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sexta-feira, 27 de junho de 2014

Stefan Zweig, por Benjamin Moser (Bookforum, FSP)

STEFAN ZWEIG (1881-1942)

Uma história à luz do crepúsculo

Por Benjamin Moser 
Observatório da Imprensa, em 23/06/2014 na edição 804
Reproduzido da “Ilustríssima” da Folha de S.Paulo, 22/6/2014, tradução de Francesca Angiolillo

É fácil entender, quando se chega a Petrópolis vindo do Rio de Janeiro, por que alguém nascido e criado na alta burguesia vienense teria preferido viver nessa pequena cidade em lugar de escolher a caótica metrópole ao pé das montanhas. Não pelas numerosas construções em pretenso estilo alemão, mas pela sua ordem quase bávara, seu bem-estar e tranquilidade quase sem par no país, mesclados a um cenário natural com o qual se sonha sob a neve europeia.

Há recantos de Petrópolis que sugerem uma natureza benevolente – o trópico como poderia ter sido. Aqui não se acha aquela massa selvagem que, em tantos lugares do país, apavora estrangeiros e nativos (insetos ferozes, peixes carnívoros): trata-se do trópico turístico como o que se cultiva nos melhores “resorts” do Havaí ou de Bali (palmeiras, flores, macaquinhos).
Mas a harmonia natural não é o que de mais sugestivo fica da região. Petrópolis, mais do que qualquer outro lugar que eu conheça, carrega o peso de suicídios, exílios e derrotas de pessoas ilustres que, seduzidas pelas árvores e flores, buscaram refúgio ali, só para encontrar um fim amargo.
O magnata homossexual Alberto Santos Dumont, que inventou a aviação com a esperança de fomentar a fraternidade universal, escolheu morar em Petrópolis, numa casa que é hoje um curioso museu – e terminou tirando a própria vida no Guarujá, diz a lenda que angustiado por ver seu engenho empregado para fins bélicos.
Em Samambaia, nas escarpas da serra, no esplendor de sua casa modernista, a poeta americana Elizabeth Bishop perdeu seu grande amor, Lota de Macedo Soares, e afundou-se no alcoolismo.
Célebre 
Hoje, o nome internacionalmente mais célebre entre os que ali se exilaram talvez seja Stefan Zweig. Nascido em 1881 numa família de judeus burgueses de Viena (seu pai era industrial têxtil; sua mãe descendia de uma família de banqueiros ítalo-austríacos), Zweig foi submetido a uma criação fria e à educação rigorosamente clássica destinada aos homens de seu tempo e condição social. Estudou filosofia na Universidade de Viena, onde se doutorou em 1904. Seu interesse artístico prevaleceu sobre sua formação austera, e ele se recusou a abraçar os negócios familiares, embora tivesse se mostrado desde cedo um herdeiro à altura de seu pai rico e enérgico.
Seu primeiro livro, uma antologia de poemas chamada Silberne Saiten (cordas de prata), foi publicado quando ele tinha 19 anos. Apesar de, ao longo de sua vida, ele nunca ter permitido uma reedição do volume, o livrinho anunciava o início de uma grande carreira que incluiria não só poesia mas também teatro e jornalismo, embora seja mais correntemente recordada pelas biografias e novelas.
Figuras proeminentes da cultura europeia, de Auguste Rodin a Sigmund Freud (além de amigo de Zweig, o psicanalista foi tema de um dos ensaios que compõem A Cura pelo Espírito, de 1932), elogiaram sua obra – em especial graças a escritos breves como “Medo” e “Carta de Uma Desconhecida”, que, ao lado de “24 Horas na Vida de uma Mulher” serão reunidos em Três Novelas Femininas [org. Alberto Dines, trad. Adriana Lisboa e Raquel Abi-Sâmara, Zahar, R$ 39,90, 176 págs.], a sair no mês que vem.
Na década de 1920, seus títulos publicados na Europa e nos Estados Unidos somavam milhões de exemplares, e ele se tornou o autor mais traduzido do mundo. Eram livros encantadores, no melhor sentido: eles enfeitiçavam o leitor.
Mesmo se seus temas nunca eram menos que grandiosos, não reside na temática o brilho da obra de Zweig: é o fascínio pelo autor o que explica sua popularidade duradoura. Seus livros podem ser vistos ao lado de revistas de celebridades e de livros de dieta em estações ferroviárias no interior da França, e em dezenas de países ele ainda é, mais de 70 anos após sua morte, possivelmente o mais popular dos escritores de sua geração.
Parte do encanto de Zweig vem de sua vida dramática e glamorosa. Se sua existência parece ter sido melancólica – dadas a data e o local de nascimento, dificilmente não o seria –, ela também pode ser considerada como extraordinariamente bem vivida.
Ele viu as tropas alemãs marcharem sobre a Bélgica e começarem a Primeira Guerra Mundial; ele viu o fim da guerra, quando o último monarca abandonou o antigo trono dos Habsburgo. Seu engajamento político – seu horror ao racismo e ao nacionalismo, sua dedicação a um ideal cosmopolita que desconhecesse fronteiras – faziam-no parecer à frente de seu tempo: só alguns anos após sua morte um ideário em certa medida baseado no seu tornou-se a base para a reconstrução da Europa.
Sua vida foi tão bem-sucedida que, sob certos aspectos, pode ser descrita como triunfante. Exceto pelo mesmo motivo que se abateu sobre tantas vidas mais comuns: a ascensão de Hitler.
Brasil 
Quando a guerra estourou, Zweig teve mais sorte que muitos outros. Rico e famoso, ele não estava preso na Europa, por haver assumido a nacionalidade britânica, o que lhe dava plena e preciosa liberdade de movimento. Foi para os Estados Unidos e, mais tarde, para o Brasil, sobre o qual havia escrito o caloroso Brasil: Um País do Futuro [pref. Alberto Dines, trad. Kristina Michahelles, L&PM Pocket, R$ 19,90, 264 págs.]. Publicado em 1941, o livro agradou ao governo – e esse governo, que impunha tantas restrições a judeus bem mais necessitados de asilo do que Zweig, expediu-lhe um visto.
