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sábado, 7 de maio de 2011

A esquizofrenia economica do G20 comercial -- protecionismo agricola chines

Quando o G20 (comercial) foi constituído, em Cancún, em setembro de 2003, o governo Lula (o presidente, o chanceler e outros iludidos) saíram alardeando por aí as virtudes eméritas do novo grupo de países em desenvolvimento. O presidente, que gosta de figuras ilustrativas (geralmente erradas) chegou a falar que "tínhamos dado um truco nos países desenvolvidos". Um erro crasso, pois a única coisa que fizemos foi impedir que europeus e americanos consumassem um acerto agrícola às nossas custas na Rodada Doha da OMC.
Mas eu alertei, desde o início, para o caráter totalmente esquizofrênico do G20 comercial, composto de exportadores agrícolas competitivos, que pretendiam reduzir o protecionismo agrícola e o subvencionismo renitente dos países avançados, ao mesmo tempo em que se calava, e de fato protegia, o subvencionismo e o protecionismo agrícolas de alguns dos seus próprios membros, a começar pelos gigantes China e Índia.
Ora, todos sabemos que se houver expansão da demanda agrícola no mundo ela virá sobretudo de países emergentes, como os dois citados.
Defender, ocultar, até proteger as práticas deletérias desses dois grandes nos mercados agrícolas mundiais só pode ser visto, assim, como uma burrice monumental, como uma ação deletéria do ponto de vista dos interesses nacionais, como uma traição à pátria.
Sempre me surpreendeu que jornalistas não chamassem a atenção para esse fato, no entanto tão evidente. Parece que agora começam a fazê-lo.
Não sei se burrice é contagiosa, mas no caso de certas pessoas do governo anterior, a motivação era puramente ideológica e totalmente estúpida, para sermos mais claros...
Paulo Roberto de Almeida

O protecionismo agrícola chinês
Raquel Landim
O Estado de S.Paulo, 4 de maio de 2011

Não é nenhuma novidade contar que a China é um grande comprador de commodities brasileiras. O país asiático se tornou o maior parceiro comercial do Brasil adquirindo minério de ferro, soja e petróleo. Esses produtos respondem por mais de 80% das exportações brasileiras para a China. Em sua recente viagem a Pequim, a presidente Dilma Rousseff arrancou um compromisso – ainda teórico – dos chineses de aumentar as compras de manufaturados do Brasil.

Fica a impressão de que a China é um excelente cliente dos agricultores brasileiros, que vendem matérias-primas. É verdade, mas apenas em parte. A China é hoje o principal comprador de soja brasileira e absorveu 66% do grão vendido pelo País no exterior no ano passado, o equivalente a US$ 7,92 bilhões. O problema é que esse produto responde por mais de 90% das exportações agrícolas do Brasil para a China. Não parece, mas os chineses são extremamente protecionistas na agricultura.

“Se a China exporta manufaturados para o Brasil, tem que compensar e permitir a entrada de nossos produtos agrícolas. É nesse setor que somos competitivos”, disse ao blog Pedro de Camargo Neto, presidente da Associação dos Exportadores de Carne Suína (Abipecs). “Queremos que o governo demonstre aos chineses as dificuldades que a nossa agroindústria enfrenta com as barreiras sanitárias”, completou Carlos Gilberto Farias, presidente do conselho da agroindústria da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Vejam o exemplo da própria soja. Mais de 90% das exportações brasileiras são de grão, ao invés de farelo e óleo, que possuem valor agregado mais alto. Os chineses praticam uma “escalada tarifária” no complexo soja: cobram 3% de imposto de importação do grão, 5% do farelo e 9% do óleo. O setor também desconfia de outras barreiras informais, como isentar apenas o grão de impostos internos. Com essas políticas protecionistas, os chineses desenvolveram uma robusta indústria processadora de soja e desestimularam essa atividade no Brasil. A China é hoje o quarto maior produtor mundial de soja, com 17 milhões de toneladas, mas esmaga 50 milhões de toneladas.

