O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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domingo, 21 de abril de 2024

O Eixo do Mal: presidente da CRE da House-USA - Hoje no Mundo Militar

Hoje no Mundo Militar transcreve as declarações do Presidente do Comitê de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados dos EUA, Michael McCaul (R-Texas), sobre o:

O Eixo do Mal "A queda do Afeganistão, em 2021, enviou uma mensagem poderosamente perigosa aos nossos adversários de que a América era fraca. Quase imediatamente depois, a Federação Russa começou a avançar em direção à Ucrânia. E logo após Xi Jinping se encontrar com Putin nas Olimpíadas, cimentando a sua aliança, a Rússia invadiu! Xi Jinping tornou-se mais agressivo no Pacífico, e guarde as minhas palavras – Xi está observando o que acontece na Ucrânia para determinar se ele invade Taiwan no Pacífico. Então o Aiatolá levantou a sua cabeça feia no Oriente Médio e no último sábado o mundo assistiu em suspense enquanto o Irã – pela primeira vez na história – atacava diretamente Israel com mais de 300 mísseis e drones. Estes ditadores, incluindo a Coreia do Norte, estão todos ligados. Todos ligados no novo Eixo do Mal." - Michael McCaul (Texas), Presidente do Comitê de Relações Exteriores da Câmara, após a aprovação das ajudas militares para Israel, Ucrânia e Taiwan. Parece que os Republicanos finalmente acordaram para a realidade.

Hoje no Mundo Militar


Rui Barbosa: Marcos de uma atuação plural - Carlos Henrique Cardim (Folha Dobrada)

 Folha Dobrada, Associacao dos Antigos Alunos da FDUSP, abril 2024: 




Brazil’s International Activism Roles of an Emerging Middle Power - Monika Sawicka (ABRE debate)

 Caras e Caros Colegas da ABRE,

Temos o prazer de anunciar a nossa próxima convidada para o ABRE: debate, Monika Sawicka que é professora assistente na Universidade Jaguelônica em Cracóvia. Seus interesses de pesquisa abrangem a política externa brasileira, o panorama contemporâneo do Brasil, cooperação para o desenvolvimento, estratificações internacionais dos Estados e investigação construtivista em relações internacionais.


Monika Sawicka falará na segunda-feira, 22  de Abril, entre 18.00 e 19.30  (horário de Paris), sobre o seu livro mais recente “Brazil’s International Activism Roles of an Emerging Middle Power”. 

 

Brazil’s International Activism: Roles of an Emerging Middle Power – 1 (routledge.com)


“In Brazil’s International Activism Monika Sawicka questions how Brazil’s deep-rooted craving for greatness has led to the quest for status in the twenty-first century and contends that the categorization of Brazil as an “emerging middle power” enriches the understanding of modern Brazilian foreign policy. Drawing on the rich vocabulary of role theory, Sawicka sets out to establish an original theoretical framework that comprises the structural (status), the behavioral (role), and the cognitive-ideational (identity) to assess whether Brazil has performed roles distinguishing a middle power and how the state has reconceptualized them. The model is applied to scrutinize how ideational and material drivers impacted Brazil’s engagement as an integrator in Latin America, donor in Africa, mediator in the Middle East, and coalition-builder of developing states in global fora. Despite recent criticism of the concept of “emerging middle powers”, Sawicka argues that Brazil’s international activism stands as a precise embodiment of such a power. With an aim of theory development and contributing to the debate on Brazil’s international standing, Brazil’s International Activism provides a much-required reinterpretation of Brazilian foreign policy which will be of interest to scholars and students of Foreign Policy Analysis, International Relations and Latin-American Studies”

 

ABRE: debate é um fórum de discussões em que brasilianistas de diferentes regiões da Europa e áreas do conhecimento terão a oportunidade tanto de interagir entre si, fomentando os estudos brasileiros no espaço europeu, como de promover seu diálogo com o público estudante e acadêmico do Brasil, contribuindo para o fortalecimento da pesquisa científica e dos debates envolvendo o país. O fórum tem também como propósito difundir os estudos realizados na Europa sobre o Brasil para um público mais amplo, dentro e fora do continente europeu.


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Uma Nova Cultura Exportadora Para a China - Thaís Moretz-Sohn Fernandes (Revista Brasileira de Comércio Exterior)

Uma Nova Cultura Exportadora Para a China 


Thaís Moretz-Sohn Fernandes

Revista Brasileira de Comércio Exterior ((ano, 38, n. 158, jan.-fev.-mar. 2024; Rio de Janeiro: Funcex, Fundação Centro de Comércio Exterior, ISSN: 0102-5074versão flip do artigo: https://www.funcex.org.br/rbce/rbce158/mobile/index.html).

 


I - Introdução

A China, com seus 9,5 milhões de km² divididos em 22 províncias e uma população diversificada de 1,4 bilhão de habitantes, representa um país heterogêneo. Apesar de concentrar mais de 400 milhões de pessoas da classe média mundial (China Briefing, 2023) e ser um grande consumidor dos produtos básicos brasileiros, como a soja e a carne, ainda há oportunidades de negócios inexploradas para as exportações de bens e serviços do Brasil para a China. Parte da não concretização dessas possibilidades comerciais decorre da baixa compreensão que os brasileiros possuem a respeito das nuances culturais e dos diversos modos de entrada que são possíveis de adotar antes de se consolidar no mercado chinês. Com o aproximar da sessão histórica da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban), que, este ano de 2024, completará vinte anos de existência, faz-se pertinente aprofundarmos as discussões a respeito das diferentes maneiras de vender para a China e buscarmos novos caminhos para fortalecer a cultura exportadora do Brasil para os chineses.

