O último orçamento de Lula
Editorial - O Estado de S.Paulo
08 de setembro de 2010
Ao fixar em valores a meta do superávit primário para o próximo ano, e não mais em porcentagem do PIB, como vinha ocorrendo, o projeto de lei orçamentária de 2011- enviado pelo presidente Lula ao Congresso na terça-feira da semana passada - cria uma margem extra de gastos para o futuro governo. Essa margem será tanto maior quanto mais o crescimento da economia superar as estimativas oficiais que balizam a proposta orçamentária e que são consideradas conservadoras dentro do próprio governo. Assim, o projeto do Orçamento da União de 2011 intensifica o processo de deterioração da política fiscal, que vem sendo afrouxada nos últimos anos para acomodar despesas de interesse político do presidente e de seus aliados.
Para o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, a mudança do critério de fixação da meta do superávit primário dá mais "clareza" à gestão orçamentária. É muito provável, no entanto, que, em vez de mais "clareza", a nova regra dificulte a avaliação da política fiscal no ano que vem.
Mesmo raciocinando a partir dos parâmetros conservadores do governo para a montagem do Orçamento de 2011, pode-se concluir que haverá um afrouxamento da meta fiscal em relação aos anos anteriores. Se o PIB crescer 6,5% neste ano e 5,5% em 2011, como está previsto na proposta orçamentária, o valor de R$ 125,5 bilhões para o superávit primário do ano que vem corresponderá a 3,22% do PIB, menos do que os 3,31% utilizados no Orçamento de 2010. Em valor, observou o ministro, a diferença será pequena, de R$ 3,1 bilhões, se os parâmetros estiverem corretos.
Mas é provável que o PIB cresça mais do que as projeções contidas na proposta orçamentária, o que fará a arrecadação crescer bem mais do que está previsto e tornará muito maior a folga do próximo governo para gastar mais no primeiro ano de sua gestão, sem deixar de cumprir a meta de superávit primário.
Outra marca da proposta orçamentária é a preocupação do presidente Lula de assegurar a continuidade de um projeto de inspiração política e escassos resultados práticos, que é o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Em 2011, o PAC terá 37% mais recursos do que está tendo este ano (os investimentos passarão de R$ 31,85 bilhões para R$ 43,52 bilhões). Seria bom para o País se esses investimentos fossem concretizados, mas, se a próxima gestão repetir a atual, pouca coisa sairá do papel. O que o histórico da administração do PAC mostra é uma grande lentidão na liberação dos recursos e, sobretudo, na conclusão das obras.
A proposta prevê aumento de 15% dos investimentos totais (de R$ 138,5 bilhões para R$ 159,6 bilhões), mas praticamente dois terços do total programado serão de responsabilidade de empresas estatais (só a Petrobrás deverá investir R$ 78,7 bilhões), ou seja, não beneficiam diretamente programas e ações do governo federal.
Com relação aos gastos com pessoal, depois de ter concedido generosos benefícios a todas as carreiras de servidores, em sua última proposta orçamentária o governo Lula se mostrou mais contido. Incluiu nela apenas as parcelas dos benefícios anteriores que devem ser pagas em 2011.
É preciso, no entanto, aguardar algumas arrastadas negociações políticas - que deverão se realizar somente depois de conhecidos os resultados eleitorais - para saber, na realidade, quanto dessa proposta original do governo poderá ser executado, e quanto terá de ser destinado para outras contas.
O projeto de lei não prevê, por exemplo, aumento real para o salário mínimo, cujo valor baliza outras despesas do governo. A cada ano, o salário mínimo tem sido aumentado de acordo com o crescimento do PIB de dois anos antes. Como em 2009 o PIB encolheu 0,2%, não deveria haver aumento real em 2011. Mas as lideranças sindicais, que negociaram essa regra com o governo, exigem aumento real do mínimo também no ano que vem. O presidente Lula quer que o próximo governo negocie a nova regra.
Se houver aumento real para o mínimo, crescerão outros gastos do governo. A cada 1% adicional no mínimo, as despesas do governo com a Previdência, com a seguridade social e com o abono salarial e seguro-desemprego aumentarão R$ 1,46 bilhão.
