Internacional
No tropeço, aprende-se a andar
Diogo Schelp
Revista Veja, edição 2157 - 24 de março de 2010
CHOQUE DE REALIDADE - A visita de Lula ao Oriente Médio foi marcada por uma agenda equivocada. O que o presidente ouviu de israelenses e palestinos serve de lição para a diplomacia de seu governo
Para um aluno atento, o Oriente Médio é a escola ideal para aprender algo da arte de mediar conflitos. Na semana passada, Lula tornou-se o primeiro chefe de estado brasileiro a visitar Israel e, induzido por seus áulicos da política externa, acreditou que estava ali para ensinar. Lula fez o papel ridículo de costume no cenário internacional. A diferença é que desta vez o palco era privilegiado e a região, um barril de pólvora que desafia a diplomacia mundial há gerações. "O vírus da paz está comigo desde o útero da minha mãe", disse Lula em encontro com empresários, em Jerusalém. O que ele ouviu de israelenses e palestinos mostrou que todos estão vacinados contra esse vírus e cansados de retórica de má qualidade. Como até o chanceler Celso Amorim foi obrigado a reconhecer em sua escala na Síria, a excursão petista de cinco dias à Terra Santa foi um fracasso. Segundo Amorim, sua "megalomania" não chegava ao ponto de levá-lo a acreditar que o Brasil tivesse alguma influência na solução do conflito.
Uma a uma, as teses da diplomacia brasileira a respeito do processo de paz no Oriente Médio foram derrubadas pelos fatos. A primeira a cair foi a da neutralidade brasileira. Em Ramallah, Lula colocou flores no mausoléu do líder palestino Yasser Arafat. Um dia antes, por decisão de seu assessor Marco Aurélio Garcia, o presidente ofendeu os israelenses ao se recusar a prestar homenagem semelhante no túmulo de Theodor Herzl, fundador do sionismo. O episódio deixou clara a preferência do governo Lula pela causa palestina. A segunda tese a cair foi a da diplomacia de sindicato – algo como "só o diálogo liberta". "Quando eu fazia uma greve, o pior erro que a gente cometia era dizer que não ia conversar com o empresário", disse Lula, recordando seus tempos de metalúrgico no ABC paulista. O presidente usou o exemplo para reforçar a ideia de que é preciso incluir outros países, como o Irã, nas negociações entre árabes e israelenses. Nas conversas com políticos e autoridades de Israel e da Cisjordânia, no entanto, o presidente brasileiro descobriu que nenhum lado do conflito quer a interferência do Irã. Os israelenses temem os planos dos aiatolás de construir a bomba atômica. Os árabes, como deixou bem claro o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, são prejudicados pelo apoio financeiro do Irã ao Hamas, mistura de grupo terrorista e partido palestino. Em maio, Lula fará uma visita ao Irã. Se ele quiser ajudar, disse Abbas, o melhor a fazer é pedir ao governo iraniano que pare de se meter nos assuntos internos dos palestinos. "A insistência do Brasil em apoiar o Irã mostra que o país tem baseado sua política externa no antiamericanismo", disse a VEJA o advogado iraniano Payam Akhavan, ex-promotor do Tribunal Internacional de Haia.
A terceira tese da diplomacia brasileira a receber um choque de realidade refere-se ao papel dos Estados Unidos no processo de paz. Enquanto Lula tentava convencer seus interlocutores de que o Oriente Médio precisa é de uma dose de pacifismo brasileiro, um desentendimento entre Estados Unidos e Israel mostrou o que, na verdade, move as negociações: um pouco de pressão da superpotência. O governo americano irritou-se com o fato de que, há duas semanas, durante visita do vice-presidente americano Joe Biden, Israel anunciou a construção de 1 600 casas em Jerusalém Oriental – a parte da cidade santa reivindicada pelos árabes. A medida punha a perder a tentativa do governo americano de retomar as conversas entre palestinos e israelenses. "Israel recebe bilhões de dólares em ajuda financeira dos Estados Unidos. Nenhum outro país, e menos ainda o Brasil, tem em seu poder um instrumento de pressão como esse", disse a VEJA a historiadora norueguesa Hilde Henriksen, pesquisadora do Instituto Internacional para Pesquisas de Paz, em Oslo. Lula viu "mágica" no atrito entre Estados Unidos e Israel. Nada disso. Os governos dos dois países já divergiram outras vezes no passado – e, quase sempre, o resultado foi Israel se vendo na obrigação de rever políticas que prejudicavam os árabes. Na sexta-feira, Estados Unidos, Rússia, Nações Unidas e União Europeia deram um prazo de dois anos para que israelenses e palestinos cheguem a um acordo. Lula, o virótico da paz, não foi nem consultado.
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