Ele foi para Petrópolis. Mas aquela cidade e o Brasil que ele vislumbrou como uma nova possibilidade para a civilização não foram o bastante. Após ver seu mundo colapsar sob um morticínio de proporções inimagináveis, o escritor e sua mulher, Lotte, deram cabo da própria vida durante o Carnaval de 1942.
Seu suicídio – somado à percepção de sua personalidade como depressiva e sexualmente ambígua – obscureceu muito do que se escreveu sobre Zweig. Seu curto período em Petrópolis acabou funcionando como uma estranha coda para sua história. Um ícone da cultura europeia exilado, inconsolável, para os confins da terra, em desespero, se mata: a morte de Zweig quase imediatamente abandonou a esfera do tormento pessoal, adquirindo um significado político, simbólico, do qual nunca se desvencilhou de fato.
Thomas Mann, dando voz ao que muitos calavam, o reprovou: “Ele não tinha consciência de sua responsabilidade perante centenas de milhares de pessoas para as quais seu nome era importante e diante das quais sua capitulação provavelmente teria um efeito deprimente? Perante os muitos outros, refugiados como ele, mas para os quais o exílio era uma experiência incomparavelmente mais dura que a sua, celebrado como ele era, e sem preocupações materiais?”. Enquanto a cultura europeia era massacrada – sugere o raciocínio – o mínimo que se esperava de seus expoentes era que não se massacrassem a si mesmos.
Essa carga simbólica, aliada aos aspectos pitorescos da vida de Zweig, atraiu levas de biógrafos. O primeiro problema com o qual se deparavam era o fato de que ele havia escrito uma autobiografia, O Mundo que Eu Vi – um dos melhores exemplos de livros de memórias do século 20 (o título será relançado em novembro no Brasil, também pela Zahar).
Nele, a força do estilo de Zweig se mostra plenamente. Sua argúcia para o detalhe eloquente, seu conhecimento do mundo e suas lembranças de grandes personalidades da cultura de seu tempo são amparadas por uma corrente emocional poderosa que ajuda o leitor a imaginar o inimaginável desespero de uma geração forçada a ver toda sua sociedade varrida pelo fanatismo e pela guerra.
Escrito quase inteiramente em uma temporada de poucos meses no vilarejo de Ossining, no Estado de Nova York, o livro recorda o continente ao qual o autor nunca retornaria. Zweig se concentrou tanto no trabalho para escrevê-lo que sua mulher chegou a temer por sua saúde. Embora descrito com detalhes vívidos, esse mundo perdido é só em parte lamentado: nenhum leitor chorará, por exemplo, a desaparição da repressão sexual que vigia na Viena pré-Freud.
Diante do tema, é surpreendente que o livro não seja mais sombrio, e a impressão que deixa é tal que quase se tem pena dos biógrafos de Zweig. Quem contaria sua história melhor do que ele próprio?
Biografias 
Além de ficção e poesia, esse homem prolífico produziu uma grande quantidade de biografias, cobrindo uma galeria de personagens que soa quase disparatada e que inclui Maria Antonieta, Erasmo, Balzac e Napoleão.
A atração que essas figuras exerceram sobre Zweig e aquilo que as une, é que todas, sem exceção, resistiram à história e terminaram vitimados por ela. Suas trajetórias, quando lidas à luz do que aconteceria a seu biógrafo, ganham um tom assustador de profecia.
Maria Antonieta, a adolescente austríaca fascinada pela “joie de vivre”, designada a um papel à altura do qual nunca estaria, num lugar e num tempo que ela não conseguiu entender; Erasmo, em sua devoção trágica e paciente a um conceito de universalidade carcomido pela corrupção, má-fé e ambição; a imaginação grandiosa de Balzac, submetida a preocupações financeiras que se impuseram sobre o gênio artístico: esses personagens, vistos como um conjunto, formam um retrato tão poderoso de Zweig quanto o que surge de O Mundo que Eu Vi.
Uma sensação de vaticínio semelhante emerge da leitura de suas novelas e do único romance que publicou em vida – traduzido no Brasil como Coração Inquieto, o livro de 1939, hoje fora de catálogo, também foi produzido sob a sombra de Hitler.
Mas essa ideia de predestinação não toma conta da obra de Zweig como um todo. Quando o vemos como personagem, a tendência a ler sua vida de trás para frente é irresistível. Tudo é refratado pelo prisma petropolitano.
É um procedimento perfeitamente legítimo e foi adotado, por exemplo, por Alberto Dines no clássico Morte no Paraíso: a Tragédia de Stefan Zweig [Rocco, R$ 69,50, 594 págs.]. Contudo, em mãos menos hábeis que as de Dines, que há anos se dedica à obra de Zweig, o expediente favorece o perigo de fazer o que Zweig, em seus próprios escritos, não fez: lançar um olhar limitado sobre a vida de alguém que se dedicou a ampliar, e não a reduzir, as visões que oferecia em seus livros.
Risco 
É nesse risco que incorre o novo livro do escritor norte-americano George Prochnik, The Impossible Exile [Other Press, R$ 48,90, e-book] (o exílio impossível). Apesar de se apresentar como uma biografia, o livro de Prochnik ostenta origens heterogêneas. Poderia ser descrito como relato de viagem (pela Áustria, pelo Brasil), romance (embora o tom se enquadre no de uma biografia ortodoxa, o livro não o é), reflexão sobre as raízes familiares do próprio biógrafo (como Zweig, o autor descende de judeus vienenses).
Como sugere o título, a ênfase recai sobre a experiência de Zweig como exilado – especialmente em Nova York, onde esteve entre 1940 e 1941 e onde ele se sentiu acuado pelos refugiados pobres e desesperados, oriundos de uma civilização cujo colapso ele narrava no livro que então escrevia, numa casa alugada em Ossining.
Por vários motivos, é uma escolha ousada a que Prochnik faz para meditar sobre o exílio.
A temporada de Zweig nos Estados Unidos é aparentemente menos relevante para sua vida do que os períodos transcorridos na Áustria, na França, na Inglaterra ou no Brasil. Mas foi nos EUA que ele escreveu seu famoso livro de memórias, última parada antes da jornada que o levaria à morte.
