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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

A diplomacia bolsolavista já eliminou as notícias para os diplomatas; agora quer eliminar os próprios jornalistas - João Paulo Charleaux (Nexo)

O jornalista relata sua inacreditável peripécia de quase dois meses completos para tentar obter do MRE bolsonarista uma resposta simples a uma questão aparentemente complexa para o ministério: explicar o que é a tal de "nova política externa", tal como declarada pelos próprios arautos dessa nova política externa, que na verdade nunca teve uma exposição completa, abrangente, satisfatória sobre seus principais componentes, suas bases e fundamentos, sua compatibilidade com a Constituição brasileira e com normas consagradas do Direito Internacional, tais como sempre respeitadas pelo Brasil e defendidas pelo "velho" Itamaraty, segundo seus princípios e valores defendidos ao longo de décadas.

Caberia talvez recordar ao jornalista que o tal chanceler eliminou, digo SUPRIMIU, os dois boletins diários, os clippings com notícias da imprensa nacional e internacional com todas as matérias que possam interessar os diplomatas,  muitas vezes lotados em postos com dificuldades de comunicação, sem acesso pessoal ou funcional à imprensa brasileira ou estrangeira, com a seleção de informações que é absolutamente relevante para o seu trabalho de INFORMAR a seus interlocutores locais, o que se passa no Brasil, ou no mundo, em temas que possam ser relevantes para a diplomacia brasileira e para uma boa qualidade de sua representação externa. Como esperar que os diplomatas possam manter a boa qualidade de seu triplo trabalho – informação, representação, negociação – sem estarem eles mesmos bem informados. 

Estas seriam boas perguntas a serem apresentadas ao chanceler: POR QUE FORAM CORTADOS OS DOIS CLIPPINGS DIÁRIOS? EM NOME DE QUAL MELHORIA? QUANDO PRETENDE RESTABELER O SERVIÇO?

O jornalista ainda aguarda ser recebido. Siga o fio, abaixo: acompanharei os desenvolvimentos.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3 de fevereiro de 2021


Como jornalista, tive incontáveis pedidos de entrevista negados ao longo da carreira. Isso é normal. Mas a última negativa é digna de nota, porque revela a essência do atual governo brasileiro. Hoje faz 50 dias que pedi uma entrevista ao . Veja só: 1/15

A proposta era simples: saber "qual o sentido da nova política externa brasileira", tal como havia sido chamada em seminário pelo presidente da @FunagBrasil , o sr. Roberto Goidanich. Se havia um conceito sobre "a nova ...", eu queria saber qual é. 2/15

A entrevista podia ser com o sr. Goidanich ou com qualquer outra autoridade do Itamaraty, incluindo o próprio chanceler @ernestofaraujo . Qualquer um que me explicasse o que é a "nova política externa brasileira", tal como anunciada. 3/15

No pedido, não impus nenhuma condição. A entrevista poderia ser por telefone ou por e-mail, na data escolhida, na forma escolhida. O resultado seria publicado no formato mais benéfico possível para a fonte: o formato pergunta-resposta. 4/15

Não havia pegadinha, armadilha, truque, nada. Eu não trabalho assim. A ideia era simplesmente dar a conhecer o que é "a nova política externa brasileira", na íntegra, sem intermediários, sem filtros, apenas com a entrevista 5/15

Meu pedido foi processado por uma assessoria que me pediu uma porção de detalhes, ao longo de uma troca de e-mails que durou 50 dias, enquanto os profissionais da comunicação pediam tempo para fazer as consultas correspondentes às autoridades superiores. 6/15

De um jeito torto, passaram a me perguntar quais seriam as minhas perguntas. Eu respondi que enviaria as perguntas literais tão logo o Itamaraty me disse se a entrevista aconteceria ou não. 7/15

Tive a impressão de que o Itamaraty estava querendo saber quais eram exatamente as perguntas, para alguém decidir se valia a pena dar a entrevista ou não. Respondi que enviaria as perguntas, se me confirmassem primeiro o interesse na entrevista e o nome do entrevistado. 8/15