Como é sabido, há desafios micro e macroeconômicos na exportação, sobretudo quando tratamos de um mercado cultural e geograficamente distante como a China. Apesar de haver números positivos para o Brasil na balança comercial e de termos, em 2023, atingindo o impressionante recorde de US$ 105,7 bilhões em venda para os chineses (Secex, 2024), ainda há oportunidades que podem ser melhor compreendidas. A desaceleração no crescimento da economia chinesa, a redução da entrada de investimentos chineses no Brasil e o próprio perfil do consumidor chinês, que se alterou substancialmente após a pandemia, são alguns dos desafios a serem enfrentados nesse esforço exportador. As oportunidades incluem o fato de a China continuar sendo a segunda maior economia do mundo, detentora de reservas cambiais da ordem oficial de US$ 3,238 trilhões (SAFE, 2024) , e contar com uma vontade quase que permanente de investir em iniciativas que vāo ao encontro de suas necessidades, como as relacionadas a recuperação de áreas agrícolas degradadas para aumentar a oferta de alimentos, ou em acordos que promovam a internacionalização da sua moeda, o yuan.

Nesta esfera cambial, inclusive, cumpre destacar que houve um grande avanço recente entre o Brasil e a China, os quais firmaram, em fevereiro de 2023, um currency swap agreement, que permite a utilização do CIPS (Cross-border International Payment System) como alternativa ao SWIFT (Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication) nos pagamentos internacionais. A vantagem do CIPS é que nele o pagamento não é triangulado, podendo compradores e vendedores optarem pelo uso do CNY (Chinese yuan para uso dentro da China - onshore) ou do CNH (Chinese yuan para uso em outros mercados - offshore), o que pode trazer agilidade para a operação, novas possibilidades de acesso a produtos financeiros nessa moeda (mecanismos de trade finance) e maior poder de barganha ao negociar preços com os chineses (Sheng ,2023). Sem dúvida, um avanço macroeconômico importante, que carece ainda que os empresários brasileiros se acostumem a ele. 

Sob o aspecto microeconômico, a alteração do comportamento do consumidor chinês, após a pandemia, é outro fator que deve ser observado com cuidado. Por meio da política de Covid-zero e o prolongado e rigoroso fechamento das fronteiras na China, passamos a ver uma significativa mudança de comportamento no público chinês, que se tornou mais exigente, poupador e orgulhoso de sua indústria doméstica. Se, antes, a tendência era a de um consumidor cada vez mais viajado e global, após a Covid, passamos a presenciar uma espécie de correção de rumos, com a população chinesa tornando a se voltar muito mais para dentro do que para o exterior. Hoje o chinês valoriza as suas marcas locais e a produção nacional chinesa passou a ser percebida como mais confiável.

A mudança de comportamento do consumidor chinês decorreu, em parte, de um interesse genuíno em poupar, em face dos desafios socioeconômicos enfrentados pela China, como o envelhecimento da população e o aumento do desemprego entre os jovens. Por outro lado, também foi influenciada pela intensa propaganda realizada por Xi Jinping nos últimos anos, utilizando massivamente o seu poder de moldar e influenciar os cidadãos, promovendo o orgulho nacional chinês e as marcas do país em campanhas na televisão. Um exemplo notável dessa estratégia ocorreu em torno da corrida pela vacina, destacando a capacidade da China de desenvolver soluções próprias para desafios globais.

Além disso, empresas como a BYD (Build Your Dreams) têm-se beneficiado da promoção de produtos chineses no mercado interno, impulsionada pela narrativa nacionalista. A empresa tornou-se líder na produção de veículos elétricos, ultrapassando recentemente a concorrente TESLA, e aproveitando a preferência crescente dos consumidores chineses por marcas domésticas. Como a BYD, Xiaomi, Huawei, e Lenovo também têm ganhado destaque tanto no mercado interno quanto no cenário global. Internamente, marcas chinesas que ainda não são famosas no Brasil ocupam o topo da preferência do consumidor chinês, desbancando empresas estrangeiras, a exemplo da Yili, no setor de produtos lácteos, e a  Liby, em home care (Kantar Worldpanel, 2023).

Para o exportador brasileiro, essas mudanças na China implicam na necessidade de modificar as estratégias de abordagem ao tentar vender produtos industrializados para eles. Anteriormente, era possível apostar nos canais de cross-border e-commerce e explorar iniciativas de branding à distância, direcionadas para atrair a classe média chinesa, que supostamente demonstrava interesse por produtos importados diferenciados. Estratégias que enfatizavam uma "brasilidade" derivada de uma fusão de gostos e qualidade sino-brasileira eram apostas válidas. Da mesma forma, a ideia de um marketing direcionado para atingir um nicho de consumidores ávidos por produtos importados era possível de ser desenvolvido à distância.

No entanto, essas abordagens tornaram-se mais complexas. A competição, que antes era observada principalmente com empresas europeias, americanas ou de países asiáticos vizinhos como a Coreia do Sul e o Japão, agora se intensificou com as próprias empresas chinesas. Estas passaram a inovar e a oferecer diversidade e qualidade dentro da própria China, desafiando a ideia de que os consumidores chineses buscariam no exterior tais características. Além disso, as empresas locais, ao produzirem na China, muitas vezes com incentivos governamentais, e detendo um entendimento mais profundo do consumidor, conseguem oferecer produtos com preço competitivo, alta qualidade e boa reputação.

Com essa mudança na dinâmica do mercado chinês, nunca foi tão importante para os empresários brasileiros buscarem novas estratégias de venda para a China. Do mesmo modo, nunca foi tão importante para o Brasil reduzir a distância física e cultural entre as duas regiões, de modo a não permitir que as dificuldades recentes se tornem empecilhos futuros. Além de aprofundar a conexão digital, é preciso promover ações que contribuam para reduzir os custos de transporte e desenvolver programas de intercâmbio cultural mais aprofundados na China, de modo a trazer os brasileiros mais para perto dos chineses, ajudando-os a compreender o espírito chinês de negociar e de fazer escolhas. 