Prochnik evoca a cidade que Zweig conheceu: a taxa de criminalidade nova-iorquina à época, o clima, a irritação que o escritor sentia ao ver os espectadores da ópera lendo os libretos com diminutas lanternas. São detalhes que mostram quão desconcertante a cidade podia ser até para o mais cosmopolita dos expatriados.
Observando fotografias de viagens de Zweig antes da guerra, Prochnik frisa sua capacidade camaleônica para se mesclar a diferentes cenários como se a eles pertencesse. Chega a acusá-lo de não ter personalidade própria.
Deixando de lado questionamentos sobre como poderia um dos mais famosos escritores do mundo desaparecer contra qualquer pano de fundo, o que há de mais notável na experiência de Zweig, conforme relatada no livro, é que Nova York se impôs como o local com o qual ele não podia se fundir; aquele que teria dado a ele a mais dura noção de exílio.
Prochnik mostra o que significou, para Zweig, estar ali – quão difícil era para ele ser um dos “bem-aventurados”. Judeus refugiados na América, por definição, tinham mais sorte do que os que estavam sujeitos às tropas de Hitler. E, visto de fora, Zweig parecia ser o mais sortudo de todos.
Prenúncio 
Enquanto o livro de Alberto Dines sobre Zweig no Brasil aproveita a história do escritor em Petrópolis para jogar luz sobre toda sua vida, o de Prochnik lê toda a trajetória de Zweig como prenúncio de seu suicídio na serra. E, assim, se concentra justamente nos aspectos menos interessantes de sua vida. A situação dos judeus europeus era tudo menos individual, e colocar ênfase numa questão que devastou milhões é enfatizar o que Zweig tinha em comum com tantas outras pessoas, em lugar de tentar entender o que faz dele extraordinário.
Não valeria a pena apontar essas falhas no livro de Prochnik, não fossem elas tão disseminadas ou provenientes de fonte tão ilustre: além de Thomas Mann dizer que Zweig dera um mau exemplo, Hannah Arendt condenara seu excesso de sensibilidade. Ao iluminar o que ele não era, narrativas como essa pintam o retrato de alguém fraco, sem caráter, assustadiço e nervoso, e pouco se preocupam em explicar por que, sete décadas após sua morte, sua figura exerce fascínio tão duradouro.
Quando Zweig se mostra integrado ao ambiente, Prochnik se refere à “artificialidade endêmica do caráter vienense” ou a “clichês inevitáveis sobre o desejo judaico de assimilação”. Define como ingenuidade suas “demandas imodestas por um mundo diferente” – sua convicção antissionista e contra qualquer outro tipo de nacionalismo; o cuidado feroz com que evitava linguagem ofensiva, até mesmo para falar de Hitler.
Talvez. Mas por que descrever esse escritor, tão admirado, como um “professor itinerante de sabedoria pacifista”, colocando-o apenas um degrau acima de um hare krishna de semáforo? Quando Zweig escreve que seu “objetivo seria um dia se tornar não um grande crítico ou uma celebridade literária, mas uma autoridade moral”, Prochnik se mostra confuso: “A ambição pode gerar perplexidade, mas Zweig falava a sério”. Mas o que haveria de causar perplexidade nessa intenção? Seria preferível aspirar à celebridade?
Rumores
Contribui para essa impressão a inclusão, no livro de Prochnik, de detalhes de cunho sexual que sugerem que Zweig era quase um pervertido: ficamos sabendo que “há rumores”, por exemplo, de que “Zweig saía à caça entre os rapazes sedutores do Rio”. Ou de que ele, em Viena, “se escondia entre arbustos perto da jaula dos macacos no zoo de Schönbrunn, à espera de mocinhas diante das quais saltar e se exibir”. Talvez. Mas por que somos expostos a boatos de mau gosto, para os quais não é oferecida qualquer prova ou corroboração? (Em especial se consideramos que, na página seguinte, Prochnik descreve outro amigo como “mais confiável” do que o que provera as histórias relatadas.) Zweig era conhecido no mundo todo; todo mundo dizia todo tipo de coisa sobre ele.
Se, tanto tempo depois de Zweig e sua mulher terem sido encontrados mortos em Petrópolis, ele ainda se mantém relevante, a resposta certamente está no seu trabalho – sempre vivo, sempre lido, sempre traduzido – mais do que nos detalhes em torno do triste desenlace de sua vida.
Apesar de ser tão modesto quanto generoso – Prochnik escreve que Zweig nunca deixou de olhar com humildade para seu próprio trabalho e sempre tinha na ponta da língua nomes cuja obra considerava maior que a sua –, chegar a ser o escritor mais traduzido do mundo não é pouca coisa.
Ler seus livros e conhecer sua vida nos traz mostras não de fraqueza, mas de uma vitalidade típica de um Balzac. Todos aqueles livros! Aquelas viagens! Aquelas mulheres! Até mesmo o suicídio, já há muito estabeleceu a psicanálise, é a escolha dos fortes, dos que não esperam pelo destino, mas se lançam a ele por seus próprios meios.
O que tinha Zweig que atraía a devoção de milhões de fãs, a admiração de Hermann Hesse? Que qualidades teria para que fosse escolhido a fazer a elegia de Freud em seu funeral? A fim de responder a essas perguntas, o livro de Prochnik precisaria iluminar todos os aspectos de seu trabalho, perpassar todos os seus livros e desafiar, mais do que aceitar, a modéstia aparente de suas declarações sobre sua própria trajetória.
Há muito é devida a Zweig uma revisão plena, que vá além dos textos críticos emergidos a par das recentes retraduções, nos Estados Unidos, de sua obra. Tal reavaliação deveria também ir além do que disse outro refugiado suicida, Klaus Mann – “Ele só teve uma ambição: mitigar a amargura do sofrimento humano ao ampliar a consciência de suas raízes e causas” –, e perguntar: não seria essa ambição grande o bastante?
***
Benjamin Moser, 37, escritor americano, é autor de Clarice (Cosac Naify). Seu texto nesta edição é uma versão adaptada para a Folha de artigo publicado na revista Bookforum

