O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Privatizações: as histórias que não andam - Ricardo Bergamini

 A estupidez coletiva brasileira comemora propostas de museu, como sendo novidades (Ricardo Bergamini).

 

Prezados Senhores

 

Fico pasmo ao ver pessoas com capacidade de saber e conhecimento, acreditando nas promessas dos governantes de plantões no Brasil. Haja vista as múltiplas promessas de privatizações da Eletrobrás, desde o governo Sarney. O resto é debate de bêbados.

 

Desestatização: as tentativas de privatizar a Eletrobras ao longo dos anos

 

Michel Temer não foi o primeiro presidente que tentou privatizar a empresa de geração de energia elétrica.

 

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

 

 

Em janeiro deste ano, o presidente Michel Temer assinou o PL 9.463/18, que dispõe sobre a desestatização da Eletrobras. A elaboração do texto aconteceu meses depois do anúncio do presidente de que iria privatizar a maior empresa de geração de energia elétrica brasileira.

 

Vale lembrar que o presidente Lula sancionou a lei 10.848/04, a qual tirou a Eletrobras do programa de privatização, criado por seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso.

 

Mas as medidas para abrir o caminho para a venda da holding não são recentes. Em 1988, o então presidente José Sarney já tinha planos para privatizar a empresa idealizada por Getúlio Vargas.

 

Há 30 anos já se falava na Golden Share, uma ação ordinária de classe especial, em que o governo pode abrir mão parcial ou totalmente do capital da empresa para o capital privado. A mesma estratégia está prevista no PL de Temer, a qual dá poder de veto ao detentor em decisões importantes da empresa.


(Fonte: Jornal do Comércio, 1988)

 

Nesse mesmo ano, foi enviado ao Congresso Nacional um PL que dispunha sobre a privatização do capital das empresas estatais:

 

(Fonte: O Estado de S. Paulo, 1988)

 

Em 1989, outro PL (2.397/89) seria formulado para tentar privatizar a Eletrobras. Na justificativa do texto, o deputado Luiz Alberto Rodrigues endossou que a privatização das empresas estatais deveria ser abordada dentro de uma perspectiva macroeconômica. Para Rodrigues, este tipo de empresa precisa ser encarado como uma poupança interna considerável.

 

"A real utilização dessa poupança interna no reaquecimento da economia, dentro de um modelo voltado à desejável elevação da qualidade de vida da grande parcela de brasileiros historicamente alijada do processo de modernização do País."

Anos mais tarde, em 1995, quando Fernando Henrique Cardoso era presidente, a Eletrobras e suas subsidiárias entraram no Programa Nacional de Privatização. A proposição era que o governo passasse para o setor privado o serviço de geração de energia, mas continuaria sendo o coordenador da política energética. À época, o ministro do Planejamento José Serra garantiu que o governo trabalharia aceleradamente para realizar o leilão. Neste ano, o projeto ainda não tinha nem a assinatura de FHC mas a Eletrobras já estava batizada com outro nome: Eletropar. A promessa era de que a venda integral acontecesse antes do final do governo do ex-presidente PSDbista. (Fonte: Tribuna da Imprensa, 1995)
O imbróglio perdurou ao longo dos anos e em 2001 esse assunto voltou na pauta com a tentativa do governo de acelerar a privatização de Furnas. A venda da empresa estava parada por pressões políticas, mas o Conselho Nacional de Desestatização (CND), nesta época, tentava incansavelmente mudar o futuro das empresas estatais de energia elétrica. Não era somente Furnas que estava no processo de privatização, a Chefs e a Eletronorte também estavam no plano. (Fonte: O Estado de S. Paulo, 2001)

Eletrobras durante a história

 

"Dizem morena que o teu olhar Tem corrente de luz que faz cegar O povo anda dizendo que essa luz do teu olhar A Light vai mandar cortar"

 

Os versos da cantiga de carnaval "Uma andorinha não faz verão", de 1934, tira sarro de uma situação muito comum no Brasil dessa época: a falta de energia elétrica. Em meados do século passado, a geração e a distribuição de energia cabiam basicamente à iniciativa privada, que investiam seus esforços no abastecimento do eixo Rio-São Paulo.