A cultura brasileira e a chinesa são tão distintas que essas diferenças podem ser também importantes oportunidades, assim como o yin e o yang, que são a unidade quase perfeita de dois opostos. Essa compreensão cultural, porém, não se adquire de uma hora para a outra e, por isso, requer iniciativas urgentes e bem trabalhadas, e a próxima reunião da Cosban é uma excelente oportunidade para isso. Ao longo de minha experiência, com quase 20 anos de estudos e trabalhos com a China, percebi que é muito difícil conhecer a cultura chinesa em pequenas viagens esporádicas para lá.  Por isso, neste artigo, faço uma espécie de exercício antropológico, que inclui, além das questões técnicas de negócios internacionais, a compilação de alguns episódios vivenciados por mim e de conhecimentos adquiridos  na minha jornada na China, e que podem ser úteis.

Tendo iniciado a minha carreira profissional em empresas de agenciamento de cargas e freight forwarder, tive também uma passagem pela Câmara de Comércio Brasil-China, e, posteriormente, uma ampla vivência nas questões de promoção comercial e de defesa de interesses na Apex-Brasil, até me mudar para a China em 2015. Na China, cursei o mestrado de economia política em Xangai, e depois passei a atuar para uma empresa de trading brasileira também em Xangai, até fundar a minha própria empresa de comércio e consultoria na China.

Ao residir na China, compreendi melhor a dinâmica da sociedade e da economia chinesa e pude desmistificar as noções culturais fantasiosas que anteriormente envolviam minha percepção sobre o país, e que havia sido construída após sucessivas viagens de curta duração, em que ia acompanhada de uma equipe de tradutores, intérpretes e motoristas, que eram essenciais, mas me impediam de enxergar a China além da superfície. Ao permanecer na China por um período mais longo, rompi com a ideia utópica de que a China representava um exemplo de progresso e desenvolvimento, e com a ideia romântica e exótica sobre a sua cultura. Em vez disso, testemunhei um país mais complexo, marcado por contrastes e divergências, revelando, também, a sua natureza dura e pragmática, e que foi essencial no meu esforço de conhecer a China como ela é. E é com base nesse conhecimento sobre a China que concluo que é possível desenvolver açōes concretas para compor uma nova Política de Cultura Exportadora para a China, que agregue novas possibilidades de exportação e competitividade para a indústria brasileira. 

 

II - Uma abordagem antropológica dos negócios entre o Brasil e a China

Em 2004, durante visita do presidente chinês Hu Jintao ao Brasil, criou-se a Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban), que se tornou a mais elevada instância das relações entre o Brasil e a China, ressaltando o amadurecimento da parceria estratégica bilateral no âmbito político. Reunindo, sob o seu guarda-chuva, uma série de subcomissōes e de grupos de trabalho, a Cosban representa um importante mecanismo de cooperação e de diálogo entre os dois países, sendo inegável a sua contribuição na agenda comercial, como demonstram os números da balança comercial e os exemplos já citados na introdução deste artigo.

Mesmo assim, ao longo desses vinte anos da criação da Cosban, permanece difícil para o Brasil atingir as suas metas de diversificação da pauta exportadora para a China e de agregar produtos industrializados nas vendas para o mercado chinês. Existindo a vontade do empresário brasileiro em vender para a China, existe, também, um temor em ser passado para trás, por desconhecer as normas e os regulamentos, o idioma, as regras locais e a cultura de negociação. As diferentes e complexas raízes filosóficas milenares chinesas, e a impressionante maneira com que a China se modificou e se transformou nas últimas décadas, ao incorporar o comunismo, o capitalismo e a intensidade tecnológica em uma velocidade surpreendente, a tornaram de fato um país difícil de ser compreendido pela ótica brasileira.

Na Academia, a corrente teórica antropológica representa uma abordagem inovadora que reúne pesquisadores e empresários para explorar uma problemática sob diferentes perspectivas, absorvendo e incorporando elementos de fora, e de diversas fontes, para fundi-los em algo novo, diferente e criativo (Jordan, 2010). A corrente busca transcender as fronteiras tradicionais do conhecimento, promovendo uma abordagem interdisciplinar e integrada, reconhecendo os laços virtuosos entre pesquisa, ensino e aplicação prática do conhecimento. Por exemplo, por eu ter residido e trabalhado na China, acumulei algumas histórias e experiências que podem ser de grande valia nesse processo de buscar adaptação de marcas brasileiras ao mercado chinês, já que o brasileiro, famoso por sua flexibilidade e criatividade, tem tido dificuldades em trazer essas qualidades para seus negócios na China. Com o pensamento antropológico, são as experiências reais, além dos livros e teorias, que contribuem efetivamente na formação de uma educação multicultural e na geração de negócios criativos (Raaj, 2023).

No setor de alimentos e bebidas, por exemplo, há anos, o Brasil se engaja em uma tentativa de vender mais produtos industrializados para os chineses, incentivando a sucessiva ida de empresas desse setor para a SIAL, famosa feira de alimentos em Xangai, entre outros eventos e missões de negócios do mesmo ramo. Participando de algumas dessas feiras como visitante, pude observar a falta de adaptação dos produtos brasileiros ao mercado chinês. Isso ficou evidente na insistência em comercializar o açaí sem ajustes para o paladar local, bem como na tentativa de promover o "queijo de minas" sem oferecer uma explicação clara sobre as origens e as particularidades desse tipo de queijo.

Além disso, compreender e se adaptar ao estilo chinês de negociar tem sido, para o brasileiro, um desafio que gera longas batalhas, muitas vezes por questões pequenas. Em uma das minhas interações com um cliente brasileiro e uma empresa na China, presenciei um problema fundamental em entendimento de cultura de negócios com a China. No caso, o brasileiro, ao desenvolver uma nova marca de produtos na China, encontrou problemas na fabricação das embalagens e rótulos. Enquanto insistia que os produtos tinham que ser embalados com o design proposto por ele, os chineses, buscando eficiência e simplicidade, negavam-se a usar tantas formas, cores e desenhos no produto. Esse embate rendeu semanas de conversas, incluindo sucessivas trocas de e-mails e demoradas videochamadas, até que os chineses persuadiram o fornecedor brasileiro a modificar o projeto e aderir ao design mais simples que haviam proposto. Para o brasileiro, o episódio significou uma negociação perdida e um desperdício de tempo e de energia, além de não ter favorecido a construção de um relacionamento de confiança com a empresa na China.