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Stefan Zweig, Austrian Novelist, Rises Again - (The New York Times)



The New York Times, MAY 28, 2014

Zweig, who committed suicide in Brazil in 1942, is an object of current fascination and the subject of a new biographical study. 

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Stefan Zweig (1881-1942).CreditHulton-Deutsch Collection/CORBIS

In the decades between the two world wars, no writer was more widely translated or read than the Austrian novelist Stefan Zweig, and in the years after, few writers fell more precipitously into obscurity, at least in the English-speaking world. But now Zweig, prolific storyteller and embodiment of a vanished Mitteleuropa, seems to be back, and in a big way.
New editions of his fiction, including his collected stories, are being published, with some appearing in English for the first time. Movies are being adapted from his writing; a new selection of his letters is in the works; plans to reissue his many biographies and essays are in motion; and his complicated life has provided inspiration for new biographies and a best-selling French novel.
“Seven years ago, when I told friends who are writers what I was going to be doing, they looked at me with silence and incomprehension,” said George Prochnik, the author of “The Impossible Exile,” a biographical study of Zweig’s final years, published this month by Other Press. “But Zweig has become an object of fascination again.”
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Ralph Fiennes in “The Grand Budapest Hotel,” set in Europe between the wars, the milieu of much of Stefan Zweig’s work. CreditFox Searchlight Pictures
Born in Vienna in 1881, into a prosperous Jewish family, Zweig grew up in what he would later describe as a “golden age of security.” Success and acclaim came to him early and never left, but the rise of Nazism forced him into a painful and enervating exile, first in Britain, then the United States and, finally Brazil, where he and his wife, Lotte, committed suicide in February 1942.
The reasons for Zweig’s resurgence at this particular moment are not necessarily obvious, and that has provoked much speculation in literary circles. Zweig was, in many ways, an old-fashioned writer: His fiction relies heavily on plot, with some developments telegraphed long before they occur, and the tales he tells are often melodramatic, their language sometimes florid.
But that conventionality of structure and tone is accompanied by insights into character, emotion and motivation that were unusual, even revelatory, for their time and continue to resonate today. Not surprisingly, Zweig and Sigmund Freud were friends and mutual admirers — Zweig even delivered a eulogy at Freud’s funeral — and one of his eternal themes was the workings of the human mind.
At an event at the McNally Jackson bookstore in SoHo last week, the authors André Aciman, Katie Kitamura and Anka Muhlstein joined Mr. Prochnik in a discussion of what made Zweig relevant and appealing to modern readers. They immediately zeroed in on that perspicacity.
“The man is an absolutely brilliant psychologist,” Mr. Aciman said, placing Zweig at the head of a group of writers who “are very pointed in their ability to understand what makes human beings tick.” Ms. Kitamura added that Zweig was particularly astute in “the way he handles women” and their yearnings and frustrations.
There also appears to be an element of nostalgic curiosity in the renewed interest in Zweig, especially as the centennial of the outbreak of World War I approaches. He called his memoir, published in 1942 and reissued in paperback last year, “The World of Yesterday,” and some of his best-known works take place in elegant, long-vanished settings, like ocean liners, spas in the Alps or a cavalry regiment serving on the frontier of the Hapsburg Empire, a world evoked by Wes Anderson in his recent film “The Grand Budapest Hotel.”
“I think it partly can be attributed to a larger ongoing interest in the disaster of the 20th century and taking its pulse,” said Edwin Frank, editorial director of New York Review Books Classics, which has published Zweig’s novel “Beware of Pity” and four of his novellas in recent years. “Zweig was both a chronicler of that world and a victim of the disaster, which makes him an intriguing figure.”
Some of the most recent interest obviously stems from Mr. Anderson’s film. He acknowledges Zweig’s work as inspiration, and the film, whose main character, played by Ralph Fiennes, even looks like Zweig, addresses some of the questions that preoccupied the writer, like the emergence of borders, passports and other impediments to mobility and freedom.
“The interest was already there, but it has accelerated hugely” since Mr. Anderson’s film opened at the Berlin Film Festival in February, said Adam Freudenheim, managing director of Pushkin Books, which has published more than a score of Zweig titles. “It’s not just about the film being seen. It’s also the fact that people are hearing and talking about Zweig on social media in a way that wasn’t true six months ago, and that has a direct impact on our sales.”
