sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Bolivarianos: o corredor autoritario da America Latina - Alvaro Vargas Llosa (Veja 45 Anos)

VEJA 45 anos

O corredor autoritário

Financiada pelo dinheiro do petróleo, a “revolução bolivariana”, liderada pelo venezuelano Hugo Chávez, expandiu o populismo na América Latina - e evidenciou a fragilidade da liderança brasileira na região

Álvaro Vargas Llosa
AGENDA DE DESPACHOS - Chávez no Palácio de Miraflores, em Caracas (2002): pretextos para virar a mesa das instituições democráticas
AGENDA DE DESPACHOS - Chávez no Palácio de Miraflores, em Caracas (2002): pretextos para virar a mesa das instituições democráticas    (Lindsey Addario)

UM PROJETO DE DESESTABILIZAÇÃO

12 de março de 2008

Principal patrocinador político e financeiro das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), o então presidente venezuelano Hugo Chávez (1954-2013) disparou uma série de ameaças contra o governo de Álvaro Uribe depois que este ordenou um ataque aéreo contra um acampamento dos terroristas instalado na selva equatoriana. No bombardeio, acabou morto o segundo nome na hierarquia da organização, Raúl Reyes, de quem o líder venezuelano era amigo. Todo o barulho feito por Chávez em cima do episódio, destacou VEJA, tinha um só objetivo: promover uma escalada militar na região. Os avanços da Colômbia na guerra contra o narcoterrorismo minavam o projeto de desestabilização dos governos democráticos do continente alimentado por Chávez.
TRECHO: “Sob a fachada da solidariedade bolivariana, Chávez busca estabelecer relações de dependência com os vizinhos. Na Bolívia, ele financiou a carreira de seu clone, Evo Morales. Rafael Correa é grato pelo petróleo equatoriano que a Venezuela refina a preços camaradas. (...) Chávez identifica na Colômbia o maior obstáculo a seu plano de expansão da revolução bolivariana, especialmente na América do Sul. O país é uma democracia, usufrui economia próspera e se tornou aliado-chave dos Estados Unidos. (...) A Colômbia é exatamente o contrário de tudo aquilo que Chávez acredita e defende.”
Com a chegada de Hugo Chávez ao poder, nasceu a nova variante do autoritarismo latino-americano. Conhecida como “revolução bolivariana” e “socialismo do século XX”, ela tem quatro características: a revolução como pretexto para derrubar as instituições republicanas; a receita energética, sistema que, em vez de aumentar a produção das riquezas do subsolo, as descapitaliza e malbarata na conquista de clientelas eleitorais; a compra de in-fluên-cias externas para estender seu modelo aos muitos países que optaram pela via razoável; e, por último, a intenção de fazer da China um salva-vidas internacional que resolva todos os seus problemas.
Durante alguns anos, a sorte pareceu sorrir para o populismo de Venezuela, Equador, Bolívia, aliados íntimos, e Argentina, um amigo próximo. Isso se deveu à bonança das commodities e ao uso de ingressos fiscais extraordinários (1,4 bilhão de dólares desde 1999 na Venezuela) para melhorar a qualidade de vida de uma ampla clientela social e política no curto prazo.
A Venezuela viu o preço do petróleo subir de 8 dólares o barril para três dígitos e utilizou 1 de cada 4 dólares das vendas do gigante petrolífero PDVSA para fazer populismo. A Bolívia, graças ao gás, que só requeria abrir as válvulas, viu sua arrecadação fiscal triplicar em sete anos (os Estados Unidos precisaram de quarenta anos para triplicar a sua). Assim como a Venezuela, a Bolívia pôs parte dessa bonança a serviço do populismo. Alguns países populistas, como a Argentina, registraram nesses anos, graças à soja e aos grãos, taxas de crescimento econômico de 8% em média. Não estranha, portanto, que, nos anos que precederam o fim da bolha mundial, nesses países da esquerda carnívora se registrasse uma queda da pobreza.
Mas a miragem acabou. A elevação meteórica dos gastos públicos, o aumento artificial da demanda, as expropriações e o ambiente agressivo contra o capital, a insegurança jurídica permanente e a retórica antiempresarial incendiária, tudo isso no contexto de uma ofensiva contra a democracia, só poderiam conduzir aos resultados que vemos hoje: inflação, desequilíbrio das finanças do estado, descapitalização da economia, taxas de crescimento muito fracas e muita corrupção.
A produção de petróleo da Venezuela passou de 3,5 milhões de barris diários para 2,6 milhões. O Equador produz 40 000 barris a menos por dia e a Bolívia viu evaporar metade das reservas de gás natural, equivalentes a 4% de seu PIB, em parte desde a nacionalização. A arrecadação fiscal desses países já não consegue financiar seu populismo.
O investimento privado foi a pique e, com ele, a taxa de investimento geral. Na Bolívia, hoje, a principal fonte de investimento é o estado: o investimento público é muito superior ao investimento privado nacional, que não chega a 5% do PIB, e ao estrangeiro. No Equador, o valor do investimento estrangeiro acumulado caiu 40% durante o atual governo. A economia argentina, com escassíssimo investimento externo, cresceu apenas 2% no total em 2012. Para compensar a fuga de capitais e a queda acelerada das reservas, a Argentina estabeleceu controles que não eram vistos na América Latina desde Salvador Allende no Chile. O resultado de tudo isso é o sofrimento dos proletários e o fortalecimento dos grupos de poder próximos dos governos: no caso da Venezuela, a “boliburguesia”.
Mas as consequências do populismo “bolivariano” não são apenas as que estes povos padecem. Elas atingiram também a região em seu conjunto. Eu diria que foram três.
Primeiro, a submissão política de vários governos dependentes do petróleo venezuelano, o que se refletiu nos organismos hemisféricos, a começar pela Organização dos Estados Americanos, onde a influência chavista foi desproporcional. A aliança entre Venezuela e Cuba controlou a política exterior de dezoito países por meio do mecanismo Petrocaribe, que permite ao Caribe e à América Central adquirir petróleo muito barato, e da Alba (Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América).
A segunda consequência: tornou-se muito difícil para as nações em melhor situação, como as da Aliança do Pacífico (México, Chile, Colômbia e Peru), exportar seu modelo para a região. Agora que o boom das matérias-primas terminou, as implicações são evidentes: muitos países da região não estão preparados para o que vem aí. Isso para não mencionar que a batalha pela democracia liberal sofreu um retrocesso.
A terceira consequência: a fragilidade da liderança do Brasil na América Latina (por sua vez, o vazio deixado pelo país ajudou a facilitar a projeção excessiva dos “bolivarianos”). Lamentavelmente, a potência sul-americana não quis assumir a liderança para promover um consenso regional sobre as benesses da democracia, da economia de mercado e da globalização. Brasília preferiu deixar que os países governados pela esquerda radical tivessem a iniciativa regional. Agora é tarde porque o Brasil se desacelerou economicamente e perdeu parte do brilho internacional que tinha.
Como outras modas autoritárias, a dos “bolivarianos” passará. Mas sua contribuição para o subdesenvolvimento de vários países não deve ser esquecida.
Álvaro Vargas Llosa, peruano, é escritor e jornalista, autor de numerosos livros sobre economia política. Foi nomeado Jovem Líder Global pelo Fórum Econômico de Davos e eleito pela revista Foreign Policy um dos cinquenta intelectuais mais influentes da Ibero-América em 2012
Para ler outras reportagens, baixe gratuitamente a edição comemorativa de VEJA no IBA ou no tablet.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.