à indicação de embaixador é atípica, mostra histórico

15 embaixadores aprovados em 2019 
Votos contrários são minoria na história
Oposição articula contra Eduardo Bolsonaro 
Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) deve ser indicado ao cargo de embaixador do Brasil nos EUA Sérgio Lima/Poder360 - 9.ago.2019
Se a expectativa do governo de resistência ao nome de Eduardo Bolsonaro para a embaixada dos EUA se concretizar, o caso será atípico entre as indicações para o campo diplomático e também em relação aos últimos indicados para o posto.
O Senado já aprovou o nome de 15 embaixadores em 2019. Os maiores casos de resistência receberam 5 votos contrários –para os postos no Paraguai e Marrocos.
Ressalvados esses 2, todos os outros 13 nomes foram chancelados com no máximo 2 votos contrários. As abstenções também foram baixas. A maior foi de 4 senadores, na decisão sobre a Embaixada na Romênia.
Em relação ao posto nos Estados Unidos, os últimos embaixadores também foram aprovados em placares folgados. O que mais recebeu votos contrários foi Sérgio Amaral, indicado por Michel Temer após o afastamento de Dilma Rousseff. O Poder360 resume as votações:
A indicação de Eduardo também foi criticada pelo deputado federal não pertencer ao corpo diplomático do Itamaraty, como a maioria dos nomeados para postos ao redor do mundo.
O Poder360 teve acesso a um levantamento feito pela consultoria do Senado que mostra que apenas 13 nomes sugeridos ao Senado não eram ministros de carreira do Ministério das Relações Exteriores, como Eduardo.
Entre eles, está o empresário Walther Moreira Salles, que foi embaixador nos Estados Unidos, e o ex-ministro da Fazenda durante a ditadura militar Delfim Netto, que exerceu a função em Paris dois anos antes de assumir o Ministério.
A consultoria do Senado produziu uma nota técnica em que classificou a possível indicação de Eduardo como nepotismo que veio a público neste sábado (17.ago.2019). Nela, os técnicos da Casa argumentam que o cargo não é de natureza política, logo, se enquadraria no crime de nepotismo.

Resistências

O Planalto aposta que Eduardo será aprovado, mas prevê cenário difícil. Senadores governistas afirmam que a votação tende a ser apertada. A oposição tem afirmado que o placar está empatado.
A resistência ao filho do presidente não está circunscrita à oposição. A presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) na Casa, Simone Tebet (MDB-MS), também criticou a indicação. Disse que este talvez seja o “maior erro” cometido pelo presidente.
Fora do Congresso, o episódio também repercutiu. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi um dos que endossaram o coro de rejeição.
Segundo pesquisa da XP Investimentos, o nome de Eduardo registrou alta desaprovação entre a população, de 62% dos entrevistados. Levantamento do Paraná Pesquisas divulgado em 18 de julho mostrou que 64,9% da população discorda da nomeação.
O MPF-DF (Ministério Público Federal no Distrito Federal) chegou a entrar com ação civil pública contra a indicação.
Em defesa do filho, o presidente Jair Bolsonaro disse que ele é apto para o cargo e não o indicaria para “passar vexame”. Bolsonaro também afirmou que se pudesse dar filé mignon para o filho, daria: Pretendo beneficiar meu filho, sim. Pretendo, está certo. Se puder dar 1 filé mignon ao meu filho, eu dou. Mas não tem nada a ver com filé mignon essa história aí. É realmente aprofundar 1 relacionamento com 1 país que é a maior potência econômica e militar do mundo”, disse.
A indicação de Eduardo ainda não foi enviada para o Senado. O rito exige que uma mensagem seja enviada para a Casa que precisa fazer uma sabatina –entrevista realizada por senadores da Comissão de Relações Exteriores– e na sequência uma votação que decidirá se a indicação será aprovada ou rejeitada. O nome precisa ser chancelado pela maioria dos senadores presentes na votação.