In “The Society of the Crossed Keys,” a sort of companion book to his film that is available in Britain but not yet in the United States, Mr. Anderson selects some of his favorite passages from Zweig’s work and, in a conversation with Mr. Prochnik, explains what about them appeals to him. Zweig provides “details of a universe most of us have no experience of, and that’s great to discover,” he says in their conversation.
In his lifetime, Zweig’s easily digestible style and penchant for short works made him an author whose writing was frequently adapted to film. More than 70 movies have been made from his stories. “Letter From an Unknown Woman,” a disturbing account of obsession and what today would be considered stalking, was filmed four times and also made into an opera.
Even before Mr. Anderson’s film, that seemed to be happening again: “A Promise,” an adaptation of “Journey Into the Past,” directed by Patrice Leconte, was released last month, and another French director, Bernard Attal, has made “The Invisible Collection,” in which Zweig’s story of the same name is adapted to modern-day Brazil.
In continental Europe, where Zweig never quite disappeared the way he did in the English-speaking world, there are other signs of revived interest. Laurent Seksik’s novel“The Last Days,” a French-language account of Zweig’s final six months, recently published in the United States by the Pushkin Press, has been a best seller there, and Volker Weidermann’s “Ostend: 1936, Summer of Friendship,” a German-language study of Zweig’s relationship with his fellow Austrian novelist Joseph Roth, has just been published to strongly positive reviews.
The enthusiasm about Zweig is by no means universal, as evidenced by a notorious takedown in The London Review of Books in 2010, in which the poet, critic and translator Michael Hofmann described Zweig’s work as “putrid” and dismissed him as “the Pepsi of Austrian writers.” But even Mr. Hofmann’s outpouring ended up contributing to Zweig’s greater visibility.
Zweig may also be benefiting from Anthea Bell’s sparkling new translations. Ms. Bell, who previously translated the Asterix comic books and the fairy tales of Hans Christian Andersen, has been praised for bringing a crisper, more contemporary tone to Zweig.
The Brazilian writer Alberto Dines, who met Zweig as a child and is the author of the biography “Death in Paradise: The Tragedy of Stefan Zweig,” notes that this is not the first Zweig revival. There was also a flicker of interest after World War II, with the posthumous publication of Zweig’s late work, and again around 1981, at the centennial of his birth.
The difference this time, Mr. Dines argues, is that the current round of what he calls Zweigmania runs the risk of “creating a mythology that subtly transforms him into a character in one of his own stories,” with fiction and reality confused.
It is perhaps best to think of Zweig, he continued, as an apostle of “pacifism, tolerance and fellowship” who, in the end, was overwhelmed by the ascent of obscurantism. “Every generation has its own Zweig,” he said, “and this is ours, the fruit of an imprecise nostalgia and yearning.”
A version of this article appears in print on May 29, 2014, on page C1 of the New York edition with the headline: Austrian Novelist Rises Anew.

Video com Alberto Dines sobre a Casa Stefan Zweig em Petropolis: https://www.youtube.com/watch?v=5Dc_ZSEl_Uw

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Stean Zweig, homenageado pelo Magazine Littéraire (Mai 2013)

Stefan Zweig

Soumise à de nouvelles éditions et traductions, à de nouvelles approches critiques, la diversité des écrits de Stefan Zweig permet de mesurer la puissance d’un homme de génie. Bâtisseur de légendes, ambassadeur des lettres européennes, Zweig s'impose comme un anthropologue moderne, alliant curiosité et bienveillance en perçant l'inquiétante étrangeté de la psychologie humaine.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Stefan Zweig - NYRBs editions




Dear Paulo Almeida,
We are pleased to announce the publication of Confusion by Stefan Zweig. This novella, in a new translation by Anthea Bell, is introduced by George Prochnik. For a limited time we are offering all NYRB Classics by Stefan Zweig at 30% off.

By Stefan Zweig
Introduction by George Prochnik
A new translation from the German by Anthea Bell


Roland is a young student who, after spending his early university days in Berlin strolling the streets and seducing young ladies, has agreed to focus on his academic career in a provincial university. He becomes fascinated by his new professor and is inspired to concentrate on his studies. The relationship benefits both of them since Roland persuades his teacher to finish the great work of scholarship that he has been laboring at for years.
Yet the professor's moods dramatically veer between enthusiasm and despair, and he disappears unexpectedly for days at a time. Furthermore, the professor's relationship with his much younger and beautiful wife is not as it should be. A puzzled Roland finds himself struggling as he tries to understand his own tenuous relationship with the couple.
As George Prochnik writes in his introduction: "In Confusion, people are befuddled about their feelings, their work, their duties, and their drives. Events spin round and round in a mad dance of discombobulation. Zweig brilliantly evokes the way that confusion can function as a pathogen—taking over the life of one person who then spreads that misapprehension willy-nilly among his intimates and on down through the generations."