Ficou evidente, no episódio mencionado, que o lado brasileiro estava encarando os chineses com desconfiança, tendendo a duvidar, em vez de confiar, e rotulando tudo o que ia de encontro com suas expectativas como "preguiça", "má vontade" ou "falta de habilidade” dos chineses, o que trouxe enormes prejuízos para o aprofundamento das relações empresariais. Essa atitude decorreu, em parte, porque o estilo brasileiro de negociar é muito mais parecido com o estilo norte-americano, individualista, sequencial, direto e orientado para metas e resultados do que com o estilo chinês, coletivista, circular, holístico e que dá muito valor aos processos para construir parcerias e relacionamentos (Shimutwikeni, 2012). Compreender as motivações por trás das posturas dos chineses e reconhecer as nuances culturais são fundamentais para estabelecer relações mais sólidas e construtivas, promovendo as bases de para um relacionamento duradouro e uma comunicação colaborativa.

A não compreensão dos elementos culturais em sua profundidade, e o apego a questōes de cultura mais supérfluas, que, em realidade, são apenas regras de etiqueta, como “segure os cartōes de visita com as duas mãos”, “troque presentes”, “participe de jantares regados a baijiu (o famoso licor branco chinês)”, podem ocasionar estragos em contratos e parcerias. Como alertam Graham & Lam (2003) os chineses estão invadindo as escolas de negócios para compreender conceitos e valores ocidentais, como o de imagem corporativa e de propriedade intelectual, ao passo que, para os ocidentais, a compreensāo da cultura chinesa ainda permanece um grande desafio.

Outro problema que tenho notado em meus contatos com clientes ou potenciais clientes brasileiros é que muitos ainda hesitam em considerar a China como destino de exportação. Mesmo possuindo produtos inovadores e competitivos, estão presos a concepções de que, para internacionalizar seus negócios, é necessário primeiro consolidar presença nos países vizinhos, como Argentina ou Bolívia, e, só depois, considerar expandir para países mais distantes - ideia já desmistificada na Academia, quando os professores Jan Johanson e Jan-Erik Vahlne, da Universidade de Upsala, inovaram a teoria comportamental sobre a internacionalização de empresas, recriando, em 2009, as suas teorias de 1977,  e passando a reconhecer como relevante e essencial a capacidade das firmas em viverem em ambientes experimentais, de ambiguidade e de incertezas (Johanson & Vahlne1977; 2009). O empreendedorismo em redes propicia a possibilidade de reconhecer oportunidades e gerar conhecimento, o que não precisa ser linear e nem “um luxo para as empresas maiores e mais fortes” (Saarenketo et al., 2004).

Muitas vezes, no Brasil, porém, as empresas de pequeno e médio porte não se sentem preparadas para o mercado chinês. Algumas vezes, nem mesmo as grandes. O resultado disso é que, para consultores e prestadores de serviços especializados em China, acabamos por ter que atuar como intermediadores ou traders na parte comercial, para commodities e outras mercadorias mais básicas, e tendo menos oportunidades em atuar para desenvolver novos projetos e atender a empresários do setor de bens de consumo que estejam dispostos a investir para modificar abordagens, adaptar produtos e aderir a um modelo de negócio especificamente direcionado para conquistar o mercado chinês. Como traders de commodities, ficamos limitados a atuar como agentes e distribuidores, conectando compradores e vendedores de mercadorias básicas. E, dependendo do projeto, nem sempre temos o capital para atuar em grandes operações de grãos e minérios, que acabam por dominar as exportações brasileiras para a China.

Essas limitações no tipo de operação e de produtos, e, ainda, a escassa representatividade brasileira na China e a insistência em visitas pontuais ao país, em vez de ter uma presença contínua no mercado, não contribui com a adaptabilidade do empresário brasileiro à China e com a geração de negócios novos e diferentes. Segundo informações do embaixador Gilberto Guimarães, então cônsul do Brasil em Xangai, em 2021, havia, dentro da área da jurisdição do consulado, não mais do que 100 empreendedores brasileiros (e-FeitoNaChina, 2021).

Considerando que a jurisdição do Consulado-Geral abrange não só a municipalidade de Xangai, que tem 25 milhões de habitantes, mas também as províncias de Jiangsu, Anhui, Shandong e Zhejiang, que totalizam mais 313 milhões de pessoas (MRE, 2023), ter 100 empresários ali nesse espaço é realmente um número muito pouco expressivo. Levantamento do Ministério das Relações em 2022 mostra que o número total de brasileiros residindo na China é de 5,9 mil (G1, 2023). A grande maioria não faz, portanto, parte da limitada comunidade empresarial. Com frequência, são jovens que vão se aventurar ou estudar e não têm a oportunidade de se envolver em negociações empresariais, elaboração de contratos e tomada de decisões táticas e estratégicas. 

 

III - Uma Nova Política de Cultura Exportadora para a China

Apesar de todas as dificuldades em promover uma inserção de produtos brasileiros de bens de consumo na China, revisitando a minha experiência no mercado chinês, encontro alguns exemplos de sucesso nos anos em que lá vivi. Entre eles, o de um colombiano chamado Davi que tinha passado anos tentando exportar tequila e cachaça da América Latina para a China. Quando Davi se mudou para Xangai, ele mudou por completo a percepção do negócio. Por estar lá, passou a frequentar bares e restaurantes, não só em Xangai, como também no interior, e adquiriu flexibilidade para remanejar o seu empreendimento. Em vez de insistir em vender uma bebida desconhecida dos chineses, ele criou uma empresa de gin que fabrica gin na China, com uma receita que mescla ingredientes latinos com outros típicos da cultura local, como o chá verde e o hibisco. 

