Percival Puggina
Você está surpreso? Eu não. Nunca levei a sério políticos e partidos que centravam sua estratégia rumo ao poder no ataque impiedoso à honra dos adversários e na afetação de virtudes excelsas. Muito escrevi sobre a conduta irresponsável dos que, sem qualquer escrúpulo ou discernimento, se apresentavam com lança-chamas e tonéis de gasolina ao menor sinal de fumaça que surgisse nas proximidades de seus oponentes. Mas a estratégia foi exitosa. A sociedade sentiu-se inclinada a crer na virtude dos acusadores, desatenta para o fato de que onde estiver o ser humano estarão presentes as potências do mal e do bem. E o que melhor detém a ação do mal é a certeza da punição. Na política não existe imunidade natural frente ao poder de corrupção. Nem frente à corrupção nos escalões do poder. O que funciona é a certeza de que as instituições estão moldadas de forma a identificar e punir os culpados. E o Brasil não chega em 63º lugar no ranking da honestidade sem uma bem consolidada cultura de impunidade.
Em nosso país, a mentira é direito humano. A impunidade é cuidadosa construção. Lança fundações nos meandros de leis e códigos em cujos labirintos se orientam os bons advogados. Ergue paredes nos flagrantes não homologados por motivos irrelevantes. Lança pilares e vigas na permissividade das execuções penais e na benevolente progressão das penas. Ganha telhado quando a criminalidade é tanta que muitos delitos ficam banalizados, inclusive sob a ótica da sociedade e de seus julgadores. A maioria dos crimes praticados no país sequer é notificada pelas vítimas. O telhado protetor da impunidade foi, assim, posto e bem posto. Somos um estranho país onde é acusado de criminalizar os movimentos sociais quem comete a inaudita violência de descrever o que fazem. Somos um país onde condenados passeiam livremente nas ruas porque não há vaga nos presídios. E não se constroem presídios.
Pois o rumoroso processo do Mensalão realiza a façanha, depois de sete longos anos, de chegar ao período de sentenças definitivas, transitadas em julgado. Não faria o menor sentido discutir, aqui, a correção das condenações. Quase todas foram proferidas por ministros do STF indicados pelo governo do partido dos réus. Ambos, governo e partido reconheceram os crimes. O próprio Lula, em 12 de agosto de 2005, no auge do escândalo, falou à nação: "Eu me sinto traído. Traído por práticas inaceitáveis, das quais nunca tive conhecimento. (...) Não tenho nenhuma vergonha de dizer ao povo brasileiro que nós temos que pedir desculpas. O PT tem que pedir desculpas. O governo, onde errou, tem que pedir desculpas" (há vídeo no YouTube com o título "Lula pede desculpas"). No mesmo dia, Tarso Genro, no exercício da presidência do PT, anunciou a refundação do partido e disse que este iria punir cada um dos envolvidos em denúncias de corrupção e caixa dois para financiamento de campanhas (Agência Brasil, 12/08/2005). O atual Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, na edição da revista Veja de 20/02/2008, em longa entrevista às Páginas Amarelas, reconheceu: "Teve pagamento ilegal de recursos a partidos aliados? Teve. Ponto Final. É ilegal? É. É indiscutível? É. Nós não podemos esconder esse fato da sociedade".
Agora, desmentem a si mesmos! Adotam uma estratégia desesperada, que fala em "presos políticos", tenta criminalizar o STF, pretende denegrir a imagem do ministro Joaquim Barbosa, e deseja vitimizar os presos perante a opinião pública. É o derradeiro desserviço prestado pelos réus do Mensalão e seus companheiros a uma nação que precisa vencer a impunidade. Talvez pretendessem sair deste processo sentenciados a fazer o que melhor fazem: distribuir algumas cestas-básicas ao povo.
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