$14.00 | Special Offer: $9.80


Read George Prochnik's introduction.

"Confusion is one of his finest and most exemplary works... a perfect reminder of, or introduction to, Zweig's economy and subtlety as a writer." —Robert Macfarlane, The Times Literary Supplement
Other titles by Stefan Zweig, also at 30% off

Introduction by
Peter Gay
Translated by
Joel Rotenburg

$12.95
Special Offer: $9.07

Introduction by
Joan Acocella
Translated by 
Phyllis and Trevor Blewitt

$16.95
Special Offer: $11.87 

Introduction by
André Aciman
Translated by 
Anthea Bell

$14.00
Special Offer: $9.80

Translated by
Joel Rotenberg

$14.00
Special Offer: $9.80
New York Review Books, 435 Hudson Street, Suite 300, New York, NY 10014
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sexta-feira, 13 de abril de 2012

Aprender com a Historia: Erasmo de Rotterdam (Stefan Zweig)

Estou lendo, na edição do Livre de Poche, em sua versão francesa, portanto, a obra que o grande escritor austríaco Stefan Zweig escreveu, em 1935, na Inglaterra, sobre o grande humanista do Renascimento:
Érasme: grandeur et décadence d'une idée
A capa reproduz o famoso quadro de Quentin Metsys, e na verdade todos os quadros conhecidos de Erasmo, sobretudo os de Hans Holbein, o jovem, o mostram cercado de livros ou escrevendo livros.
Não quero me comparar, mas eu também vivo cercado de livros, embora não tenha escrito nenhum tão famoso quanto o Elogio da Loucura (embora tenha escrito um "Elogio da Exploração", que não deve ter sido apreciado por certos marxistas obtusos).


A obra de Zweig reflete sua angústia com a chegada ao poder de Hitler, e o crescimento do fanatismo e da intolerância. Erasmo, o primeiro europeu, foi um humanista no sentido mais completo da palavra, amigo dos livros e do conhecimento, detestava todos os fanatismos.
O livro, feito em meio ao clima totalitário que já predominava em boa parte do mundo europeu, conserva toda a sua atualidade, em vista dos vários fanatismos que ainda vemos em várias partes do mundo, inclusive no Brasil, onde também predomina o segundo mal que Erasmo mais abominava: a ignorância, não a dos inocentes incultos, mas a dos arrogantes estúpidos, idiotas ativos que pretendem mandar e dominar.


Toda a angústia com essa situação levou Zweig a se suicidar, ao ver o seu mundo, que já tinha sido destruído uma primeira vez na Guerra de 1914-1918, descambar uma segunda vez no horror da segunda guerra mundial.
A despeito de apreciar Zweig, não pretendo, obviamente, seguir seu exemplo, ainda que eu também fique preocupado com o aumento da estupidez e da intolerância à minha volta.
Vou continuar lutando contra esses males tão comuns em todas as épocas.
Paulo Roberto de Almeida 

