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segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Debatendo (inutilmente?) com um adepto convencido - Paulo Roberto de Almeida


Carta à presidente de um adepto convencido: observações de um iconoclasta não convencido

Paulo Roberto de Almeida
 
Recebi hoje, de um interlocutor frequente nestes tempos não convencionais de convencimento pela vitória (aparente, pelo menos) do seu partido nas recentes eleições presidenciais, o desafio de comentar uma longuíssima carta que ele mandou para soberana. Ela não vai ler, obviamente, mesmo que tivesse apenas dois parágrafos: os 225 aspones que a cercam apenas vão arquivar a missiva, se é verdade que ela seguiu para o endereço correto do palácio de trabalho (assim parece) da soberana, mas também desconfio que essa não é bem a intenção do missivista: ele provavelmente quer se destacar dos companheiros mais companheiros e aparecer, por assim dizer, como um conselheiro do príncipe de boa vontade, dizendo uma quantas palavras gentis, e depois fazendo críticas e sugestões para um reino feliz para a sua soberana, que não é minha, mas ocorre que eu não sou exatamente anarquista, e pretendo atuar seguindo as instituições (o que nem sempre, ou quase nunca, é o caso dos companheiros, que sabotam as mesmas instituições incessantemente, e que pretendem substituí-las por correias de transmissão do partido neobolchevique a que obedecem, na mais pura tradição leninista e stalinista).
Mas, como eu não sou de recusar desafios, vou comentar, e provavelmente discordar, quanto à maior parte dos argumentos do autor da missiva. Não por espírito contrarianista da minha parte – o que eu tenho, sim, e não tem por que esconder – mas simplesmente por cortesia com o missivista, aqui vão minhas observações, apenas quanto aos tópicos relevantes, pois seria muito enfadonho comentar esse verdadeiro tratado de política partidária.
Transcrevo as palavras do Adepto Convencido (AC: ), que faço seguir de meus próprios comentários (PRA: )

AC:Cara presidenta, se eu vivesse em uma ditadura militar, espero que eu tivesse coragem para pegar em armas, sequestrar embaixadores e assaltar bancos; mas pelo retorno a uma democracia-liberal como a que temos hoje, e não para a instauração de uma ditadura marxista de qualquer tipo. Não obstante não compactuar com vosso idealismo revolucionário marxista, o respeito.
PRA: Como deve saber o missivista, a sua soberana não parece ter dado muitos tiros, mas praticou várias ações ditas revolucionárias, não exatamente para fazer o Brasil retornar a uma democracia burguesa, que todos os revolucionários, inclusive eu, desprezavam, mas para implantar um regime socialista de ditadura do proletariado. Se tivessem tido sucesso o Brasil seria, no limite, uma grande Cuba miserável, ditatorial, obviamente, e numa hipótese mais amena, uma Venezuela bolivariana sem muito petróleo. Ainda bem que não deu certo, e fomos derrotados. Alguns partiram para o exílio, como eu, outros ficaram e amargaram tortura e cadeia, como a soberana. Mas isso não é o mais importante. O importante é que, salvo um ou dois gatos pingados – e eu apenas me lembro do Gabeira e do Sirkis – nenhum desses ex-guerrilheiros fez sua autocrítica, ou melhor, se arrependeu sinceramente pelos “malfeitos” cometidos. Ao contrário, vários pretendem se vingar dos militares que os combateram, orientando os trabalhos de uma dita Comissão da Verdade para um relatório parcial, enviesado, distorcido, que não vê nenhuma responsabilidade nos ataques guerrilheiros (precoces, num momento em que o Brasil vivia a chamada ditabranda) no recrudescimento da ditadura militar e na repressão que se seguiu. Até parece que os militares saíram imediatamente torturando e matando guerrilheiros, e que eles não fizeram nada. Essa correção, todos os guerrilheiro reciclados ainda precisam fazer, para sua própria credibilidade e simples de honestidade intelectual. Eu reconheço que estava errado, e digo sinceramente: ainda bem que éramos fracos, pois poderíamos ter causado muitas outras mortes e até precipitado o país numa guerra civil, como em outros casos.