Na prática, a chancelaria atual, que vive de criticar a imprensa publicamente, estava querendo escolher quais perguntas responder. Quem trabalha no meio – seja na reportagem, seja na assessoria – sabe que isso não existe. 9/15

A tratativa foi longa e, no dia 25 de janeiro, minha interlocutora disse que tinha recebido uma "sinalização positiva", mas não me revelou de quem, mas novamente me pediu as perguntas previamente. Chato, né? 10/15

Mandei um longo e-mail cercando o assunto, dando exemplo de muitas questões que eu gostaria de ver respondidas. Tudo parecia caminhar, até que quarta (27), o chanceler @ernestofaraujo  criticou a imprensa num post. Eu interagi com ele., como mostram os três prints aqui 11/15




Dias depois, recebi uma mensagem que dizia: "Tive nova atualização sobre seu pedido de entrevista. Foi-me dito que, no momento, não será possível realizar a entrevista solicitada por razões de agenda". 12/15

Acontece. O chanceler é ocupado. Respondi, então: "Obrigado. Considerando que a atual gestão vai até 1º de dezembro de 2023, caso não haja reeleição, gostaria de saber se não há nenhuma data possível nos próximos dois anos de agenda". E nunca mais tive resposta. 13/15

É duro ver o chanceler diariamente atacar a imprensa em público, enquanto nega nos bastidores qualquer contato que não seja propagandístico a seu respeito e a respeito de sua gestão à frente do Itamaraty. 14/15

Nunca tratei de bastidores do trabalho em público,. Normalmente não vem ao caso. É do jogo. Mas achei esse episódio ilustrativo demais para permanecer desconhecido. Tudo o que menciono aqui é público, nada em off. Não há nenhuma violação à privacidade de ninguém. 15/15

Após ter lido esta thread, o embaixador Paulino Franco de Carvalho Neto, secretário de Comunicação e Cultura do , me telefonou para dizer que o chanceler dará a entrevista. O secretário foi avisado de que eu publicaria este post, e assentiu.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Na Índia, Brasil é alvo de protestos por vetar quebra de patente de vacinas - Jamil Chade (UOL)

 Vinte anos atrás, na reunião ministerial da OMC, em Doha, que lançou a nunca concluída Rodada Doha de negociações comerciais multilaterais, o Brasil, junto com a Índia e África do Sul, parceiros depois no Brics, travou uma importante batalha diplomática em favor do licenciamento compulsório de patentes no caso de graves ameaças à saúde pública. A ameaça, então, era a da Aids, e o esforço teve sucesso na forma de uma declaração ministerial autorizando a derrogação de obrigações ao abrigo do acordo Trips da OMC, tratando de propriedade intelectual.

Vinte anos depois, sob a gestão ANTINACIONAL de um governo e de uma diplomacia ainda SUBORDINADOS ao derrotado presidente Trump, a desastrosa política externa do chanceler acidental ainda coloca entraves na OMC contra a aprovação da medida que permitiria grande avanço na produção de vacinas contra a Covid-19. DIPLOMACIA VERGONHOSA a do desgoverno Bolsovirus e seu patético chanceler sumisso.

Paulo Roberto de Almeida 

Na Índia, Brasil é alvo de protestos por vetar quebra de patente de vacinas
UOL Notícias | Jamil Chade
02 de fevereiro de 2021

Mais de 200 entidades e indivíduos que representam pacientes, médicos, cientistas e movimentos sociais da Índia e da África do Sul protestam contra o Brasil por conta do posicionamento adotado pelo Itamaraty no debate sobre o futuro das vacinas contra a covid-19.

Brasília, ao lado de governos de países ricos, vem bloqueando uma proposta dos países em desenvolvimento para suspender as patentes de vacinas e permitir que o imunizante seja produzido em sua versão genérica. Sem a patente, vacinas poderiam ser produzidas por laboratórios em outras partes do mundo, acelerando o acesso dos produtos a milhões de pessoas e por preços mais baixos.