quinta-feira, 8 de março de 2012

Lotte e Zweig: uma vida para contar, uma morte para lamentar

Lotte e Stefan Zweig se suicidaram, conjuntamente, no Carnaval de 1942, em Petropolis, 70 anos atrás, portanto.
A história está bem contada no magistral livro de Alberto Dines, Morte no Paraíso, que recomendo, vivamente.
Estou lendo, neste mesmo momento, O Mundo de Ontem (em edição francesa), o último livro de Zweig, e o único autobiográfico, que talvez já tenha sido concebido e escrito como uma espécie de despedida de tudo e de todos, seu depoimento sobre um mundo que literalmente se acabou (mas isso já tinha ocorrido desde a Primeira Guerra Mundial).
Agora surge um novo livro, publicado no Brasil, por autor brasileiro. 
Vale a pena conhecer...
Paulo Roberto de Almeida 
Lotte & Zweig, a vida e a morte
Deonisio Silva
Observatório da Imprensa, 8 de março de 2012
No livro Lotte & Zweig, o escritor Deonísio da Silva faz uma reconstrução poética da vida e morte de Stefan Zweig, um dos escritores mais lidos na Alemanha, e de sua mulher, Charlotte Altmann.
Rico, pacifista radical, Zweig trocou cartas com Gorki e Freud, biografou Dostoievski, Napoleão e Maria Antonieta. Opositor de Hitler, deixou a Alemanha com a mulher em 1934 depois que a casa foi invadida pelo exército do ditador. Fugiram para a Inglaterra. Sete anos depois desembarcaram no Brasil para morrer. O suposto suicídio do casal na noite de 22 de fevereiro de 1942, em Petrópolis (RJ), até hoje é um mistério. No ano em que se completam 70 anos da morte, Deonísio recupera os últimos dias do casal e faz um desenho delicado de Charlotte que, pela primeira vez, ganha voz na tragédia. O autor joga luz sobre uma história que jamais deve ser esquecida.
A apresentação do livro é feita por Alberto Dines, mais um escritor que foi seduzido por aquela noite misteriosa. Com olhar mais investigativo do que poético, Dines escreveu Morte no Paraíso, que terá em breve sua quarta edição. Em 2005, o cineasta catarinense Sylvio Back transformou o livro de Dines no filme Lost Zweig.
A seguir confira a entrevista que o escritor Deonísio da Silva concedeu ao DC.
A visita à Casa Stefan Zweig
Stefan Zweig era escritor bem-sucedido quando virou alvo dos nazistas. O intelectual que biografou figuras como Dostoievski, Dickens, Balzac, Nietzsche... de repente fica sem pátria, sujeito às perseguições nazistas. Como foi reconstruir esta vida, já que a ficção vem de uma história real?
Deonísio da Silva– Primeiro me permita dizer que Lotte & Zweig é meu livro mais bonito e mais bem cuidado. A capa de Arlinda Volpato é um show. E a Michele Roberta da Rosa preparou muito bem o original antes de ele chegar à editora. Mas o berço do livro foi o seguinte: um dia estava assistindo a um documentário e vi que o Nilo, um dos maiores rios do mundo, começa com umas gotinhas escorrendo de umas pedras. Com meu romance Lotte & Zweig deu-se algo assim. Li as biografias de Stefan Zweig que fizeram o jornalista Alberto Dines e Donald Prater. Até então só tinha lido as biografias que Stefan Zweig fizera de célebres personalidades, como essas que você cita, e mais uma novela muito bem escrita, 24 Horas na Vida de uma Mulher. Todas essas leituras foram, porém, pequenas gotinhas no grande rio ou mar que deve ser um romance. Um conto é um riacho, uma lagoa, uma laguna, mas um romance, não! Fiquei com vontade de fazer um romance sobre Stefan e o neonazismo, mas a inspiração me levou a escrever outro livro, Orelhas de Aluguel, que publiquei em 1987 e do qual Stefan Zweig está ausente. A vida me levou a morar no Rio de Janeiro, onde vivo desde 2004. Eu não queria morar no Rio. Mas, como comecei a trabalhar muito cedo, aos 54 anos estava aposentado por tempo de serviço e não queria parar de trabalhar. Gosto de ser professor, gosto de ensinar, embora goste mais de escrever. Quando os jornalistas que me pautam na imprensa escrevem sob meu nome escritor e professor, é isso mesmo que eu sou. À luz dessas leituras, comecei a viajar, cada vez com mais frequência, a Petrópolis, onde viveram Stefan Zweig e Charlotte, sua segunda mulher, quase 30 anos mais jovem do que ele. A visita à casa, hoje Casa Stefan Zweig, mantida com verba da Alemanha, me permitiu ver os lugares que ambos dividiram: a sala, a cozinha, o quarto, o banheiro, a varanda, o jardim etc.
Algo de muito estranho aconteceu
Na recomposição de uma vida esquartejada o que foi possível perceber do ânimo do escritor em relação à vida? Será que Zweig desistiu de viver por desacreditar da possibilidade de voltar a ter uma vida normal ou de não se permitir uma vida normal?
D.S.– A melhor metáfora da perda da liberdade, das asas, de não ser pássaro, ser outra coisa, é ser pássaro preso na gaiola. Stefan era isso. Não apenas ele, os dois estavam presos do lado de fora. Eu acho que pelo menos ela não se suicidou. Não há indício nenhum disso. Lotte não escreveu nenhum bilhete de despedida, não disse nada sobre isso. Stefan Zweig disse, mas se cometeu o gesto extremo não temos certeza. De todo modo, ele não disse que fez um pacto com ela. Não disse e não escreveu! O presidente Getúlio Vargas, que passava os dias de pós-Carnaval em Petrópolis – eles morreram na noite de 22 para 23 de fevereiro de 1942 – proibiu a autópsia e impediu que os judeus levassem os corpos para enterrarem no Rio. Ora, os judeus não dão enterro a suicidas em seus cemitérios. Então, por que razão queriam os corpos? Quanto a ficar preso ao passado, isto, sim: ele e ela. Ela era judia-polonesa. Ambos estavam enredados numa teia terrível. E os nazistas estavam ganhando a Segunda Guerra Mundial, em 1942. E mais: o Brasil só rompeu com a Alemanha um mês antes de os dois morrerem! Há muitos mistérios nessas duas mortes.
No livro, você dá voz – ainda que silenciosa – para Lotte. A mulher que acompanhou o escritor sempre em segundo plano, ganha ares de quase-heroína nas horas que se seguiram à tragédia. Qual elemento fez com que você decidisse dar visibilidade a ela?