A avaliação do agronegócio brasileiro hoje é que a melhor estratégia é tentar viabilizar a exportação de carne para a China. A produção de carne bovina, suína e de frango representa uma agregação de valor ainda maior, porque os animais são alimentados com ração a base de farelo de soja e milho. Mas não é tarefa fácil. Na visita de Dilma, foi liberada a importação de carne suína proveniente de treze frigoríficos. A batalha de conquista desse imenso mercado deve ser dura.

A China já permite a entrada de carne bovina e de frango do Brasil, mas os volumes exportados ainda são insignificantes por conta das retrições de cotas e do pequeno número de frigoríficos habilitados a exportar. No ano passado, os chineses absorveram 130 mil toneladas de carne de frango e apenas 1,4 mil toneladas de carne bovina do Brasil. As exportações totais do País chegam a 3,8 milhões de toneladas de carne de frango e 1,2 mihão de toneladas de carne bovina.

A pedido do blog, André Nassar, diretor-executivo do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone) , calculou quanto o Brasil perde com o protecionismo agrícola chinês. Ele avaliou os setores de soja, carnes, açúcar e algodão. O levantamento considerou que, sem as barreiras, o Brasil pode alcançar nas importações chinesas a mesma participação nesses produtos que detém no mundo. Isso significa US$ 1 bilhão a mais em exportação por ano.

É importante vender mais manufaturados para a China, país cujo consumo cresce exponencialmente. Mas a verdade é que pouquíssimos setores tem condições de competir com a máquina de produção chinesa. O agronegócio é um deles. Vale a pena o governo brasileiro pressionar pela derrubada do protecionismo agrícola chinês.

2 comentários:

Bruna K disse...

Em primeiro lugar, isso não me parece pequeno: "pois a única coisa que fizemos foi impedir que europeus e americanos consumassem um acerto agrícola às nossas custas na Rodada Doha da OMC". Deve-se ressaltar que os subsídios agrícolas indianos tem a ver com centenas de milhões de pessoas que sobrevivem por conta da agricultura de subsistência. A China nunca chegou a se engajar no G-20 como Brasil e Índia justamente por contar com grandes somas de subsídios. Portanto o que me parece esquizofrênica é a análise do próprio autor. Além disso, deve-se sempre recordar que, enquanto a agropecuária é essencial para os países em desenvolvimento evitar o êxodo rural, os processos de favelização e de aumento da insegurança pública, nos países desenvolvidos não há motivo plausível para a manutenção de altos subsídios para sustentar 5 agricultores bilionários. No mundo em desenvolvimento, às vezes, políticas de distorções comerciais são necessárias; o discurso do mundo desenvolvido que é vazio e, nesse sentido, a formação do G-20 é essencial para denunciar tais políticas protecionistas.

Paulo Roberto de Almeida disse...

Bruna K,
Você comete aquilo que os adeptos da lógica formal chamam de argumento circular.
Como existem muitos pobres no campo, se justificam medidas subvencionistas que os retenham no campo (e portanto com uma agricultura de baixa produtividade e geralmente atrasada) para que eles não venham inchar as cidades e provocar favelização.
Ou seja, o argumento reforça a situação existente e se justifica a si mesmo.
A agropecuaria não é essencial só para países em desenvolvimento: ela é a base da alimentação humana em todo e qualquer país. Agora, pretender subtrai-lo dos parametros da economia mercantil é justamente preservá-la em seus traços mais atrasados, que é o que fazem justamente políticos indianos, que tem nos agricultores pobres seu curral eleitoral (como certos políticos ligados à filosofia do MDA no Brasil, aliás).
Que políticas distorsivas sejam NECESSÁRIAS no mundo em desenvolvimento é um argumento não econômico, totalmente político e sem qualquer fundamentação na realidade.
Ou seja, preservam-se disfunções econômicas em nome de não se sabe bem qual objetivo desenvolvimentista, quando elas próprias são a garantia de que o subdesenvolvimento terá vida longa.
Como lógica me parece exemplar...
Paulo Roberto de Almeida