A partir desta terça-feira, a campanha liderada pela sociedade civil pressionará o Brasil e outros governos para modificar sua postura diplomática diante da pandemia. Cartas serão entregues aos embaixadores do Itamaraty em Pretória e Nova Déli, alertando que a postura do governo brasileiro é "insustentável e autodestrutiva".

Desde o ano passado, os governos da África do Sul e Índia co-patrocinam uma proposta por suspender patentes de vacinas até o final da pandemia. Mas o governo de Jair Bolsonaro passou os últimos meses atacando a sugestão.

Nesta quinta-feira, uma reunião fechada na OMC (Organização Mundial do Comércio) em Genebra (Suíça) voltará a debater o tema. Países como África do Sul, Afeganistão, Paquistão, Zimbábue, Egito, Mongólia, Chade, Indonésia, Nepal, Bangladesh, Sri Lanka, Camboja e Venezuela apoiam à proposta, além de dezenas de outros emergentes. A OMS também é favorável à ideia indiana de quebrar patentes.

O projeto de democratizar vacinas conta com uma forte rejeição por parte dos países ricos, detentores das patentes. O Brasil, desde o começo do projeto, foi o único país em desenvolvimento a declarar abertamente que era contra a proposta, abandonando anos de liderança internacional para garantir o acesso a remédios aos países mais pobres.

Na busca por vacinas da Índia, Itamaraty reduziu críticas

Diante de uma dificuldade para conseguir vacinas produzidas pela Índia, o Brasil adotou um recuo tático em janeiro. Na reunião da OMC para tratar do tema, o Itamaraty abandonou suas críticas e optou por permanecer em silêncio. Mas Brasília tampouco saiu em defesa do projeto.

Nos últimos meses de 2020, o Itamaraty chegou a ser acusado por ativistas estrangeiros de estar inundando o debate na OMC de perguntas aos indianos como forma de arrastar a negociação e enfraquecer a proposta.

A campanha lançada nesta terça-feira coloca o Brasil em uma posição radicalmente diferente da que estava no começo do século. Há 20 anos, foi a ação internacional do Brasil que levou a OMC a estabelecer regras para permitir um maior acesso a remédios. Naquele momento, a luta era para enfrentar a aids. A liderança se transformou em um dos maiores ativos da política externa de FHC e Lula, aplaudido pelas mesmas entidades que hoje lançam uma campanha contra o Itamaraty.

Monopólios custam vidas

O protesto tem a participação da entidade Médicos Sem Fronteira, mas também contou com organizações como The Delhi Network of Positive People, Indian Drug Users' Forum (IDUF), ?International Treatment Preparedness Coalition (ITPC)-South Asia, Empower India, Focus on the Global South e Global Alliance for Human Rights, além de dezenas de grupos sul-africanos representando pacientes, médicos e pesquisadores.

Um dos atos da campanha está sendo a entrega de uma carta aos países contrários à proposta, incluindo Noruega, EUA, Japão e o Brasil. "A proposta de renunciar às patentes vem em um momento crítico da pandemia, buscando enfrentar estes desafios", defendem as entidades, no documento que está sendo submetido nesta terça-feira.

A embaixada do Japão chegou a chamar a polícia diante da presença dos ativistas que apenas queiram entregar uma carta ao governo de Tóquio.

Na avaliação das entidades, a suspensão das parentes permitiria que governos possam tomar medidas para "evitar monopólios que atrasam a fabricação doméstica, o acesso e custam vidas".

"Até hoje, mais de 100 países acolhem ou apoiam a proposta de alguma forma. Cerca de 400 organizações da sociedade civil globalmente e organizações internacionais como a Organização Mundial da Saúde, UNAIDS, UNITAID e a Comissão Africana de Direitos Humanos exortaram os governos a apoiar a proposta de derrogação com urgência", constatam.

"No entanto, em vez de demonstrar solidariedade global na luta contra a pandemia, apoiando a proposta de renúncia, um pequeno grupo de membros da OMC optou até agora por não apoiar a iniciativa", disseram.

"Agora está claro que quanto mais tempo o vírus circular em populações desprotegidas, mais provável é que ocorram mutações. Essas mutações podem afetar todos os países - inclusive os países que se opõem à proposta de renúncia - e prolongar a pandemia. Diante de tal crise, a oposição do Brasil é insustentável e autodestrutiva", atacam.