D.S.– Eu já estava escrevendo o romance, que comecei em 2007, quando Alberto Dines me disse: “Consegui as cartas de Lotte, foram publicadas em inglês.” Ele me mandou uma cópia e comecei a ler essas cartas. O romance tinha então 400 laudas. Abandonei quase tudo o que tinha escrito e recomecei de outro ponto de vista. Fiz um romance como se eu fosse um engenheiro. Os alicerces são o que foi a vida real de Stefan, mas sem o silêncio que os biógrafos impuseram a Lotte. No meu romance, a mulher dele tem o que dizer e diz muitas coisas, às vezes sem proferir palavra alguma, como é próprio das mulheres que, ao contrário do apregoado, mais fazem do que falam, porque se ficassem falando o tempo todo, como dizem, não seriam o que são, as figuras referenciais na vida de qualquer homem. Os dois viveram asfixiados, tanto no Rio quanto em Petrópolis. E Lotte, além desses sofrimentos, tinha o da asma. Aliás, foi por causa disso que foram em busca dos bons ares da cidade imperial de Petrópolis. O que me fez dar visibilidade para Lotte foi que morto sempre fala. Naquela noite, algo de muito estranho aconteceu. E ninguém sabia até agora. Agora, quem ler o livro, saberá. Eu inventei. A literatura é isso: é a história proibida das pessoas, das personagens. Ao inventar, encontramos verdades incômodas. Se mortos falam, o certo é que até agora só tinha falado o marido! A mulher dele, não!
“Senhor, dai-me a castidade, mas não já!”
Em Lotte: Pedaços de um Diário, longe de ser uma mulher submissa, ela aparece como uma pessoa culta e atenta ao que acontecia à sua volta. A submissão foi uma arma de domínio?
D.S.– Lotte era fluente em cinco línguas. E ajudava muito o seu amado, um homem mais velho, por quem ela se apaixonou no frescor dos seus verdes anos. Mas ele não falou dela nas despedidas que fez. Então, valeu a pena Lotte esperar por mim, sem vaidade eu digo, mas com orgulho! Betty Milan, psicanalista e escritora, sempre me diz: “Deo, você dá muita atenção às mulheres em seus romances e contos! Por quê?” Eu acho que é pela falta que elas me fizeram na adolescência: só tive professoras no primário e na universidade. Todo o ensino médio me foi ministrado por padres, que nem homens completos eram porque o celibato os privava de conhecer a mulher, que acabavam conhecendo por frestas, as confissões, confidências contidas. Padres que foram meus professores nos seminários de São Ludgero e de Tubarão, vieram me contar, em outra idade, quando os reencontrei por volta dos meus 40 anos, quando muitos deles não eram mais padres, que um homem sem mulher, por mais que se esforce, não é um homem pleno. Não me refiro apenas ao sexo, este pode ser obtido de outras formas. Eu me refiro à mulher, cuja ausência é tão sentida por todos nós, homens! Eu ouvi Lotte em confissão, digamos assim. Fui uma espécie de padre ou psicanalista para essa mulher extraordinária que tem tanto o que dizer. Afinal morreu abraçada ao cadáver do marido, tornando-se cadáver ela também!
Não é paradoxal que o homem que escreveu o livro que virou uma espécie de slogan Brasil – O País do Futuro– foi justamente escolher este mesmo país para acabar com o seu futuro?
D.S.– Nós precisamos tomar cuidado para não cair nas armadilhas da História. Nero foi um imperador sanguinário? Foi! Mas, antes de se suicidar (será que se suicidou, mesmo?), depois de um golpe de Estado, fez uma reforma agrária na África, uma reforma que prejudicou os generais e seus amigos latifundiários. Eu descobri isso lendo o que Santo Agostinho escreveu sobre música! Eu gosto muito desse santo que é filósofo e teólogo, e rezava assim: “Senhor, dai-me a castidade, mas não já!” Ele teve um filho, o Adeodato, com uma jovem a quem ninguém dá nome, mas eu descobri que se chamava Melânia. Todos só falam da sogra dela, Santa Mônica, mãe de Santo Agostinho. E Agostinho fala das mulheres como se não falasse. É dele a frase célebre “Mulier, janua Diaboli”, traduzida para “mulher, janela do Diabo”. Mas janua em latim é porta. Janela é fenestra. Portanto, é porta aberta para o Diabo, não janela apenas, entendendo aqui por Diabo tudo o que se opunha à doutrina cristã, como os deuses pagãos.
Os nazistas queriam matar apenas Zweig
Na sua opinião o que aconteceu realmente naquela noite de 1942?
D.S.– Stefan Zweig era inimigo público dos nazistas. Albert Speer, arquiteto de Hitler, disse a Alberto Dines pouco antes de morrer que a morte de Zweig foi muito comemorada na Alemanha. Aliás, Speer morreu minutos antes de dar uma entrevista à BBC. Muitas mortes tidas como suicídios foram depois comprovadas como assassinatos. Eu acho que os assassinatos de Stefan Zweig e sua mulher Charlotte Altmann Zweig, ocorridos na noite de 22 para 23 de fevereiro de 1942, ainda não foram comprovados. Só isso. Naquela noite teve seu desfecho um plano diabólico, concebido e executado muito tempo antes por doutores em matar os outros, de modo a fazer com que as mortes parecessem suicídios. Não posso provar isso, mas eu não preciso provar nada! Sou um romancista, não um historiador. Os romancistas mentem menos do que os historiadores, pode crer! Nenhum deles comprovou que foi suicídio. Por que não foi feita autópsia? E todo escritor tem um lado feminino, o da intuição. Quando uma mulher diz que não foi com a cara de alguém, eu fico procurando onde esse cara me enganou, já que não percebi o que apenas ela percebeu! Eu acho também que a morte de Lotte foi um acidente. Ela deve ter aparecido ou acordado em momento impróprio. Os nazistas queriam matar apenas Zweig. Na verdade, talvez não tenham ido lá para matá-lo, mas para sequestrá-lo, mas daí seria contar o romance e este prazer eu não vou tirar dos leitores.
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[Deonísio da Silva é escritor, doutor em Letras pela USP e autor de 34 livros. Os mais recentes são A placenta e o caixão (crônicas), A língua nossa de cada dia (colunas de língua portuguesa) e Lotte & Zweig (romance). É um dos vice-reitores da Universidade Estácio de Sá