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sábado, 14 de fevereiro de 2015

Debate: a meritocracia da meritocracia nao diminui a virtude da meritocracia

O comentarista abaixo, Flavio Moura, pretende desmerecer a meritocracia pelo fato de os mais "meritocráticos" serem os filhos da "aristocracia", que tendem a se perpetuar no poder e na riqueza, justamente por serem filhos de quem já tem poder e riqueza.
Não se propõe nada substitutivo, mas a suposição é a de que o Estado precisa corrigir essas "deformações", provavelmente avançando sobre a fortuna dos mais ricos e distribuindo benesses entre os pobres, ou criando cotas para permitir a ascensão dos supostos oprimidos sociais.
Não há nada que justique o fim do argumento meritocrático, apenas porque alguns são mais meritocráticos do que outros. Este é um dado da realidade, que se explica pela mesma linha da desigualdade entre países: alguns são mais produtivos do que outros, porque o seu capital humano é maior e melhor. 
Qual a resposta a isso?: certamente não é responsabilizar os países mais ricos pela pobreza dos outros ou pretender transferir a sua riqueza para os países mais pobres, como se transferência de renda fosse melhorar a produtividade dos mais pobres.
Da mesma forma é falso o argumento que pretende que a educação é um "capital valioso [que] está cada vez mais escasso e [sendo] dominado pelos mais ricos e bem formados".
Não é simplesmente verdade. Todos reconhecem tratar-se de um capital valioso, mas os mais pobres ainda não tomarem plena consciência disso. Eles precisam ser convencidos pela educação, pela ibstrução, pelo ensino, pelo exemplo, pela experiência dos demais.
É falso o argumento que esse capital vem sendo dominado, ou seja, monopolizado, pelos mais ricos e poderosos, como se ele não estivesse aberto igualnente aos demais. 
É certo que os mais ricos tem acesso a uma educação melhor, por terem mais dinheiro, nas isso não diminui as chances dos mais pobres que buscam aceder ao ensino de qualidade pelo princípio meritocrático, ou seja pelo esforço individual. Muitas das grandes fortunas, nos EUA e em outros países, foram construídas por indivíduos sem títulos universitários, na base do lampejo individual, do esforço próprio, ou seja, na base da meritocracia.
A resposta para as falhas da meritocracia é mais meritocracia, não menos. 
Ou seja, todos os recursos individuais e públicos precisam ser devotados para a formação de capital humano. Se os ricos precisam ou podem ser mais taxados - mas se supõe que todos os países democráticos sejam mais progressivos do que regressivos em suas estruturas fiscais e impositivas -- todos os recursos adicionais devem ser dirigidos à educação, em todos os níveis, mas preferencialmente para os níveis básicos, elementares, técnico-profissionais. 
Nenhum país necessita de 100% de universitários, pesquisadores ou cientistas em sua população ativa, mas todos eles precisam de uma população educada e funcionalnente preparada para todas as tarefas da vida diária. Um país não precisa devotar todos os seus recursos para a educação superior, e se pode ter meritocracia também entre motoristas, bombeiros (encanadores), padeiros e açougueiros.
A ilusão é o igualitarismo. A solução para isso é o princípio meritocrático.
Paulo Roberto de Almeida

Até a bíblia do liberalismo reconhece que a meritocracia é uma ilusão

Foto: ReproduçãoFoto: ReproduçãoA revista TheEconomist pode ser criticada por vários motivos, mas jamais por ser uma publicação de esquerda. Fundada em 1843, é a mais influente divulgadora do pensamento liberal de recorte clássico, aquele com origem nos pensadores britânicos do século XVIII.

Metade dos colunistas da imprensa brasileira que se auto intitulam “liberais”, quando não estão vocalizando preconceitos de classe, se pautam por matérias publicadas nessa revista.

Por isso é particularmente revelador o silêncio desses mesmos colunistas a propósito da matéria de capa da edição da última semana de janeiro. “Uma meritocracia hereditária”, diz o título do texto principal.

O argumento é simples: nos Estados Unidos, a pátria da ideologia em torno das “oportunidades iguais”, virou piada falar em meritocracia. Pelo simples motivo de que os filhos dos ricos e poderosos estão cada vez mais aptos a ganhar mais dinheiro e poder que os demais.  

Claro que as elites econômicas, em todo lugar, sempre souberam se perpetuar e o nepotismo nunca deixou de ser um instrumento à mão.

Mas agora os americanos se deram conta de que a fração privilegiada das crianças e adolescentes, aquela cujos pais têm curso superior, dinheiro e boa rede de relações, é a que se encaixa melhor nos critérios meritocráticos.

Em outros termos: alguns “merecem” mais do que outros.

Há dados interessantes para embasar o argumento. Entre 1960 e 2005, a porcentagem de homens com diploma universitário que se casaram com mulheres que também concluíram o ensino superior subiu de 25% para 48%.

Isso significa um aumento bastante significativo na preocupação dos pais com a educação dos filhos. “As pessoas tendem a encorajar nos seus filhos o que valorizam nelas mesmas e nos seus parceiros”, diz o autor do texto.

Mais relevante do que isso: casais com ensino superior tendem a ter mais dinheiro para investir em educação. E isso tem gerado uma lacuna cada vez maior, do ponto de vista de renda, entre casais com maior escolaridade.

Eles também têm números para exemplificar: entre 1979 e 2012, a distância entre o rendimento de casais com nível universitário, em comparação aos vencimentos daqueles que têm apenas segundo grau, cresceu quatro vezes mais do que a distância entre os famosos “um por cento” mais ricos e o restante da sociedade.

Como é sabido para todos, o grande funil para a ascensão social é a educação – e o que a reportagem mostra é como esse capital valioso está cada vez mais escasso e dominado pelos mais ricos e bem formados.

Esse truísmo já está entronizado no pensamento de qualquer corrente que se queira preocupada com a desigualdade social. Mas é significativo que mesmo as bíblias do “liberalismo” contemplem essa nuance importante para a noção de “meritocracia”.

É um exemplo contundente de como a discussão está rebaixada por aqui.

O economista de esquerda mais festejado do momento, o francês Thomas Piketty, é a favor da economia de mercado e tira sarro da mentalidade presa na dicotomia da guerra fria.

A bíblia do liberalismo dá matéria de capa para construir uma noção menos chapada de meritocracia.

Já na briga de torcidas que impera por aqui, o pessoal continua gritando os disparates em branco e preto de costume.

Meritocracia para quem, cara-pálida? 

Nossos liberais mereciam estudar um pouco mais.

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