Aids como exemplo

Para as entidades, o Brasil precisa levar em conta o exemplo do que ocorreu no combate à Aids. Segundo eles, no final do século passado, os monopólios de propriedade intelectual sobre o tratamento do HIV atrasaram em dez anos o acesso de pacientes na África, Ásia e América Latina à terapia antiretroviral. "Isto levou a milhões de mortes desnecessárias desde o final dos anos 90 até meados dos anos 2000, quando as barreiras de patentes foram abordadas e os medicamentos genéricos contra o HIV se tornaram disponíveis", indicaram.

"Nesta pandemia, mais uma vez testemunhamos como a desigualdade estrutural na saúde global resultou em uma luta contínua para garantir o acesso aos medicamentos, vacinas e outras ferramentas necessárias nos países em desenvolvimento", afirmaram.

"A proposta de renúncia na OMC oferece uma oportunidade para evitar uma repetição trágica do acesso desigual às tecnologias de saúde que salvam vidas, experimentado no passado", dizem.

No documento, as entidades pedem que o Brasil "pare de obstruir a adoção da renúncia proposta na OMC e, em vez disso, expressar apoio a esta importante proposta durante as negociações formais". "Tantas vidas dependem dela", completam.

Para países ricos, quebrar patente não resolverá

Apesar da pressão, Europa, Estados Unidos e Japão insistem que a quebra de patentes não resolveria a questão do abastecimento de matérias-primas.

Eles também enfatizam que o atual sistema contém ferramentas suficientes para resolver quaisquer problemas relacionados à propriedade intelectual e que a implementação da proposta de renúncia minaria os atuais esforços para combater a pandemia. Um dos impactos seria afastar investimentos do setor privado.

Esses países observaram que embora haja financiamento público para pesquisa e desenvolvimento, a produção e distribuição das vacinas continua sendo um risco de investimento para o setor privado.

No mês passado, na OMC, um representante do governo indiano foi explícito em constatar que o "pior dos pesadelos" se confirmou diante da incapacidade de se encontrar um acordo: não há vacinas para todos. Nova Déli alertou que é justamente a falta de produção de versões genéricas da vacina contra covid-19 que impede o abastecimento global de um imunizante.

A Índia alerta que "um grande número de instalações de fabricação em muitos países com capacidade comprovada para produzir vacinas seguras e eficazes são incapazes de utilizar essas capacidades devido a novas barreiras de propriedade intelectual".

Esta é a prova, na opinião da Índia, de que o atual sistema de patentes não é suficiente para atender a enorme demanda global de vacinas e tratamentos.

Segundo o discurso da Índia, o que os países desenvolvidos disseram sobre a suficiência de tais acordos de licenciamento para aumentar as capacidades de fabricação se provou ser insuficiente. As licenças voluntárias, mesmo quando existem, estão envoltas em segredo, os termos e condições não são transparentes e o escopo é limitado a quantidades específicas, ou para um subconjunto limitado de países, encorajando assim o nacionalismo.

Jamil Chade

O passivo ambiental e diplomático do Brasil - Carlos Bocuhy (PROAM)

Tenho de agradecer ao autor deste artigo, Carlos Bocuhy, ainda que ele tenha exagerado um pouquinho quanto ao meu estado de "degredado"; não fui abandonado aos canibais numa praia deserta, nem condenado às galeras, apenas lotado no Arquivo, meu segundo lugar preferido no âmbito do Itamaraty, depois da Biblioteca: 

"O embaixador Paulo Roberto de Almeida, crítico do aparelhamento ideológico que vem tomando o Itamaraty, foi degredado aos arquivos no subsolo da chancelaria, após apontar que textos de Araújo são puro delírio, bem a gosto de Olavo de Carvalho, guru de Jair Bolsonaro e seus comandados."

Mas, ficou simpático, ser colocado ao lado do embaixador Ricupero, como crítico do PIOR DESGOVERNO de nossa história, e da horrorosa política externa ANTINACIONAL e ESQUIZOFRÊNICA. 

