MERCOSUL
Pobre Mercosul
Celso Ming
O Estado de S. Paulo, 26/02/2015
No dia 4 de fevereiro, a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, fechou com a China um pacote de acordos que envolvem negócios de mais de US$ 20 bilhões, a maioria na área de investimentos.
A China se comprometeu a construir hidrelétricas, projetos de infraestrutura, telecomunicações e tecnologia aeroespacial. Além de financiamentos de longo prazo, está previsto fornecimento de equipamento produzido na China com isenção alfandegária e emprego de mão de obra chinesa.
São acordos que contrariam frontalmente os tratados do Mercosul na medida em que dão prioridade aos produtos chineses sobre os provenientes dos sócios do Mercosul.
Há uma semana, o diário El Clarim, de Buenos Aires, citou uma anônima autoridade do governo que justificou mais esse atropelamento dos tratados e a crescente prioridade dada a produtos chineses com a alegação de que a Argentina não está obrigada a pagar bem mais caro por produtos brasileiros.
O problema, obviamente, não está no preço, que a China põe onde quer, desde que obtenha as contrapartidas de seu interesse. O problema está em que os produtos brasileiros seguem sujeitos a travas e a licenças prévias de importação, não importando seu preço, enquanto os da China vêm tendo porteira aberta.
A justificativa é a de que a crise cambial não deixa outra saída à Argentina. Enquanto isso, o governo Dilma vem tolerando passivamente os desaforos comerciais, sob o argumento de que não pode abandonar os hermanos numa hora difícil. A principal vítima é o Mercosul, que se apresenta como uma união aduaneira, o segundo estágio de integração entre Estados nacionais. (O primeiro é a definição de uma área de livre-comércio, em que mercadorias e serviços podem circular livremente, sem restrições e impostos alfandegários.) Além de intercâmbio comercial livre entre membros do grupo, uma união aduaneira exige unificação das políticas de comércio e tratamento comum a produtos provenientes de países de fora do bloco. Daí a existência de uma TEC, a Tarifa Externa Comum, que unifica as alíquotas do Imposto de Importação.
O Mercosul não conseguiu completar nem o primeiro estágio, o de área de livre-comércio. Por imposição da Argentina, o comércio bilateral está repleto de restrições, embargos e licenças prévias. Mesmo antes de atravessar a atual penúria de dólares, a Argentina já vinha perfurando sistematicamente a TEC.
A Argentina também não aguenta a concorrência externa. Por isso vem sabotando as negociações de um acordo comercial com a União Europeia. Porque entende que a união aduaneira está em vigor e, com ela, o tratamento comum do comércio exterior, o Brasil vem tolerando o desmanche do Mercosul pela Argentina. Não está nem um pouco claro o tratamento que o governo Dilma pretende dar agora a este cada vez mais desmoralizado bloco.
O gráfico mostra como evoluem as importações da Argentina tanto do Brasil quanto da China. A fonte é a própria Argentina. Mostra o crescimento da importância do produto chinês e a forte redução de importância do produto.
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Postagem em destaque
Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida
Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...
-
Liberando um artigo que passou um ano no limbo: Mercosul e União Europeia: a longa marcha da cooperação à associação Recebo, em 19/12/2025,...
-
FAQ do Candidato a Diplomata por Renato Domith Godinho TEMAS: Concurso do Instituto Rio Branco, Itamaraty, Carreira Diplomática, MRE, Diplom...
-
Homeric Epithets: Famous Titles From 'The Iliad' & 'The Odyssey' Word Genius, Tuesday, November 16, 2021 https://www.w...
-
Minha preparação prévia a um seminário sobre a ordem global, na UnB: 5152. “ A desordem mundial gerada por dois impérios, contemplados por...
-
Documentos extremamente relevantes sobre a queda do muti de Berlim, o processo de unificação da Alemanha e as garantias que os então estadi...
-
Trajetórias dramáticas ou exitosas na vida de certas nações Algumas conseguem, à custa de muito trabalho, competência educacional, tolerânci...
-
Dê uma resposta crítica e detalhada para o seguinte cenário hipotético: Se os EUA resolverem invadir a Venezuela com forças militares de g...
-
The world in 2026: ten issues that will shape the international agenda - Nota Internacional (CIDOB) Hi Paulo Roberto, Today, CIDOB’s newslet...
-
Fundação Percival Farqhuar, uma instituição educacional inspirada no empreendedorismo do investidor americano Soube hoje que existe, em Gove...
Nenhum comentário:
Postar um comentário