Estamos sempre sendo pegos de surpresa. Leiam a matéria abaixo transcrita do jornalista econômico do Estadão, Rolf Kuntz, a propósito de algumas jabuticabas que vem sendo regadas, colhidas e distribuídas, fartamente, pelos nobres congressistas e outros luminares do Executivo.
Seja na inarredável capacidade de transformar uma lei ruim (a reserva de mercado para jornalistas) em algo pior ainda, seja nessa aberração gastronomica que consiste em enfiar mandioca, contra a nossa vontade, no pão nosso de cada dia, seja aprovando a reserva de mercados para "masturbadores sociais" (perdão, sociólogos e "filósofos") nas escolas do ciclo médio, seja inventando todos os dias mais e mais trambolhos obrigatórios - e que custam dinheiro do contribuinte -- ou em muitas outras coisas mais, nossos legisladores e dirigentes políticos provam todo dia uma verdade singela:
- Não há nada que esteja tão ruim que não possa piorar um pouco mais.
O Brasil é a própria materialização da lei de Murphy, com requintes de crueldade, pois não se trata apenas de coisas que "dão errado". Isso não: se trata de buscar deliberadamente coisas erradas, e da forma mais estúpida possível.
Um último aviso: meu artigo sobre a Teoria da Jabuticaba II, foi publicado no site do Instituto Millenium, neste link.
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MÍDIA & CONGRESSO
A caixinha de surpresas do Legislativo
Por Rolf Kuntz em 11/7/2006
Observatório da Imprensa, neste link.
Não é só o futebol. Toda a vida é uma caixinha de surpresas, principalmente para quem se julga informado pelos jornais, tevês e rádios. De repente, na terça-feira, dia 4, o Senado aprovou regras adicionais para a profissão da jornalista. Pela nova lei, jogadores, técnicos e juizes de futebol ficarão proibidos de trabalhar como comentaristas, se não tiverem diploma de comunicadores. Assessores de imprensa também terão de ser diplomados. Quantos leitores, mesmo entre os jornalistas, sabiam desse projeto antes de sua aprovação?
O público é surpreendido com freqüência pela aprovação de projetos desconhecidos até a votação final no Congresso. Na mesma semana, foi aprovada a lei de diretrizes para a formulação da política nacional da agricultura familiar. A lei define as áreas de ação dessa política – pesquisa, seguro, crédito, previdência etc. – e atribui ao presidente da República a função de regulamentar sua aplicação.
É uma lei importante e de conteúdo polêmico, mas sua tramitação não havia sido acompanhada pelos meios de comunicação. Um dia depois de aprovada, só o Valor publicou matéria sobre o assunto.
Também não basta o registro ocasional de certos temas, como se pauteiro, repórter e editor apenas cumprissem a obrigação de assinar o ponto. Na semana passada, jornais mencionaram o projeto de lei sobre o uso obrigatório de fécula de mandioca na produção de pães. A notícia saiu porque industriais e padeiros, diante da omissão da imprensa, decidiram fazer mais barulho.
Esse projeto é uma das obras-primas do atual presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo. Na formulação original, era muito mais ambicioso. Durante a tramitação, foi emendado e o uso obrigatório da fécula de mandioca ficou limitada aos pães.
Durante a maior parte do tempo a imprensa desprezou o tema. Mas não se pode tratar um projeto desse tipo como assunto menor. Na sua forma inicial, a proposta afetava toda a indústria de massas e, naturalmente, restringia os direitos do consumidor. Quem quisesse, por exemplo, comer um macarrão decente seria obrigado a comprar o produto importado. Decidiu-se mudar o texto, restringindo seu alcance, mas a violência não foi eliminada.
Se for aprovado, esse projeto poderá valer como precedente para qualquer imposição igual ou mais grave. Detalhe: uma norma não deixa de ser autoritária por ter sido aprovada pelos congressistas.
Cobertura insuficiente
Mas a falha do noticiário não resulta apenas de erros de julgamento de pauteiros, editores e repórteres. Também reflete a cobertura insuficiente da atividade legislativa. Jornalistas econômicos dão pouca atenção ao trabalho dos congressistas, enquanto repórteres políticos quase só se dedicam às questões eleitorais e partidárias. De modo geral, os projetos são acompanhados com regularidade somente quando há um intenso confronto entre governo e oposição. Os demais ficam na sombra, seja qual for sua importância objetiva. Quem tem seguido, por exemplo, a tramitação do projeto sobre normas para acordos internacionais de comércio?
Durante muito tempo, predominou na imprensa a cobertura de endereços. O noticiário dependia essencialmente de setoristas em ministérios, casas legislativas, autarquias e companhias estatais. O setorista da Fazenda nem sempre se preocupava com as atividades de outros ministérios econômicos. Esse padrão era ruim, mas as deficiências eram compensáveis, quando um editor com espírito de repórter (bicho cada vez mais escasso) fazia o meio de campo.
O estilo de cobertura mudou. A especialização, hoje, é mais por assunto do que por endereço. Mas falta, com freqüência, a percepção do detalhe, só possível quando se acompanham, por exemplo,a atividade técnica nos ministérios e o trabalho das comissões na Câmara e no Senado.
O noticiário é prejudicado tanto por problemas de critério quanto por deficiências de organização. O leitor é duplamente lesado – como consumidor de informações e como cidadão. Como consumidor, paga por um serviço deficiente. Como cidadão, fica sujeito a receber de leis importantes como fatos consumados, porque os meios de comunicação pouco ou nada informaram, antes, sobre os projetos.
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
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