 

Carlos Bocuhy
Carlos Bocuhy é presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam)

O passivo ambiental e diplomático do Brasil

Carlos Bocuhy
O ECO, segunda-feira, 1 fevereiro 2021 14:16
https://www.oeco.org.br/colunas/carlos-bocuhy/o-passivo-ambiental-e-diplomatico-do-brasil/
Foto: Alan Santos/PR.

O governo brasileiro tem agido de forma irresponsável na área internacional e vem acumulando perdas substanciais para a área ambiental. A começar pelo naufrágio do Fundo Amazônia, cujos recursos não são mais aportados pela Noruega e Alemanha, e cujo saldo em caixa está paralisado pela incompetência estatal.

A diplomacia brasileira encontra-se mais e mais desacreditada no cenário internacional. O Itamaraty tornou-se um pária entre seus pares na agenda global, diante da condução exótica do chanceler Ernesto Araújo, denunciada no estudo que aborda “A conspiração globalista de Jair Bolsonaro nas relações internacionais”, produzido pelo Instituto de Relações Internacionais da USP e da Fundação Getúlio Vargas. Foram analisados 480 pronunciamentos, vídeos e discursos do chanceler, que realizou em dois anos o maior número de manifestações entre outros personagens do 1º escalão e do próprio Jair Bolsonaro. Internamente, Araújo é considerado “descolado da realidade” por seus pares, devido à sua ideologia e fanatismo por teorias de conspiração.

O embaixador Paulo Roberto de Almeida, crítico do aparelhamento ideológico que vem tomando o Itamaraty, foi degredado aos arquivos no subsolo da chancelaria, após apontar que textos de Araújo são puro delírio, bem a gosto de Olavo de Carvalho, guru de Jair Bolsonaro e seus comandados.

Para a área econômica, a atuação do Itamaraty não foi uma surpresa  e foi um desastre. A subserviência à figura do ex-presidente Donald Trump, objeto de impeachment e rejeição por lideranças americanas e internacionais; as sucessivas manifestações antagonizando a China, que consome grande parte das commodities brasileiras e detém poder na liberação de insumos e vacinas anti-Covid-19 para o Brasil, acabaram sendo motivo de chacota internacional e um tiro no pé dos brasileiros.

A antagonização da comunidade europeia afundou as tratativas de acordo com o Mercosul, uma distensão que se torna cada vez mais grave em função da degradação ambiental do cerrado e da Amazônia, em sua relação com os produtos agrícolas para exportação. Além disso, a OMC está apertando o cerco aos degradadores, ao sinalizar mecanismos de penalização a países que produzem às custas da destruição do meio ambiente. Com forte apelo ambiental, surge um novo regramento que visa evitar a concorrência desleal.

Agora, sem Trump no cenário, a política ambiental americana tende a apertar os acordos econômicos vinculando-os à regularidade ambiental, especialmente a climática. Joe Biden vem sendo fortemente pressionado por expressivos e articulados ativistas para tomar medidas que condicionem os acordos com o Brasil à conformidade de proteção da Floresta Amazônica.

Na área ambiental o Brasil perdeu liderança e protagonismo, desde que deixou de sediar a Conferência do Clima das Nações Unidas, em 2019. Passou por vexame nas reuniões posteriores, onde o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles foi de chapéu na mão pedir recursos, enquanto não fazia a lição de casa.

“Agora, sem Trump no cenário, a política ambiental americana tende a apertar os acordos econômicos vinculando-os à regularidade ambiental, especialmente a climática”

O isolamento e a perda de imagem do Brasil no cenário internacional tendem a aumentar, pois o exótico modelo ideológico de Bolsonaro e Araújo não apresenta condições para arrefecer, pelo fato de que a ação política populista de Bolsonaro, sem conteúdo construtivo e sem sensibilidade ambiental, tende a continuar a desmantelar mecanismos de proteção ambiental, antagonizar e buscar inimigos, estratégia única da qual se utiliza para se manter junto à sua base sectária.