Davi não desistiu da cachaça e da tequila, mas percebeu que, antes de poder vender cachaça e tequila, ele precisa atrair o consumidor para a sua empresa. Antes de vender um produto que para o chinês é extremamente inovador, ele precisa captar esse cliente, oferecendo aquilo que o cliente conhece e quer. Em um futuro, talvez, Davi irá ampliar a venda de cachaça e tequila, mas, por ora, está formando a sua clientela e a sua rede de parceiros e distribuidores para depois oferecer um produto diferente. Davi não é brasileiro, mas é um exemplo de um empreendedor que se beneficiou da sua presença local na China, e do seu conhecimento sobre a cultura chinesa e seu estilo de negociar e de fazer escolhas, para conseguir entender o jeito chinês de consumir produtos. Foi o seu conhecimento in loco, sobre as regras e sobre a cultura, que permitiu a Davi a visão de negócio e a adaptabilidade do seu empreendimento ao mercado chinês. Hoje o gin do Davi é encontrado em diversos bares e restaurantes, além de supermercados chineses, em Xangai e em outras cidades da China, exemplificando que o empreendedorismo no mercado local pode trazer resultados positivos e até surpreendentes.

 

Para criarmos mais exemplos como o de Davi, porém de empreendedores brasileiros, precisamos de novos esforços coordenados para uma cultura exportadora que reverta os entraves atuais. Promover um programa de imersão cultural na China direcionado para a formação de exportadores e traders especialistas em China, por exemplo, seria uma excelente iniciativa.  Esse programa poderia ser feito de forma híbrida, parte virtual parte presencial no escritório do Secom/MRE ou da Apex, e seguir a sugestão de Fortunato (2023), adaptando o roteiro às questões chinesas, e colocando os participantes em contato com a Secretaria Executiva do Plano Nacional de Cultura Exportadora (PNCE).

 

Uma outra possibilidade seria via Sebrae, também em parceria com a Apex e empresa de consultoria, no sentido de desmistificar as ideias sobre o ecossistema de empreendedorismo e comércio na China. Seria benéfico um programa voltado para auxiliar na ida de empresários à China e em proporcioná-los algumas primeiras vivências empresariais locais, com pequenos negócios e experiências reais em comércio. Hoje, com USD 5,000.00 e com o cumprimento de pequenas formalidades, como delineamento do escopo do negócio, registro do nome no CNIPA (Escritório de patentes), definição do capital registrado e indicação de um representante legal, supervisor e contador, é possível abrir uma empresa na China e obter a licença comercial em até 3 meses. Com ela, pode-se abrir uma conta bancária local, realizar transações comerciais locais, alugar um escritório e realizar negócios no país. E assim se abre caminho para conhecer as regras e a cultura chinesa de negócios e se dá o primeiro passo efetivo para encontrar parceiros chineses confiáveis.

 

A busca por parceiros, aliás, é outra grande dificuldade que escuto dos meus clientes. Por isso, repito os conselhos de Graham & Lam (2003): “na China, mova-se agora e aprenda as regras do jogo desenvolvendo primeiro o guanxi(relacionamento) necessário para depois fazer com que o seu negócio se desenvolva. Não espere resultados imediatos. Amigos antigos fazem a mágica com o tempo. Cada ano de investimento na China dará resultado no futuro - porque em uma cultura com uma história (e memória) milenar, as relações do momento precisam ser nutridas longa e pacientemente”.

 

Enfim, há muitos desafios e muitas oportunidades e ideias que podem ser implementadas para irmos além dos atuais instrumentos de promoção comercial para a China. Ao aperfeiçoar os canais de comunicação com os brasileiros que possuem experiencia concreta em empreendimentos na China e abrir caminhos para programas de imersão cultural e empreendedora, podemos criar Uma Nova Cultura Exportadora Para a China, que seja efetivamente nova e voltada para a indústria, e que seja implementada como um programa de Estado, e não de governo, de forma a garantir uma continuação ao longo dos anos, pois não se aprende nada de China em um espaço pequeno de tempo.

Uma política comercial que dê mais ênfase aos elementos culturais, e que não os deixe confinados nos institutos confúcios ou nos programas de intercâmbio estudantil, será de grande valia para os empreendedores se aprofundarem no mercado chinês. A formação de mais profissionais e traders especializados em China também são algumas das medidas-chave dessa nova política. O essencial é que a Apex e o Sebrae incluam a cultura chinesa nas suas ações, desenvolvendo programas de imersão cultural e empreendedora especificamente direcionados para a China.

 

CONCLUSÃO

Nos anos em que vivi na China enfrentei significativos desafios e interessantes experiências de negócios. Neste artigo, usando a abordagem antropológica, reuni alguns desses conhecimentos e ideias para auxiliar na concepção de umaNova Cultura Exportadora Para a China. São propostas que, de uma maneira geral, visam a integrar elementos culturais ao comércio exterior e preparar os empresários a entenderem o espírito negociador do chinês e as dinâmicas atuais no mercado de consumo. 

Com o aproximar da sessão histórica da Cosban, esse exercício de repensar as relações bilaterais entre o Brasil e a China e de trazer à mesa novas ideias e propostas é extremamente pertinente. Os números apontam que as relações comerciais entre o Brasil e a China são sólidas e expressivas, porém, as histórias reais, de quem opera com exportações de bens e serviços, revelam dificuldades, medos, incertezas, e oportunidades perdidas. A falta de compreensão da cultura e da filosofia da China são elementos que contribuem para o desperdício dessas oportunidades. 

Neste artigo, foi feita uma série de recomendações de programas e de iniciativas para trazer a cultura chinesa para dentro das empresas brasileiras e, por conseguinte, as empresas brasileiras, e os seus produtos, para dentro da China. Como na China a única certeza é a mudança, e uma mudança em velocidade sempre surpreendente, é preciso muito bom preparo, coordenação e estratégias inteligentes para podermos acompanhar as transformações e desenvolver projetos mais criativos e inovadores que auxiliem as exportações da indústria brasileira.

