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terça-feira, 12 de abril de 2016

Impeachment: vem pelo conjunto da obra - José Matias-Pereira (OESP)

Link: http://www.estadao.com.br/noticias/geral,os-destaques-do-estadao-noite-desta-segunda-feira--11,1854678

Estadão Noite – Segunda-feira, 11 de abril de 2016

O impeachment virá pelo conjunto da obra    

José Matias-Pereira

A deflagração da votação, nesta segunda-feira, do parecer da comissão especial que analisou o pedido de impeachment contra Dilma Rousseff, sinaliza que o sistema político está buscando encontrar uma saída para a grave crise política, econômica, social e ética que paralisou o país. Observa-se, nesse ambiente de turbulências políticas, de um lado os defensores da processada, acuados por um cenário de insatisfação generalizado, em função do fracasso do governo na gestão da economia, na política e no combate a corrupção; e do outro lado, os parlamentares oposicionistas, apoiados pela quase totalidade da população e pelo segmento econômico, que desejam afasta-la da presidência. No grupamento pró-governo, coordenado pelo “ministro informal” Lula, a estratégia divulgada por revistas semanais, é fazer promessas de cargos e liberação de emendas, para garantir a fidelidade dos aliados na tentativa de barrar a qualquer custo o processo de impeachment de Dilma. 

Torna-se relevante observar, diante desse contexto de conflitos e indefinições, que um processo de impeachment, conforme ficou evidenciado no afastamento do ex-presidente Fernando Collor, possui inúmeras nuances, considerando o seu caráter jurídico-político. A votação do parecer do relator na comissão especial de impeachment é apenas o primeiro passo nesse julgamento longo e traumático na vida política de qualquer país, lembrando que a decisão da comissão antecede a votação pelo plenário da Câmara dos Deputados da aceitação do pedido de impeachment. A aprovação pela comissão do parecer favorável do relator, deve-se ressaltar, tende a influenciar nos desdobramentos seguintes, pois sinaliza que existem motivos para iniciar um julgamento de impeachment contra o presidente.  

É oportuno destacar a consistência do voto do relator, deputado Jovair Arantes (PTB-GO), que ressaltou, em relação a abertura de créditos suplementares sem autorização legislativa, que os atos praticados, se confirmados, representam condutas gravíssimas e conscientes de desrespeito a um Poder da República, em uma de suas missões mais nobres e relevantes para a função de representação popular, e, portanto, consistem, à primeira vista, em um atentado à Constituição. Os fatos mostram sérios indícios de inconstitucionalidade, ilegalidade e irresponsabilidade fiscal.No que se refere as pedaladas fiscais, sustenta que há fortes indícios de que as transações financeiras constituíram um tipo de financiamento sobre o qual incidiria a vedação de contratação prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal, o que depõe em favor da admissibilidade da denúncia. Estão presentes os requisitos mínimos para a admissibilidade da denúncia.

Deve-se reiterar, assim, que existem diversos estágios a serem cumpridos num processo de impeachment, a partir do exame do pedido pela comissão especial. A manifestação da citada comissão sobre a recomendação do parecer do relator ao impeachment é uma decisão não vinculante, que deve ser publicada no dia seguinte, ou seja, na terça-feira, no Diário Oficial da Câmara dos Deputados. O presidente da Câmara deverá esperar no mínimo 48 horas para incluir o processo na ordem do dia e submetê-lo ao plenário de 513 deputados. Uma moção de impeachment exigirá o apoio de 342 deputados (dois terços), independentemente do número de legisladores presentes. O quórum para abrir a sessão é, precisamente, de 342 presentes, o mínimo para conseguir uma eventual aprovação. Se a moção não somar este número de apoios, o processo é arquivado. Se os 513 deputados estiverem presentes e nenhum se abstiver, serão necessários 171 votos (um terço) para bloquear a iniciativa, caso o presidente da Câmara não vote.

Aprovada a moção de impeachment, ela passa ao Senado, que é composto por 81 membros. O Senado formará uma comissão de 21 membros, que dará sua opinião sobre a admissibilidade do processo. Este trâmite pode ser mais rápido do que na Câmara dos Deputados e seguirá parâmetros similares a este órgão quanto ao quórum e quanto às maiorias necessárias. Para que uma decisão de impeachment seja aprovada no Senado e o processo seja instaurado, é necessária maioria simples, uma vez alcançado um quórum de 41 senadores. Se o Senado validar uma moção de destituição, Dilma será afastada de maneira provisória de suas funções por um máximo de 180 dias, para abrir caminho ao julgamento propriamente dito. Será substituída por seu vice-presidente, Michel Temer (PMDB-SP). A sessão final do julgamento será realizada no plenário do Senado, sob a direção do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). São necessários dois terços dos votos do Senado (54 de um total de 81) para destituir a presidente de forma definitiva, independentemente do número de presentes. Do contrário, ela reassume imediatamente suas funções.

Verifica-se, nessa trajetória que o rito do processo de impeachment contra Dilma Rousseff por crime de responsabilidade foi conduzido na comissão especial dentro dos parâmetros definidos pela Constituição Federal e pela lei que trata do impeachment. As reiteradas manifestações de inconformismo da presidente Dilma, de que o processo é um “golpe”, presentes também na retórica dos discursos do advogado geral da União, sinaliza que o governo vai tentar barrar o pedido no Supremo Tribunal Federal, por meio da judicialização do processo. É oportuno destacar, com base em diversas manifestações de juristas, incluindo ex-ministros do STF, a possibilidade de que a Suprema Corte acate um pedido da AGU para analisar eventuais irregularidades na tramitação do processo no âmbito da comissão especial do impeachment é quase nula.  

Feitas essas considerações, pode-se concluir que, o destino político de Dilma Rousseff foi lançado nesta segunda-feira, com a votação do parecer da comissão do impeachment. O fracasso de Dilma à frente do governo é a soma de inúmeros erros, iniciados no governo de seu antecessor Lula, decorrentes de incompetência, populismo, patrimonialismo, demagogia e corrupção. Não é por acaso que, contra ela pesa uma colossal rejeição junto à população, e a completa perda da credibilidade e legitimidade, perdendo dessa forma, a capacidade de governar o Brasil. Com o tombo no desempenho da economia que levou o país a depressão, provocando queda na arrecadação tributária, aumento do desemprego, redução na renda dos trabalhadores, inflação alta e juros elevados, aprofundou os problemas sociais do país. O esforço dos “negociadores” do Planalto de continuar investindo em indecisos e tentando evitar traições vai se revelando uma tarefa inglória, visto que promessas feitas com "cheques pré-datados" não convence ninguém quando a sobrevivência do político junto aos seus eleitores está em jogo. As perspectivas de Dilma Rousseff evitar o impeachment, diante da tragédia provocada no país pelo conjunto nefasto de sua obra, são muito pequenas.

José Matias-Pereira. Economista e advogado. Doutor em ciência política (área de governo e administração pública) pela Universidade Complutense de Madri, Espanha, e Pós-doutor em administração pela Universidade de São Paulo. Professor de administração pública e pesquisador associado do programa de pós-graduação em contabilidade da Universidade de Brasília. Autor, entre outras obras, do Curso de economia política (2015), publicado pela Atlas. 

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