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JORNALISMO ECONÔMICO
Os detalhes que importam
Por Rolf Kuntz
Observatório da Imprensa, 7/9/2010
Cobrir a capitalização da Petrobras tem sido um duplo desafio. Além de correr atrás da notícia, o pessoal tem suado para montar esquemas gráficos e explicar o processo montado pelo governo. Não é fácil esmiuçar, por exemplo, a cessão onerosa de cinco bilhões de barris de petróleo da União, a forma de converter em dinheiro essa participação e a relação contábil entre a empresa e o Estado. De modo geral, a imprensa tem conseguido realizar a tarefa. De vez em quando, algum jornal se adianta. A Folha de S.Paulo, por exemplo, informou em manchete a discussão sobre o campo inicialmente escolhido para a cessão à Petrobras. A reserva desse campo – Franco – poderia ser menor que os cinco bilhões de barris.
Foi um belo ponto. Não houve desmentido e o arranjo oficial, anunciado poucos dias depois, envolveu a cessão de seis campos e, além disso, um sétimo, o de Peroba, foi escolhido como reserva e precaução. Os jornais informaram com vários dias de antecedência o preço provável do barril de petróleo: US$ 8,50 ou algo muito próximo. Seria a média aritmética dos valores extremos sugeridos por duas consultorias, uma contratada pela Petrobras (US$ 5), outra pela Agência Nacional do Petróleo (US$ 12).
O valor finalmente informado pelo governo foi US$ 8,51. Esse preço foi apresentado como a média ponderada dos valores estimados para cada um dos seis campos. Foi uma coincidência extraordinária. Escreverá uma das melhores histórias do ano – e certamente uma das mais divertidas – quem contar como foram estimados o potencial de cada campo e o preço do petróleo de cada um e quem orientou o trabalho.
Manobras contábeis
O esquema de transferência dos cinco bilhões de barris foi apresentado oficialmente na quarta-feira (1/9). No dia seguinte a Petrobras anunciou os primeiros detalhes do lançamento de ações. Na sexta-feira (3), só o Valor Econômico deu um bom resumo das novas informações, com a estimativa de captação de cerca de R$ 128 bilhões. Os outros jornais tiveram provavelmente problema de horário e só publicaram no sábado o resumo do prospecto.
O governo tem montado uma complicada arquitetura financeira para levar adiante seus planos sem comprometer, pelo menos de forma ostensiva, a meta fiscal. Os arranjos diretos entre a União e a Petrobras são apenas parte desse esforço. Os esquemas de capitalização da Caixa Econômica Federal e do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) também são exemplos de criatividade, com transferências de ações de estatais e até de direitos do Tesouro sobre futuros dividendos.
Quatro jornais citaram os fatos, na edição de quarta-feira (1/9). A história mais detalhada foi escrita por Adriana Fernandes e Fabio Graner, do Estado de S.Paulo. Conseguiram descrever os lances contábeis e mostrar como o Tesouro ainda conseguiria melhorar suas contas com uma receita não-tributária.
Dados confusos
Os dois outros grandes assuntos da mesma semana foram a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central e a divulgação das contas nacionais do segundo trimestre – e, portanto, do primeiro semestre completo.
O Copom simplesmente manteve os juros básicos em 10,75%, sem surpresa para os analistas econômicos. Porta-vozes do setor privado também reagiram como se previa: reclamaram porque o BC manteve os juros, em vez de cortá-los. Apesar da previsibilidade, os meios de comunicação gastaram o espaço e o tempo habituais com essas declarações.
As contas nacionais, divulgadas na sexta-feira (3/9) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foram noticiadas em matérias amplas, mas sem novidade no tratamento. As imprecisões também foram as de sempre. O Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre foi 8,8% maior que o de igual período do ano passado. Segundo os jornais, o PIB cresceu 8,8% no período de abril a junho e 8,9% no primeiro semestre. Não tem sentido, em casos como esses, o verbo "crescer". Pode-se usar esse verbo quando se trata de períodos consecutivos: no segundo trimestre o PIB cresceu 1,2% em relação ao primeiro e 4,9% em termos anualizados. Da mesma forma, o PIB cresceu 5,1% nos últimos quatro trimestres sobre os quatro imediatamente anteriores.
Também ocorreu, pelo menos em alguns jornais, uma confusão nos dados sobre o investimento. O valor investido no segundo trimestre foi 26,5% maior que o de um ano antes. Houve quem falasse em recorde de investimento. Mas o recorde foi apenas a diferença entre aqueles dois valores. A taxa de investimento (medida em relação ao PIB) foi 17,9% foi maior que a do segundo trimestre de 2009 (15,8%), mas inferior à do mesmo período de 2008 (18,4%).
Cuidar desses detalhes não é preciosismo.
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