(Fonte: O Estado de S. Paulo, 1972)

 

Diante de um país que se tornava cada vez mais urbano, os problemas com energia elétrica eram um verdadeiro entrave para o desenvolvimento das cidades. Por isso foi que em 1954, Getúlio Vargas enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei que autorizava o governo a fundar uma estatal chamada Eletrobras. Até sair do papel, o processo demorou. Foi em 1962, com João Goulart na presidência, que a empresa seria oficialmente instalada.

 

Se hoje há um embate de opiniões acerca da privatização da empresa, antes a situação pouco se diferenciava. Além das fortes opiniões contrárias à criação da estatal, o poder das empresas privadas de energia elétrica, que temiam perder mercado, pressionava contra a criação da estatal.

 

Um dos maiores opositores para a constituição da empresa, no Senado, foi Assis Chateaubriand, que até mesmo chegou a chamar a Eletrobras de lixo.

 


(Fonte: Correio da manhã, 1957)

 

Mesmo com as fortes oposições, o projeto se concretizou. Se de um lado do Senado estavam os opositores, do outro estavam aqueles que viam na empresa estatal um avanço para o país. O senador Paulo Fender, correligionário de João Goulart, discursou em Brasília:

 

As congratulações que desta tribuna formulo para com o governo encontram eco na carta testamento de Getúlio Vargas. Dizia o eminente brasileiro que a Eletrobras havia sido obstada ao máximo e ele morria sem realizar seu sonho de nacionalista de instalá-la. Representa o ato do governo, portanto, a realização de um objetivo de Getúlio e de todos os trabalhistas do país, que se regozijam a esta hora por havermos avançado tanto nas conquistas democrático-sociais.

 

A empresa idealizada por Getúlio Vargas pode ter um futuro diferente com a conjuntura atual, em virtude das medidas tomadas por Temer. No Congresso, foi determinada a criação de uma comissão especial para analisar a matéria e, agora, a proposição está sujeita à apreciação conclusiva pelas comissões.

 

Ricardo Bergamini

www.ricardobergamini.com.br

 

Somente os profetas enxergam o óbvio (Nelson Rodrigues)

 

Bolsonaro entrega ao Congresso MP de privatização da Eletrobras

 

O presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, o presidente Jair Bolsonaro, o líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes e o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, durante declaração após entrega da medida provisória que trata da privatização da Eletrobrás. (Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

 

Estadão Conteúdo

 

23/02/21

 

Matéria completa clique abaixo:

 

https://istoe.com.br/bolsonaro-e-ministros-entregam-ao-congresso-mp-de-privatizacao-da-eletrobras/

 

 

Ricardo Bergamini

www.ricardobergamini.com.br

Como a Grã-Bretanha enriqueceu às custas da Índia: um sistema completo de espoliação - Jason Hickel, Utsa Patnaik

 Todo colonialismo é um sistema de extração dos recursos e trabalho dos povos dominados em favor da potência imperial. Alguns são mais efetivos do que outros nesse processo de espoliação, o que parece ter sido o caso do imperialismo britânico, altamente eficiente na dominação e na exploração das riquezas alheias, inclusive de colonialismos menores, como o de Portugal, por exemplo. No fundo, nada vem de graça: só consegue ser dominador, explorador e extrator quem tem poder e capacidade para tal tipo de empreendimento.

Encontrei na Amazon vários livros de Utsa Patnaik, citado como autor das estimativas referidas nesta matéria sobre o colonialismo britânico, informados ao final, inclusive o citado na matéria original.

Paulo Roberto de Almeida

GEOPOLÍTICA. 

Como a Grã-Bretanha roubou US $ 45 trilhões da Índia. E mentiu sobre isso

 Jason Hickel

 O Dr. Jason Hickel é acadêmico da University of London e Fellow da Royal Society of Arts.

AlJazeera,  19 de dezembro de 2018

 Há uma história comum na Grã-Bretanha de que a colonização da Índia - por mais horrível que tenha sido - não trouxe grandes benefícios econômicos para a própria Grã-Bretanha.  No mínimo, a administração da Índia foi um custo para a Grã-Bretanha.  Portanto, o fato de o império ter sido sustentado por tanto tempo - a história continua - foi um gesto da benevolência da Grã-Bretanha.

 Nova pesquisa do renomado economista Utsa Patnaik - recém-publicada pela Columbia University Press - desfere um golpe esmagador nessa narrativa.  Baseando-se em quase dois séculos de dados detalhados sobre impostos e comércio, Patnaik calculou que a Grã-Bretanha drenou um total de quase US $ 45 trilhões da Índia durante o período de 1765 a 1938.