AC:É fundamental que se aumente a retribuição por titulação dos professores de ensino fundamental e médio; que os professores que tenham especialização, mestrado ou doutorado nas áreas em que lecionam recebam remuneração crescentemente mais alta por isso, e que essa remuneração seja incorporada em suas aposentadorias.”
PRA: Aqui começam as sugestões e reivindicações do AC, e começam mal, por algo puramente corporativo. O problema da educação no Brasil não é exatamente de caráter remuneratório, e sim de deficiências de formação dos professores, e não é aumentando as dotações, a qualquer título, que se vai resolver o problema da má qualidade do ensino, em todos os níveis, da pré-escola ao pós-doc. Eu recomendaria ao AC examinar com mais atenção o problema educacional, para incidir sobre o que é prioritário, não sobre o que é secundário.

AC:É fundamental que na nova edição do programa Ciência Sem Fronteiras universidades, faculdades e institutos de países em desenvolvimento com centros de pesquisa e ensino tão bons quanto a Universidade de Brasília, a Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Universidade de Campinas, como Rússia, África do Sul, Índia, Israel, Turquia e Irã sejam também contemplados, sem deixar de lado as parcerias e destinos já existentes.
PRA: Errado, também. Quando alguém quer melhorar, precisa aprender nos livros ou com gente mais preparada. É evidente que as melhores condições de estudo e de preparação técnica – e aqui já me posiciono contra a extensão do CSF ao terreno das humanidades – se encontram nos países desenvolvidos. Que esses países citados possam exibir centros tão bons quanto os brasileiros citados chega a ser risível, pois pode-se perguntar quanto deles, e dos nossos, estão bem situados nos rankings de produção científica. Tem também as facilidades de acesso a documentação, comunicações, etc. Eu, aliás, sou contra o CSF, acho que é pura demagogia política e um turismo acadêmico, que serve para aprender um pouco de inglês (agora, pois antes só se aprendia lusitano e portunhol). Sou pela formação clássica, e bolsas distribuídas seletivamente, não por atacado, como se faz com o CSF, visando mais os números do que a qualidade da formação. Muito dinheiro jogado fora com esse turismo acadêmico, e que falta para bolsas e projetos científicos de verdade, no Brasil e no exterior.

AC:É fundamental que, ao menos em nossas maiores universidades federais, tenhamos bibliotecas e espaços de estudo que funcionem vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana. É do interesse destas instituições e de todos aqueles que se interessam pelo desenvolvimento da educação, da cultura e da inovação no país que esses espaços de estudo existam, de modo a fomentar ambientes de estudo e pesquisa.
PRA: Nisso concordo a 150%, e acho uma vergonha o funcionamento das universidades federais, nas quais o sindicalismo mafioso dos funcionários impede até professores de darem aulas. Acho que estabilidade é uma balela, para várias categorias, e a chamada “tenure” deveria ser atribuída apenas ao longo de uma carreira dedicada ao ensino e pesquisa, não de entrada como ocorre hoje. Existem muitos outros aspectos, mas não cabe abordar aqui.

AC:É fundamental que criminalizemos não apenas a homofobia, já citada em vosso discurso, mas também a transfobia.”
PRA: Pode até ser fundamental, mas o Brasil está sendo fragmentado em direitos minoritários, que capturam a agenda pública e distorcem o debate em torno dos verdadeiros problemas da população. As minorias conseguiram nacos formidáveis dos orçamentos públicos, deixando os verdadeiramente necessitados sem o atendimento de suas necessidades. Não estou sendo politicamente correto, e não pretendo ser: para mim antes passam as necessidades das maiorias; as minorias precisam ser respeitadas, mas precisam ser contidas, do contrário o país vai virar um arquipélago de ativistas.

AC:É fundamental a regulamentação econômica da mídia.
PRA: Mídia é a palavra preferida daqueles que pretendem controlar a imprensa. O que é fundamental é uma lei que impeça qualquer controle da mídia. Quanto aos aspectos econômicos, o melhor remédio é competição. Enquanto o Estado restringir o mercado, cartelizando-o, distribuindo concessões a conta-gotas, vai continuar essa concentração que se considera danosa. Abram-se todas as portas, SEM CONCESSÃO de subsídios oficiais, SEM PROPAGANDA governamental (que deveria ser extinta, simplesmente) e deixemos os agentes diretos – empresas, cidadãos, associações – resolverem quem oferece o melhor serviço à população. Concorrência é o melhor desinfetante contra monopólios e carteis. Eu extinguiria também todos os canais e redes públicas, pois sempre é fonte de corrupção e de favores indevidos, além de cabide de empregos para o partido no poder. NENHUM órgão público deve fazer propaganda, a não ser aquela estritamente vinculada a avisos epidemiológicos e de catástrofes para a população, o que é aviso, não publicidade.

