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quarta-feira, 5 de julho de 2006

562) Um diplomata um pouco menos obscuro...

Secretário-geral do Itamaraty põe em dúvida ganhos com acordos comerciais
Raquel Landim
Jornal Valor Econômico, 05/07/2006

O secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães Neto, classifica a si mesmo como "obscuro". Avesso aos jornalistas, o embaixador, um dos formuladores da política externa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não dá entrevistas. Na última segunda-feira à noite, em uma de suas raras aparições públicas, entre uma intervenção e outra dos demais debatedores, falou por quase uma hora em um evento em São Paulo.

Guimarães Neto expôs com clareza sua visão sobre qual deve ser o objetivo da política externa de um segundo mandato de Lula. Ele está preocupado com o desenvolvimento e com a geração de empregos, mas não acredita que os acordos de livre comércio possam contribuir para esses objetivos. Ao contrário, teme que os acordos limitem a capacidade do Estado intervir na economia.

Durante o encontro, o embaixador disse que, "se a indústria brasileira fosse competitiva, o Brasil seria um país desenvolvido". Também enfatizou que, "se a população se alimentar bem, o Brasil não deve ser um grande exportador agrícola no futuro". Guimarães Neto responsabilizou os Estados Unidos pela estagnação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e classificou o ingresso da Venezuela no Mercosul, celebrado ontem em Caracas, como "fundamental".

Com uma platéia composta majoritariamente por estudantes, o encontro de ontem reuniu um bom número de pessoas em uma sala do hotel Maksoud Plaza, na região da Avenida Paulista. O evento foi organizado pela agência de notícias Carta Maior, pela Fundação Perseu Abramo e mediado pelo professor Flávio Aguiar. Além do secretário-geral do Itamaraty, também participaram os economistas Paulo Nogueira Batista e Luiz Gonzaga Belluzzo e o cientista político José Luís Fiori.

Guimarães Neto foi o primeiro a falar. Ele defendeu que o desafio do próximo governo é a aceleração do desenvolvimento, a geração do emprego e a redução das disparidades, e que o desafio da política externa é garantir as condições internacionais para alcançar essas metas. "Isso em um ambiente nacional hostil a políticas de desenvolvimento e em um ambiente internacional muito difícil pelas características da globalização, que tem como seus objetivos a uniformização do mundo para evitar que existam projetos nacionais", agregou.

O embaixador explicou à platéia que, a partir da Rodada Uruguai, os acordos de livre comércio estabeleceram normas para políticas que antes eram responsabilidades dos Estados: propriedade intelectual, investimentos, compras governamentais, entre outras. "Esses acordos advogam uma série de princípios, como a autonomia do Banco Central, e tentam transformá-los em regras internas", disse. "O esforço que se tem que fazer nesse campo é preservar a capacidade de ter políticas nacionais".

O secretário-geral do Itamaraty alertou que os países ricos não só subsidiam a agricultura, mas também a indústria. Apesar dos subsídios à indústria terem sido proibidos, Guimarães Neto acredita que as políticas de defesa funcionam como um subsídio disfarçado à indústria, pois os orçamentos milionários permitem estimular setores como aviação, têxteis ou siderurgia. Durante o debate, ele chegou a colocar em dúvida os benefícios da abertura de mercados para os produtos agrícolas brasileiros. "Alimentando a população brasileira a um nível médio, você não terá muita sobra. Não é que não tenha terra agricultável, mas hoje nós produzimos para alimentar a pecuária lá fora", afirmou.

O clima do debate era descontraído, como um encontro entre amigos. Provocados pelo mediador, os palestrantes fizeram pequenas intervenções sobre diversos temas ligados à política externa, mas predominaram as questões sobre a Alca e a integração da América do Sul.

"O Mercosul até hoje é um esquema comercial", disse Guimarães Neto, acrescentando que é preciso transformar o bloco em um projeto de desenvolvimento econômico. Ele demonstrou preocupação com os acordos fechados entre os países da América do Sul e os Estados Unidos. "Dado o desequilíbrio que existe, as dificuldades econômicas que esses países virão a apresentar no futuro serão muito grandes".

O embaixador - que nasceu no Rio de Janeiro em 1939 e ingressou no Itamaraty em 1963 - afirmou ainda que a ascensão da Venezuela ao Mercosul "é fundamental", já que o país possui reservas "extraordinárias" de petróleo e gás e o bloco enfrenta dificuldades nessa área. "Alguém está interessado nesse gás. Os Estados Unidos são grandes importadores", disse. "Temos a necessidade de promover a integração física da América do Sul".

Questionado pela platéia sobre as vantagens e desvantagens da Alca, Guimarães Neto respondeu que a responsabilidade pela a estagnação das negociações não é do Brasil, mas dos EUA. Na sua opinião, a maior economia de um bloco comercial tende "a atrair capitais, concentrar investimentos e desarticular estruturas industriais que se criaram através da proteção do passado". Por isso, a indústria brasileira sofreria perdas. "Há pessoas no Brasil que acham que a indústria nacional é altamente competitiva. Se fosse, nós seríamos um país desenvolvido", disse. Ele não citou nenhuma vantagem da Alca.

Ao final do debate, a reportagem do Valor pediu a Guimarães Neto que esclarecesse algumas dúvidas sobre seus comentários. Ele pediu desculpas educadamente e - enquanto autografava seu mais novo livro que estava à venda na porta do evento - disse que não dava entrevistas. "Sou assim mesmo, obscuro", afirmou.

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