Um inacreditável capitão - Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa

O inacreditável capitão Bolsonaro

MARIA HELENA RR DE SOUSA

Blog do Noblat, 16/08/2019

…pessoa sem preparo algum para ocupar o cargo que ocupa, onde chegou de modo intempestivo e surpreendente. Sem filtro, sem modos, e sem cerimônia, ele diz o que lhe vem à cabeça, sem se preocupar, em absoluto, com as consequências de suas palavras…
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(PUBLICADO ORIGINALMENTE NO BLOG DO NOBLAT,
VEJA ONLINE, 16 DE AGOSTO DE 2019)
Talvez o mundo não veja, tão cedo, outro presidente da República como Jair Messias Bolsonaro: pessoa sem preparo algum para ocupar o cargo que ocupa, onde chegou de modo intempestivo e surpreendente.
Sem filtro, sem modos, e sem cerimônia, ele diz o que lhe vem à cabeça, sem se preocupar, em absoluto, com as consequências de suas palavras. Está no cargo desde janeiro deste ano. Já se passaram 227 dias. Desses, quantos dias tivemos sem ouvir diatribes contra pessoas, estados, países, instituições? Alguém já fez essa conta?
Não esqueço uma minientrevista de Michelle Bolsonaro antes ainda da posse. Respondendo a um jornalista que comentava a fama de rude do presidente eleito, Michelle respondeu, sorridente: “Vocês vão ver o quanto isso é falso. Meu marido é um príncipe!”.
Diante dessa afirmação, só me resta crer que o príncipe, ao contrário do que acontece nas histórias de fada, ao tomar posse de seu gabinete no Planalto, virou um sapo. E os sapos, já sabemos, são mal-encarados e estão sempre querendo assustar com seus pulos e seus coachados.
Vocês viram o que ele aprontou nos últimos dias? Contando, ninguém acredita, mas como ele faz questão que tudo que ele diz seja repetido na Internet, o mundo inteiro ficou sabendo que o Brasil está tão bem de vida que pode dispensar as verbas enviadas pela Alemanha e pela Noruega para a preservação da Floresta Amazônica.
De que maneira o capitão comunicou sua decisão à chanceler Ângela Merkel e ao ministro do Clima e Meio Ambiente da Noruega, Ola Elvestuen? Agradecido por tudo que já recebeu e comunicando que o Brasil recuperou seu poder econômico? Foi gentil e grato como um verdadeiro príncipe?
Ou coaxou?
Resultado de imagem para SAPO COAXANDO ANIAMTES GIFS…só me resta crer que o príncipe, ao contrário do que acontece nas histórias de fada, ao tomar posse de seu gabinete no Planalto, virou um sapo. E os sapos, já sabemos, são mal-encarados e estão sempre querendo assustar com seus pulos e seus coachados
Ele simplesmente disse que Ângela Merkel podia pegar o dinheiro e reflorestar a Alemanha e que aconselhava a Noruega a repassar o dinheiro que enviava ao Brasil para a Alemanha poder se reflorestar. É ou não é um fenômeno? Será que ele nunca ouviu falar das belíssimas florestas alemãs?
33% de seu território é coberto por florestas deslumbrantes. São mais de 90 bilhões de árvores que diminuem o efeito estufa, absorvem o dióxido de carbono, protegem os rios e o solo contra erosões. Isso num país que passou nos últimos 100 anos por duas guerras tenebrosas, foi ocupado por forças estrangeiras e que nem por isso parou de crescer e de tratar bem seus cidadãos. Não há cidade alemã sem esgoto sanitário ou sem transporte público. Suas ruas e praças são bem tratadas, as escolas enchem de orgulho seus administradores e as estradas, que parecem acetinadas, têm sim limites de velocidade.
Viajar pela Alemanha é um deleite para os olhos e para o espírito. Seus parques nacionais são um verdadeiro paraíso, assim como as florestas de faias. O mais apaixonante é o Parque Nacional da Floresta Bávara, cuja Floresta Negra é o lar de muitos animais raros, assim como o habitat imaginário de muitos personagens das mais lindas histórias de fadas.
A Alemanha é absolutamente encantadora.
Quando o Brasil for um país em condições de fazer qualquer tipo de ressalvas ou críticas a países como Alemanha e Noruega, prometo voltar aqui me penitenciando.
Se eu ainda estiver por aqui, naturalmente…
Imagem abertura: FLORESTA NEGRA, NA ALEMANHA
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Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa

Professora e tradutora. Vive no Rio de Janeiro. Escreve semanalmente para o Blog do Noblat desde agosto de 2005. Colabora para diversos sites e blogs com seus artigos sobre todos os temas e conhecimentos de Arte, Cultura e História. Ainda por cima é filha do grande Adoniran Barbosa.

