INSTITUIÇÃO EM PERIGO
Rubens Antonio Barbosa
O Estado de S.Paulo, 10/09/2013
No momento em que o Ministério das Relações
Exteriores (MRE) é levado a uma
das crises mais graves de sua história, não se pode deixar de manifestar
preocupação com o que ocorre hoje com uma instituição que, pela qualidade de
seus membros e pela coerência de sua atuação externa, sempre soube colocar o Brasil em posição de relevo no
contexto internacional.
O Itamaraty é um dos símbolos do Estado brasileiro. Trata-se
de uma instituição dedicada ao serviço dos interesses permanentes do País.
Serve a eles cumprindo as diretrizes e prioridades de política externa emanadas
do governo livremente eleito pelo povo.
O
MRE é um órgão respeitado em todo o mundo. A qualidade da atuação internacional
do Brasil tem sido, ao longo dos anos, associada em boa medida à solidez
institucional da Instituição, à rigorosa seleção e boa formação de seus
quadros, à sua vocação suprapartidária, à capacidade de combinar continuidade e
mudança. A diplomacia não é algo que possa sofrer guinadas de 180 graus a cada
mudança de governo. Os interesses do Brasil no mundo não são reinventados a
cada 4 anos.
Os integrantes da carreira diplomática são servidores do
Estado por excelência. Não se vinculam a partidos, nem procuram transferir para
o processo de formulação e execução da política externa os embates normais e
saudáveis da competição política democrática. Nessa característica – além do
rigor na seleção e treinamento, bem como em políticas administrativas que
valorizam a promoção por merecimento e nomeação somente de funcionários de seus
quadros para funções n Brasil e no exterior – residem alguns de seus principais
atributos.
O Itamaraty, nos últimos anos, deixou de gozar da
unanimidade nacional, em função de
interferências indevidas em seu trabalho analítico e em seus processos
decisórios.
A perda da
vitalidade do pensamento independente em todos os escalões, pela extrema
centralização das decisões, a discriminação ideológica contra vários de seus funcionários, greves
- que nunca haviam ocorrido - arranhões no princípio hierárquico e problemas
de preconceito racial e assédio e até o questionamento do nível dos salários no
exterior não ajudam a recuperar a imagem de
um serviço diplomático até aqui considerado um dos mais eficientes do mundo. A retirada do inglês como
língua eliminatória nos exames de admissão ao Instituto Rio Branco, em boa hora
re-introduzida diante do clamor de protesto então observado, e a obrigatoriedade
de leituras politicamente dirigidas para
os diplomatas que voltavam para Brasília foram exemplos recentes que também
contribuíram para desgastar a imagem da instituição, mas que podem ser
consideradas relativamente inofensivas se revertidas a tempo.
Outro traço
recorrente da gestão do Itamaraty é a tomada de decisões de caráter
administrativo movida mais por voluntarismo do que para acompanhar as
prioridades da politica externa brasileira, deixando de sopesar, por uma
análise criteriosa, os custos e benefícios para a Instituição. Quase nada é
pensado no sentido do aperfeiçoamento dos métodos de trabalho, da melhora da
política de pessoal ou da modernização de suas estruturas.
O esvaziamento da instituição e a fragmentação externamente induzida nas suas posturas e no seu modo de
operar decepcionam a sociedade brasileira.
O MRE enfraqueceu-se substantivamente e perdeu a função de ser o primeiro formulador e coordenador
em matéria de projeção
internacional do país. Estão sendo retiradas da Chancelaria áreas de sua competência e são
crescentes as dificuldades
para a alocação de recursos compatíveis com as novas demandas externas e
proporcionais à presença ampliada do Brasil no mundo.
O Itamaraty, como executor primordial das relações exteriores do Brasil, deve
poder exercer suas funções institucionais de maneira uniforme e homogênea,
pautado nos princípios e valores, de natureza interna e internacional, que sempre asseguraram unicidade
e coerência nas posições e opções assumidas, sem qualquer interferência não
institucional, quer seja no seu
processo decisório, quer seja na implementação das políticas determinadas pelo
chefe de Estado.
A hierarquia e a disciplina são vetores
inquestionáveis da atuação institucional do MRE, sempre que respeitados os
princípios e valores inscritos na Constituição, que obrigam seus funcionários, mas também os agentes políticos que ocupam temporariamente cargos no Estado.
A política externa brasileira nunca deixou de ser uma
política de Estado e foram
extremamente raros os momentos
de nossa história em que
predominou qualquer tipo de vontade partidária , nem sempre coerente
com o interesse permanente do país.
Nenhuma consideração de natureza partidária deveria, assim, incidir sobre a
condução da diplomacia e sobre a atuação de seus profissionais, ou funcionários.
O Barão do Rio Branco, ao assumir a chefia do Itamaraty deixou uma lição que deveria servir como
princípio básico para a sua atuação permanente: "a pasta das
Relações exteriores não é e não deve ser uma pasta de política interna. Não
venho servir a um partido politico: venho servir ao Brasil”.
Para voltar a desempenhar o papel de relevo que sempre teve, o Itamaraty
terá de adequar a politica externa aos novos desafios internos e externos com
dinamismo e inovação. Ao renovar-se e atualizar-se atendendo `as demandas dos
novos tempos, terá de deixar para trás formalismos, posturas defensivas e tendências burocrático-ideológicas, que estão acarretando a perda de
influência do Brasil na região e seu isolamento em um mundo em crescente
transformação.
Servir ao Brasil e defender o interesse nacional é o
que se deveria esperar do Itamaraty, acima de quaisquer outros interesses.
Rubens Barbosa, ex-embaixador em Washington e Londres.
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