*Thaís Moretz-Sohn Fernandes, executiva na empresa THAE Consulting

 

Referências

 

1. e-FeitoNaChina. (2021). Entrevista com o cônsul-geral do Brasil em Xangai. Disponível em: https://youtu.be/7HnjtHYWjlM?si=0G8IVWaZwibab8Ab

 

2. Graham, J., & Lam, W. (2003). The Chinese Negotiation. Harvard Business Review. https://hbr.org/2003/10/the-chinese-negotiation

 

3. Johanson, J., & Vahlne, J.-E. (1977). The Internationalization Process of the Firm—A Model of Knowledge Development and Increasing Foreign Market Commitments. Journal of International Business Studies. DOI: 10.1057/jibs.2009.24

 

4. Nummela, N., Saarenketo, S., & Puumalainen, K. (2009). A Global Mindset: A Prerequisite for Successful Internationalization? Disponível em: https://doi.org/10.1111/j.1936-4490.2004.tb00322.x

 

5. Johanson, J., & Vahlne, J.-E. (2009). Dynamic knowledge-related learning processes in internationalizing high-tech SMEs. Journal of International Business Studies. DOI: 10.1057/jibs.2009.24

 

6. Johanson, J., & Vahlne, J.-E. (2009). The Uppsala Internationalization Process Model Revisited: From Liability of Foreignness to Liability of Outsidership. Journal of International Business Studies, 40, 1411-1431. DOI: 10.1057/jibs.2009.24

 

7. Ministério das Relações Exteriores (MRE). (2023). Jurisdição. Disponível em: https://www.gov.br/mre/pt-br/consulado-xangai/o-consulado/jurisdicao

 

8. Jordan, A. (2010). The Importance of Business Anthropology: Its Unique Contributions. International Journal of Business Anthropology, Volume 1. ISSN 2155-6237

 

9. Raaj, S. (2023). Business Anthropology and Education: Approaches, Methodologies, and Implications. Journal of Business Anthropology, Volume 23. ISSN 2155-6237

 

10. Bolemo, N. (2019). Culture and Negotiations in China. Universidad Pontificia Bolivariana. https://sfa2142120804c535.jimcontent.com/download/version/1573069830/module/10796682383/name/CULTURE%20AND%20NEGOTIATION%20IN%20CHINA%20FINAL%20PAPER.pdf

 

11. Shimutwikeni, N. (2012). The Impact of Culture in International Business Negotiations: Special Reference to China and United States of America. University of Dundee. https://www.elsi-project.eu/fileadmin/user_upload/elsi/broschüren/THE_IMPACT_OF_CULTURE_IN_INTERNATIONAL_BUSINESS_NEGOTIATIONS.pdf

 

12. China Briefing. (2023). China's Middle Class Growth, Policy, and Consumption. Disponível em: https://www.china-briefing.com/news/china-middle-class-growth-policy-and-consumption

 

13. Fortunato, F. (2023). Formação de traders para o século XXI no Brasil para expandir a presença das empresas comerciais exportadorasRevista Brasileira de Comércio Exteriornúmero nº 155 - Abril, Maio e Junho.

 

14. G1. (2023). Veja onde moram e quantos são por país os brasileiros no exterior, de acordo com estimativa do Itamaraty. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/08/10/veja-onde-moram-e-quantos-sao-por-pais-os-brasileiros-no-exterior-de-acordo-com-estimativa-do-itamaraty.ghtml

 

15. Sheng, H. (2023). Usar RMB nas transações de exportações e importações brasileiras.

Disponível em: http://www.funcex.org.br/publicacoes/rbce/material/rbce/RBCE154_HsiaHuaSheng.pdf. RBCE, ed 154.

 

16. SECEX. (2024). Comércio exterior brasileiro bate recordes e fecha 2023 com saldo de US$ 98,8 bi. https://www.gov.br/mdic/pt-br/assuntos/noticias/2024/janeiro/comercio-exterior-brasileiro-bate-recordes-e-fecha-2023-com-saldo-de-us-98-8-bi

 

17. SAFE. (2024). https://portuguese.news.cn/20240107/f7fbb050f75940d8be3a9548bed35139/c.html

 

19. Kantar World Panel (2023). 如今不少品牌开始另辟蹊径探索更多好玩新奇的零售高级玩法. https://kantar.turtl.co/story/chinese-mainland-bfp-2023-e/page/3/8


O Brasil como um imenso Portugal? (2023) - Paulo Roberto de Almeida

Este artigo foi publicado em abril de 2023, na revista Crusoé, por ocasião da visita de Lula a Portugal, quando também entregou o prêmio Camões ao compositor e escritor Chico Buarque.

O Brasil como um imenso Portugal?

  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

Artigo para a revista Crusoé, a propósito da visita do presidente Lula a Portugal.

revista Crusoé (27/04/2023; link: https://crusoe.uol.com.br/secao/colunistas/o-brasil-como-um-imenso-portugal/). Relação de Publicados n. 1506

 

Muito tempo antes que Chico Buarque e Ruy Guerra, nos anos 1970 aventavam essa hipótese numa das mais bonitas canções (Fado Tropical) da época da ditadura brasileira, e quando Portugal se preparava para se libertar da sua longeva ditadura civil, dois “pais fundadores” da nação brasileira já tinham sugerido tal conformação no limiar da independência: em lugar de uma separação completa entre a metrópole lusitana e o então Reino Unido do Brasil, que as duas partes do reino configurassem um só Estado, com sede no Rio de Janeiro, no comando de um grande império marítimo transnacional. Com efeito, tanto Hipólito da Costa – o primeiro jornalista brasileiro independente –, quanto José Bonifácio – o primeiro membro brasileiro de um gabinete português sob a regência do príncipe D. Pedro –, concebiam, ainda poucos meses antes da separação, a continuidade de um só Estado monárquico constitucional, com a capital que abrigou a família real portuguesa quando esta teve de se resguardar da invasão napoleônica.