Recentemente Araújo começou uma guinada para tentar sua sobrevivência política diante do desgaste que provocou para o Itamaraty nos últimos dois anos. Iniciou uma série de pronunciamentos de que haveria alinhamento com a política ambiental de Joe Biden. Mas recentemente o chanceler discursou na formatura de novos diplomatas no Instituto Rio Branco afirmando que era melhor ser um país pária do que se render aos interesses “globalistas”. Joga com a imagem do Brasil a seu bel-prazer, orientado aparentemente pelos fantasmas de sua obsessão. Ao mesmo tempo lideranças no Congresso Nacional elegeram Ernesto Araújo o pior ministro do governo, seguido por Ricardo Salles.

Os indicadores de credibilidade da política externa brasileira encontram-se profundamente abalados. O ex-embaixador Rubens Ricúpero afirmou que levaremos ao menos duas gerações para recuperar a credibilidade no cenário internacional. Não será diferente internamente. Centenas de normativas ambientais, os sistemas de gestão pública federais e os mecanismos de gestão participativa foram fortemente desfigurados.  Serão décadas para sua reconstrução, quando este momento de horror para a área ambiental brasileira passar. Há um ditado na área geológica que afirma que a história geológica vive grandes períodos de estabilidade e curtos períodos de horror.

Desde o início dos 40 anos de construção da Política Nacional de Meio Ambiente, estruturada em 1981, foram 39 anos de construção e agora dois de horror, onde foi gerado um elevado passivo externo e interno.

O desenrolar da história recente mostra que governos despreparados, com falta de empatia para com o ser humano e a cadeia da vida, mereceram apenas um curto voo de galinha ou o ostracismo. É natural que assim seja, dentro de um mundo em constante avanço civilizatório. As estruturas suprainstitucionais, como as Nações Unidas, foram criadas depois de períodos conflituosos e a era atual, frente à ameaça global das mudanças climáticas, trará transformações estruturais para a proteção ambiental como já apontam as Nações Unidas, a OMC, a Comunidade Europeia e o governo de Biden. As tendências apontam o início do fim da era do petróleo e da sobrevida do isolacionismo dos párias das mudanças climáticas.

Será necessário reconstruir o bom perfil do Itamaraty e retomar uma saudável e proativa política multilateral, que privilegie a solidariedade entre as nações. Os brasileiros terão que despender muito esforço para a reconstrução da imagem externa e reestruturação da gestão institucional e normativa, além de promover um intenso trabalho de recuperação ambiental do que foi destruído neste lapso antissustentabilidade da história do Brasil.

 

As opiniões e informações publicadas na área de colunas de ((o))eco são de responsabilidade de seus autores, e não do site. O espaço dos colunistas de ((o))eco busca garantir um debate diverso sobre conservação ambiental.

 


segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Vacinação pode ser pontapé para conter ataques à liberdade - Paulo Gontijo (Estadão)

 Vacinação pode ser pontapé para conter ataques à liberdade

Além do coronavírus, precisamos vencer o vírus do autoritarismo, voltar a tomar as ruas

Paulo Gontijo, presidente do Livres

Estadão | 1/02/2021, 3h

O início da vacinação é o primeiro passo para o País sair da pior crise enfrentada por esta geração. Em momentos de grandes dificuldades, nossa espécie anseia por grandes líderes apontando caminhos de superação. Infelizmente, no Brasil, nós nos deparamos hoje é como gigantismo da estupidez guiando a desordem e provocando instabilidades.

Não há ação técnica coordenada entre União e Estados. Onde precisamos de um governo para preservar a vida dos brasileiros, há apenas um comitê eleitoral. No lugar de distribuir vacinas, distribuem-se palavrões em churrascarias e cenas grotescas lambuzadas de leite condensado. O preço é alto e permanecerá sendo pago em largas prestações.

Após meses de negacionismo, Jair Bolsonaro ensaiou falar o óbvio: a vacina é essencial para a retomada econômica. Mas antes que sentíssemos qualquer alívio, o presidente retomou a sua narrativa insana, defendendo a ideia de que basta ao povo coragem para voltar à normalidade e enfrentar o vírus que já vitimou mais de 220 mil brasileiros.