AC:É fundamental acelerar os trâmites para reconhecimento dos territórios quilombolas, inclusive com a isenção dos impostos territoriais correspondentes.
PRA: Eu diria que esse tipo de incentivo gera uma indústria do quilombolismo, como já se gerou a indústria do indigenismo falso, e o das indenizações por suposta resistência contra a ditadura. QUALQUER medida discriminatória para grupos organizados vai gerar um mercado secundário de falsificações e embustes, que acabam gerando mais problemas do que os existentes anteriormente, que podem ser resolvidos topicamente por medidas específicas, não por políticas gerais, que são um convite à corrupção e ao desvio de dinheiro. Já vimos esse filme com milhares de sem terras e sem teto que existem profissionalmente, para certos objetivos ocultos, não para as necessidades diretas. De todo modo, não cabe ao Estado prover tudo diretamente aos cidadãos: criando-se um ambiente de mercado competitivo, todas essas necessidades podem ser atendidas. Como já disse alguém, o melhor programa social é o emprego.  Ponto.

AC: “...o presente manifesto não demanda diminuição da carga tributária...”
PRA: Pois é uma pena, e está errado. O Brasil, dentro do seu nível de renda per capita, é um país claramente disfuncional, capturando renda da sociedade dez pontos de PIB acima de países emergentes equivalentes. Temos uma carga fiscal de país rico, para uma renda per capita 5 a 6 vezes menor. Algo está errado e precisa ser corrigido. Sabe-se que há uma relação direta, e inversa, entre o tamanho da carga fiscal e o nível da taxa de crescimento: quanto maior uma, menor a outra. O Brasil precisa escolher o que quer: o caminho atual o condena a um crescimento medíocre, o que significa dobrar a renda apenas em duas gerações ou mais. É isso o que se pretende?

AC:Peço-lhe respeitosamente que mantenha sempre que possível a proximidade e as boas relações com os parlamentares do PSOL,...
PRA: Bem, deve ser a tal de “utopia concreta”, não é? Inacreditável, como depois de um século inteiro de experimentos socialistas, que só redundaram em miséria, opressão, e dezenas de milhões de mortos, alguém ainda tem coragem de propor esse tipo de programa para o Brasil. Ainda que os alucinados não venham a perpetrar o seu programa delirante, é evidente que quanto mais estatismo mais atraso econômico, e mais perpetuação de nossas distorções. Alucinação mental é um problema grave entre os nossos gramscianos de botequim. Isso passa com a idade, mas até lá é preciso suportar...

AC:A grande imprensa foi muito habilidosa em produzir uma imagem das manifestações como uma crítica a vosso governo, especialmente entre os eleitores do estado de São Paulo. A senhora deve investir em comunicação para evitar isso o máximo possível...”
PRA: Mais um que acredita que quem cria matérias de imprensa é a própria imprensa, não fatos objetivos. Vou repetir: SOU CONTRA qualquer “comunicação” de governo. Nenhum governo precisa disso. Basta ter um porta voz, e a imprensa, toda ela, a mídia golpista, a mídia mercenária dos companheiros, as ONGs com “mídia” vão repercutir o que for importante. Apenas isso e nada mais do que isso.

O resto da longuíssima mensagem é uma ajuntamento heteróclito de reivindicações setoriais, locais, aconselhamento político e “aulas” de história. Alguns dos “argumentos” são francamente patéticos, mas não vou perder tempo em rebatê-los, pois eu teria de também dar aulas de história para o jovem conselheiro da soberana. Ele vai crescer, ler mais um pouco, e viajar pelo mundo, para aprender o que é o mundo real, muito diferente daquele que aprendeu nas aulas das saúvas freireanas, dos gramscianos de botequim, e dos companheiros de partido, alguns mercenários empenhados em fabricar números e argumentos falaciosos com os quais ele pretende “aconselhar” a soberana. Tudo é uma questão de tempo, de leituras e de experiência de vida. Mas, claro, precisa ter a mente aberta, e pensar com a sua própria cabeça, não com a dos velhacos que pretendem induzi-lo a erro. Fundamentalismo político é igualzinho ao religioso: conduz a criacionistas incapazes de pensar fora dos quadros mentais nos quais foram treinados. Se conviverem apenas nesses meios, eles viram perfeitos robôs...

Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 3 de novembro de 2014.

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