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segunda-feira, 14 de julho de 2014
Brics no Brasil: os democratas e os autoritarios - El Pais
Paulo Roberto de Almeida
Unidos pela economia, separados pela democracia
Quando os cinco presidentes do clube dos BRICS se reunirem na manhã de terça-feira em Fortaleza, voltarão a comprovar que como gigantes emergentes estão unidos muito mais por seus interesses econômicos do que por seus posicionamentos políticos e sociais. Por trás da sexta cúpula entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul –que respondem por 20% do PIB mundial e 40% da população global– será vislumbrado um choque de filosofias que mostrará se a democracia é necessária para conseguir um sólido crescimento econômico e reduzir a pobreza.
Depois da queda do Muro de Berlim em 1989, o modelo ocidental democrático-capitalista parecia se impor a longo prazo como a melhor receita de sucesso, mas a crise econômica internacional de 2008 e a gradual perda de influência do Ocidente diante do surgimento de novos atores mudaram este paradigma. “Enquanto os poderes ocidentais lutavam por superar a paralisação política, o ‘establishment’ político chinês continuava gerando altos níveis de crescimento e tirando milhões de pessoas da pobreza”, destaca um relatório dos BRICS, apresentado recentemente em Washington e elaborado pelo centro de estudos britânico Legatum, com a colaboração de think-tanks brasileiros, indianos e sul-africanos.
Com certeza, um dos exemplos mais reveladores é a dificuldade do Governo dos Estados Unidos –dada a paralisia que amarra o Capitólio– de conseguir a aprovação para a construção de uma infraestrutura, em contraste com a eficácia e a rapidez da China.
O documento compara os modelos de governos democráticos do Brasil, da Índia e da África do Sul frente aos autoritários da China e da Rússia. E sua conclusão é muito nítida: “A democracia não é um obstáculo ao crescimento. Não é necessário, como alguns argumentam, renunciar às liberdades individuais, ao Estado de Direito, instituições independentes, liberdade de imprensa e eleições regulares. Ao contrário, os direitos e liberdades democráticas podem ajudar a promover um desenvolvimento sustentado, um maior crescimento e reduções efetivas da pobreza”.
Os autores sustentam que o desenvolvimento econômico e social do Brasil, da Índia e da África do Sul nos últimos 25 anos não pode ser entendido sem sua evolução democrática. Por isso, argumentam, representam um modelo de “democracia alternativa do Sul”, afastado do padrão ocidental dos Estados Unidos e da Europa, e que pode servir de referência para outros países emergentes – como Malásia, Turquia e Cingapura-, tentados a não avançarem em relação a liberdades e contrapoderes plenos.
Nas últimas duas décadas, China e Rússia –ainda que em menor medida– registraram uma queda drástica da taxa de pobreza e uma ampliação da classe média. O mesmo foi conseguido pelo Brasil, Índia e África do Sul. Portanto a pergunta surge rapidamente: O que a democracia acrescenta nesses casos? E a resposta, segundo o relatório, é: muitíssimo. Em uma ampla análise comparativa e partindo do pressuposto de que o conceito de democracia vai além da realização das eleições, o documento destaca que esse modelo permite uma maior liberalização econômica, dá poder e protege indivíduos que não pertencem a classes privilegiadas, gera instituições alheias às interferências políticas –um assunto-chave para reduzir a corrupção–, e permite aos indivíduos denunciar abusos de poder sem serem reprimidos. Fatores imprescindíveis em nações emergentes com amplas disparidades raciais, étnicas, regionais e de classe.
Além disso, ao contrário das sociedades autoritárias, as democráticas “podem corrigir a si mesmas”, geram um “contrato social” ao forjar uma identidade nacional em torno de valores democráticos que permitem uma solução pacífica de tensões, e que “fomentam e blindam a inovação social e econômica.” Por exemplo, os autores duvidam que o Bolsa Família, o bem-sucedido programa brasileiro de subsídios para reduzir a pobreza, teria conseguido impulso em países despóticos.
O panorama, no entanto, está longe de ser idílico. Brasil, Índia e África do Sul mantêm numerosos problemas e desafios –além dos econômicos, a corrupção e a desigualdade continuam elevadas–, o que os coloca em uma encruzilhada. “Existem circunstâncias perigosas nos três. É preciso mais democracia”, afirmou na apresentação do relatório Ann Bernstein, diretora-executiva do Centro para o Desenvolvimento e Empreendimento, um laboratório de ideias sul-africano.
O documento considera que as reformas estruturais empreendidas nos três países na década de noventa ficaram obsoletas e defende uma segunda onda para fazer frente às crescentes exigências de melhorias por parte da classe média urbana, ao risco de perder competitividade mundial e à dificuldade de manter o elevado gasto público em políticas sociais. Em concreto, propõe melhorar a transparência e a responsabilidade nas instituições, liberalizar mais a economia, ganhar eficiência na gestão de serviços públicos e promover a autossuficiência nas políticas contra a pobreza. O objetivo: conseguir um crescimento econômico sólido e inclusivo sem perder a estabilidade política.
O contexto não é por acaso: 2014 é um ano eleitoral para os três grandes emergentes democráticos. Índia e África do Sul foram às urnas em abril e maio, com a mudança de governo no gigante asiático. E será a vez do Brasil em outubro, com a presidenta Dilma Rousseff liderando as pesquisas. O que parece muito improvável, concordam os analistas, é que as divergências democráticas no seio dos BRICS sejam tratadas na cúpula de Fortaleza. O clube dos emergentes, enfatizam, nasceu como um conceito econômico e de contraposição aos organismos ocidentais.
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