 É uma soma impressionante.  Para uma perspectiva, US $ 45 trilhões é 17 vezes mais do que o produto interno bruto anual total do Reino Unido hoje.

 Como isso veio à tona?

 Aconteceu por meio do sistema de comércio.  Antes do período colonial, a Grã-Bretanha comprava produtos como têxteis e arroz de produtores indianos e os pagava da maneira normal - principalmente com prata - como faziam com qualquer outro país.  Mas algo mudou em 1765, logo depois que a Companhia das Índias Orientais assumiu o controle do subcontinente e estabeleceu o monopólio do comércio indiano.

 É assim que funcionou.  A East India Company começou a coletar impostos na Índia, e então habilmente usou uma parte dessas receitas (cerca de um terço) para financiar a compra de produtos indianos para uso britânico.  Em outras palavras, em vez de pagar pelos bens indianos do próprio bolso, os comerciantes britânicos os adquiriam de graça, “comprando” dos camponeses e tecelões com o dinheiro que acabava de ser tirado deles.

 Foi um golpe - roubo em grande escala.  No entanto, a maioria dos indianos não sabia o que estava acontecendo porque o agente que arrecadava os impostos não era o mesmo que apareceu para comprar suas mercadorias.  Se fosse a mesma pessoa, eles certamente teriam cheirado um rato.

 Alguns dos bens roubados foram consumidos na Grã-Bretanha e o resto foi reexportado para outro lugar.  O sistema de reexportação permitiu à Grã-Bretanha financiar um fluxo de importações da Europa, incluindo materiais estratégicos como ferro, alcatrão e madeira, que eram essenciais para a industrialização britânica.  Na verdade, a Revolução Industrial dependeu em grande parte desse roubo sistemático da Índia.

 Além disso, os britânicos conseguiram vender os bens roubados para outros países por muito mais do que os “compraram” inicialmente, embolsando não apenas 100% do valor original dos bens, mas também a margem de lucro.

 Depois que o Raj britânico assumiu o controle em 1858, os colonizadores adicionaram uma nova reviravolta especial ao sistema de impostos e compras.  Com a quebra do monopólio da Companhia das Índias Orientais, os produtores indianos foram autorizados a exportar seus produtos diretamente para outros países.  Mas a Grã-Bretanha assegurou-se de que os pagamentos por esses bens terminassem mesmo assim em Londres.

 Como isso funcionou?  Basicamente, qualquer pessoa que quisesse comprar produtos da Índia faria isso usando Council Bills especiais - um papel-moeda único emitido apenas pela Coroa Britânica.  E a única maneira de conseguir essas notas era comprá-las de Londres com ouro ou prata.  Assim, os comerciantes pagariam a Londres em ouro para receber as contas e, em seguida, usariam as contas para pagar aos produtores indianos.  Quando os índios descontavam as contas no escritório colonial local, elas eram “pagas” em rúpias com as receitas fiscais - dinheiro que acabava de ser coletado deles.  Portanto, mais uma vez, eles não foram de fato pagos;  eles foram defraudados.

 Enquanto isso, Londres acabou com todo o ouro e a prata que deveriam ter ido diretamente para os índios em troca de suas exportações.

 Este sistema corrupto significava que mesmo enquanto a Índia mantinha um superávit comercial impressionante com o resto do mundo - um superávit que durou três décadas no início do século 20 - ele se mostrou um déficit nas contas nacionais porque a receita real da Índia  as exportações foram apropriadas em sua totalidade pela Grã-Bretanha.

 Alguns apontam para esse “déficit” fictício como evidência de que a Índia era um risco para a Grã-Bretanha.  Mas exatamente o oposto é verdadeiro.  A Grã-Bretanha interceptou enormes quantidades de renda que, por direito, pertenciam aos produtores indianos.  A Índia foi a galinha dos ovos de ouro.  Enquanto isso, o “déficit” significava que a Índia não tinha outra opção a não ser pedir emprestado à Grã-Bretanha para financiar suas importações.  Assim, toda a população indiana foi forçada a uma dívida completamente desnecessária com seus senhores coloniais, consolidando ainda mais o controle britânico.