Em 1820-21, quando da revolução do Porto e das Cortes de Lisboa, o rei D. João VI teve de retornar relutantemente a Portugal; mas ele também mantinha essa ideia de que as duas partes do reino – e o Brasil já era bem mais rico do que Portugal – deveriam se manter juntas, para a maior glória da dinastia dos Braganças, em face de todas as outras monarquias europeias. Teria sido o primeiro reino “europeu” estabelecido numa possessão tropical, uma novidade absoluta na história europeia e mundial. Mas, como se sabe, as Cortes forçaram, a separação, ao tentar fazer o Brasil retornar ao seu antigo estatuto colonial; daí o rompimento, mas contra o qual lutaram, enquanto puderam, tanto Bonifácio quanto Hipólito. 

A separação não era inevitável, inclusive porque D. Pedro, ao assumir em outubro de 1822 como Imperador do Brasil, era o legítimo sucessor do pai no Reino de Portugal, e a ruptura, de fato e de direito, só se deu, para todos os efeitos jurídicos e diplomáticos, em 1825, com a intermediação da potência da época, a Grã-Bretanha. Mas cabe considerar também que suas elites econômicas, os grandes proprietários de terras, tinham todo interesse na separação, para poder controlar de forma soberana e completamente as atividades mais lucrativas da época: o tráfico de escravos, a exportação dos produtos locais e a importação dos bens necessários à manutenção e desenvolvimento da nova nação. Nesse intervalo, a jovem república do hemisfério norte, os Estados Unidos, já tinha reconhecido a independência, assim como o fizeram, mas de forma bizarra, os independentistas de Buenos Aires, que logo entraram em desavenças e em guerra contra o Brasil, por causa da Cisplatina, finalmente reconhecida como República Oriental do Uruguai, sob pressão inglesa, em 1828. 

Durante quase dois séculos Portugal e Brasil se “desenvolveram” em separado, não fosse pelo aporte contínuo de emigrantes lusitanos para sua grande ex-colônia. Depois das comemorações do quarto centenário do descobrimento, em 1900, e as do primeiro centenário da independência, em 1922, os dois países começaram novamente a se “unir” por meio de tratados sobre migração e cidadania, mas também pela via de regimes políticos que, justamente, se aproximaram pelo lado autoritário. O Estado Novo português foi “entregue” a Salazar no início dos anos 1930, seguido pelo Brasil vários anos à frente, ambos fortemente anticomunistas, mas com diferentes visões da economia e da política. 

A antiga metrópole continuou parada no tempo, num sistema ultrarreacionário, mas se manteve “neutra” durante o grande turbilhão da Segunda Guerra. O Brasil deu início a um processo de industrialização nacionalista que se estendeu pelo meio século seguinte, inclusive com ajuda americana, que armou e vestiu os soldados brasileiros que foram lutar, integrados ao V Exército dos EUA, nos campos de batalha da Itália. Mas, por razões talvez sentimentais, data dessa época o apoio diplomático do Brasil à manutenção do império colonial remanescente de Portugal, o que se prolongou até os anos 1960, quando a maior parte das colônias europeias da África e da Ásia se alçou à independência. 

O Brasil só mudou de posição praticamente ao final do período salazarista, que ganhou uma sobrevida em 1968, ainda com o mesmo espírito anticomunista: passamos a reconhecer os novos Estados independentes imediatamente após a “revolução dos cravos” de 1974, ao tempo em que Chico Buarque e Ruy Guerra compunham o fado prometedor. Com a liberdade sendo saudada à beira do Tejo, eles aspiravam a que o Brasil se tornasse um “imenso Portugal”, com democracia e políticas progressistas dos dois lados do Atlântico. Refugiados da ditadura brasileira, em vários países da América Latina e da Europa e afluíram rapidamente a Portugal, dando assim início a uma aproximação verdadeiramente sentimental. Portugueses da resistência e brasileiros exilados cantaram no Tejo o fado proibido no Brasil.

Uma década depois, o Brasil adentrou num longo ciclo de baixo crescimento e de aumento da pobreza que inverteu a tendência secular de atração de imigrantes: foi a vez do Brasil passar a “exportar” os seus filhos, um volume significativo para os Estados Unidos, muitos descendentes de japoneses para a terra de seus avós e muitos mais para diversos países europeus, com destaque, justamente, para Portugal, por óbvias razões linguísticas. Depois da Grécia, Portugal e Espanha, livres de ditaduras, ingressaram na então Comunidade Econômica Europeia; teve início um processo de modernização e de desenvolvimento que converteu o pequeno país ibérico em foco de atração de investimentos estrangeiros e de mão de obra de qualidade de diversos outros membros comunitários, e do próprio Brasil.

Com sua economia reconstruída e internacionalizada, foram empresas portuguesas – bancos, comunicações, serviços – que passaram a investir no Brasil das privatizações dos anos 1990, nos governos FHC. A imigração brasileira se intensificou, assim como a instalação de empresas brasileiras em terras portuguesas. novamente abriu-se a hipótese de um “imenso Portugal”, mas no sentido inverso, a partir de certa “colonização” brasileira – novelas, dentistas, restaurantes –, um processo não isento de dificuldades, dadas as regras comunitárias. Portugal não escapou da crise dos anos 2008-2009, e teve de passar por um severo processo de ajuste, não muito diferente daquele que o Brasil enfrentou, nos anos 1990, para se livrar de problemas que se arrastavam desde a “década perdida” dos anos 1980. Ainda assim, seja com governos de direita, ou de centro direita, seja com gabinetes socialistas (moderados, e em coalizão), Portugal conseguiu superar, a duros custos, a restauração das finanças públicas, com redução de vários benefícios (salários e aposentadorias), além de novas privatizações e algum desemprego. 