Ministro espacial da Ciência e Tecnologia continua na estratosfera - Wanderley de Souza (O Globo)

Nosso astronauta continua no espaço, privilegiando o marketing pessoal
Wanderley de Souza (UFRJ)
O Globo, 18/08/2019

Após sete meses de governo já é possível identificar uma certa heterogeneidade na performance dos ministros que compõem a equipe do presidente Bolsonaro. Alguns vêm apresentando um bom desempenho, ainda que possamos discordar filosófica e ideologicamente de certas ações. Há, no entanto, outros que claramente comprometem o desempenho do governo, criando sérios problemas internos e externos, como é o caso dos ministros do Meio Ambiente, da Educação, das Relações Exteriores e da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.
Pelo fato de que minha atividade profissional trafega principalmente pela área da Ciência e Tecnologia, comentarei aqui a performance do ministro Marcos Pontes, cuja avaliação pela maior parte da comunidade científica é a pior possível. Nosso astronauta continua no espaço (aliás termina suas mensagens com “saudações espaciais”), privilegiando o marketing pessoal e as viagens internacionais. Dá muita pouca atenção às agências de fomento do ministério, tais como CNPq e Finep, instituições que são até mais relevantes para a comunidade científica do que o próprio ministério. Não tem mostrado capacidade de recuperar o orçamento do MCTIC. Não é reconhecido como cientista pela comunidade científica. Não tem experiência de gestão e não tem prestígio político. Faz, no entanto, excelente marketing pessoal.
Em poucos meses, ele teve dois tropeços graves com a comunidade científica. Primeiro, atuou no sentido de esvaziar a Finep, retirando-lhe a gestão do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico. Graças à intensa atuação da comunidade junto ao Congresso Nacional, esta catástrofe foi evitada. No entanto, a atual paralisia da Finep abre flancos para a sua extinção no processo de mudanças capitaneadas pelo Ministério da Economia e que deverá ter início logo após a aprovação da reforma da Previdência.
Mais recentemente, o ministro mostrou completa inabilidade ao lidar com a questão dos dados fornecidos de forma profissional e competente pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), exonerando o seu diretor, professor Ricardo Galvão, um dos mais conceituados pesquisadores brasileiros. Neste episódio, não teve a capacidade de conciliar a posição claramente equivocada do ´presidente Bolsonaro, exposta da forma peculiar, que o caracteriza, com a posição firme e indignada do nosso grande físico.
No campo sensível do desmatamento, não foi este o primeiro episódio de desencontro entre o Inpe e o governo. Certamente também não será o último. Vivi situação semelhante em 2003 quando os dados divulgados pelo Inpe não agradaram ao então ministro da Casa Civil, José Dirceu. Naquele momento eu ocupava interinamente o cargo de ministro do MCT (o ministro Roberto Amaral estava no exterior) e fui acionado pelo referido ministro de forma elegante, para esclarecer os dados rapidamente. Marcarmos uma reunião no Palácio do Planalto com a presença da ministra do Meio Ambiente à época (Marina Silva e sua equipe) e fui acompanhado pela equipe do Inpe. Os dados foram apresentados e discutidos e as dúvidas esclarecidas, levando à tomada de posições importantes para reduzir o processo de desmatamento. Ninguém precisou ser admoestado nem exonerado. Cabe aqui destacar que desde o governo FH os dirigentes dos institutos do MCTIC são escolhidos mediante um processo equivalente a um concurso público, onde os candidatos a diretor são examinados por um comitê de alto nível que elabora uma lista tríplice levada ao ministro. Este então nomeia o diretor para o exercício de um mandato de quatro anos, como é praxe nas instituições acadêmicas.
A exoneração do diretor do Inpe vem macular este inovador processo de escolha dos dirigentes, constituindo um ato arbitrário e autoritário, de claro desrespeito ao processo de escolha, criando um precedente perigoso. Ficou a mensagem de que se um diretor tiver posição que não agrade ao governo, pode ser sumariamente dispensado, o que fere a credibilidade do processo. No presente episódio, claramente, o ministro optou pelo mais conveniente para sua permanência no cargo, evidenciando claramente que não é da comunidade científica, ampliando significativamente seu distanciamento desta comunidade. Gradativamente, está se tornando persona non grata ao setor e sua permanência neste momento me parece altamente negativa para o governo como um todo.
Wanderley de Souza é professor da UFRJ e foi secretário-executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia e presidente da Finep