Há, porém, algo pior do que seus discursos irresponsáveis: o boicote à vacinação. Fruto de uma combinação entre aloprados ideológicos, generais incompetentes e a pura omissão, seja na diplomacia ou na falta de implantação de um sistema de gestão do programa de imunização. E assim seguimos patinando, com consequências graves para a vida de todos os brasileiros e também para a economia.

As piores repercussões humanitárias ainda estão a caminho. Há risco de reedições da catástrofe de Manaus. Segundo projeções do economista Daniel Duque, com o fim do auxílio emergencial e a segunda onda da doença a extrema pobreza pode atingir até 20 milhões de brasileiros e a pobreza, que antes da pandemia era a condição de menos de 25% da população, pode chegar a mais de 30%. Quando aplicadas no ano passado, políticas de transferência de renda foram consenso. Agora voltam ao centro das atenções. Interrompido sem uma transição minimamente estruturada, o auxílio emergencial acabou significando um custo fiscal muito maior em razão da desorganização, da falta de planejamento e do caos político do governo Bolsonaro.

Criar uma ampla rede de proteção com transferências diretas para os mais pobres e vulneráveis é uma política herdeira do pensamento de liberais como Thomas Paine, Stuart Mill, Friedrich Hayek e Milton Friedman. Indiscutível do ponto de vista social, essa necessidade ilumina um problema crônico e estrutural do Estado brasileiro: apesar de consumir 40% da riqueza nacional todos os anos com um orçamento trilionário, nosso poder público, engessado em despesas obrigatórias, não foi capaz de construir uma proteção minimamente robusta para os mais vulneráveis. Mudar essa realidade deveria ser o centro das preocupações políticas.

Neste momento, cabe às vozes liberais o cuidado com os mais frágeis no presente, sem lhes sacrificar o futuro. Nosso esforço de guerra contra a covid-19 não pode perder de vista o pós-guerra. A reconstrução da economia e do mundo que herdaremos será mais ágil, ampla e inclusiva na medida em que tivermos a capacidade de implementar políticas públicas que sejam fruto da urgência, mas não se contaminem pelo desespero. Não apenas é possível, como necessário, aliar sensibilidade social à responsabilidade fiscal, a reformas que aumentem a eficiência do Estado brasileiro, à proposta da Lei de Responsabilidade Social – elaborada pelo Centro de Debate de Políticas Públicas após debate surgido no movimento Livres –, que remaneja programas sociais já existentes em busca de mais efetividade.

Em direção oposta a esse esforço, porém, o que assistimos é a proposições para ampliar poderes de forma abusiva, diminuir a transparência ou simplesmente promover líderes do Executivo. São exemplos o alargamento de prazos das medidas provisórias e da Lei de Acesso à Informação, a injustificável menção a decreto de estado de defesa pelo procurador-geral da República e a ameaça aberta de insurreição antidemocrática em 2022 pelo próprio presidente, inspirado na invasão dos trumpistas ao Capitólio. Com isso, antes de avançar, é preciso assegurar que não vamos retroceder.

O alerta liberal contra excessos do poder estatal está mais pertinente do que nunca. Não à toa, nós, do Livres, ingressamos com ação civil pública para convocar Jair Bolsonaro a apresentar em juízo as provas que ele reiteradamente alega possuir sobre a suposta fraude eleitoral em 2018. Não há espaço para omissão. A credibilidade do sistema eleitoral é pilar da legitimidade da democracia liberal. Utilizar o prestígio da Presidência da República para minar as bases da democracia é um atentado à Constituição. Em meio a uma pandemia, faltam até palavras para classificar. Além do coronavírus, precisamos vencer o vírus do autoritarismo. Em ambos os casos, a vacina será o passaporte para que possamos voltar a sair de nossa casa, tomar as ruas e desfrutar, juntos, o prazer da liberdade. E, sobretudo, encarar a responsabilidade de defendê-la.

https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,vacinacao-pode-ser-pontape-para-conter-ataques-a-liberdade,70003600643