No Brasil, os anos tucanos e petistas foram os melhores para as relações bilaterais e também do lado comunitário: em 2010 foi reconhecida a parceria estratégica entre a UE e o Brasil, embora o acordo de associação entre o bloco europeu e o Mercosul tenha patinado por duas décadas até ser finalizado sob o governo Temer para ser finalmente assinado nos primeiros seis meses do governo Bolsonaro; mas foi aí que ele empacou de vez, frente à antipolítica ambiental e os retrocessos registrados em todas as áreas sociais e humanitárias. Até um simples Prêmio Camões, justamente concedido ao compositor e escritor Chico Buarque pelo conjunto de sua obra, foi paralisado na sua entrega binacional, por antipatia do presidente anticultural: a entrega e celebração foram marcadas para a visita do presidente Lula, por ocasião do 49º aniversário da Revolução dos Cravos. 

Com governos social-democratas dos dois lados do Atlântico e grandes promessas de cooperação também no âmbito da CPLP, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (a partir de agora sob a presidência de São Tomé), o Brasil estaria preparado, mais do que nunca, a se converter em um “imenso Portugal”, se conseguir, realmente, fazer entrar em vigor o acordo inter-regional Mercosul-UE e completar seu acesso à OCDE, organização a que pertence Portugal desde a sua primeira encarnação, a OECE do Plano Marshall. Um desajuste entre os dois países se manifesta na questão da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, pois que Portugal apoia resolutamente sanções e resoluções condenando o agressor, como membro disciplinado que é da UE e da Otan (esta também desde a origem). 

Em qualquer hipótese, as perspectivas para a ampliação das relações, tanto bilaterais, quanto comunitárias, se mostram bastante promissoras, em que pese certo retorno do Brasil a uma possível reprodução da “década perdida” dos anos 1980. No governo anterior, o cenário brasileiro era tão desolador que um imaginativo escritor, Fernando Dourado Filho, mandou uma espécie de carta ao presidente Marcelo Rebelo, sugerindo-lhe a devolução do Brasil a Portugal. O livrinho, bastante curto, se chama, mais precisamente, “O boiadeiro que tentou devolver o Brasil a Portugal” (2022). Não sabemos, exatamente, o que lhe respondeu o atilado presidente português, mas se aceitasse a proposta teríamos, finalmente, a realização do projeto defendido 200 anos atrás por Hipólito da Costa e por José Bonifácio: o Brasil como um “imenso Portugal”. Não é de todo uma má ideia...

 

Paulo Roberto de Almeida

[Brasília, 4342: 24 março 2023, 4 p.; revisto: 22/04/2023]

 

 

 

FADO TROPICAL

Chico Buarque e Ruy Guerra 

 

Oh, musa do meu fado, 

Oh, minha mãe gentil, 

Te deixo consternado 

No primeiro abril, 

 

Mas não sê tão ingrata! 

Não esquece quem te amou 

E em tua densa mata 

Se perdeu e se encontrou. 

Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal: 

Ainda vai tornar-se um imenso Portugal! 

 

"Sabe, no fundo eu sou um sentimental. Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dosagem de lirismo (além da sífilis, é claro). Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar, o meu coração fecha os olhos e sinceramente chora..." 

 

Com avencas na caatinga, 

Alecrins no canavial, 

Licores na moringa: 

Um vinho tropical. 

 

E a linda mulata 

Com rendas do Alentejo 

De quem numa bravata 

Arrebata um beijo... 

 

Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal: 

Ainda vai tornar-se um imenso Portugal! 

 

"Meu coração tem um sereno jeito 

E as minhas mãos o golpe duro e presto, 

De tal maneira que, depois de feito, 

Desencontrado, eu mesmo me contesto. 

Se trago as mãos distantes do meu peito 

É que há distância entre intenção e gesto 

E se o meu coração nas mãos estreito, 

Me assombra a súbita impressão de incesto. 

Quando me encontro no calor da luta 

Ostento a aguda empunhadora à proa, 

Mas meu peito se desabotoa. 

E se a sentença se anuncia bruta 

Mais que depressa a mão cega executa, 

Pois que senão o coração perdoa". 

 

Guitarras e sanfonas, 

Jasmins, coqueiros, fontes, 

Sardinhas, mandioca 

Num suave azulejo 

 

E o rio Amazonas 

Que corre Trás-os-Montes 

E numa pororoca 

Deságua no Tejo... 

 

Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal: 

Ainda vai tornar-se um império colonial! 

Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal: 

Ainda vai tornar-se um imenso Portugal!

 

Deterioração da imagem do governo Lula também em política externa: efeitos sobre o Itamaraty - Paulo Roberto de Almeida

Pesquisa do Ipec revela números ruins para o governo em TODOS os quesitos. No que concerne a política externa, a razão inegável é a amizade de Lula com TODOS os regimes autocráticos: desprezo absoluto pela democracia e DH. Não sei se haverá correção dessa deformação fundamental.  Reprodução, abaixo, de comentário anterior, mas que apresenta nova atualidade em função das últimas pesquisas de opinião. 

O rebaixamento do Itamaraty 

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre a submissão do Itamaraty a uma mal-informada e mal implementada diplomacia personalista do presidente

  

O lado mais preocupante para o futuro do Itamaraty e o dos seus diplomatas é o fato desses dois dogmas da vida militar, a disciplina e a hierarquia, tê-los conduzido a muito mais submissão à diplomacia presidencial, nem sempre bem orientada, do que ao necessário e indispensável aconselhamento. 

Sempre tivemos diplomacia presidencial, algumas vezes mais, outras vezes menos. O aspecto preocupante é quando ela esmaga a diplomacia profissional, sobretudo aquela personalista e mal-informada ou aconselhada. Parece que vivemos essa situação agora.

Antigamente usávamos as Informações ao PR, quando queríamos preservar a sanidade e a coerência da diplomacia do Estado brasileiro. Atualmente parece que isso se perdeu no excesso de personalismo da diplomacia presidencial. 

Isso não é bom, nem para o Estado brasileiro, nem para o Itamaraty.


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4564, 17 janeiro 2024, 1 p.