 A Grã-Bretanha usou a sorte inesperada desse sistema fraudulento para alimentar os motores da violência imperial - financiando a invasão da China na década de 1840 e a supressão da rebelião indiana em 1857. E isso foi além do que a Coroa tirou diretamente dos contribuintes indianos para pagar  por suas guerras.  Como Patnaik aponta, "o custo de todas as guerras de conquista da Grã-Bretanha fora das fronteiras indianas foi cobrado sempre total ou principalmente das receitas indianas."

 E isso não é tudo.  A Grã-Bretanha usou esse fluxo de tributos da Índia para financiar a expansão do capitalismo na Europa e em regiões de colonização europeia, como Canadá e Austrália.  Portanto, não apenas a industrialização da Grã-Bretanha, mas também a industrialização de grande parte do mundo ocidental foi facilitada pela extração das colônias.

 Patnaik identifica quatro períodos econômicos distintos na Índia colonial de 1765 a 1938, calcula a extração para cada um e, em seguida, compõe a uma modesta taxa de juros (cerca de 5 por cento, que é inferior à taxa de mercado) do meio de cada período até o  presente.  Somando tudo, ela descobriu que o dreno total chega a US $ 44,6 trilhões.  Este número é conservador, diz ela, e não inclui as dívidas que a Grã-Bretanha impôs à Índia durante o Raj.

 Estas somas são impressionantes.  Mas os verdadeiros custos desse dreno não podem ser calculados.  Se a Índia tivesse sido capaz de investir suas próprias receitas fiscais e ganhos cambiais no desenvolvimento - como o Japão fez - não há como dizer como a história poderia ter sido diferente.  A Índia poderia muito bem ter se tornado uma potência econômica.  Séculos de pobreza e sofrimento poderiam ter sido evitados.

 Tudo isso é um antídoto sensato para a narrativa otimista promovida por certas vozes poderosas na Grã-Bretanha.  O historiador conservador Niall Ferguson afirmou que o domínio britânico ajudou a “desenvolver” a Índia.  Enquanto era primeiro-ministro, David Cameron afirmou que o domínio britânico era uma ajuda líquida para a Índia.

 Essa narrativa encontrou uma tração considerável na imaginação popular: de acordo com uma pesquisa YouGov de 2014, 50 por cento das pessoas na Grã-Bretanha acreditam que o colonialismo foi benéfico para as colônias.

 Ainda assim, durante toda a história de 200 anos do domínio britânico na Índia, quase não houve aumento na renda per capita.  Na verdade, durante a última metade do século 19 - o apogeu da intervenção britânica - a receita na Índia caiu pela metade.  A expectativa de vida média dos indianos caiu em um quinto de 1870 a 1920. Dezenas de milhões morreram desnecessariamente de fome induzida por políticas públicas.

 A Grã-Bretanha não desenvolveu a Índia.  Muito pelo contrário - como o trabalho de Patnaik deixa claro - a Índia desenvolveu a Grã-Bretanha.

 O que isso exige da Grã-Bretanha hoje?  Uma desculpa?  Absolutamente.  Reparações?  Talvez - embora não haja dinheiro suficiente em toda a Grã-Bretanha para cobrir as somas que Patnaik identifica.  Enquanto isso, podemos começar explicando a história.  Precisamos reconhecer que a Grã-Bretanha manteve o controle da Índia não por benevolência, mas por causa da pilhagem e que a ascensão industrial da Grã-Bretanha não emergiu sui generis da máquina a vapor e de instituições fortes, como os nossos livros escolares diziam, mas dependia de violentos  roubo de outras terras e outros povos.

  Jason Hickel

 O Dr. Jason Hickel é acadêmico da University of London e Fellow da Royal Society of Arts.  Seu livro mais recente é "The Divide: Um Breve Guia para a Desigualdade Global e suas Soluções", publicado pela Penguin em maio de 2017.


===========•

Agrarian and Other Histories

Essays for Binay Bhushan Chaudhuri

Edited by Shubhra Chakrabarti and Utsa Patnaik 

Tulika Books

Agrarian and Other Histories

PUB DATE: May 2019

ISBN: 9788193926970

352 pages

FORMAT: Paperback

LIST PRICE: $30.00£25.00

PUB DATE: March 2018

ISBN: 9789382381952

352 pages

FORMAT: Hardcover

LIST PRICE: $62.00£52.00